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A POLÍTICA DA REFORMA DO ESTADO NO BRASIL:
issue areas e processo decisório da reforma previdenciária, administrativa e tributária
 
Versão preliminar para Discussão
 
Marcus Melo
UFPE
 
Trabalho preparado para o seminário The Political Economy of Administrative Reform in Developing Countries, 5-6 Junho de 1997, CIDE/Northwestern University, Cidade do Mexico
 

Introdução

O objetivo desse paper é analisar o processo de reforma do estado brasileiro nos anos 90 a a partir de uma perspectiva que privilegia variáveis de natureza institucional e outras relacionadas à natureza das arenas decisórias nas várias issue areas de política. O paper discute de forma comparativa as reformas administrativa, triibutária e da previdência social implementadas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso. O paper está organizado em cinco partes. Na primeira, discute-se como a análise dos determinantes institucionais das reformas de política pode ser combinada com uma discussão das especificidades de cada issue area. Na segunda seção discute-se a agenda da reforma do estado nos anos 90 no Brasil e seus determinantes. A terceira seção apresenta um sumário da evolução das reformas, com referência à agenda específica da reforma em cada área, e a evolução da tramitação legislativa da reformas. A quarta seção explora analiticamente a capacidade explicativa de um conjunto de variáveis selecionadas, e a quinta apresenta algumas observações conclusivas preliminares sobre as explicações políticas do processo de reforma.

A Política da Reforma e o Papel das Instituições

O processo de reforma do estado na América Latina e Europa do Leste tem atraído um conjunto crescente de análises empíricas e teóricas (Haggard 1995; Kauffman 1997). Um conjunto importante, embora reduzido e ainda incipiente, de trabalhos tem privilegiado a matriz institucional dos países estudados e seus impactos sobre as reformas em curso. As insuficiências das análises anteriores de corte mais marcadamente sociológico e de economia política, onde as questões de ordem institucional eram subsumidas em outras problemáticas, foram apontadas por essa literatura. No plano das ciências sociais as análises que enfatizam o papel das instituições têm sido associadas ao chamado "novo institucionalismo", ou mais acertadamente, tendo em vista a heterogeneidade interna deste conjunto de contribuições, "novos institucionalismos".

Embora exista forte ambiguidade em torno do que se define como "instituições", a ênfase colocada neste conjunto de trabalhos no papel das regras e procedimentos (formais e informais), rotinas, normas sociais, convenções e legados de política (policy legacies) permite iluminar aspectos fundamentais do processo decisório de políticas.

Estudos recentes de reformas em áreas setoriais tem iluminado o papel de arranjos institucionais diferenciados em países distintos (Weaver e Rockman 1993; Hall e Taylor ?; Immergut 1992). Conclusões semelhantes sobre o impacto dos constrangimentos institucionais também são partilhadas pelos estudos de caráter macro em estruturas corporativistas e neocorporativistas que apontam para o papel de organizações inclusivas e centralizadas de trabalhadores e empresários na produção de decisões concertadas. As análises sobre o corporativismo em países como o Brasil tem apontado o impacto dessas organizações embora não estabeleça relações causais com a matriz institucional do país.

No Brasil, as questões institucionais adquiriram grande centralidade na agenda de pesquisas devido aos recorrentes episódios de escolha institucional a que a população se viu exposta (assembléia constituinte, plebiscito sobre sistema de governo, e assembléia revisora). Em um certo sentido, os estudos institucionais só adquirem sistematicidade - e até mesmo relevância teórica - num quadro de pleno funcionamento das instituições democráticas, o que explica a onda recente de estudos com um foco institucional no Brasil e na América Latina. Como assinala Bates (1990, p. 47), a fragilidade do constrangimento eleitoral e das instituições políticas nos países do Terceiro Mundo reduzem o potencial explicativo da abordagem neoinstitucionalista, no entanto, a própria volatilidade institucional possibililita que se possa tratar as instituições como "endógenas", o que permite explorar questões conceituais centrais relativas à origem das instituições.

A agenda de estudos institucionais tem privilegiado quase que exclusivamente as questões sobre sistema de governo, sistemas eleitorais, e, só muito recentemente, uma nova e bastante fecunda linha de análise tem focalizado a organização dos trabalhos legislativos (Limongi e Figueiredo 1995; Figueiredo e Limongi 1995; Figueiredo e Limongi 1994).

O papel dos constrangimentos institucionais nos processos recentes de reforma na América Latina é a fortiori mais evidente nos casos em que as reformas ocorrem em experiências pós-autoritárias, exigindo mudanças constitucionais. Instituições e aspectos do sistema democrático, como a organização dos trabalhos legislativos, os requisitos jurídicos para revisão constitucional ( exigência de plebiscito, etc), o timing (antecipado ou não pelos atores) das iniciativas de reforma constitucional no parlamento, cumprem papel fundamental no rumo das reformas.

A tradição brasileira da área de estudos de formação de políticas tem em larga medida ignorado a dinâmica congressual. A ênfase é posta nos aspectos relativos aos lobbies e interesses organizados no âmbito do executivo e em sua interação com burocracias. Para o caso brasileiro no período pré-nova república, tal ênfase se justicava em virtude do inexpressivo papel do congresso nacional no processo decisório de políticas. A reforma constitucional, no entanto, é um jogo de natureza fundamentalmente congressual. Os mecanismos que traduzem a capacidade de mobilização em poder parlamentar são de natureza fundamentalmente institucional, e irredutíveis à explicação de natureza sociológica, ou quaisquer outras que não considere as variáveis institucionais. Importa para a análise da

Os estudos de caso sobre reformas do estado na América Latina nessa perspectiva ainda são escassos mas tem permitido iluminar aspectos importantes pouco estudados mas que, como se argumenta a seguir, podem ser enriquecidos com a análise da dinâmica do processo decisório nas diversas arenas de política . As diversas issue areas das reformas exibem uma forte heterogeneidade no que se refere a sua dinâmica de formulação e implementação que podem ser melhor explicadas pela consideração de como a estrutura decisória das políticas influencia a conformação de interesses.

As Políticas determinam a Política? Issue Areas e Reformas

Uma baliza teórica central do presente trabalho - que as especificidades das issue areas são importante preditor do do padrão de interação estratégica entre os atores - foi formulada a luz da literatura recente de políticas públicas.

A afirmação de Lowi de que a politics follows policies (e não o contrário como o senso comum sugere) abriu amplas perspectivas para o estudo de políticas públicas. A visão corrente de que a política - os interesses - moldam e definem as decisões de política frequentemente oblitera a visão do analista quanto ao próprio processo de formação de interesses numa arena decisória. Os interesses são definidos a partir das especificidades intrínsecas (ou, em linguagem econômica, tecnológicas) das políticas conforme a maneira como os custos e benefícios da política incidem sobre os atores (ou mais acertadamente, como a incidência de custos e benefícios é percebida pelos atores). Lowi (1964) foi mais longe ao propor que o padrão de interação política entre atores é ele próprio determinado pela natureza da política. Embora a tipologia de arenas de decisão proposta por esse autor tenha se mostrado de pouca aplicabilidade, e seja basicamente estática-descritiva (e não permita insights sobre a interação estratégica entre os atores, sua instigante advertência fornece pistas seguras para que possamos identificar conceitos num grau menor de abstração de forma a discernir especificidades entre as issue areas de reforma do estado.

Shepsle, a figura central do neoinstitucionalismo nos estudos legislativos, assinala que o quadro conceitual Lowiano "não se casa muito bem com o neoinstitucionalismo recente na ciência política e na economia" (Shepsle 1985, p. 231). Com efeito, Lowi faz tabula rasa do papel das instituições nos processos decisórios. Acreditamos, no entanto, como sugere Tsebelis (1995, p. 307), que uma análise neoinstitucionalista se enriquece ao se reconhecer que os processos decisórios detém especificidades de acordo com a issue area em pauta. Em seu modelo, de extração nitidamente neoinstitucionalista, sobre veto players, Tsebelis reconhece, por exemplo, que o próprio "número dos veto players varia de acordo com o issue" (Tsebelis 1995, p. 307). Os interesses se formam em função das arenas decisórias e a estrutura institucional facilita ou não a aprovação das decisões coletivas.

A Economia Política da Reforma do Estado no Brasil

O processo de formação da agenda da reforma do estado dos anos 90 representa em grande medida uma desconstrução da agenda que balizou os trabalhos da constituinte de 1987-88. Fortemente descentralizante, complexa e expansionista do ponto das instituições fiscais, e redistributiva e inclusiva do ponto de vista social, essa agenda vai gradativamente cedendo lugar a uma agenda balizada pela necessidade de integração competitiva ao mercado internacional, garantia de maior eficiência à administração pública, simplificação e harmonização tributária, recuperação da capacidade fiscal e tributária da união, e enfoque atuarial do financiamento da previdência social.

Após a promulgação da Constituição de 1988, setores das elites políticas e burocráticas se mobilizaram em torno de duas idéias-força relacionadas mas não logicamente interdependentes: a da ingovernabilidade e o da necessidade de reformas pró-mercado. A discussão em torno da questão da ingovernabilidade assumiu grande centralidade no debate público em torno das reformas recentes. Mas que isso ela se tornou um princípio ordenador do campo político . A ingovernabilidade fiscal passou a ser invocada com base num duplo diagnóstico de rigidez fiscal e orçamentária, e de expansão de direitos sociais e do gasto social crescente sem previsão de novas fontes de financiamento.

A difusão das reformas pró-mercado se difundiram no Brasil segundo um timing específico, que está sobredeterminado pelo processo de democratização no Brasil. Este pautou-se por ter sido produto de um pacto inter-elites, que se estendeu num longo período de tempo, e sobretudo por ter precedido o processo de ajuste e estabilização econômica. Os custos do processo de barganha política e da disputa distributiva (entre empresários e trabalhadores organizados, setores e firmas, corporações, e entes federativos) foram socializados e implicaram em expansão fiscal e aceleração inflacionária. A agenda das iniciativas reformistas na Nova República reflete o impacto das novas demandas engendradas pela democratização, e pela existência de muitos veto players devido à fragmentação do sistema de representação e intermediação de interesses. As iniciativas de reforma pró-mercado voltadas para o ajuste fiscal, desregulamentação e liberalização foram, dessa forma, diferidas no tempo. As iniciativas de reforma econômica assumiram um formato mais pragmático e menos programático do que nos outros países.

O processo de descentralização fiscal brasileiro também apresenta um timing específico que teve fortes repercussões sobre a formação da agenda de reformas. A descentralização fiscal precedeu o processo de estabilização econômica. Devido a essa sequência viciosa os efeitos perversos do novo federalismo fiscal pós-constituinte - entre os quais o descontrole das finanças estaduais e municipais - assumiu grande centralidade na agenda pública.

O novo arranjo institucional na área tributária decorrente da Constituição de 88 significou efetivamente uma transferência real de renda da União para os Estados e Municípios. Neste processo, os municípios foram os mais beneficiados, ocorrendo uma substancial perda relativa da União na participação da receita fiscal do país. O tema central das elites políticas, empresariais e burocráticas em relação às novas normas constitucionais refere-se à transferência de recursos para estados e municípios sem a contrapartida do repasse de obrigações correspondentes. Em outras palavras, a União teria perdido recursos, mas mantido os mesmos encargos .

Embora a União permanecesse praticamente com as mesmas atribuições anteriores à promulgação da Carta Magna, a sua incapacidade de manter os níveis históricos de investimentos em infraestrutura e em políticas sociais, acarretou uma espécie de "descentralização selvagem" de atividades para os governos sub-centrais. Em função dessa perda no orçamento fiscal a partir de 1988, a União começa a lançar mão das chamadas "contribuições sociais", como um meio alternativo de arrecadar recursos suplementares . Esta estratégia desenvolvida ao longo dos últimos anos tinha a vantagem, por um lado, do governo federal não ter que repassar esses recursos para os Estados e Municípios.

O acirramento do comportamento defensivo do Tesouro Nacional acompanhou a forte deterioração das contas públicas e diminuição dos graus de liberdade fiscal do governo. Neste contexto os estados e municípios, e os ministérios da área social, passaram a se constituir em atores institucionais privilegiados do conflito fiscal federativo e intra-governamental.

A receita das contribuições sociais que passou a representar mais da metade da receita tributária da união passou a ser disputada pelo Tesouro. Concretamente a disputa envolveu a forma de financiamento do Sistema Único de Saúde; e do pagamento dos encargos previdenciários da união, do custeio e pessoal do Ministério da Previdência. Boicotes e não-decisões pautou o padrão de atuação do Tesouro em relação ao orçamento integrado da seguridade social.

A área fazendária e de planejamento do governo passou a se mobilizar em torno da questão da rigidez orçamentária e necessidade de garantia de ‘receitas livres’. Com base no fato que o Governo só passou a dispor de liberdade alocatícia no que se refere à 10% do orçamento, o Governo Federal passou a patrocinar iniciativas que visavam a retenção de parcelas das transferências constitucionais aos estados e municípios, e a retirar parcelas dos recursos que compõe as fontes dessas transferências (imposto de renda de pessoa jurídica e Imposto sobre Produtos industrializados). Essa disputa federativa evoluiu gradativamente e ganhou certa permanência com a criação, em 1993, - e as sucessivas prorrogações - do Fundo Social de Emergência ( transformado em 1996 no Fundo de Estabilização Fiscal). Pela importância que essa disputa vem assumindo, podemos afirmar que ela constitui-se em dimensão essencial do conflito fiscal e distributivo brasileiro (cf tb Sola 1995).

No plano federativo mais amplo, observou-se forte expansão do gasto e do endividamento dos governos estaduais. Ancorados em bancos estaduais - o que lhes possibilitava agir como emissores líquidos de moeda - e dispondo de instrumentos para ampliar suas dívidas mobiliárias, os estados escaparam ao controle das autoridades monetárias. A questão das finanças subnacionais gradativamente passaram a ter grande visibilidade na agenda pública, como fonte de ingovernabilidade fiscal.

Esse é o pano de fundo no qual se formou a contra-agenda da reforma do estado no período pós-constituinte. Essa contra-agenda está ancorada na idéia de ingovernabilidade fiscal, patologias fiscais associadas aos excessos descentralizatórios (endividamento dos estados, guerra fiscal, etc) e colapso fiscal da União, em virtude gasto excessivo com pessoal. Além disso, a nova agenda centra-se também nos requisitos de redução da carga fiscal global - e redução dos "55 impostos do país" - , e sobretudo do "Custo Brasil". Esta expressão passa a compor o repertório intelectual da nova agenda e sinaliza a necessidade de redução das contribuições sociais, da desoneração das exportações e da eliminação dos impostos cumulativos.

Sumário da evolução das reformas

Previdência Social

A reforma da previdência entrou na pauta da reforma constitucional em abril de 1995, logo após a inauguração do governo Fernando Henrique Cardoso em janeiro desse ano. A reforma teve um tempo de tramitação global de 41 meses, até ser aprovada, em junho de 1998 (confirmar a última votação). A tramitação da emenda constitucional da previdência apresenta várias especificidades. Essa emenda foi a que que exibiu maior taxa de fracionalização do voto parlamentar e maior clivagem na base de sustentação parlamentar do governo (Melo 1997). A trajetória dos trabalhos legislativos foi fortemente errática. Durante a fase de tramitação da emenda na Câmara, o governo sofreu três derrotas em processos de votação - na Comissão de Constituição e Justiça e em duas ocasiões no Plenário da Câmara (Melo 1997). O governo pode reiniciar o processo de tramitação a partir do Senado, instância a partir da qual o governo recompôs o projeto anterior e onde se procedeu a nova formulação da proposta.

O processo de discussão das propostas também implicou em negociações extra-parlamentares envolvendo as centrais sindicais. Diferentemente da tramitação das reformas da ordem econômica em que a tática de obstrução converteu o processo num "plebiscito", como assinalou o Deputado José Genoíno, as reformas da previdência e da administração pública se constituiram nas únicas emendas constitucionais em que parlamentares da oposição participaram ativamente do processo decisório. Para o caso da previdência, no entanto, a especificidade da issue area não se traduziu em dissenso suficientemente forte para fissurar a base de partidos como o PFL e o PSDB, embora tenha produzido fortíssima fracionalização no PTB, PMDB e PPB.

Reforma Administrativa

A proposta de reforma administrativa do Governo Cardoso foi encaminhada ao Congresso em outubro de 1995, e sua tramitação se estendeu por 32 meses. Em larga medida, o governo tirou lições das vicissitudes da reforma da previdência e só encaminhou a reforma após intenso período de negociações, lideradas pelo seu mentor intelectual, o Ministro Bresser Pereira. O ministro Bresser tornou-se efetivamente um cruzado em prol da reforma. Após um início conturbado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ), a proposta teve um curso menos acidentado do que a da previdência social. Da mesma forma o relator da proposta, deputado Moreira Franco só apresentou o seu relatório após prolongadas negociações com o governo e os partidos. O ambicioso projeto de reforma apresentado pelo Ministro no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado foi aprovado em sua quase totalidade. A reforma proposta representa um híbrido de reformas do tipo civil service e managerial, e são emblemáticas de reforma da "segunda onda" em virtude de seu objetivo de fortalecimento de capacidades.

Segundo o Ministro Bresser, o encaminhamento da proposta teve dois períodos distintos (Bresser Pereira, entrevista ao autor). Inicialmente a proposta logrou pouca visibilidade no quadro da reforma constitucional e escasso suporte por parte da presidência e dos ministros da área econômica. Devido ao relativo isolamento político do ministro Bresser, a reforma administrativa apresentava-se como uma cruzada individual em torno de um programa de mudanças associado a modismos intelectuais como as idéias do new public management, as quais tinham pouca ou nula centralidade na agenda política. Ademais, a reforma administrativa era vista inicialmente como tendo pouco impacto econômico de curto prazo, salvo medidas isoladas que geravam fortes resistências, como a questão da flexibilização da estabilidade dos servidores públicos.

Dois fatos levaram a uma radical mudança na importância conferida à reforma (Bresser Pereira, 1998, entrevista ao autor). O primeiro deles diz respeito à incorporação ex post de um conjunto de atores institucionais que se mostraram cruciais para o encaminhamento da reforma à coalizão de apoio à reforma: os governadores dos estados. Os governadores passaram a ter grande interesse na reforma administrativa por duas razões: a quebra da estabilidade aumentaria fortemente o potencial para jogos de patronagem nas máquinas administrativas estaduais e, ao mesmo tempo, permitiria maior flexibilidade no tratamento da questão do gasto de pessoal nos estados e municípios que havia alcançado níveis alarmantes, e inviabilizado a administração dos governadores em exercício.

O segundo fator decisivo foi a crescente prioridade que a reforma passou a ter para os policy makers da área econômica em virtude da intensificação da crise de endividamento dos estados e municípios (Bresser Pereira, idem). O ajuste fiscal dos estados foi negociado com os governadores em troca do apoio à reforma administrativa.

A tramitação legislativa também foi marcada pelas negociações oposição do relator a itens isolados da proposta, como a estabilidade de servidores e a definição do teto de rendimentos dos servidores e a sua aplicabilidade nos casos de acúmulo de cargos ou aposentadorias. A definição do extrateto - os valores que excedem o teto legal de vencimentos - concentrou grande parte das discussões em torno da proposta. A fixação de um teto de vencimentos implicava em perdas concentradas para 141 parlamentares que acumulavam proventos de aposentadoria e remuneração pelo cargo legislativo. Os conflitos também envolveram institucionalmente o Judiciário e o Legislativo, na medida que a definição, pelo executivo, de valores máximos de salários nos níveis estadual e municipal era criticado como uma violação do princípio da independência dos três poderes. Com relação a esses dois pontos, o governo teve que ceder "os anéis para não perder os dedos" (Bresser Pereira, 1998, entrevista ao autor). A liderança do PSDB e setores do PMDB, no entanto, contestaram publicamente o acordo realizado, e através de abaixo assinado, denunciaram-no como espúrio. A tentativa de renegar acordos produziu forte redução na capacidade do PSDB fazer promessas verossímeis (credible commitments). Após seguidas manifestações contra o acordo, o Presidente F H Cardoso mostrou-se favorável, alegando que em um regime democrático não se pode aprovar uma proposta in totum. A reforma foi aprovada em primeiro turno por apenas um voto a mais da maioria qualificada requerida (3/5 do congresso, equivalente a 308 votos), e em segundo turno (por 351 votos a favor, e 133 contra). À semelhança da reforma previdenciária, o padrão de votação na Câmara dos Deputados exibe forte fracionalização do voto no PMDB e PPB, e média coesão no PFL e PSDB.

Reforma Tributária

A reforma tributária do governo F. H. Cardoso foi apresentada em agosto de 1995, e sua tramitação descontinuada pela governo (Azevedo e Melo 1997). A proposta do executivo ( PEC 175) foi enviada ao Congresso em agosto de 1995, logo após o envio da Emenda Constitucional da Reforma da Previdência. Ao contrário das outras áreas da Reforma, a PEC 175 permaneceu um período excepcional de tempo para sua apreciação. A PEC não foi encaminhada pelas lideranças para votação, e o governo manifestou claro desinteresse pela sua sorte. Esse atraso deve-se a três razões. A primeira é que devido à derrota sofrida na área da previdência, o governo mostrou-se cauteloso, e postergou a sua apreciação pela Câmara. A segunda razão deve-se à escolha de um relator que a equipe econômica rejeitava, e a disputas no próprio seio do governo em torno da proposta. A terceira, e principal razão, foram os irreconciliáveis conflitos federativos ocorridos na negociação da proposta com os governadores. esses conflitos giravam em torno de três itens da reforma: a desoneração do imposto estadual (principalmente o ICMS) sobre exportações; as mudanças no local de cobrança de impostos (do local de produção do bem ou serviço para o local de consumo); e as medidas voltadas para eliminar a "guerra fiscal" entre os estados (uniformizando-se as alíquotas de imposto individual).

O impasse na tramitação da reforma levou o governo a patrocinar a criação pelo Deputado Antônio Kandir (PSDB-SP) de uma Subcomissão de Reforma Tributária na Câmara, formada por notáveis especialistas me finanças públicas, em uma clara estratégia de bypassing o relator. Dessa Comissão resultou um projeto de lei que após aprovado representou a aprovação de algumas medidas de natureza infraconstitucional que estava na proposta de emenda constitucional (desoneração das exportações). Devido ao impasse na negociação inicial, o deputado Kandir realizou um survey na Comissão de Finanças, identificando os mínimos pontos de consenso, que serviram de base para o projeto de lei. Os outros itens da proposta do governo não foram objeto de nenhuma iniciativa e a proposta foi abandonada. (Azevedo e Melo 1997).

O projeto preliminar não logrou alcançar consenso na área fazendária e de planejamento do governo, e foi objeto de discussões com os governadores estaduais. O governo não dispunha assim de um policy advocate que defendesse e patrocinasse a reforma.

As Issue Areas como Arenas decisórias

A percepção de que a natureza dos issues produz padrões distintos de interação política também é partilhada pelos atores políticos. Como assinalou um dos parlamentares de maior destaque do Congresso Nacional em relação às reformas do estado :

"A natureza das emendas é diferente .... [as emendas ordem econômica]eram emendas plebiscitárias. Essas outras [emendas da reforma administrativa e da previdência] não são plebiscitárias, são emendas que tem espaço para você sangrar a base parlamentar do governo para divergências, para a dissidência dentro da própria base parlamentar. O número de emendas, de destaques [para votação em separado], o número de interesses, é muito mais complicado. Ah, tem diferença, primeiro porque eu acho que nas emendas da ordem econômica, o governo fez um plebiscito, né? Unificou tudo em torno das emendas. Escolheu péssimos relatores, e como nós não disputamos nada ...." (José Genoíno, entrevista, 03/96) Do ponto de vista da análise da reforma do estado para as várias issue areas, pode-se afirmar que a característica básica das reformas da previdência, administrativa e tributária é que eles acarretam custos importantes para constituencies importantes. Por terem como leitmotif a resolução de desequilíbrios fiscais (causados por uma conjugação de fatores demográficos, gerenciais e atuariais), as reformas previdenciárias em curso no Brasil, e em muitos países, implicam na imposição de perdas a constituencies específicas pelos promotores das reformas (ou seja o executivo). No caso brasileiro, ao contrário de outros países capitalistas avançados, ou se trata apenas de custos distribuídos linearmente, como no caso da elevação da idade de aposentadoria, alongamento do tempo de contribuição ou ainda eliminação de categorias de benefícios ou elevação dos requisitos para elegibilidade em programas. Trata-se também de equalização do tratamento entre beneficiários, com a eliminação de vantagens desfrutadas por categorias específica, como é o caso da extinção de algumas aposentadorias especiais.
 
Tabela 5
Issue Areas da reforma do estado
 
  Previdência social Reforma  

administrativa

Reforma tributária
tempo de tramitação legislativa 41 meses 30 meses abandonada pelo governo
número de derrotas em votação  quatro duas não foi à votação
Atores envolvidos 

 

Atores institucionais e societais 

(burocracias especialistas, servidores públicos, sindicatos)

Atores institucionais e societais 

(burocracias especialistas, servidores públicos, sindicatos)

Atores predominatemente institucionais 

(governadores, prefeitos, burocracias especialistas), associações empresariais, sindicatos

distribuição dos custos 

da reforma

concentrados em perdedores sem ganhadores definidoss concentrados em perdedores com ganhadores definidos (governadores) e gestores concentrados em perdedores (estados), e sem ganhadores definidos
visibilidade política da reforma 

 

alta 

 

alta baixa
Influência de fatores federativos não sim (impacto positivo) sim 

(impacto negativo)

policy advocate e política das idéias sim (fraco) sim (muito forte) 

 

não
Implicações fiscais da reforma no curto prazo 

 

ganhos expressivos ganhos expressivos custos expressivos
consenso entre elites governamentais 

 

baixa médio a alto , em ascensão ao longo do processo baixa
packaging 

com plano de estabilização? papel das reformas constitucionais

forte forte fraco 
grau de interdependencia com outros issues 

 

alta baixa alta
complexidade técnica 

da implementação

média muito alta baixa
problemas de implementação e sustentabilidade não sim não
sequencia apresndizado

A política das reformas previdenciárias pode ser descritas aptamente, para utilizar o termo de Pierson e Weaver, como a política da imposição de perdas.

A capacidade de governos de impor perdas depende de vários fatores, inclusive os de ordem institucional. Em uma análise comparativa dos casos do Canadá, EUA, e Inglaterrra, Pierson e Weaver enfatizam a maior capacidade de governos parlamentaristas em impor perdas, e apontam para o papel de veto points em obstaculizar reformas. Os veto points podem resultar do federalismo, do judiciário e da separação de poderes do presidencialismo. A conclusão dos autores que reformas da previdência social nesses países são particularmente difíceis de implementar em virtude não só existência de veto points mas também da estrutura de interesses que as políticas existentes produz - o que denominam policy inheritances - e do ciclo eleitoral é particularmente iluminadora para a análise do caso brasileiro.

Do ponto de vista da análise compreensiva da reforma do estado, a previdência social se constitui naquela com uma das mais altas taxas de conflitualidade. Na medida em que envolvem elegibilidades, os custos das decisões de política exibem uma altíssima visibilidade porque são fortemente concentrados nos indivíduos As mudanças, por exemplo, nos critérios de elegibilidades para aposentadorias tem implicações individualizadas (concentradas) nos indivíduos. Por outro lado, devido ao fato de que na política previdenciária há um hiato temporal entre contribuição e elegibilidade, as decisões envolvem não só elegibilidades presentes mas também direitos individuais adquiridos e expectativas de direitos igualmente individuais (o Judiciário se converte nesse caso em um veto player potencial importante). Em termos da definição de elegibilidades, a previdência é política de "clientelas", porque os benefícios são concentrados e os custos difusos. As diversas categorias de clientelas formam assim "coalizões de não interferência mútua". esse é o quadro quando o sistema está se expandindo. Em tempos de reforma

Tabela 1. Reforma constitucional. Fracionalização do voto por Issue Area
 
Reforma administrativa previdência social definição de empresa nacional. privatização das telecomunicações. quebra do monopolio do petroleo
PDT 1.00 0.85 0.96 0.96 0.96
PFL 0.85 0.75 0.93 0.97 0.88
PMDB 0.58 0.16 0.60 0.46 0.57
PPB 0.71 0.31 0.92 0.84 0.81
PSB 1.0 0.92 0.62 0.92 0.77
PSDB 0.98 0.73 0.99 0.79 0.74
PT 1.00 0.96 1.00 1.00 0.94
PTB 0.98 0.34 0.79 0.86 0.79
* índice de Rice Fonte de Dados: Secretaria da Mesa da Câmara dos Deputados. Média dos resultados de votação do substitutivo em plenário nos dois primeiros turnos de votação.

Esse tipo de política engendra portanto vários perdedores (servidores públicos, categorias corporativas com aposentadorias especiais - parlamentares, magistrados, etc -) ; que se mobilizam para impedir a reforma através de suas associações e entidades de classe.

A Tabela 1 apresenta dados sobre a fracionalização do voto por issue area da reforma. A reforma da previdência e administrativa são aquelas que , no plano da reforma constitucional do governo Fernando Henrique Cardoso revelam maior fracionalização. Essa se concentra no PMDB e PPB, alcançando forte polarização no caso da votação da previdência social onde o índice de rice atingiu 0.16 e 0.32, respectivamente.

A reformas administrativas também implicam em custos individualizados, como nos casos de demissões, quebra de estabilidade, regalias e benesses. Essa perdas adquirem grande visibilidade nos casos de reformas da chamada primeira onda centradas no downsizing . O mix civil service e managerial presentes na presente reforma permitiu que se pudesse incorporar constituencies específicas como ganhadores da reforma. Gestores públicos de instituições que passam a desfrutar de autonomia gerencial e setores do serviço público nas chamadas carreiras típicas de estado - nas quais se promoveu concurso público e concedeu aumentos salariais de remuneração - estão nesse grupo.

O número extremamente elevado de organizações públicas estabeleceram contacto com o MARE para se transformar nas organizações sociais autônomas previstas na reforma surpreendeu a alta burocracia desse ministério (Entrevista com burocratas do MARE, 1998). Um survey realizado com servidores de alto escalão da burocracia pública revelou forte adesão à reforma. A estratégia permitiu que se obtivesse forte adesão não só da burocracia mas também de formadores de opinião e da opinião pública em geral em relação à reforma. Com relação à estabilidade dos servidores, apenas 28% dos respondentes a um survey de formadores de opinião, e 32% da população em geral, em uma pesquisa do IBOPE, se manifestaram contra (Tabelas 2 e 3).
 
Tabela 2 A Opinião Pública e a Reforma Administrativa
Como a população vê a estabilidade
 
 
Brasil
Norte e 
Centro-Oeste
Nordeste
Sul 
Sudeste
  1. Deve ser mantida porque impede que os funcionários sejam demitidos por motivos políticos, o que possibilita acontínua melhoria do serviço público
  2. Deve acabar porque faz com que os funcionários públicos relaxem no seu trabalho e obriga o governo a manter funcionários em excesso.
  3. Não opinou 
 
32%
 
 
 
 
 
 
 
 
50%
 
18%
43%
 
 
 
 
 
 
 
 
34%
 
23%
 
38%
 
 
 
 
 
 
 
 
37%
 
25%
34%
 
 
 
 
 
 
 
 
54%
 
14%
 
26%
 
 
 
 
 
 
 
 
61%
 
12%
Fonte: IBOPE e MCI (Marketing Estratégico e Comunicação Institucional)

 
 
Tabela 3
Demissão de servidores públicos* 
Survey em Fev/97.
(Em porcentagem)
Posições **  Brasil
Concordo firmemente 42
Tendo a concordar 24
Não concordo nem discordo 3
Tendo a discordar 14
Discordo firmemente 14
Não tenho opinião 1
Não sabe/ não responde 2
Total 100
* Texto da pergunta: "Permitir-se a demissão dos servidores públicos, inclusive estáveis, quando o montante de gasto com pessoal ultrapassar a 60% da receita disonível"

** Todas as posições foram mencionadas pelo questionário na ordem em aparecem na tabela. Foram entrevistados 311 formadores de opinião.

Fonte Instituto Brasileiro de Estudos Políticos. Os formadores de opinião e a reforma do estado, Brasília, 1997.

Em primeiro lugar , malgrado sua importância mais ampla na economia e na sociedade, as políticas na área tributária, em contraste com as decisões relativas ao gasto público, possuem uma certa invisibilidade para os atores sociais. B. Guy Peters, um dos poucos cientistas políticos a estudar sistematicamente a questão, apontou com perspicácia que: "O mesmo volume de benefícios que teriam grande visibilidade numa autorização de gasto, poderia muito facilmente passar desapercebido na legislação tributária" (Peters, 1991: 2). A relativa "invisibilidade", e incerteza quanto aos impactos, da renúncia fiscal e dos impostos indiretos - o que vale também para o chamado imposto inflacionário - constituem um incentivo para que os atores políticos e elites burocráticas escolham esses mecanismos em lugar de instrumentos que produzem maior conflito.

Em segundo lugar, como também assinalado pelo mesmo autor, diferentemente de outras políticas públicas associadas à provisão de bens e serviços de natureza social (saúde, saneamento, educação, entre outros), as políticas tributárias raramente podem ser usadas na arena eleitoral em benefício de seus mentores. Enquanto os benefícios dessas políticas tendem a ser difusos, o ônus fiscal de seu financiamento são normalmente concentrados, e mesmo quando não o sejam, tendem a adquirir maior visibilidade política do que os benefícios gerados. Embora passem a contar com o apoio de grupos de interesse setoriais, parlamentares que patrocinam reformas ou emendas, estão sujeitos ao constrangimento eleitoral na arena política mais ampla. Em outras palavras a forma de manifestação da conexão eleitoral no caso de iniciativas tributárias é bastante distinta, senão simétrica, à forma como ela se manifesta em outras issue areas.

Em terceiro lugar, trata-se de uma arena onde predominam decisões de grande complexidade cujas tecnicalidades só são acessíveis a especialistas. Para Peters (id. ibidem), essa especificidade da política está estreitamente relacionada à sua relativa invisibilidade: "Como a política tributária é percebida como extremamente técnica pelos políticos e cidadãos, é usualmente mais fácil para ‘empreendedores políticos’ (political entrepreneurs) criarem benefícios por via do sistema tributário do que pelo gasto direto".

Em quarto lugar a invisibilidade e a tecnicalidade das decisões tributárias conferem grande importância a "política das idéias", ao papel desempenhado por ideologias (econômicas) e pelo consenso de especialistas (Beam, Conlan e Wrightson; 1990; cf. também Weir 1992; Hall, 1989). Os analistas de reformas recentes nos países capitalistas avançados, tais com Peters (1994) e Beam, Conlan, e Wrightson (1990) apontam um paradoxo (ver também Arnold 1990, cap. 8). Tais reformas em sua maioria implicaram em benefícios difusos e perdas concentradas - o padrão exatamente oposto aquele típico de reformas tributárias anteriores. Como explicar que reformas com esse perfil possam vir a ser implementadas na medida que enfrentam forte resistência de grupos? A resposta desses autores é que a difusão de um novo paradigma de política de tributação produziu um consenso entre grupos de interesse de natureza pública, as elites técnicas e políticas em torno da "boa política pública".

Essa explicação contrasta com o caso brasileiro o qual caracterizou-se por forte descontinuidade e impasses. Embora observe-se nesse caso um papel igualmente importante das elites técnicas e burocráticas - e alguma convergência programática entre as propostas no âmbito mais geral - , verifica-se grande dissenso que tem raízes nos elementos consociativos da estrutura federativa brasileira. Na realidade a questão federativa subsumiu as questões relativas à taxação da renda. Essa conclusão nos leva a sugerir que a questão federativa está no cerne do conflito distributivo - e por extensão - do conflito político no país.

Esse ponto é crucial para que se possa analisar convergências recentes entre especialistas na área de finanças públicas e administração tributária, e o papel desempenhado por agências multilaterais, através de programas de cooperação técnica, na produção desse novo "consenso".

No caso da reforma do imposto de renda, observa-se forte concentração de custos nos grupos sociais onde os novos impostos se concentram. No entanto, as tecnicalidades dos issues e sua relativa invisibilidade fazem com surgem problemas sérios de ação coletiva

No caso da reforma dos impostos de consumo, os custos da reforma eram fortemente concentrados nos estados. Ao se desonerar as exportações, colocar-se-ía problemas imediatos para vários estados que possuem partes importantes de suas receitas vinculadas ao comércio exterior (cf Tabela 4).
 
  

Tabela 4. Custos Concentrados da Reforma Tributária  

Estimativa das Perdas dos Estados pela Desoneração das Exportações.

Estado % perdas*  Estado % perdas
Acre 0,98 Minas Gerais 10,14 (7)
Amazonas 1,55 Espírito Santo 22,01 (3)
Pará 34,84 (1) Rio de Janeiro 3,09
Rondônia 3,30 São Paulo 2,73
Amapá 28,46 (2) Paraná 13,03 (5)
Roraima 0,74 Santa Catarina 5,32 (10)
Tocantins 0,49 R. G. do Sul 7,50
Maranhão 15,12 (4) Mato Grosso 10,19 (6)
Piauí 1,12 M. G. do Sul 6,14 (9)
Ceará 3,78 Goiás 4,03
R. G. do Norte 4,06 D. Federal 0,08
Paraíba 0,52    
Pernambuco 1,87    
Alagoas 8,37 (8)    
Sergipe 0,72    
Bahia 4,44    
 

 
Calcula-se em aproximadamente R$1,5 bi as perdas anuais para os cofres estaduais decorrentes da isenção para os produtos primários e semi-elaborados exportados em todo o país . Para minorar estes "efeitos perversos", a proposta do governo propõe um mecanismo de compensação, através da formação de um fundo especial, com duração de 5 anos, que atuaria de maneira regressiva. O objetivo seria compensar parte destas perdas até que os estados mais atingidos se adaptassem a nova situação. Incertezas quanto ao fundo de compensação e a credibilidade dos mecanismos gereram fortes resistências.

Um outro tipo de custo refere-se à perda de autonomia dos estados em fixar alíquotas diferenciadas para o ICMS. Isso significava a eliminação de um importante instrumento de atração de investimentos industriais por parte dos estados, e sua eliminação foi fortemente combatida pelos govenadores.

Estes conflitos de base federativa não estavam presentes no caso da reforma da previdência e no caso da reforma administrativa . Nesse último caso, a adesão dos governadores se mostrou crucial pelo papel que esses atores desempenham no sistema político brasileiro. Embora os conflitos na arena da reforma tributária sejam significativos, eles têm pouca visibilidade porque os atores são sobretudo institucionais (governadores, associações e entidades de classe), e os issues exibem alta complexidade técnica. A baixa politização do tema é um fator potencialmente facilitador de consensos, mas como os custos sobre os governadores são concentrados e têm incidência no curto prazo, as dificuldades de negociação levam a um impasse.

As implicações fiscais das reformas também são diferenciadas. Enquanto no caso da reforma da previdência e da reforma administrativa os ganhos fiscais são produzidos no curto prazo, no caso da reforma tributária, sobretudo aquelas da segunda onda que visam aumentar a competitividade e eficiência sistêmica da economia e não apenas elevação de impostos, seus efeitos fiscais positivos são diferidos no tempo. No curto prazo, o governo incorre em custos em virtude de compensações que têm que ser feitas aos perdedores.

O packaging da reforma com o plano de estabilização do governo (Plano Real) foi um fator que esteve presente no encaminhamento das reformas tributárias e administrativas de forma intensa.

Disputas interburocráticas são também variáveis importantes para o sucesso de reformas. No caso da reforma administrativa a taxa de consenso em torno da reforma era inicialmente baixa, sendo a proposta - sobretudo no que se refere à sua dimensão managerial - considerada como pouco relevante pelo conjunto do executivo, o que lhe conferia vantagens pela ausência de resistências. Aos poucos logrou-se construir um consenso positivo em torno da proposta por parte dos governadores e dos policy-makers da área econômica (Bresser Pereira, entrevista, 1998, várias datas).

No caso da reforma tributária observou-se forte dissenso entre os policy-makers da reforma. Fortes disputas foram geradas entre setores do Ministério do Planejamento - de onde surgiu a proposta - , e o Ministério da Fazenda e a Secretaria da Receita Federal. Como consequência a proposta não teve um policy advocate, tal como o Ministro Bresser Pereira. O conservador O Estado de São Paulo , em editorial, definiu de forma apta o papel desempenhado pelo Ministro Bresser "A vitória deve ser creditada à obstinação do Ministro Luis Carlos Bresser Pereira ... e sua capacidade de persuasão , que garantiu a fidelidade quase absoluta da reforma à proposta original. (...) Ao vencedor Bresser, essa sociedade entrega as batatas" (19.5.98).

Se a identificação das reformas com mentores intelectuais e políticos revela o papel da liderança em iniciativas de reforma, ela também lança fortes dúvidas sobre a sustentabilidades das reformas no tempo. Essa sustentabilidade também está relacionada ao grau de dificuldade de implementação das reformas. Embora ainda seja temerário avaliar a sustentabilidade de reformas recém implementadas, pode-se afirmar que a reformas tributária e administrativa representam casos polares. A primeira representa soluções de fácil implementação que implicam em mudanças basicamente legais e administrativas, enquanto a segunda implica em implementação de novos arranjos institucionais de grande complexidade.

Framentação Política e a Política da Reforma no Brasil

A análise da política da reforma do estado no Brasil apresenta um forte paradoxo à luz das explicações correntes. O caso brasileiro é apresentado como um caso limite de fragmentação política. O próprio timing das reformas no país - que é apresentado como um reform laggard no plano latinoamericano - é atribuído a variáveis de natureza institucional e à débil capacidade de insulamento de policymakers em relação à pressões da competição política. As explicações correntes associam portanto a incapacidade do sistema político brasileiro em implementar reformas de mercado na década de 80 à variáveis políticas e institucionais. Assim essa incapacidade se atribui à fragmentação do sistema partidário e à legislação eleitoral. Partidos fracos e indisciplinados impediriam à agregação de preferências necessária para a consecução de reformas. O sistema proporcional com lista aberta representaria, nessa interpretação hegemônica, uma estrutura de incentivos perversa que fomenta o individualismo e a indisciplina parlamentar. Em síntese, nessa perspectiva a crise política brasileira tem uma natureza eminentemente política.

Essa interpretação adquire pouca credibilidade a luz de estudos de caso realizados recentemente (por exemplo Limongi e Figueiredo 1997), e à luz dos casos de reforma da previdência social, reforma administrativa e tributária., discutidos anteriormente. Tais casos representam efetivamente casos limite que testam a capacidade da coalizão de governo de levar a cabo reformas. E isto por duas ordens de raão. Em primeiro lugar, devido ao fato de que tais reformas impõe, como assinalado, custos muito concentrados a constituencies específicas, que incluem os próprios parlamentares. Em segundo lugar, pelo fato de que ao se tratar de reformas constitucionais, elas têm que se submeter à uma tramitação legislativa cujos requisitos para a aprovação são muito mais severos do aqueles exigidos para a aprovação de leis ordinárias ou complementares.

Embora do ponto de vista comparativo em relação a outros países tais requisitos sejam menos severos (Melo, no prelo), as reformas constitucionais são particularmente difíceis em função dos seguintes fatores. Em primeiro lugar as votações são nominais, e consequentemente a visibilidade das decisões dos parlamentares é bastante elevada. Em segundo lugar, a aprovação exige aprovação em dois turnos de votação nas duas Casas do Congresso. Em terceiro lugar, é necessária a aprovação por maioria qualificada (2/3 dos membros do Congresso) e não apenas maioria absoluta dos membros presentes.

Nesse sentido é surpreendente que as reformas da previdência social e da administração pública tenham sido aprovadas. Duas ordens de considerações se fazem necessárias para a explicação. Em primeiro lugar, fatores institucionais relacionados a estrutura interna do Congresso Nacional permitem que a indisciplina observada nas campanhas eleitorais e nos partidos fora do Congresso possam ser contrarrestados, levando a uma relativa previsibilidade do comportamento parlamentar (Limongi e Figueiredo199 ; Figueiredo e Limongi 199 ). Tais fatores relacionam-se ao poder de agenda do executivo e do colégio de líderes.

Em segundo lugar, as derrotas observadas estão relacionadas a casos em que os custos concentrados envolviam os próprios parlamentares individualmente. Isso pode ser observado no caso da discussão do "extrateto" na reforma administrativa e à aposentadoria especial de parlamentares. Ou a casos que envolviam perdas concetradas para os estados. A capacidade do executivo de passar um programa de reformas parece estar portanto fortemente associado também a custos de natureza federativa. Vale enfatizar que tais considerações são pertinentes para o sucesso na tramitação legislativa de propostas. Elas não permitem explicar quando e porque a reforma foi proposta nos termos em que foi formulada. Para isso as variáveis discutidas na seção anterior são necessárias.

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