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A ECO CIDADANIA: uma reflexão
sobre a crise e expansão da civilização
Diogo de Almeida Viana Silva
Acadêmico de Direito do 5º período matutino
da Universidade Federal do Maranhão
Durante nossas considerações sobre a
eco cidadania, faremos um breve estudo sobre os próprios conceitos de ecologia
e de cidadania, em perspectivas dinâmicas, observando o desenvolvimento e
evolução dos conceitos ao longo do tempo, bem como observaremos suas práxis
enquanto os próprios conceitos evoluíam na doutrina. Faremos isso porque
consideramos extremamente importante o movimento de idas e vindas, de erros e
acertos através do qual encontramos contornos e limites às nossas idéias.
1. CIDADANIA
O surgimento da idéia de cidadania não pode
ser dissociado do surgimento do próprio Estado Moderno. Esse Estado surgiu na
Europa como modo de controlar as mudanças que ocorriam no sistema feudal. O que
nos interessa é observar tal processo a partir das revoluções burguesas, pois
foi a partir daí que o indivíduo começou a ser valorizado, e a sua relação com
o Direito iniciou a ser estudada. O primeiro dos direitos a ser reconhecido
pelo Estado burguês foi o de propriedade, avanço considerável na época, pois
apesar de a propriedade ser uma das instituições mais antigas e fortes da
humanidade, foi nesse momento que o direito à propriedade foi estendido a todos
os cidadãos. Era o início do fim da servidão no Ocidente pois qualquer
indivíduo poderia (em tese) possuir bens.
Quando a burguesia consolidou sua riqueza
passou a buscar uma participação mais ativa e direta no sistema político -
institucional. Foi quando surgiram os direitos políticos de votar e ser votado.
Mesmo em sufrágio censitário houve um grande avanço para a época, pois era o
nascimento das democracias modernas, com governantes escolhidos fora de um
critério hereditário. Algo extremamente importante a ser observado neste ponto
é que, apesar de o voto censitário ter sido um grande avanço à época, tornou-se
um estorvo quanto o aspecto quantitativo do alcance da cidadania. Enquanto esta
se ampliava saindo do conceito de cidadão como "indivíduo nacional,
titular do direito de propriedade e liberdade de locomoção" para
"indivíduo nacional, titular de direitos civis, e político-representativos"
a abrangência da cidadania restringiu-se aos que tinham propriedades e,
tendo-as em quantidade suficiente, poderiam votar e ser votados. Neste momento
cidadão era o nacional. proprietário, eleitor e elegível.
Com o surgimento dos direitos sociais, houve
uma grande ampliação no espectro de direitos englobados pela cidadania bem como
um espantoso aumento na cobertura da titularidade desses direitos entre a
população. Nos países onde prosperou a social-democracia, viu-se um exercício
de cidadania e valor à dignidade humana nunca experimentados na história da
humanidade antes. Para que os grandes avanços da cidadania fossem alcançados,
tanto quantitativamente quanto qualitativamente, foi necessário que para cada
expansão de tutela ou cobertura se operasse uma expansão do Estado como
instituição política, prestador de serviços, controlador da sociedade e tantos
papéis quantos houverem para o Estado.
2. MElO AMBIENTE
O conceito de meio ambiente já foi estudado
alhures, mas aqui faremos uma abordagem mais ampla e ao mesmo tempo mais
restrita. Mais ampla por querer-se quebrar paradigmas equivocados em relação à
noção de meio ambiente e mais restrita por usarmos essa nova noção para fins
específicos.
A palavra "ecologia" pode nos dar
esclarecimentos importantes no aspecto etimológico. Cunhada em 1869,
"ecologia" vem do grego oikos, que significa "_doméstico,
relativo à habitação e abrigo". "Economia. também deriva dessa
palavra, no entanto, a economia lida com a manutenção do sustento do ambiente
cultural, enquanto a ecologia estuda a manutenção do ambiente não cultural.
Hodiernamente, com o·, avanços na discussão sobre a
indissociabilidade entre o humano e o natural, tem-se que há uma necessidade em
se ver o meio ambiente não apenas como a região ou espaço em que a natureza
exerce seu funcionamento normal, sem alterações, mas incluindo-se também os
espaços culturalmente modificados, pois sendo o homem parte da natureza, deve
ele também estar incluído no ambiente.
Esta noção vem da visão de que o espaço
cultural não pode ser mantido sem a contribuição do ambiente natural, bem como
sem uma real preocupação com o espaço natural, este sucumbiria diante da
crescente drenagem de recursos por parte da civilização. Aqui chegamos à nova
noção do oikos: A junção da ecologia e da economia em um só pensamento,
preocupado com a viabilidade de crescimento e manutenção de ambas as esferas do
ambiente, mesmo porque uma não se manteria sem as devidas contribuições da
outra.
"Nesta circunstância. o direito ao meio
ambiente não deve ser considerado apenas como uma resposta a um;: crise
relacionada aos recursos naturais, de forma reducionista, mas entendido como
mais um estágio na evolução dos direitos, uma nível um nível mais alto de
valorização da pessoa, traduzido como dignidade humana'.
3. O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE
O processo de criação de direitos que se dá
através do mecanismo de erros, acertos e correções que leva à maturação das
idéias que mencionamos acima trouxe ao debate na comunidade internacional o
direito a um ambiente equilibrado como direito fundamental.
Isto é mais um passo na expansão dos
direitos do Homem, cujas fases anteriores foram expostas em nosso primeiro
item.. A convenção das Nações Unidas sobre Meio Ambiente em Estocolmo,
realizada em 1972 estabeleceu, como seu princípio N° 1 que "O Homem tem o
direito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de condições de
vida adequada em um meio, cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e
gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio
para as gerações presentes e futuras." Este preceito foi a primeira menção
ao direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental. No
ordenamento jurídico brasileiro a resposta a essa declaração veio em 1988 com o
caput do artigo 225 da Constituição Federal que diz: "todos têm o direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações."
Este preceito constitucional tem um valor doutrinário elevado por mostrar que
essa nova geração de direitos não traz encargos apenas ao Estado, mas também ao
indivíduo e à coletividade. Este ponto mostra o grande vanguardismo de nosso texto
magno, ao perceber um aspecto chave dessa nova esfera de direitos.
4. A CIDADANIA AMBIENTAL
Diante disso tudo temos que a evolução dos
conceitos de cidadania e de meio ambiente resultou numa nova ótica para o
relacionamento desses mesmos conceitos. A ampliação dos mesmos fez com que as
esferas do cidadão e do ecológico intercedessem entre si gerando uma nova forma
de se pensar a relação do indivíduo com o meio ambiente: a eco-cidadania.
Ao contrário do que ocorreu por ocasião das
outras expansões dos direitos fundamentais, em que o Estado crescia em
estruturas de controle, garantia e serviços proporcionais aos aumentos de
encargos e bens a garantir, a ampliação que se dá em nossos dias vem em um
momento em que o Estado não tem condições de crescer para cobrir os novos
direitos e pior, tende a atrofiar-se, expondo mesmo os direitos já tutelados ao
limbo de privatismos (que podem ser eficientes e salutares, mas também
perigosos e nocivos - só o futuro dirá) temos aqui uma contradição que espera
por resposta: Como garantir direitos novos se o Estado não pode assegurar nem
mesmo os que já existem? Poderíamos nós prescindir desta nova geração de
direitos, ou mesmo dos de geração anterior? É evidente que não!!
Neste sentido, os próprios pensadores do
Direito que teorizaram esta quarta geração de Direitos Fundamentais apontam
para uma solução possível a este problema.
A eco cidadania já se mostra como uma
robusta forma de direitos e deveres cívicos inéditos. Alphandéry chama essa
nova forma de cidadania de "cidadania do cotidiano', aquela que abrange o
indivíduo em suas várias posições no seu relacionamento com vários setores da
sociedade, uma expansão da cidadania aos vários espaços nos quais o indivíduo
age. Esta cidadania é "fragmentada já que enraizada na multiplicidade das
inserções sociais, dos papéis e expressões do indivíduo moderno (urbano, rural,
civil, militar, usuário dos serviços público.., consumidor, automobilista,
pedestre, vítima de catástrofes, membro de duma minoria, etc.)'·~ . Diz Celso Lafer: "Pelo
que se pode concluir, este direito fundamental inclui uma concepção
jurídico-política de solidariedade, pois não se buscam a garantia ou a
segurança individual contra determinados atos, nem mesmo a garantia e segurança
coletiva. mas sim., tem-se como destinatário final o próprio gênero
humano";.
Sem dúvida, a nova face da cidadania que ora
se forma é uma face mais solidária em que o cidadão não se relaciona apenas com
o Estado ou com uma comunidade política e econômica, mais agora nasce um novo relacionamento
entre o cidadão e a generalidade humana. Canotilho e Vital Moreira dizem:
"O Estado, dessa forma, deve fornecer os meios instrumentais necessária á
implementação desse direito. Além desta ação positiva do Estado, é necessária
também a abstenção de práticas nocivas ao meio ambiente por parte da
coletividade. O cidadão deve, desta forma, empenhar-se na consecução deste
direito fundamental participando ativamente das ações voltadas à proteção do
meio ambiente"4 . É o surgimento de uma cidadania participativa em que o
indivíduo não apenas cobra do Estado a materialização de seu direito, mas age
diretamente na realidade que o cerca em prol da construção do ambiente
saudável.
Não será difícil ao leitor perceber o alto
grau de dificuldade que temos à nossa frente, pois o paradigma do
individualismo é uma das mais fortes ideologias de nossa era, e não será
simples criar dentro de cada mentalidade uma sincera vontade de contribuir para
a construção dessa nova cidadania. Mas, desde quando construir a cidadania foi
fácil?
Retirado de: http://members.tripod.com/CAIM/artigos