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João Batista de Almeida é Subprocurador-Geral
da República, Mestre em Direito pela UnB e 1.º Vice-Presidente do BRASILCON –
Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor.
Contrariando a
melhor doutrina sobre o tema, representada por autores do porte de Rosa Maria e
Nelson Nery Junior, Kazuo Watanabe, Rodolfo de Camargo Mancuso, Hugo Nigro
Mazzilli, o Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 1999, julgou caso pioneiro
para dizer que o Ministério Público não tem legitimidade para aforar ação civil
pública com o fim de impugnar a cobrança e pleitear a restituição de imposto
(IPTU), pago indevidamente, nem essa ação seria cabível, dado que não há, entre
o sujeito ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte) uma relação
de consumo, nem seria possível identificar o direito do contribuinte com
"interesses sociais e individuais indisponíveis" (RE 195056/PR, TP,
Rel. Min. Carlos Velloso, j. 9-12-1999, v. m., dec. publ. em 17-12-1999).
Não obstante o
respeito que merecem os doutos julgadores, a decisão referida está a merecer
reparos.
A CF/88
constitucionalizou a ação civil pública, ao incluir sua promoção como uma das
funções institucionais do Ministério Público, para a defesa do meio ambiente,
do patrimônio público e social e de "outros interesses difusos e
coletivos" (art. 129, III). Por "interesses coletivos" são
também entendidos os direitos individuais homogêneos, que são considerados
coletivos lato sensu - portanto, dentro da concepção não restritiva
adotada pela CF - ou "sub-espécie de interesse coletivo" (RE
163.231/SP, TP, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 26-2-1997, v. u.).
Em sede
infraconstitucional compete ao Ministério Público da União zelar pela
observância dos princípios constitucionais relativos ao sistema tributário, às
limitações do poder de tributar, à repartição do poder impositivo e das
receitas tributárias e aos direitos do contribuinte (LC n. 75/93, art. 5.º, II,
a, aplicado subsidiariamente à Lei n. 8.625/93).
Além disso, o
art. 129, III, da CF reconhece legitimação ao Ministério Público para promover
a ação civil pública na defesa do meio ambiente, do patrimônio público e social
e de "outros interesses difusos ou coletivos", categoria na qual
poderiam ser enquadrados os consumidores e os contribuintes, tese, aliás,
acolhida no voto vencido do Ministro Marco Aurélio.
Deve ser
observado que a ação, no caso concreto, continha dois pedidos: um de natureza
coletiva - a impugnação da cobrança em favor de toda a categoria de
contribuintes do município - e outro, individual homogêneo - o pedido de
restituição do imposto indevidamente pago. Para o pleito difuso ou coletivo,
via ação civil pública, não há necessidade de caracterizar-se relação de
consumo, nem a condição de consumidor dos contribuintes. Isso só deve ocorrer
no pleito dos direitos individuais homogêneos - por natureza divisíveis e
disponíveis. Ocorre que ambos os pleitos foram tratados como de direitos
individuais homogêneos, e, como tal, desacolhidos, tanto por inadequação da
via, como pela ilegitimidade do órgão ministerial. Pergunta-se: por acaso não
teria o MP legitimidade para formular pedido de natureza coletiva? Óbvio que
sim.
O mestre Kazuo
Watanabe tem advertido que "o que importa para os fins de tutela
jurisdicional é o que o autor da demanda coletiva traz para o processo",
vale dizer, o seu objeto litigioso" (Código de Defesa do Consumidor
comentado pelos autores do anteprojeto, 6. ed., Forense, p. 728),
acrescentando que "é na transposição do conflito de interesses do plano
extraprocessual para o processual e na formulação do pedido de provimento
jurisdicional que são cometidos vários equívocos. A tutela de interesses
coletivos tem sido tratada, por vezes, como tutela de interesses ou direitos
individuais homogêneos, e a de interesses ou direitos coletivos, que por
definição legal são de natureza indivisível, tem sido limitada a um determinado
segmento geográfico da sociedade, com uma inadmissível atomização de interesses
ou direitos de natureza indivisível" (idem, p. 729).
Com precisão
científica, o mesmo autor também aduz que: "A determinação dos membros
integrantes do grupo é, precisamente, a nota que distingue os interesses ou
direitos coletivos ou direitos difusos. Se o ato atacado através da ação
coletiva (reajuste de mensalidades) diz respeito a todos os contratantes dos
planos de saúde, globalmente considerados (não sendo atacados um a um, em
relação a cada um dos filiados, os reajustes exigidos pelas empresas mantenedoras
dos planos), a nota da indivisibilidade do bem jurídico e bem assim a sua
transindividualidade são inquestionáveis, pois basta a procedência de uma única
demanda para que todos filiados dos planos de assistência médica e hospitalar
sejam coletivamente beneficiados" (ob. cit., p. 730).
Como visto, o
Acórdão do STF acima referido está em total desconformidade com a melhor
doutrina, ao dar o mesmo tratamento a pedidos de natureza diversa - coletivo e
individual homogêneo -, reconhecer inadequação onde não existe e negar
legitimidade ao Parquet em matéria em que ela está patente.
De ver-se que,
contraditoriamente, no caso do aumento abusivo das mensalidades escolares, os
direitos individuais homogêneos (rectius: coletivos) foram considerados
sub-espécies de interesses coletivos, situação que era idêntica à dos
contribuintes, que, no entanto, lograram tratamento diverso.
Na sustação da
cobrança do tributo indevido (pedido coletivo), como se percebe, há manifesto
interesse social evidenciado pela dimensão e característica do dano, visto que
este atinge uma gama enorme de pessoas de determinado município, altamente
dispersas, assim como está presente a relevância social do bem jurídico que se
busca proteger - a ordem jurídica tributária, tal como exigido no § 1.º do art.
82 do CDC c/c a Lei Complementar n. 75, de 20-5-1993 (LOMPU), art. 5.º, II, a.
Aliás - é bom relembrar -, essa lei permite expressamente a defesa dos
contribuintes pelo Ministério Público.
Espera-se que a
Suprema Corte, ao analisar novos processos submetidos a julgamento, venha a
reconsiderar essa decisão do leading case, que representa verdadeira
restrição à tutela coletiva.
Resulta claro,
pois, que a ação civil pública é adequada para a defesa do contribuinte,
veiculando pleito de natureza difusa ou coletiva em matéria tributária, estando
legitimado o órgão ministerial para a sua promoção.
Retirado de: www.saraivajur.com.br