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"As Normas Gerais dos MPs
e a Normatização pelos Estados"

Ricardo Maia (*)

1. DELIMITAÇÃO DO TEMA. A fixação de normas de regência aos Ministérios Públicos dos Estados mediante lei ordinária, mas de conteúdo nacional, quais as que contêm "normas gerais", nenhum prejuízo ao interesse público causa, sequer ao Órgão que lhe prestigia e cumpre a determinação constitucional, prevalecendo, inclusive, sobre o ordenamento jurídico estadual. Incabe, por conseguinte, celeuma sobre ausência de lei complementar disciplinadora.

2. UM POUCO SOBRE O SISTEMA JURÍDICO. Nenhuma novidade a afirmação de que o nosso sistema jurídico é dotado de leis complementares e de leis ordinárias, seguida a ordem piramidal. Distinguem-se umas das outras por serem substancial ou material e formalmente dessemelhantes. A uma, porque aquela tem estabelecido "quorum" especial para a sua elaboração, dês que é exigida para sua aprovação a maioria absoluta das Casas (art. 69, CF/88), enquanto que, para a lei ordinária, a maioria simples de votos (art. 47, CF/88). A duas, porque a própria Carta Constitucional determina ser por meio de lei complementar que as próprias leis terão o rito de suas elaborações, redações, alterações e consolidações estabelecido (parágrafo único do art. 59). Isso quer dizer que, do ponto de vista material, as leis complementares são extrinsecamente classificáveis, primordialmente, como constitucionais, uma espécie de "longa manus" do constituinte, para complementação de seu texto.

Ainda do ponto de vista material, a própria Carta determina, às expressas, os casos a serem disciplinados por lei complementar, quando assim a exige, ou por lei ordinária, sem adjetivação. Assim também são as leis ordinárias logo classificáveis como federais, nacionais e de "normas gerais".

3. OS COMANDOS NORMATIVOS AOS MPs. Estabeleceu o constituinte, na parte final do § 2º., do art. 127, ordenamento comum aos Ministérios Públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios, dispondo expressamente que "a lei disporá sobre sua organização e funcionamento" e, mais adiante, no § 2º., do art. 128, fez distinção entre os Ministérios Públicos da União e dos Estados, facultada a iniciativa de suas Leis Complementares aos respectivos procuradores-gerais.

Em consonância, busca-se o preceito do art. 61, § 1º., inciso II, que afirma ser da iniciativa privativa do presidente da República "as leis" que disponham sobre a organização do Ministério Público da União, e as que fixam "normas gerais" para a organização dos Ministérios Públicos dos Estados. É, portanto, preceito manifesto da Carta que a lei que dispõe sobre a organização do Ministério Público da União, de iniciativa privativa do presidente da República, ou facultativa de seu procurador-geral, é lei complementar. Fácil a conclusão de que a lei estadual que dispõe sobre a organização de cada um dos Ministérios Públicos de cada Estado também é lei complementar.

Não obstante, não deixou o constituinte nacional ao talante do constituinte estadual, do legislador estadual, ou de cada procurador-geral, a fixação de regras aos MPs estaduais. Para tanto, sem qualquer prejuízo, firmou a competência privativa do presidente da república para fixar-lhes "normas gerais" às suas organizações.

Não silenciou, como se percebe, sobre a lei a estabelecer normas aos Ministérios Públicos dos Estados. De fato, firmou o entendimento de que lei ordinária, mas contendo "normas gerais", propositadamente lei nacional, a respeito deles disporia. É necessária, portanto, apenas a distinção entre o que sejam normas federais, nacionais e "normas gerais".

4. LEI FEDERAL, LEI NACIONAL - A DISTINÇÃO. É consabido que as leis federais, tais quais as leis estaduais e as municipais são leis de âmbito restrito às respectivas administrações, enquanto que as leis nacionais mais que ultrapassam os limites territoriais entre a União, Estados, DF e Municípios, mais que ultrapassam o princípio da federação, porque é dele intrínseco, para alcançar o da União indissolúvel, o da unidade plena e absoluta do Estado Nacional, Brasileiro, como Federação. Melhor que conceitos e definições são os exemplos, senão vejamos os do código tributário nacional, código civil, código penal, etc., contra os quais nenhuma Constituição Estadual, ou legislação pode lhes contrariar.

5. NORMAS GERAIS E SUA CONCEITUAÇÃO. Ao conceito de "normas gerais" lhe foi atribuída muita importância pelo constituinte, e o é pela doutrina e pela jurisprudência, normas verdadeiramente fixadoras de competências e, mais que isso, divisoras de competências entre as unidades federadas. Há obviedade no termo "gerais", desde que todas as normas o são, além de genéricas, abstratas e dotadas de força coercitiva ou sanção. No entanto, a lei não possui vãs palavras. A noção, mais que necessária, é bem explicada em voto da lavra do eminente Ministro Moreira Alves (Acórdão STF, Repr. 1150-RS, 16.5.85 - RDA 162), quando afirmou serem as "normas gerais", no sentido constitucional, aquelas preordenadas para disciplinar matéria que o interesse público exige seja unanimemente tratada em todo o País. Quer isso dizer, por conseguinte, que "normas gerais" são aquelas a que convém ao interesse público tratamento igual em todas as ordens da Federação, para perfectibilização de instrumentos, normas e princípios constitucionais.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Extrai-se desses aspectos levantados, que as "normas gerais" estabelecidas aos Ministérios Públicos dos Estados hão de ser observadas pelos Estados, sem contrariedade, desde que há nelas a eficácia plena do comando legislativo nacional, sem que se possa macular sua importância em sê-lo, ou não, complementar.

 

(*) Ricardo Maia de Oliveira é Promotor de Justiça, titular da 29ª. Promotoria de Justiça Cível de Fortaleza - Ceará, atualmente coordenador-geral do DECOM, do Ministério Público do Ceará, pós-graduado a nível de Mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará.

 

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