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A afirmação do Direito do Desporto

 

 

 

José Manuel Meirim - Assessor do gabinete do Procurador-Geral da República; Assistente convidado da Faculdade de Motricidade Humana

 

 

 

1 – O desenvolvimento do Direito não vive sem uma produção científica atenta e crítica do actuar legislativo e do labor da jurisprudência.
Como se sabe, aos tribunais e à doutrina cabe a espinhosa função de «descobrir» o Direito, de tornar patentes, a partir da concepção e opção político-legislativa, as normas jurídicas que regem os diferentes domínios da realidade jurídica.

Não se fica por aqui o papel da Ciência do Direito e mesmo da jurisprudência.
Da sua actividade brotam as lacunas, espaços até aí ocultos a necessitar de resposta própria, as obscuridades do sistema jurídico, as suas imperfeições e incoerências, mas também as suas valências de inovação e perspectivação.

Estas considerações de ordem geral vêm a propósito, servindo de intróito, da imperiosa necessidade de, também no «relacionamento» entre o Direito e o Desporto, o espaço doutrinal se afirmar, para benefício dos próprios agentes desportivos e restantes operadores do sistema desportivo.
A produção legislativa no domínio da actividade desportiva, mormente a de índole pública interna, conheceu no triénio 1997/1999 uma intensidade quase sem precedentes no âmbito do que poderíamos denominar por «espaço normativo democrático».

Nunca tanto se emanou dos órgãos legislativos competentes, particularmente através da acção da Assembleia da República e do Governo, em matéria de regulação do fenómeno desportivo, nas mais diversas variantes que este assume, depois de 25 de Abril de 1974.

Por outro lado, também os tribunais têm vindo a ser chamados a intervir de forma crescente na resolução de conflitos desportivos, abalando decisivamente o mito da desjurisdicionalização do desporto.

2 – E que papel para a doutrina neste específico domínio?

Acompanhando há já alguns anos o desenvolvimento do que , sem pretensiosismos nem busca de rigor
científico, poderemos designar por Direito do Desporto, é com imenso agrado que constatamos que o ano de 2000, sem que disso se tivesse dado conta a comunidade jurídica no seu global, foi o ano em que se defenderam e aprovaram as primeiras dissertações de mestrado, em que a temática central tinha por objecto o desporto, em concreto, duas especiais organizações desportivas: as federações desportivas e as sociedades desportivas.

Coube, salvo erro de conhecimento de que de imediato me penitenciarei, a Alexandra Pessanha a defesa da primeira tese de mestrado, que veio a ser aprovada em Fevereiro de 2000, na Universidade Autónoma de Lisboa.

Intitulada "As federações desportivas – Contributo para o estudo do ordenamento jurídico desportivo", nela se recolhem indicações e reflexões importantes sobre a «dupla natureza» desses entes desportivos, navegando-se ainda nas interessantes águas do pluralismo jurídico, cabendo ao ordenamento jurídico desportivo um papel de «cobaia».
De lamentar apenas a sua não publicação em área tão pobre de registos públicos.


Mais tarde, a Faculdade de Direito de Coimbra, ofereceu-nos o segundo testemunho de que as escolas de Direito começam a «levar o Direito do Desporto a sério».
Ricardo Marques Candeias defendeu e viu aprovada a sua tese "Personalização de equipa e transformação de clube em sociedade anónima desportiva – Contributo para um estudo das sociedades desportivas".
Também neste trabalho académico, felizmente já no prelo, se encontram razões para acreditar numa evolução científica sã no âmbito do Direito do Desporto.

3 – O ano corrente marca, sem dúvida, o estudo da realidade desportiva a partir de uma perspectiva jurídico-científica consolidada, sem que com isso se pretenda abalar os esforços daqueles que no passado, mais ou menos recente, têm vindo a dedicar muito do seu esforço no domínio da investigação jurídica, buscando enquadrar cientificamente o binómio Direito e Desporto.
O ano que vem, quase que o asseguraríamos por inteiro, será o ano da apresentação das dissertações de doutoramento nas escolas do Direito.
Esse processo corre sereno e seguro na Faculdade de Direito de Coimbra, centrado nas relações laborais dos praticantes desportivos.

Trata-se de um processo revestido ainda de alguma lentidão, mas a consagração de uma aproximação juriscientífica ao Direito do Desporto é, a nosso ver, um percurso sem retorno, multiplicador de apetências académicas tal o efeito cativador da prática desportiva.
E esta bem precisa, nas suas múltiplas variantes, profissional, de rendimento, de simples lazer e formação do cidadão, de um Direito «competitivo».


Justiça e Cidadania, Suplemento do Primeiro de Janeiro, 28-Set-2000

 

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