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Gilberto Nardi Fonseca
advogado e consultor de municípios no Paraná,
especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe
Bacellar de Curitiba (PR)
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SUMÁRIO: 1.
Notas introdutórias – 2. O Estado moderno – 3. Estado democrático de direito –
4. Participação popular enquanto princípio constitucional – 5. Direito de
participação – 6. Democracia participativa – 7. Audiência pública – 8.
Audiência pública enquanto instrumento de participação – 9. Audiências públicas
previstas na lei de responsabilidade fiscal e estatuto da cidade – 10.
Audiências públicas enquanto requisito de validade para as leis orçamentárias.
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NOTAS INTRODUTÓRIAS
Duas leis
recentes - Lei de Responsabilidade Fiscal e Estatuto da Cidade - trouxeram uma
novidade para os municípios brasileiros: a necessidade de realizarem audiência
e consulta públicas para a elaboração e discussão das leis orçamentárias.
A novidade fica por conta da
positivação de uma das modalidades de participação do cidadão na vida
administrativa deste ente federado, porque como veremos a seguir, a
participação popular na administração pública é direito constitucional dos
brasileiros.
Esta nova
realidade que começa a ser desenhada, poderá se transformar em importante
instrumento de controle da atividade administrativa, contribuindo para a
conquista de administrações voltadas exclusivamente para o atendimento do
interesse público.
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2. O ESTADO
MODERNO
O Estado
moderno começou a nascer no século XV na França, Inglaterra e Espanha,
considerando-se como Estado moderno aquele unitário e independente de outros
poderes, seja das divindades, como eram os antigos Estados gregos e romanos ou
do senhor feudal como eram os Estados medievais.
No entanto,
a sua efetivação com as características atuais só vem a acontecer com a
revolução Francesa, que unindo a burguesia, os trabalhadores urbanos e os
camponeses rompe com o velho regime despótico de favorecimento ao clero e à
nobreza.
No dizer de
Paulo Bonavides, "o primeiro Estado jurídico, guardião das liberdades individuais,
alcançou a sua experimentação histórica na Revolução Francesa", (1)
exatamente porque foi com ela que nasceu o que conhecemos hoje por Estado
Democrático de Direito.
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3. ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
A
consolidação deste Estado não foi obra do acaso e nem da vontade de nenhum
governante, foi na verdade o produto de uma história de lutas da humanidade
para por fim aos Estados absolutos, garantindo ao cidadão mecanismos de defesa
contra os arbítrios do poder estatal.
O Estado
Brasileiro, por definição constitucional (Art. 1º, § 1º) adota o princípio do
Estado democrático de direito, e garante a soberania popular como único meio de
legitimação do poder, prevendo o seu exercício diretamente pelo povo.
Neste
dispositivo constitucional se encontra o pilar de sustentação do princípio da
participação popular, garantia do Estado Democrático.
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4. PARTICIPAÇÃO POPULAR ENQUANTO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
Assim como
a consagração do Estado de direito democrático foi produto da luta da
humanidade para derrotar o absolutismo, a nossa constituição de 1988 também é
produto de uma intensa mobilização popular contra o regime militar, que
culminou com o movimento das "diretas já" em 1984, garantindo dois
anos depois a eleição de um Congresso Nacional com poderes constituintes, que
elaborou a "Constituição Cidadã", (2) onde se encontra positivado o
princípio constitucional da participação popular.
Há nela
várias previsões de participação do cidadão na administração pública (3), mas
uma em especial nos parece ser o fio condutor da assunção da participação
popular para a condição de princípio constitucional. É o contido no parágrafo
único do art. 1º: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição".
(grifamos)
Ao afirmar
que o povo "exerce diretamente o poder nos termos da constituição",
não está ela contrapondo o exercício representativo do poder com o exercício
direto, mas sim, entregando ao povo a possibilidade de se tornar membro efetivo
do controle social da administração pública, tal qual explicita Carrion, ao
afirmar que "quando se fala em controle social da administração pública,
procura-se sugerir a idéia de um controle ao mesmo tempo político e social. Não
apenas um controle de legalidade, mas principalmente um controle de mérito, de
eficácia, de conveniência e de oportunidade do ato administrativo". (4)
Apesar de
não utilizar o termo "participação" a Constituição, fala em
democracia representativa e democracia direta, portanto a participação popular
é própria do Estado Democrático de Direito ali estabelecido, é, decorrência
natural deste modelo de Estado, que consagra ainda, implícita ou explicitamente
outras previsões de participação popular em diversos setores da vida pública.
No bastasse
isso, a previsão está inserta no Título I, Dos Princípios Fundamentais, não
deixando nenhuma dúvida sobre a pretensão do constituinte originário.
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5. DIREITO
DE PARTICIPAÇÃO
A
participação popular enquanto princípio constitucional é aquela participação do
cidadão sem interesse individual imediato, tendo como objetivo o interesse
comum, ou seja, é o direito de participação política, de decidir junto, de
compartilhar a administração, opinar sobre as prioridades e fiscalizar a
aplicação dos recursos públicos.
Não nos
parece correto enquadrar como participação popular na administração, toda e
qualquer forma de colaboração do particular, tal como a prestação de serviços,
como servidor ou concessionário, ou ainda as atividades compulsórias como o
serviço militar ou a justiça eleitoral.
Estamos a
falar da participação cidadã, no sentido de compartilhar as decisões políticas
e administrativas, é o direito garantido pela constituição que o cidadão tem de
ser colhida a sua opinião, é o direito de participar da tomada de decisões, sem
vínculo jurídico com o poder público, é a prática da democracia participativa.
Ela é antes
de tudo uma questão política, pois depende do amadurecimento da consciência
cidadã por parte da população e da vinculação do governante com os ideais
democráticos e com a transparência na gestão da coisa pública, é a prática da
democracia participativa.
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6.
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
O termo
democracia participativa, bem como os conceitos formulados são relativamente
recentes, pois foram cunhados no século XX, tendo surgido principalmente pelo
desgaste da democracia representativa, embora as suas raízes remontem ao
conceito de democracia direta clássica, praticada na Grécia antiga.
A
democracia participativa a que nos referimos não é aquela, mas sim a decorrente
do princípio da participação popular estabelecido na Constituição Federal, e na
legislação infraconstitucional.
Esta
democracia participativa se consolida na medida em que os cidadãos utilizem
todas as possibilidades participativas expressas no nosso ordenamento jurídico,
e, através delas ampliem ainda mais o dever dos governantes ouvir a sociedade e
prestar contas de suas gestões.
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7. AUDIÊNCIA PÚBLICA
A
democracia participativa brasileira, garantida pelo principio da participação
popular, prevê variadas formas de atuação do cidadão na condução política e
administrativa do Estado.
Dentre elas
destacamos a audiência pública, prevista constitucionalmente no âmbito da
participação legislativa e, em diversas normas infraconstitucionais.
Audiência
pública é um processo de participação aberto à população, para que possa ser
consultada sobre assunto de seu interesse e que participando ativamente da
condução dos assuntos públicos, venha a compartilhar da administração local com
os agentes públicos.
Constitui-se em instrumento de legitimação das decisões, através de um
processo democrático real, onde constantemente a comunidade se manifesta sobre
a melhor forma de ser administrada, e controla a ação dos governantes.
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8.
AUDIÊNCIA PÚBLICA ENQUANTO INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO POPULAR
Esta
modalidade participativa possibilita ao cidadão a obtenção de informações e
conhecimento das ações da administração, bem como a esta, a possibilidade de
avaliar a conveniência e intensidade das suas ações, na medida que estará
administrando de forma compartilhada.
É na
verdade uma forma de efetivação dos princípios do Estado democrático e de
direito, pois o cidadão ao interagir com a administração estará exercitando o
poder.
A audiência
pública, como espécie do gênero participação popular, constitui-se em
importante vertente de prática democrática, tomada em sua plena concepção
doutrinária, que é a possibilidade de acesso e exercício do poder.
A audiência
pública se constitui em importante meio de obtenção de informações, que
capacitam o cidadão para uma participação de resultados, seja através da
legitimação dos atos compartilhados com a administração, seja através de uma
constante negociação democrática.
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9.
AUDIÊNCIAS PÚBLICAS PREVISTAS NA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E NO ESTATUTO
DA CIDADE
Já em 1789
era reconhecido o direito da sociedade em receber prestação das contas dos
agentes públicos, estando expressamente no art. XV da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, que "a sociedade tem o direito de exigir contas a
qualquer agente público da sua administração". (5)
A Lei
Complementar 101/00 e a Lei 10257/01 prevêem a realização de audiências
públicas nos processos de elaboração e discussão dos Planos, da Lei de
Diretrizes Orçamentárias e da Lei do Orçamento Anual, o que pode vir a
concretizar no âmbito municipal, o princípio constitucional da participação
popular.
Pelo
disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal o poder executivo tem que ouvir a
população no processo de elaboração daquelas leis ali especificadas, o que
significa dizer que antes do envio do projeto de lei para o legislativo há
necessidade de audiência pública para que a sociedade seja ouvida, porque a
transparência e o controle popular na gestão fiscal é norma de caráter
obrigatório.
Assim
também, depois de enviados os projetos de leis ao poder legislativo, novamente
a sociedade tem que ser chamada a participar, desta vez no âmbito deste poder,
para debater com o parlamentar de como ele votará, se do modo decidido pela
comunidade, ou conforme os seus interesses políticos e pessoais.
No Estatuto
da Cidade a exigência se repete, com a diferença de que a obrigatoriedade de
ouvir a comunidade é expressa, transformando-se em condição de validade para a
aprovação das referidas leis pela Câmara Municipal.
Não foi por
mera formalidade que o legislador inseriu a realização de audiência públicas no
capítulo que trata da transparência na Lei Complementar 101/00 e no de gestão
democrática da cidade, na Lei 10.257/01, mas sim, porque o controle da gestão
fiscal está intimamente ligado ao tema da moralidade administrativa e da gestão
democrática, assistindo razão à professora Odete Medauar ao afirmar que
"certo é que, mais efetivos se mostrassem os mecanismos de controle sobre
a administração, menor seria o índice de corrupção". (6)
É no
município que o cidadão pode exercer plenamente a sua cidadania, no seu local
de moradia é que poderá se iniciar um grande processo de transformação, através
da participação nas decisões que lhe afetam diretamente e da fiscalização das
ações administrativas dos governantes locais.
Na medida
em que avança e se consolida o nível de participação popular aumenta o grau de
compreensão dos moradores sobre o funcionamento da máquina administrativa,
elevando a sua consciência cidadã e o seu compromisso com as causas coletivas.
É pois,
dever do bom administrador dar efetividade às garantias jurídicas de
participação do cidadão na vida administrativa do seu governo, pois se o
princípio da legalidade é dever do agente público, com muito mais razão a sua
observância quando se trata do interesse público, e se este é indisponível, não
está a decisão na esfera da discricionariedade do agente, possibilitar ou não a
participação, não se trata de uma faculdade e sim de um dever.
O prefeito
que não incentiva e não garante a participação popular na sua administração,
pratica crime de responsabilidade definido no art. 1º, XIV do Decreto-Lei 201,
porque está negando execução à lei, não só à lei, mas à própria constituição;
incorre ainda em crime de improbidade administrativa, previsto no art. 11 da
Lei 8429/92, porque está atentando contra os princípios da administração
pública.
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10.
AUDIÊNCIAS PÚBLICAS ENQUANTO REQUISITO DE VALIDADE PARA AS LEIS ORÇAMENTÁRIAS
Sendo o
princípio da participação popular garantia constitucional, e a audiência
pública instrumento dessa participação, a sua previsão na Lei de
Responsabilidade Fiscal e no Estatuto da Cidade transforma a sua realização em
condição de validade para o processo legislativo que tenha por objeto os
Planos, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual.
Ao analisar
as contas anuais, tanto do poder executivo como do legislativo, especialmente a
análise dos procedimentos de transparência, deverão os Tribunais de Contas
exigir a comprovação de que a sociedade teve a oportunidade de ser ouvida, de
que há no município um real incentivo à participação popular, e que as
audiências públicas previstas nesta lei e no Estatuto da Cidade são
efetivamente realizadas.
Devem
exigir esta comprovação porque a participação popular é princípio
constitucional e condição obrigatória nos processos de elaboração e discussão
das Leis Orçamentárias e Planos, nulificando o processo que não observar
minimamente o dever de ouvir a sociedade.
A não
observância deste princípio vicia o processo de feitura da lei orçamentária,
pois terá preterido formalidade essencial, padecendo de mal incurável, pois se
é certo que a participação popular é princípio constitucional, afronta-lo
enseja a invalidação de qualquer ato praticado sem a sua observância.
No dizer de
Celso Antonio Bandeira de Melo,
"Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma
qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não a um específico
mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma
de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio
atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de
seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e
corrosão da sua estrutura mestra". (7)
Ao
compartilhar com os agentes políticos a administração dos destinos da sua
comunidade, o cidadão criará o bom hábito de participar, e o administrador o de
prestar contas e ouvir a sociedade.
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NOTAS
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. São
Paulo: Saraiva, 1961. p. 5.
Expressão cunhada pelo presidente da Assembléia Nacional
Constituinte, deputado Ulisses Guimarães, ao promulga-la em outubro de 1988.
O art. 5º (dos direitos e garantias fundamentais), no inciso
XIV assegura a todos o acesso à informação; nos incisos XXXIII e XXXIV,
garantem o direito de receber informações dos órgãos públicos e o direito de
petição, materializando o princípio da publicidade; garante também nos incisos
LV e LXIX, o devido processo legal administrativo e o mandado de segurança
contra ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública; no inciso LXXIII,
garante ainda o controle da conduta dos agentes públicos pelo cidadão através
da Ação Popular, e para completar, no § 2º do mesmo artigo, afirma que além
destas garantias, não se exclui nenhuma outra decorrente dos princípios
adotados pela carta, ou dos tratados internacionais em que o país seja parte,
abrindo-se portanto uma infinidade de oportunidades de participação na
administração pública. No art. 10, assegura a participação dos trabalhadores e
empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses
profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão. No art. 14,
assegura a idéia da soberania popular e o voto direto e secreto de igual valor
para todos, prevendo ainda o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular,
instrumentos importantes da democracia participativa. No âmbito municipal, o
art. 29, XII, garante participação no planejamento e o art. 31, § 3º, garante a
ampla fiscalização das contas. Ao disciplinar os princípios que regem a
administração pública o Art. 37, § 3º, possibilita ainda a criação de outras
formas de participação do usuário na administração pública. Há também a
possibilidade da participação popular no processo legislativo, através de
audiências públicas e reclamações contra atos das autoridades, nas comissões
das casas legislativas, previstas no Art. 58, II e IV, bem como a participação
diretamente na produção de leis, através da iniciativa popular prevista no Art.
61, § 2º. Possibilitando a atuação do cidadão enquanto fiscalizador da conduta
do administrador, prevê o Art. 74, § 2º, a possibilidade de denunciar
irregularidades ou ilegalidades ao Tribunal de Contas da União. Prevê ainda a
participação de cidadãos no Conselho da República, conforme disposto no Art.
89, VII, e a participação de entidades de representação de classe na escolha do
quinto constitucional para integrantes dos Tribunais Regionais Federais,
Tribunais Estaduais e do Distrito Federal, conforme disciplinado no Art. 94.
Disciplina também a participação popular na gestão da atividade de administrar,
tais como: dos produtores e trabalhadores rurais no planejamento da política
agrícola (Art. 187); dos trabalhadores, empregadores e aposentados nas
iniciativas relacionadas à seguridade social (Art. 194, VII); da comunidade em
relação às ações e serviços de saúde (198, III); da população através de
organizações representativas nas questões relacionadas à Assistência Social
(Art. 204, II); a gestão democrática do ensino público (206, VI); da
colaboração da comunidade na proteção do patrimônio cultural (Art. 216, § 1º);
da coletividade na defesa e preservação do meio ambiente (Art. 225); de
entidades não governamentais na proteção à assistencial integral à saúde da
criança e adolescente (Art. 227, § 1º) e das comunidades indígenas, inclusive
nos lucros, das atividades que aproveitem os recursos hídricos e minerais das
suas terras (231, § 3º).
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Retirado de: http://www1.jus.com.br