1 – O desenvolvimento do Direito não vive sem uma produção científica atenta
e crítica do actuar legislativo e do labor da jurisprudência.
Como se sabe, aos tribunais e à doutrina cabe a espinhosa função de
«descobrir» o Direito, de tornar patentes, a partir da concepção e opção
político-legislativa, as normas jurídicas que regem os diferentes domínios da
realidade jurídica.
Não se fica por aqui o papel da Ciência do Direito e mesmo da jurisprudência.
Da sua actividade brotam as lacunas, espaços até aí ocultos a necessitar de
resposta própria, as obscuridades do sistema jurídico, as suas imperfeições e
incoerências, mas também as suas valências de inovação e perspectivação.
Estas considerações de ordem geral vêm a propósito, servindo de intróito, da
imperiosa necessidade de, também no «relacionamento» entre o Direito e o
Desporto, o espaço doutrinal se afirmar, para benefício dos próprios agentes
desportivos e restantes operadores do sistema desportivo.
A produção legislativa no domínio da actividade desportiva, mormente a de
índole pública interna, conheceu no triénio 1997/1999 uma intensidade quase
sem precedentes no âmbito do que poderíamos denominar por «espaço normativo
democrático».
Nunca tanto se emanou dos órgãos legislativos competentes, particularmente
através da acção da Assembleia da República e do Governo, em matéria de
regulação do fenómeno desportivo, nas mais diversas variantes que este
assume, depois de 25 de Abril de 1974.
Por outro lado, também os tribunais têm vindo a ser chamados a intervir de
forma crescente na resolução de conflitos desportivos, abalando decisivamente
o mito da desjurisdicionalização do desporto.
2 – E que papel para a doutrina neste específico domínio?
Acompanhando há já alguns anos o desenvolvimento do que , sem pretensiosismos
nem busca de rigor
científico, poderemos designar por Direito do Desporto, é com imenso agrado
que constatamos que o ano de 2000, sem que disso se tivesse dado conta a
comunidade jurídica no seu global, foi o ano em que se defenderam e aprovaram
as primeiras dissertações de mestrado, em que a temática central tinha por
objecto o desporto, em concreto, duas especiais organizações desportivas: as
federações desportivas e as sociedades desportivas.
Coube, salvo erro de conhecimento de que de imediato me penitenciarei, a
Alexandra Pessanha a defesa da primeira tese de mestrado, que veio a ser
aprovada em Fevereiro de 2000, na Universidade Autónoma de Lisboa.
Intitulada "As federações desportivas – Contributo para o estudo do
ordenamento jurídico desportivo", nela se recolhem indicações e
reflexões importantes sobre a «dupla natureza» desses entes desportivos,
navegando-se ainda nas interessantes águas do pluralismo jurídico, cabendo ao
ordenamento jurídico desportivo um papel de «cobaia».
De lamentar apenas a sua não publicação em área tão pobre de registos
públicos.
Mais tarde, a Faculdade de Direito de Coimbra, ofereceu-nos o segundo
testemunho de que as escolas de Direito começam a «levar o Direito do
Desporto a sério».
Ricardo Marques Candeias defendeu e viu aprovada a sua tese
"Personalização de equipa e transformação de clube em sociedade anónima
desportiva – Contributo para um estudo das sociedades desportivas".
Também neste trabalho académico, felizmente já no prelo, se encontram razões
para acreditar numa evolução científica sã no âmbito do Direito do Desporto.
3 – O ano corrente marca, sem dúvida, o estudo da realidade desportiva a
partir de uma perspectiva jurídico-científica consolidada, sem que com isso
se pretenda abalar os esforços daqueles que no passado, mais ou menos
recente, têm vindo a dedicar muito do seu esforço no domínio da investigação
jurídica, buscando enquadrar cientificamente o binómio Direito e Desporto.
O ano que vem, quase que o asseguraríamos por inteiro, será o ano da
apresentação das dissertações de doutoramento nas escolas do Direito.
Esse processo corre sereno e seguro na Faculdade de Direito de Coimbra,
centrado nas relações laborais dos praticantes desportivos.
Trata-se de um processo revestido ainda de alguma lentidão, mas a consagração
de uma aproximação juriscientífica ao Direito do Desporto é, a nosso ver, um
percurso sem retorno, multiplicador de apetências académicas tal o efeito
cativador da prática desportiva.
E esta bem precisa, nas suas múltiplas variantes, profissional, de
rendimento, de simples lazer e formação do cidadão, de um Direito
«competitivo».
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