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A QUESTÃO CONSTITUCIONAL DA ARBITRAGEM
Carlos Eduardo Caputo Bastos
Pende
de julgamento no Egrégio Supremo Tribunal Federal a questão da
constitucionalidade dos artigos 6º e 7º da Lei nº 9.307/96, que dispõe sobre
arbitragem. O referido diploma legal, de iniciativa do então senador Marco
Maciel, objetivou ‘‘a diminuição da tutela do Estado e conseqüente aumento dos
poderes da cidadania’’.
Como é de sabença geral, o direito positivo brasileiro disciplinou a arbitragem
desde a Constituição do Império, de 1824, passando pelo Código Civil, de 1917,
e nos códigos de Processo Civil de 1939 e 1973. E fato, entretanto, que o
instituto da arbitragem não experimentou na prática jurídica brasileira o
destaque que tem merecido em outros países e no âmbito das relações
internacionais, especialmente no campo do direito internacional público.
Muitos fatores contribuíram para isso: (a) ausência de uma cultura da
arbitragem; (b) quase ou nenhuma importância da matéria nos currículos
universitários; (c) desinteresse generalizado da comunidade jurídica no
aparelhagem e na formação de quadros para instituição dos juízos arbitrais; (d)
dificuldades de ordem procedimental face a inexecutividade da cláusula e/ou do
compromisso arbitral, bem como a necessidade de homologação judicial do laudo
nacional e da dupla homologação do laudo estrangeiro, entre outras
circunstâncias desestimuladoras.
Pois bem. Vindo à lume a Lei nº 9.307/96, suscitou-se, incidenter tantum, a
questão da constitucionalidade dos seus artigos 6º e 7º. Isto verificou-se por
ocasião do início do julgamento da AGRG na Sentença Estrangeira nº 5.206-7, da
Espanha. As objeções assinaladas pelo eminente ministro Sepúlveda Pertence
referem-se, em particular, à incompatibilidade dos mencionados preceitos legais
e à disposição do inciso XXXV do artigo 5º, da Constituição Federal.
O ponto nodal de orientação do debate reside, especificamente, na possibilidade
de o juiz substituir a vontade da parte que, embora tenha convencionado a
instituição da arbitragem como forma de solução de eventuais litígios, negue-se
a firmar o compromisso arbitral e/ou, em extinto este, instituir o procedimento
arbitral. Em síntese, é isso que contemplam o parágrafo único do artigo 6º e o
artigo 7º, da Lei nº 9.307/96.
Para o eminente relator, a renunciabilidade da ação não existe in abstrato, na
medida que ‘‘prescince da concreta determinação de um litígio atual’’, vale
dizer, a renúncia do direito de ação não pode antecer à efetiva atualidade da
controvérsia.
Não obstante a profundidade do raciocínio, parece-nos, todavia, que a questão
suscitada permite seja examinada sob uma perspectiva construtiva e conforme à
Constituição. Nesse sentido, colhe-se em primeiro lugar, que o direito —
pretensão material — suscetível de apreciação pelo juízo arbitral é,
exclusivamente, aquele que se refere aos chamados patrimoniais disponíveis.
Em segundo lugar, na consideração de que a ação é o instrumento de realização
do direito material, a renúncia deste, em sendo possível (direito patrimonial
disponível), há de oportunizar, por via de conseqüência, a renúncia daquela, até
porque, no plano de correspectividade entre direito e ação, a renúncia ao
direito de ação estará balizada na mesma proporção da medida e possibilidade de
renúncia da pretensão material de que o sujeito é titular.
Isto é, eu posso renunciar a meu direito de ação na medida exata que eu possa
renunciar minhas pretensões materiais disponíveis, posto que, a cada pretensão
material disponível, corresponde, instrumentalmente, uma pretensão disponível
do meu direito de ação.
Aliás, é convir, em terceiro lugar, que o direito de ação, mesmo in abstrato,
não comporta seja menosprezada a máxima nemo iudex ex officio, vale dizer, o
sujeito não é obrigado — nem diante da universalidade da jurisdição judicial —
a submeter, ou ver submetido por terceiros a tanto legitimados, pretensão
material disponível.
Demais disso, sem prejuízo da inobrigatoriedade de submeter as questões de
direito patrimonial disponível ao crivo do Judiciário, em face da não
compulsoriedade do exercício do direito de ação, seja o litígio atual ou não, é
de ver-se que na hipótese em tela (direito patrimonial disponível) a ação
correspondente tem caráter absolutamente facultativa e dependente da exclusiva
iniciativa do titular do direito material.
O exercício da ação, na hipótese, é de exclusiva disposição do titular do
direito material, de modo a permitir a conclusão de que, sendo possível a
renúncia da pretensão material — direito substantivo — é corolariamente
possível a renúncia da ação correspectiva — direito instrumental.
Por fim, é de se ressaltar que a cláusula arbitral, à semelhança do
compromisso, atende também ao pressuposto de constitucionalidade. No ponto, a
Lei nº 9.307/96 foi, sem dúvida, extremamente cautelosa no que tange à
observância do inciso XXXV do artigo 5º da CF. Senão vejamos.
Em havendo recusa no se firmar o compromisso (artigo 6º) e/ou resistência à
instituição da arbitragem (artigo 7º), a parte interessada submete a questão ao
Poder Judiciário. Com a atuação estatal, sobre afastar a idéia de
compulsoriedade da arbitragem, é certo que o órgão Judiciário competente
poderá, inclusive, rechaçar o pleito, isto é, entender que a cláusula ou o
compromisso não comportam executividade.
Aqui sim, em face da atualidade da controvérsia e em se reconhecendo que o
dissídio não contempla, apenas, os chamados direitos patrimonais disponíveis, o
juiz poderá julgar improcedente o pedido. De outra banda, havendo cláusula
arbitral e/ou termo de compromisso e em sendo a controvérsia sobre direito
patrimonial disponível, o juiz — em obséquio ao princípio da legalidade —
decidirá nos termos em que prescrevem os artigos 6º e 7º da Lei nº 9.307/96.
Assim é que, antes de inobservar os lindes da Constituição Federal, a lei de
arbitragem, ao contrário, prestigia a ação estatal naquilo que diz com a
garantia constitucional da universalidade da jurisdição judicial. Nessa
perspectiva que afirmamos que a constitucionalidade dos artigos 6º e 7º da Lei
nº 9.307/96 exsurge em razão de hermenêutica construtiva e conforme a
Constituição.
Carlos Eduardo Caputo Bastos
Advogado,
Presidente da Associação de ex-alunos da Faculdade de Direito da
Universidade de Brasília
Extraído do site do jornal Correio Braziliense
http://www.neofito.com.br/