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A
Base Constitucional de Atuação do Ministério Público
Luiz Fabião Guasque - Promotor de Justiça-RJ
A
história da humanidade é a história da dominação do homem pelo homem. No
Brasil, esta realidade se faz sentir pela grande desigualdade social, gerada
pela concentração de riqueza nas mãos de uma minoria ,em detrimento de uma
massa de pessoas que não tem acesso à possibilidade de se desenvolver. Aprender
a ler, estudar, ter melhores condições de vida.
Mas,
o legislador constituinte, atento a esta realidade, compreendeu a distância
entre a proteção jurídica e a efetividade dos Direitos da Pessoa no Brasil. Não
basta conceder Direitos na Constituição. É preciso dar os meios para
usufruí-los, desfrutá-los.
Quem
acompanhou os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, deve se lembrar
desse momento histórico da vida nacional, representado no gesto do saudoso
Deputado Ulisses Guimarães, seu Presidente, que ao promulgar a Carta da
República, levantou-a no plenário do Congresso exclamando: esta é uma
Constituição cidadã! (elemento histórico de interpretação da nossa lei
maior).
Esta
preocupação em dar efetividade aos Direitos Fundamentais da Pessoa que a
Constituição assegura, se revelava quando os Constituintes importaram dos
países de jurisdição de eqüidade, o mandado de injunção para dar efetividade
aos Direitos e Liberdades Constitucionais e às prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre que a ausência de norma
regulamentadora tornasse inviável o exercício de tais Direitos (art.5o.,inc.LXXI
da C.R.).
A
constatação de que a tradicional repartição das funções essenciais da Soberania
do Estado, como o Legislativo, o Executivo e o Judiciário não conseguiu ao
longo da história brasileira, modificar esta realidade, levava à criação de uma
quarta função: o Ministério Público, com o dever imposto pela Constituição da
República de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses
sociais e individuais indisponíveis (art127 da C.R.).Tal preceito, por ser
norma constitucional que confere direitos ao povo e deveres a uma função
essencial da soberania do Estado deve ser intepretada da forma mais ampla
possível.
Esta
nova realidade não colocava o Ministério Público com missão apenas provocativa
da função jurisdicional, decorrente desta Legitimação imposta na Lei Maior,
mas, sobretudo, com ampla atividade administrativa de forma a defender, com
todas as armas do arsenal jurídico desta nova ordem que se instalava, a
efetividade dos Direitos Fundamentais da Pessoa.
Esta
forma operacional e com ampla liberdade de atuação se expressava na
manifestação do Poder Constituinte que lhe cometia o dever de ,entre outros
detalhamentos, zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços
de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo
as medidas necessárias a sua garantia; expedir notificações nos procedimentos
administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos, na
forma da lei complementar respectiva; exercer o controle externo da atividade
policial, na forma da lei complementar já mencionada; requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos
jurídicos de suas manifestações processuais (incs. II,VI,VIII do art.129 da
C.R.).
A
regulamentação deste amplo dever de ação imposto na Carta da República veio na
legislação infra-constitucional, que no art.26 da lei 8.625 de
12/2/93,estabeleceu:
Art.26-No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
I-instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos
administrativos pertinentes e, para instruí-los:
a)expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em
caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive
pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;
b)requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades
federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da
administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
c)promover inspeções e diligências investigatórias junto às
autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior;
II-requisitar informações e documentos a entidades privadas, para
instruir procedimentos ou processo em que oficie;
III-requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou
procedimento administrativo cabível;
IV-requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial e de inquérito policial militar observado o disposto no art.129,inciso
VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los;
V-praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório;
VI-dar publicidade dos procedimentos administrativos não disciplinares
que instaurar e das medidas adotadas;
VII-sugerir ao Poder competente a edição de normas e a alteração da
legislação em vigor, bem como a adoção de medidas propostas, destinadas à
preservação e controle da criminalidade;
VIII-manifestar-se em qualquer fase dos processos acolhendo solicitação
do juiz, da parte ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse em
causa que justifique a intervenção
Antes
da Constituição da República de 1988,o Ministério Público retirava o fundamento
de sua atuação na legislação infra-constitucional, agindo no cível e no crime
com base nos arts.24 do Código de Processo Penal e art.82 do Código de Processo
Civil.
Hoje,
quando um Promotor de Justiça oferece denúncia por crime de homicídio, estupro,
furto ou abuso de poder, está em verdade protegendo o direito à vida, à
liberdade individual, à propriedade, à segurança, ou qualquer outro Direito
Fundamental garantido pela Constituição.
Enquanto
assegura, como fiscal da lei na relação jurídico processual os Direitos ao
contraditório e à ampla defesa, o faz em observância ao princípio da igualdade,
ou isonomia, no processo.
Em
todas as demais atividades do Ministério Público, são assegurados Direitos
Fundamentais. Nas Centrais de Inquéritos, o Promotor de Investigação deve ter
em conta que a Constituição da República assegura no seu art.5o:
III-ninguém
será submetido a tortura ou a tratamento desumano ou degradante;
XLVIII-a
pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do
delito, a idade e o sexo do apenado;
XLIX-é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
L-às
presidiárias serão asseguradas as condições para que possam permanecer com seus
filhos durante o período de amamentação;
LVIII-o
civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas
hipóteses previstas em lei;
LXI-ninguém
será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime militar, definidos em lei;
LXII-a
prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao Juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele
indicada;
LXIII-o
preso será informado de seus direitos, entre os quais o de premanecer calado,
sendo-lhe assegurada a assistência da família e advogado;
LXIV-o
preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu
interrogatório policial;
LXV-a
prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;
LXVI-ninguém
será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança.
No
chamado Controle Externo da Atividade Policial, o que o Ministério Público
tutela é o Direito de Petição, previsto no art.5o.,inciso XXXIV,
letra "a" da Constituição da República, que assegura a qualquer
pessoa o direito de obter uma resposta do Estado sobre a lesão de que foi
vítima,e que não pode ficar ao arbítrio da autoridade policial. Assim,
comete ao parquet o dever de fiscalizar a continuidade ou não das
investigações instauradas a partir dos registros de ocorrência.
Já
é possível perceber, que o fundamento das causas de pedir nas ações propostas
pelo Ministério Público tem sempre por base a Constituição ,tendo em vista esta
sua gênese.
Desta
forma, quando age em defesa do meio ambiente, o faz em tutela ao Direito
Fundamental à vida, garantindo a continuidade da civilização neste Planeta,
conforme os arts. 5o. "caput" e art.225, todos da
Constituição.
Nas
ações de revisão de benefício ou acidentes do trabalho, a atuação do Ministério
Público tutela os Direitos Sociais expressos no art.6o. da nossa
Carta.
Quando
pretende a responsabilidade do agente público por improbidade administrativa o
faz em observância ao dever jurídico imposto a este no art. 37 da
Constituição da República de obediência aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A
lei de improbidade administrativa apenas regulamenta toda a fundamentação de
agir do Ministério Público imposta pela Lei Magna.
Com
a concepção de Estado Liberal adotada pela Constituição da República, onde a
regra é a iniciativa privada e a exceção a pública, a atuação das Curadorias de
Fundações é de parceria no desenvolvimento da atividade privada que busca
realizar um interesse público.
É
portanto, espécie de democracia participativa expressa nos arts.31,par.3o.,74,par.2o.,194,inc.VII,206,inc.VI
e 216,par.1o.,todos da Constituição da República, com a iniciativa
privada realizando interesses sociais.
Na
área da Infância e Juventude a atuação do Ministério Público busca realizar, ou
melhor, dar efetividade ao princípio da isonomia, expresso no art.5o.,inc.I,
que se dá com o cumprimento dos arts.212 e 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, todos da Lei Maior.
Em
qualquer hipótese de restrição do Direito à Educação, o art.205 fundamenta a
atuação do Ministério Público para dar efetividade a esse Direito Subjetivo
Público, garantido na Carta da República, espécie do gênero: princípio
fundamental da isonomia. Por isso, é que em questões de mensalidades escolares,
não tem significância o fato dos prejudicados terem possibilidade econômica ou
não, pois o acesso ao ensino é garantido constitucionalmente, razão da
atividade ser exercida por delegação do Estado (art.209 e incisos).
Como
se pode ver, o Constituinte Originário concebeu o Ministério Público como
função essencial à soberania do Estrado para dar efetividade a todos os
Direitos Subjetivos Públicos assegurados na Constituição.
Abraça-se,
portanto, a concepção da unidade do poder e da repartição das funções
essenciais da soberania do Estado, que não encontra dissidência não só na
doutrina pátria como na alienígena.
A
defesa do consumidor também encontra fundamento no art.127 da Constituição da
República, que lhe comete o dever de agir em defesa de interesses sociais.
Foi
a solução brasileira para o problema do acesso à justiça em uma sociedade de
massa, onde os interesses se apresentam como de grupos, categorias, classes,
posto que tomados individualmente não chegam a expressar interesse individual à
tutela.
O
Brasil dá um passo a frente para a solução deste problema antes detectado na
Europa, onde a Convenção sobre Liberdades Fundamentais e Formações Sociais,
realizada em Firenze 1975 se ocupava de estudar este fenômeno do mundo
moderno. Nela, juristas e sociólogos do velho continente apresentaram trabalhos
sobre o tema, tendo o professor Mauro Capelletti, em maravilhoso estudo de
direito comparado sobre os sistemas de acesso a Justiça em todo o mundo,
desenvolvido estudo sobre as "Formações Sociais e Interesses Coletivos
Diante da Justiça Civil", um dos oito trabalhos elaborados para a
Convenção.
Assim,
face a legitimação para agir imposta na Lei Magna, Código de Defesa do Consumidor
apenas regulamenta o exercício desta tutela.
Devemos
compreender sobretudo, que o Ministério Público deve buscar formas operacionais
de atuação através de convênios com entidades públicas e privadas em busca da
realização do interesse público.
O
usucapião urbano previsto no art.183 da Constituição é importante instrumento
para o parcelamento do solo em favelas ou áreas invadidas por populações
carentes, de forma a ordenar o desenvolvimento populacional nas grandes
cidades.
Infelizmente,
passados mais de dez anos da promulgação da nossa Carta Política, não
assimilamos ainda que esta natureza de função essencial da soberania do Estado
determina que toda a nossa atuação se funda na efetividade dos Direitos
Fundamentais assegurados na Lei Maior, e que o Tribunal com o poder de dizer o
Direito, ou melhor a efetividade desses Direitos é o Supremo Tribunal
Federal, que é o guardião da Constituição.
E,
completamente em dissonância com esta nova ordem jurídica, temos fundamentado
nossas ações na legislação infra-constitucional, em especial o Código de Defesa
do Consumidor, advindo daí várias intepretações dissociadas da premissa maior
das causas de pedir,que será sempre a inobservância comissiva ou omissiva pelo
Estado de Direitos Fundamentais ou a tutela de interesses sociais de grupos,
classes, categorias, regulamentados pela lei infra-constitucional.
Devemos
ainda ter em conta, que a determinação de que existe interesse difuso na
relação jurídica em conflito,(fora as hipóteses de direitos de consumo, que vem
regulamentadas na lei infra-constitucional) deve ter como premissa para sua
determinação a inobservância de um Direito Subjetivo Público garantido na
Constituição da República, como expressão de um Direito Fundamental da Pessoa.
Um
exemplo recente e que foi objeto de tutela pelos Ministérios Públicos de toda a
Federação foi a inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública.
Muitas
ações, ou quase todas, fundamentaram a causa de pedir no Código de Defesa do
Consumidor, advindo daí questões como ser ou não relação de consumo, além do
fundamento na lei infra-constitucional determinar o recurso ao Superior
Tribunal de Justiça, afeto a se manifestar sobre a aplicabilidade da lei
ordinária federal.
Ocorre,
que a inadequação ao conceito expresso na Carta Política (art.145,inc.II da
C.R.) afronta o princípio da legalidade, Direito Fundamental da Pessoa e pedra
de toque da ordem jurídica e do regime de liberdades públicas no Brasil.
Desta
forma, pode-se perceber, que por afrontar um Direito Fundamental, a sua inobservância
pelo Estado atinge a todos, pois ataca diretamente, como dissemos, a segurança
das relações jurídicas num Estado Democrático de Direito, configurando portanto
um interesse difuso.
Também,
devemos observar, que por tratar-se de controle da legalidade dos atos do
Estado, sua tutela pode se dar através de mandado de segurança, forma mais
célere e eficaz de proteção do que a Ação Civil Pública.
É
importante notar, que a segurança à efetividade do princípio da legalidade
tributária pode ser feita sem alterar-se em nada a velha concepção romana da
coisa julgada.
Isto
porque, serão partes no processo o Ministério Público, legitimado
constitucionalmente à tutela deste Direito Fundamental, e no polo passivo o Poder
Público que exige a cobrança inconstitucional.
Portanto
a coisa julgada se opera entre estes, como ato jurídico sentença e nos limites
do pedido do autor, que é obrigação de não cobrar
Serão
beneficiários da sentença como fato jurídico todos os sujeitos passivos
tributários ilegalmente constrangidos ao pagamento.
Note-se,
que por tratar-se de interesse difuso, não é possível determinar os
beneficiários deste controle, pois todos os consumidores que adquiram produtos
no Município que instituiu a taxa, pagarão pela inconstitucionalidade, pois o
seu custo será repassado no preço pelos comerciantes.
Como
podemos ver, a função do Ministério Público a partir da Constituição da
República de 1988 é maior do que o próprio Estado, pois busca a precípua
realização de seus valores, valendo lembrar a lição do sociólogo Bertrand
Russel, que afirma:"o advogado da transformação tem uma tarefa bem mais
difícil que o advogado da conservação e da ordem. Mas, quando aquilo que se
quer conservar não responde mais às novas e inderrogáveis necessidades sociais,
então a conservação não é mais ordem".(B.Russel,Education and Social
Order, London, Allen & Unwin,7th impressão,1967,pág.13).
Pretendermos
hoje a atuação do Ministério Público com fundamento na legislação
infra-constitucional não é mais ordem.
Face
a essas novas atribuições constitucionais, os integrantes do paquet
devem se utilizar de todos os meios possíveis desta nova realidade de forma a
garantir sua autoridade contra os abusos da liberdade, criando um sistema de
providências cautelares tendentes a previnir as lesões da ordem e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis.
A
partir da atuação do Ministério Público como guardião atento do Direito iremos
possibilitar a liberdade sem abuso e o poder sem arbítrio, disciplinando a vida
social, corrigindo os desvios da história e oferecendo ao nosso povo um ideal
de vida, que impulsionará o progresso e a civilização.
Retirado de: http://www.amperj.org.br/associados/dalla/artigo28.htm