® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
 


A PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO

Márcio Chalegre Coimbra*


 
 

A energia elétrica é um "input" universal, absolutamente essencial para as atividades econômicas e para a própria sobrevivência humana.
 
 

Em termos de Brasil podemos dizer que 95% dos domicílios urbanos são atendidos por um serviço elétrico regular e confiável sendo que, atualmente, como conseqüência dos estímulos ao desenvolvimento, o País apresenta também um dos mais expressivos índices de expansão do consumo de eletricidade do mundo. Entretanto, o setor elétrico vem perdendo, ao longo dos últimos anos a capacidade de realizar investimentos suficientes para assegurar a expansão e melhoria de seus serviços. O setor só tem conseguido gerar recursos para investir em torno de US$ 3,5 bilhões por ano, quando a necessidade apontada pelos planos setoriais supera US$ 6 bilhões anuais. Por outro lado, as tarifas de energia elétrica foram submetidas a contínuos e rígidos controles por parte do Governo, principalmente como instrumento de políticas anti-inflacionárias, mantendo-as, no passado, por um longo período, bem abaixo dos níveis que permitissem cobrir os custos e prover um retorno adequado dos investimentos. Pode-se afirmar também que razões geopolíticas do passado impuseram às empresas de energia elétrica a antecipação de investimentos em alguns projetos antieconômicos ou de escala inadequada, comprometendo, por via do aumento dos custos, a capacidade futura de investimento e de endividamento. As empresas foram utilizadas, por vezes, para equilibrar o balanço de pagamento do País.

 Os agentes públicos podem ser eficazes, mas as condições trabalham contra eles. Alguns podem argumentar que as empresas estatais poderiam ser eficientes se não houvessem interferências políticas. Isto é verdade, mas o grande problema é a condicionante "se". Colocar as empresas em um mercado competitivo permite superar esta limitação, por implicar a remoção das ingerências externas, notadamente as de políticas casuísticas de curto prazo. Como a competição dificilmente se viabiliza num ambiente estatal, torna-se necessário que uma substancial parcela das empresas que atuam neste mercado sejam privatizadas.

• Há uma percepção clara, já difundida e aceita, que o capital privado nacional e estrangeiro é essencial para a expansão da geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, uma vez que o Estado não dispõe da requerida capacidade de investimento. Portanto, a privatização do setor reverterá para:

• ampliar a eficiência do setor elétrico;

• estabelecer um mercado competitivo para assegurar baixos custos e tarifas mais reduzidas, elevada qualidade de serviço e eficiência dos agentes públicos e privados;

• melhorar a alocação dos recursos da economia (investidores privados não costumam realizar investimentos fora da ótica econômica);

• assegurar os investimentos necessários para e expansão do sistema;

• aliviar o orçamento da União (crise fiscal), realizando-se um valor pela venda de um ativo que rende pouco e está carregado de um passivo que custa muito, garantindo assim, maiores recursos públicos para as funções básicas do Estado que, além disso, fica desobrigado de prover os investimentos para a expansão dos correspondentes serviços;

• reduzir a dívida pública;

• alavancar o desenvolvimento econômico, aplicando os recursos decorrentes das vendas na redução da dívida interna e em novos projetos, eventualmente em outras áreas estratégicas, dado que a transferência de propriedade não afetará, por meio de uma adequada regulamentação, os serviços atuais, trazendo, além do mais, novos investidores para a cena econômica.
 
 

Com a finalidade de criar condições para o desenvolvimento de novos mercados e a introdução de novos agentes no setor de energia elétrica, o governo tomou as seguintes medidas: • emendas à Constituição: foi alterado o conceito de "empresa brasileira", extinguindo-se restrições existentes para investidores estrangeiros. Agora eles podem construir usinas para atender ao serviço público; As principais inovações introduzidas por estas leis de concessão foram: • as atuais concessões de distribuição puderam ser prorrogadas por prazo de até 20 anos, desde que reagrupadas segundo critérios de racionalidade operacional e econômica;

• adequou o processo de privatização das empresas do setor elétrico, com a outorga das concessões pelo período de 30 anos;

• promoveu o cancelamento das concessões outorgadas após 1988;

• as concessionárias tiveram um prazo de 180 dias para apresentarem os planos de conclusão das usinas de geração que se encontravam em construção, obrigatoriamente em parceria com o capital privado em pelo menos 1/3 do investimento necessário para o término do empreendimento;

• o órgão regulador (ANEEL) ficou com o poder de estabelecer tarifas;

• as concessões de geração para o serviço público serão licitadas para hidrelétricas acima de 1 MW e térmicas acima de 5MW;

• introduziu a figura do produtor independente de energia;

• determinou a definição de uma rede básica de transmissão, na qual cada novo trecho de transmissão terá sua concessão/propriedade licitada;

• exigiu a separação contábil dos custos de geração, transmissão e distribuição;

• autorizou a formação de consórcios para usinas de geração destinadas ao serviço público, produção independente e autoprodutores;

• instituiu o "livre acesso" para a transmissão e liberdade de escolha do fornecedor: os antigos consumidores terão o direito de escolher progressivamente o seu fornecedor . Os novos consumidores poderão optar pelos seus supridores dentro de critérios estabelecidos;

• autorizou acordos da União com os Estados para transferir atividades complementares de fiscalização e controle sobre os serviços públicos de eletricidade;

• extinguiu a "reserva de mercado" das concessionárias federais sobre os potenciais hidrelétricos de suas áreas, estabelecida pela "Lei de ITAIPU".

Com abertura do setor para os investimentos privados, a descoberta de reservas de gás natural e sua importação aliada ao custo crescente dos aproveitamentos hidrelétricos remanescentes, criou-se um novo ambiente que, certamente, modificará o perfil das obras que integrarão no futuro a expansão do sistema elétrico.

 Diante das perspectivas e das tendências que se visualizam para as economias em desenvolvimento, tanto no campo das inovações tecnológicas, quanto no uso dos recursos energéticos alternativos, constata-se a possibilidade de um maior impulso na geração térmica, uma vez que ela é mais adequada ao risco privado e mais rápidas de serem construídas que as hidrelétricas, o que constitui uma opção natural para os investidores privados, sendo melhor ajustadas ao rápido crescimento do mercado verificado após a adoção do Plano Real. Também amplia-se o intercâmbio internacional de energia com boas perspectivas diante dos excedentes argentinos de energia e da oferta mundial favorável de gás natural e de óleo combustível. A adoção de políticas voltadas para a conservação de energia e proteção ambiental associa-se ao este novo cenário uma vez que vem trazer significativos benefícios à indústria e à comunidade em geral.

 Ao afastar progressivamente o Estado das atividades industriais do setor elétrico, o Governo pode voltar-se para uma atuação mais eficiente no campo da educação, saúde pública, segurança, justiça e no resgate da imensa dívida social, com a assunção plena das atribuições que lhe são verdadeiramente características.

 A menor presença do Estado na produção de energia elétrica requer e induz, naturalmente, à necessidade de reforço de seus mecanismos de formulação e implementação das políticas setoriais, estabelecendo diretrizes claras para o pleno desenvolvimento das forças de mercado nessa indústria. A separação clara de papéis, com a estruturação de órgãos reguladores de adequado grau de autonomia, representa a certeza, para o investidor, de que seus capitais serão protegidos das interferências governamentais indevidas e, para o consumidor, uma competente defesa de seus interesses, por parte do Governo.

 A privatização não é um fim em si, mas um meio de aliviar os compromissos do Estado e, principalmente, promover a eficiência econômica através da competição. Essa reestruturação deve ser encarada como um processo cujo resultado contemple novas opções tecnológicas, garanta serviços de alta qualidade e confiabilidade assim como custos e tarifas que proporcionem o aumento da competitividade da economia do País. Por outro lado deve-se considerar também as principais particularidades setoriais, notadamente, quanto ao potencial hidrelétrico ainda não explorado e a operação coordenada do sistema hídrico. Tudo isto pode constituir-se em uma enorme vantagem estratégica para o Brasil no futuro próximo.

 Portanto, nesse novo contexto de mudanças e transformação das instituições, caberá ao Estado, de maneira ordenada e responsável, criar as condições para o desenvolvimento de um mercado competitivo e de uma indústria de energia sólida, capaz de corresponder às exigências do Brasil do século XXI.
 
 

Márcio C. Coimbra – Diretor Comercial da Libris Consulting – sócio do IEE – Instituto de Estudos Empresariais do Rio Grande do Sul.
 

Retirado de:     http://www.infojus.com.br