BUSCALEGIS.ccj.ufsc.br
ALGUNS ASPECTOS DA LEGITIMIDADE NORMATIVA DE
UM PODER CONSTITUINTE
Cristiane Rozicki
Para
compreender a complexidade de todo o tema atinente à formação das normas que
fundamentam a organização de uma sociedade política, entendendo o poder
constituinte, no sentido genérico da expressão, como o poder de criar as
principais regras jurídicas de constituição de um Estado e de revisar o
ordenamento constitucional, num determinado ambiente democraticamente evoluído,
merece atenção, em primeiro lugar, a concepção de legitimidade.
Toda atividade normativa, que o titular do poder constituinte põe em prática,
só adquire legitimidade se a mesma responder perfeitamente aos anseios do
próprio povo que fez depositário da soberania de sua vontade aquele poder.
É importante considerar que, qualquer produção normativa ou mudança da ordem
jurídica fundamental, consiste uma atividade que sempre deve estar submetida e
subordinada às exigências do bem comum, à vontade da sociedade que o poder
constituinte representa e aos valores morais, éticos e culturais desta mesma
multidão, porquanto consiste a manifestação originaria da soberania de todo um
povo, expressão da vontade geral portanto.
Impende asseverar que a relevância de tais constatações, a respeito da
legitimidade normativa do poder constituinte, alcança situações que, no mundo
pós-moderno, refletem-se no descumprimento das leis, as quais se mantém em
conflito com a realidade social e em desacordo com a vontade soberana do povo,
quando não a atender, provocando a rejeição das relações jurídicas que sobrevêm
impositivamente pela aplicação das normas postas, na verificação da eficácia da
ordem constitucional e na crise do modelo de Estado.
Nesse sentido, são atualíssimas as assertivas que Aristóteles, séculos antes da
era cristã, planteou, a propósito da unidade do Estado.
O Estado que assegura a total afinidade com os interesses comuns e a vontade do
povo, segundo o pensamento aristotélico, sustentando sua legislação na amizade
recíproca que mantém com a comunidade, seguramente garante sua persistência. E,
a amizade, depende da participação.
Esta idéia significa que, quando as leis que as autoridades emitiram e
colocaram em vigor encontram-se em total consonância com a vontade dos
cidadãos, há amizade recíproca, isto é, afinidade entre as leis que expressam o
interesse comum, as instituições que elas criam e a totalidade dos cidadãos,
tomando-se conhecimento da vontade dos mesmos com a participação de todos em
tudo, a unidade política ocorre espontaneamente.
A unidade de um Estado que assim procede e se desenvolve, tem, como resultado
da identidade entre os interesses da população e as leis, o reconhecimento da
igualdade entre todos. Por conseguinte, é a síntese das vontades de todos os
cidadãos, iguais, que é obtida através da participação de todos nas tomadas de
opinião em todas as instâncias do poder, que fornece legitimidade ao poder de
legislar ou não.
O contrário dessa situação descrita, consoante Aristóteles, reduz-se à
inexistência da amizade, que é o reflexo da expressão do interesse comum a
todos, e termina no conflito da lei e do direito, que foram produzidas sem
afinidade com a vontade popular, e os cidadãos. Configuram, por fim, as normas
que se encontram em desarmonia com o consenso da maioria da população,
verdadeira violência, porquanto, apenas em virtude da lei, a população se vê
obrigada à unidade política, haja vista a falta de amizade entre todos e aquele
que os representa e legisla.
Daí resulta o motivo por que Aristóteles sempre advertiu aos homens que o
perigo de modificar facilmente as leis está no enfraquecimento do próprio
Estado: trocar as leis por outras novas, sem o respaldo na participação do povo
e contra sua vontade, ou o desconhecimento de sua vontade, estabelece a falta
de amizade, a carência, por conseguinte, de unidade.
Assim, em todo Estado autenticamente democrático, a supremacia da vontade
popular é conhecida por meio da participação de todos em todas as instâncias do
poder. Tal participação, que está aliada aos fins e objetivos do Estado, pode
ser feita individualmente ou através de organizações sociais e profissionais
para conferir a todo sistema legal a legitimidade.
Em síntese, a legitimidade do sistema legal, está alicerçada na ampla e efetiva
participação do povo no exercício do poder e na elaboração legislativa. É a
participação que proporciona à população a oportunidade de manifestar
livremente sua própria vontade, sem restrições, no resultado de cada pesquisa .
Desse modo, resta dizer, é do extrato de cada pesquisa que se obtém um consenso
geral sobre a configuração do próprio Estado e sobre o desenvolvimento de suas
atividades.
E, desta explanação, cabe, ainda, inferir que a descoberta do interesse comum,
síntese de uma grande diversidade de interesses, o próprio consenso, só é
possível porque o Estado democrático reconhece que, na realidade, toda a
sociedade é pluralista.
Cristiane Rozicki
Mestre em Direito, em Instituições Políticas e Jurídicas, pelo
Curso de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina
Doutoranda em Teoria do Estado, no mesmo Curso
Especial para O Neófito
Incluído no site em 26/10/99
http://www.neofito.com.br