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A Nova Ordem
Constitucional e
a Recepção de Normas Jurídicas:
Síntese de Dois Casos Concretos.
Ricardo Maia (*)
1.
Fixação do tema: É princípio assente numa determinada ordem
jurídica a prevalência de dois princípios determinantes da interpretação
constitucional. O primeiro, o da supremacia da Constituição, significando dizer
que é inválida e ineficaz toda e qualquer norma em desarmonia com a Carta
Constitucional. O segundo, o da continuidade da ordem jurídica, consoante o
qual é preservada a vigência e a eficácia da legislação antes vigorante, e
alcançada por uma nova ordem constitucional. A decorrência de tais princípios é
o fenômeno da recepção, quando toda a ordem jurídica compatível passa a ter
fundamento de validade na nova Carta.
Assim,
o advento de uma nova Constituição não implica em derrogação de todo um sistema
jurídico, ressalvando-se apenas as normas explícitas ou implicitamente
antinômicas, que são banidas do ordenamento, também assente, tanto pela
doutrina, quando por decisões do Colendo Supremo Tribunal Federal, que as
disposições legais opostas não são consideradas inconstitucionais, mas
verdadeiramente derrogadas.
2.
A recepção de lei ordinária como complementar: Interessante
fenômeno ocorrente com as normas que permanecem vigentes e eficazes é o da
complementarização de uma determinada lei. Nesses termos pode-se citar o
exemplo do Código Tributário Nacional, que é veiculado pela lei ordinária nº.
5.172, de 25.10.66, repita-se lei ordinária em sua formação, mas sem qualquer
sombra de dúvida lei de caráter nacional, sob o pálio da Carta de 1946.
De
fato, a natureza jurídica era a de lei ordinária, desde que a lei em estudo
advém da Constituição Federal de 1946 e ainda não era existente no processo
legislativo pátrio lei formalmente complementar à Constituição.
Somente
com o novo regime implantado pela Carta de 67/69 (art. 18, § 1º.), mantido pela
de 88 (art. 146) foi outorgado o "quorum" especial e a
exigente previsão da matéria a ser objeto de lei complementar.
Sendo
a matéria tributária eminentemente complementar, mesmo que o Código Tributário
Nacional não tivesse origem mediante "quorum" especial e
qualificado, foi ele guindado "ipso facto" ao "status"
de lei de natureza complementar, pelo seu conteúdo de matéria, repita-se,
reservada à modalidade do ato normativo sob enfoque.
Sustentam
alguns autores que aquela lei continua formalmente lei ordinária e
materialmente lei nacional. Entretanto esses mesmos autores recaem na
encontradiça e contraditória afirmação de que somente mediante lei complementar
pode aquela lei ser formalmente revogada ou modificada.
Decorre
dos próprios argumentos opositores, por conseguinte, a afirmação, sem sombra de
dúvidas, de que verdadeiramente aquela lei ordinária, em seu nascedouro
ordinária, nacional, foi tornada complementar mediante o fenômeno da repecpção.
3.
A recepção de lei complementar como ordinária: Um outro
interessante fenômeno, também observado, é justamente o inverso daquele, ou o
da descomplementarização da norma recepcionada, podemos assim nominar.
Não
vamos muito distante ao exemplo, desde que é patente que a primeira Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público foi a lei complementar nº. 40, de
14.12.81, revogada pela lei ordinária nacional nº. 8.625, de 12.02.93.
À
primeira vista a afirmação poderia parecer um atentado à hierarquia das normas
jurídicas, à ordem piramidal estabelecida pela própria "Lei Mater"
afirmar-se que uma lei complementar foi revogada por uma lei ordinária, o que
não é o caso, senão vamos adiante.
Estabeleceu
a Carta de 1988, pelo § 2º., do art. 127, que lei ordinária disporia sobre o
ordenamento comum aos Ministérios Públicos da União, dos Estados e do Distrito
Federal, acrescentando, pelo § 2º., do art. 128, que os respectivos procuradores-gerais
dos Estados e o da União, facultativamente teriam a iniciativa de suas leis
complementares.
Sistematicamente,
o preceito do art. 61, § 1º., inciso II, afirmou que seria de iniciativa
privativa do Presidente da República "a lei" a dispor sobre
"normas gerais" de organização dos Ministérios Públicos dos Estados,
fundamento a ser observado pelos Estados e por seus Ministérios Públicos.
Manifestamente,
portanto, a Carta Constitucional de 1988 recepcionou a lei complementar nº.
40/81 como lei ordinária, de cunho nacional, dispondo sobre "normas
gerais" aos Ministérios Públicos, pelo preceito daquele art. 61, § 1º.,
inciso II, repita-se.
Ora,
recepcionada como lei formalmente ordinária, revogada o foi pela também lei
ordinária nº. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, também lei de cunho nacional e
com disposições de "normas gerais".
4.
Considerações finais: Ante o exercício exposto de lógica jurídica e
análise lógica, indubitavelmente o fenômeno da recepção é fundamento à mudança,
revogação ou manutenção de normas do sistema jurídico, bem como determinante da
natureza de suas leis, e até transformador da exigência e de sua especialidade,
incabendo contraposição ao comando maior constitucional.
Conseguintemente,
induvidosa a conclusão, nos exemplos estudados, que tanto o C.T.N. tem natureza
de lei complementar, quanto a lei complementar nº. 40/81, recepcionada como lei
ordinária nacional, foi revogada pela também lei ordinária nacional nº.
8.625/93.
(*)
Ricardo Maia é promotor de Justiça, titular da 29ª. Promotoria de Justiça Cível
de Fortaleza - Ceará, atualmente coordenador-geral do DECOM, do Ministério
Público do Ceará, pós-graduado a nível de Mestrado em Direito Constitucional
pela Universidade Federal do Ceará.
http://www.ricardomaia.pro.br/artig2.htm