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Princípios
universais de direitos humanos e o novo estado democrático de direito
José Luiz Quadros
de Magalhães
procurador geral da Universidade
Federal de Minas Gerais,
professor doutor em direito
constitucional da UFMG,
presidente do Conselho Estadual de
Direitos Humanos-CONEDH/MG
- Temos defendido que a Constituição
efetivamente democrática (Constituição enquanto processo legitimador das mudanças
democraticamente apontadas pela população) deve ter como valor básico apenas os
princípios universais de direitos humanos. É necessário, pois, explicar o significado
desta expressão, que para nós deverá representar todo o conteúdo principiológico
constante do texto federal.
- Já estudamos a expressão
"princípios constitucionais", sendo que propusemos ainda classificação que
contemple os princípios (regras em sentido amplo, ou com grau de abrangência maior)
fundamentais, setoriais e os deduzidos da Constituição. As Constituições tem
diferentes princípios e oferece tratamentos variados aos grupos e direitos fundamentais
da pessoa humana.
- Estes direitos fundamentais e os seus
princípios basilares serão variáveis de acordo com o texto constitucional. Desta forma,
uma Constituição Liberal limitar-se-á a declarar os direitos individuais e os direitos
políticos, sendo que dentro do referencial teórico da época, os direitos humanos se
reduziam, numa perspectiva constitucional, a este conteúdo, dentro de uma perspectiva
teórica que consagrava o abstencionismo estatal e considerava como garantia
constitucional a simples inserção de princípios do Direito, no texto constitucional.
- De outra forma as Constituições
Sociais e as Socialistas ampliam este leque de direitos fundamentais, oferecendo variados
modelos adotados por diferentes países. Não se pode dizer, lendo as Constituições
Socialistas e as Constituições Sociais-Liberais (ou sociais assistencialistas, ou
neoliberais), que estas obedecem a um modelo rígido, imutável de Estado para Estado.
- Tanto os textos socialistas como os
Sociais, estes com maior intensidade, tem variações que correspondem as situações
históricas específicas de cada país, sendo que estas variações ocorrem na forma de
organização política do Estado, mas principalmente no tratamento dos direitos
fundamentais e a relação entre os seus grupos de direitos, refletindo nos princípios
constitucionais.(1)
- Fica claro que os princípios
constitucionais não são exatamente iguais, mesmo quando o tipo de Constituição adotada
é o mesmo. Ocorrerá quase sempre influencias nacionais específicas que serão marcantes
na construção dos princípios de direitos humanos numa perspectiva constitucional,
influencias estas que terão origens em sistemas econômicos, culturas, histórias
diferentes assim como outros elementos, que nos indicarão com certeza a impossibilidade
de se procurar um sistema constitucional único de Direitos Humanos. Aliás, mais do que a
impossibilidade é a constatação de que esta diversidade deverá ser mantida, como
elemento de riqueza que permite a evolução do ser humano dentro de uma diversidade que
incentiva e promove esta evolução desejada, afastando a massificação medíocre de
grandes mercados transformadores dos humanos em "em seres consumidores de matérias
inúteis", onde a perspectiva de ser se transforma num ter sem limites.
- Este sistema constitucional de
direitos humanos, deve conviver com um sistema global. É o que podemos chamar da
perspectiva internacionalista dos direitos humanos.(2) É importante salientar que esta
perspectiva internacionalista poderá subdividir-se em dois novos enfoques: o enfoque
regional multinacional, onde as coincidências entre valores serão mais extensas e logo o
numero de princípios será maior, e um enfoque universalista, onde se encontra o desafio
maior dos direitos humanos hoje, que é o de estabelecer princípios e valores comuns,
assim como direitos decorrentes destes princípios, que sejam aceitos pôr todos os povos
e culturas do Planeta Terra.
- Aliás, poderíamos dizer que esta
perspectiva universalista é a dimensão correta oposta dos direitos humanos construídos
sobre valores locais. O universal é construído sobre as parcelas da menor dimensão
espacial sobre a qual irá se estabelecer princípios humanos. Assim, conclui-se que o
primeiro princípio humano universal está na liberdade de ser humano integralmente, o que
implica em ser efetivamente livre para construir o seu futuro em comunidade. Obviamente
que não iremos construir está idéia de liberdade na insuficiente noção liberal,
neoliberal ou mesmo socialista em um primeiro momento, pois liberdade de ser humano,
implica em ser humano de acordo com valores da comunidade em que se vive, seja local, seja
universal. As duas dimensões deverão estar sempre juntas.
- Os direitos humanos universais e os
princípios universais de direitos humanos são aqueles que podem ser aceitos por todas as
culturas, não se chocando com o que tem de essencial a cada princípio encontrado em cada
comunidade do Planeta. Isto não quer dizer que os princípios universais não serão
contraditórios a determinados princípios e regras de culturas e comunidades
específicas. Isto ocorrerá com freqüência, e significará a superação destes
princípios e regras locais pelo que existe de essencial em uma cultura planetária. Em
outras palavras, a superação de regras e princípios locais ocorrerá através daquele
dado que existe de humano ou de universal em cada cultura do Planeta, ou mesmo em cada
comunidade, pois não é possível a permanência de qualquer comunidade, mesmo por um
espaço de tempo curto, se esta não tiver valores de autopreservação, o que implica em
vida, núcleo fundamental de humanidade que poderá ser ampliado pelos princípios
universais.
- Dado fundamental deve ser ressaltado
quando falamos em direitos e princípios universais: felizmente a diversidade ainda existe
e desta forma os direitos humanos não devem ser, por tudo que já dissemos até agora, a
supremacia de valores de uma cultura sobre as outras, ou de um modelo de sociedade sobre
os outros. A diversidade é sua essência e o núcleo comum compartilhado por todas as
culturas será o seu real conteúdo mutável.
- Desta maneira os direitos universais
serão aqueles que podem ser aceitos por todos os povos da Terra em todos os Estados
Soberanos do Planeta. É importante lembrar que utilizamos a palavra "pode"
enquanto possibilidade real de qualquer cultura humana, e não utilizamos as expressões
"devem" ou "serão" aceitos, o que seria inadequado ou falso, no atual
momento histórico.
- É necessário, neste momento,
identificarmos quais os princípios deverão estar contidos na Constituição
democrática: a) os princípios universais conforme foram enunciados neste artigo; b) os
princípios e direitos universais declarados pela Declaração Universal de Direitos
Humanos de 1948 e os princípios decorrentes desta Declaração; c) ou os princípios de
Direitos Humanos consagrados nas declarações internacionais em uma perspectiva regional?
- Neste momento, e dentro do que já
foi discutido até aqui, poderíamos dizer que nenhum destes. Primeiramente, é
necessário esclarecer, que até aqui, vimos afirmando que o texto constitucional deve se
limitar a conter princípios que sejam Universais, dentro da perspectiva que se insere no
item "a" acima e explicada neste tópico. Com isto queríamos dizer que os
também considerados direitos humanos que são os direitos sócio-econômicos não
deveriam estar contidos no texto constitucional federal mas deveriam ser deixados para as
leis infra constitucionais e as Constituições Municipais. Podemos extrair desta
afirmativa o seguinte:
- I - a tese se constrói pensando a
realidade do Estado brasileiro, sua dimensão e organização territorial.
- II - os direitos sócio-econômicos
não seriam suprimidos do ordenamento jurídico brasileiro mas regulamentados por normas
infra-constitucionais nos seus aspectos gerais de convivência de modelos alternativos
locais, de planejamento e investimentos privados e públicos no território da União, e
pelas Constituições Municipais no que se refere a regulamentação da forma de
propriedade e do modelo local de repartição econômica.
- III - pela complexidade de se
estabelecer nacionalmente princípios que devem ser construídos no espaço internacional,
ressalvados que os aspectos acima enunciados, nada impedem, muito pelo contrário, que a
Constituição consagre princípios nacionais ou regionais de direitos culturais
específicos, desde que mantida a total autonomia da população para a construção do
seu modelo de organização social e econômica.
- IV - a Declaração Universal de
Direitos Humanos de 1948 e os princípios dela decorrentes, é um texto de enorme
importância histórica, principalmente para o ocidente, mas deve ser vista dentro do seu
contexto histórico de vitória de um modelo que despontava sua supremacia universal após
a segunda guerra mundial. Ao dispor sobre questões sociais e econômicas específicas a
Declaração se restringe a um contexto social, político e econômico específico do
pós-guerra, que deve ser superado, e como tal deve ser entendida.
- Assim, concluímos, que a
Constituição democrática, que pensamos, deve se aproximar de um texto que reduza seus
princípios àqueles considerados universais, somados a princípios regionais, desde que
não inibidores da evolução de modelos locais, principalmente no que diz respeito ao
estabelecimento de modelos sócio-econômicos pré-fabricados pelos conglomerados
econômicos mundiais.(3)
- Um dos aspectos mais importantes na
construção de uma Constituição efetivamente democrática e aberta é o da necessidade
de desconstitucionalizar a propriedade privada. Abordamos assim questão que vem sendo
discutida em vários trabalhos que surgiram a partir de tese de doutorado, sobre a
necessidade de desconstitucionalização da ordem econômica e social do texto da
Constituição Federal e por conseqüência a desconstitucionalização da propriedade
privada. Em vários momentos e em diversos trabalhos, já nos questionamos se seria
possível fazer as mudanças desejadas através dos processos formais de mudança da
Constituição como a emenda, juntamente com os processos de mutação.
- Entendemos que, embora a ideologia
constitucionalmente adotada possa ser modificada pelos processo informais de mudança da
Constituição, o que poderia abrir espaço para a mudança de dispositivos através do
processo formal de emenda, entendemos que o ideal é um novo texto que marque a ruptura
formal e histórica de tipos de Estado diferentes, construindo efetivamente uma
Constituição sintética, democrática, essencialmente de princípios e de processos
democráticos, escrita , mas que permita a sua constante evolução interpretativa,
codificada e extremamente rígida no que diz respeito aos processos formais de reforma.
- Ao defendermos a
desconstitucionalização da propriedade privada, o primeiro obstáculo encontrado seria a
existência de limites materiais ao poder de reforma da Constituição.
- O poder constituinte originário é o
poder que cria a Constituição. Este poder tem caracteristicas de um poder inicial,
soberano, que não encontra limites de ordem jurídica no ordenamento anterior, mas apenas
limitações de ordem sociológica no jogo de forças sociais que atuam no momento de seu
funcionamento. Como tal o poder constituinte é um poder de fato, que pode ser um poder de
Direito na medida em que se legitimar na vontade popular consciente e nos valores de
justiça e de Direito vigentes em uma determinada sociedade no momento histórico em que
atua. (4)
- Logo a natureza deste poder inicial e
soberano será sempre de fato, podendo ser um poder direito na medida em que se legitima
na votade popular e nos valores aceitos por toda a sociedade em um determinado momento.
- Este poder constituinte originário
cria os poderes de reforma da Constituição que tem como finalidade alterar as regras em
sentido restrito do seu texto, que pelo menor grau de abrangência devido a sua
especificidade, tem que ser modificada para acompanhar as mudanças exigidas pela
sociedade. Logo este poder se dirige às regras em sentido restrito do texto, não podendo
entretanto atingir aos princípios constitucionais e a ideologia constitucionalmente
adotada, pois estas regras em sentido amplo como a própria ideologia constitucinal são
os elementos que identificam a Constituição, e a sua alteração não pode se dar por
mecanismos de reforma, que não se igualam ao poder criador que é o poder constituinte
originário.
- A Constituição brasileira, produto
de um poder constituinte originário que rompeu com o ordenamento jurídico anterior,
estabeleceu dois mecanismos constitucionais de reforma de seu texto: a emenda e a
revisão.
- No texto são estabelecidos limites
para atuação do poder constituinte derivado, que é um poder de segundo grau, limitado e
subordinado. Portanto, além da subordinação existênte entre um poder que é inicial e
um poder de segundo grau derivado de um poder soberano, o que implica na impossibilidade
de descaracterizar a obra do primeiro, a Constituição traz limites expressos que podem
ser classificados da seguinte forma:
- a) limites materiais que consistem na
proibição de deliberação de emendas tendentes a abolir a forma de Estado Federal, a
democracia, a separação de poderes e os direitos individuais e suas garantias. Estes
limites se aplicam ao poder de reforma seja através de emendas, seja através de
revisão.
- b) limites circunstanciais que
consistem na proibição do funcionamento do poder de revisão ou de emenda na vigência
de Estado de Sitio, Estado de Defesa e Intervenção Federal.
- c) limite temporal que no nosso texto
constitucional se aplicou somente ao poder de revisão e consistiu na proibição de
realização da revisão antes de completados cinco anos da promulgação da
Constituição.
- O poder de emenda da Constituição
está previsto no artigo 60 do texto permanente da Constituição e pode ser acionado a
qualquer momento desde que cumpridos os requisitos alí estabelecidos para se iniciar o
processo de reforma por meio de emendas. A caracteristica de rigidez do texto
constitucional é marcada por processo legislativo especial onde apenas algumas pessoas
podem iniciar a reforma, exigindo ainda um quorum específico para aprovação. Podem
iniciar o processo de reforma por meio de emendas o Presidente da República, um terço da
Câmara Federal ou do Senado, ou ainda mais da metade das Assembléias Legislativas dos
Estados membros, desde que aprovado o encaminhamento da emenda por maioria relativa de
seus membros.
- Para ser aprovada a emenda é exigida
a aprovação de tres quintos dos membros da Câmara e do Senado, em dois turnos de
votação em cada casa legislativa.
- A diferença entre emenda e revisão
consiste que a primeira é uma alteração pontual do texto, podendo ocorrer a qualquer
momento, desde que cumpridos os requisitos acima expostos. A revisão de forma diferente,
pode ocorrer uma ou mais vezes, segundo dispor o texto, consistindo em uma revisão de
todo o texto constitucional, onde se buscará uma melhor sistematização sendo possível
a alteração de dispositivos constitucionais desde que não se desrespeite os limites
materiais estabelecidos para o poder constituinte derivado.
- A Constituição de 1988 previu a
revisão constitucional no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com um
limite temporal de cinco anos para que este poder derivado funcionasse, estabelecendo para
o seu funcionamento um procedimento e um quorum mais simples, sendo que o seu
funcionamento se daria em sessão unicameral do Congresso Nacional, aprovando-se o texto
revisado por maioria absoluta dos membros.
- Estando previsto no ato da
disposições constitucionais provisórias, o poder de reforma por meio de revisão teve
unica previsão de funcionamento, pois os dispositivos transitórios se extinguem após a
realização de suas disposições.
- Outro fato que merece registro é o
procedimento de realização da revisão que foi excolhido pelo poder constituinte
derivado. No lugar de realizar uma revisão de todo o texto e coloca-la em votação,
buscando com isto o objetivo da revisão que é a reestruturação sistemática do texto
alterando alguns dispositivos específicos sem alterar princípios e a própria ideologia
constitucional, alguns constituintes derivados, vendo a possibilidade de alterar
dispositivos com a maioria absoluta prevista para o seu funcionamento, que seriam
dificilmente alterados com a maioria de tres quintos, transformaram a revisão em uma
série de emendas. Decorre deste fato a existencia de emendas constitucionais e de emendas
de revisão, cada uma com numeração específica.
- Isto posto podemos enfrentar o
questionamento a que nos referimos anteriormente: será possível promover as profundas
alterações no texto constitucional de 1988 aqui sugeridas, inclusíve alterar a
ideologia constitucional rompendo com os modelos vinculados a sistemas sócio-economicos
promovendo a desconstitucinalização da propriedade privada?
- Poderíamos começar respondendo esta
questão com outra pergunta: Para que?
- As alterações aqui sugeridas são
amplas e representam um rompimento com um tipo de Constituição o que implica com o
rompimento com alguns principios constitucionais e a alteração da Ideologia
constitucinalmente adotada. Neste momento é necessário resumirmos o que já foi dito
sobre mudança da Constituição. Nos referimos a dois mecanismos de alteração do texto
constitucional, um formal, previsto no texto constitucional, que é o poder constituinte
derivado de emenda e revisão, e um informal que se constitui no processo de mutação
interpretativa da Constituição:
- a) a mutação da Constituição
ocorre através da leitura sistemática das regras e princípios constitucionais e de sua
inserção em uma realidade social, política e econômica específica. Deste permanente
processo de interpretação e aplicação do texto constitucional a uma realidade
concreta, ocorrem processos de evolução da leitura do texto, a reformulação de
conceitos e adequação de princípios com a alteração de valores. Vimos que o processo
de mutação pode mesmo gerar um rompimento com um modelo, ou tipo de Estado específico,
para a sua transformação num outro tipo, o que pode ocorrer justamente a partir do
momento em que as transformações sociais se refletem na alteração de conceitos e
releitura de princípios, que permanecendo no texto tem sua atualização promovida pela
evolução interpretativa. Exemplo pode ser a Constituição norte americana, cujo o texto
escrito, embora seja o mesmo, acrescido de 27 emendas, desde 1787, recebeu leituras ou
interpretações bastante diferentes em sua longa existência, o que sugere a existência
de Constituições diferentes construídas sobre o mesmo texto escrito.
- Importante, entretanto, ressaltar,
que existem limites para este processo de mutação interpretativa sendo que um texto
analítico como o nosso, repleto de regras em sentrido restrito, que se aplicam a
situações específicas, apresenta obstáculos por vezes insuperáveis, onde, nem o
processo de mutação informal, nem os processos formais de alteração poderão vencer.
Neste momento o único caminho legitimo será o de elaboração de uma nova Constituição
por uma nova Assembléia Constituinte soberana e popular.
- A distorção do texto ou a
construção de leituras que ignoram princípios constitucionais, forçando uma
transformação impossível, mesmo que seja um movimento legítimo porque amparado pela
vontade consciente da população, não pode ser aceito em uma ordem constitucional
democrática, pois ameaça o seu princípio maior de respeito ao processos democráticos
de transformação.
- b) a outra maneira de se alterar o
texto constitucional é a que estudamos neste artigo. A alteração da Constituição
através de emenda e revisão de seu texto em processo legislativo previsto no texto, com
limites também expressos.
- Os limites a estes processos formais
são maiores, sendo que não será possível se alterar ou suprimir princípios
constitucionais, o que inviabiliza a modificação da ideologia constitucional e o
rompimento com um tipo de Constituição específica por meio destes mecanismos.
- Poderá o leitor perguntar porque os
mecanismos expressamente previstos no texto constitucional são muito mais limitados do
que os processo informais de mutação. A resposta é simples, pois a lei é a
interpretação que se faz dela em um momento histórico, logo a Constituição não é
apenas o texto escrito mas sim a interpretação que se faz deste texto. Conclui-se que o
processo de mutação interpretativa não implica na alteração do texto escrito, na
supressão de princípios, mas na constante reconstrução destes ou seja na
reconstrução da Constituição.
- A modificação formal é um processo
inferior, subordinado, limitado, enquanto a mutação interpretativa é a própria
constituição limitada apenas pelo seu texto escrito.
- Com base nestes dados, podemos
concluir que as alterações sugeridas que representam um rompimento com um modelo
vinculado para a criação de uma Constituição democrática, onde o cidadão tenha
liberdade e amparo na estrutura do Estado para promover as mudanças sociais e econômicas
que desejar, construindo livremente o seu modelo na esfera territorial menor de poder que
é o Munícipio, dificilmente ocorrerá com base neste texto vigente.
- A complexidade das discussões, a
variedade das decisões judiciais com interpretações diversas, a insegurança jurídica
daí decorrente, é um desgaste desnecessário e um preço que não deve ser pago, sendo
necessário efetivamente um rompimento com o ordenamento jurídico vigente e a
convocação de uma Assembléia Constituinte democrática onde este modelo e estas
questões sejam amplamente discutidas, e onde as forças sociais se confrontem
democráticamente na construção de um novo modelo que ofereça segurança e estabilidade
nas constantes mudanças sociais que ele permitirá.
- Acrescente-se ainda que a nossa
Constituição, assim como todas as Constituições modernas, tem uma vinculação com um
modelo socio-econômico específico, seja liberal, social ou socialista como visto
anteriormente. O texto de 1988, traz uma ordem econômica que tem como princípios a livre
iniciativa, a livre concorrência, a propriedade privada, principios de origem liberal que
ao lado de princípios de origem socialista, como a função social da propriedade, o
pleno emprego, a dignidade do trabalho humano, somam-se a direitos humanos de terceira
geração como o direito do consumidor e o meio ambiente, para apontar para uma ordem
econômica que embora avançada, pois incorpora o que há de mais atual em termos de
direitos fundamentais, pode no máximo ser interpretada como uma ordem econômica
neoliberal em sentido amplo, com um modelo de Estado Social não clientelista, dentro de
um modelo intervencionista estatal com a finalidade de promover a diminuição das
desigualdades sociais e regionais dentro de um capitalismo social. Note-se que embora esta
interpretação que suscintamente fizemos pareça óbvia no texto, muitos Autores de
Direito Constitucional defendem leitura diferente, alguns defendendo uma ordem liberal
neste texto o que nos parece absurdo.
- Coerentemente com o que sempre
defendemos em termos de limites formais ao poder constituinte derivado, os princípios
constitucionais não podem ser modificados por meio de emendas ou revisão, sendo que
estamos portanto dentro de um texto constitucional vinculado a um modelo econômico e um
modelo especifico de repartição econômica, o que não pode ser modificado, a não ser
por outra Assembléia Constituinte.
- A interpretação constitucional não
pode ignorar esta vinculação, e o papel do interprete será o de acabar com os
antagonismos do texto, representado neste momento por princípios de origem liberal ao
lado de princípios de origem socialista, extraindo deste texto uma nova resultante, que
não poderá ser entretanto a que desejamos, pois esta representa o rompimento com os
modelos constitucionais vinculados com modelos socio-econômicos, que são todos os
modelos conhecidos até hoje no constitucionalismo que se afirmou após a Revolução
francesa.
- Conclui-se que o novo modelo, diante
das restrições existentes em um texto analítico como o nosso, pede uma Assembléia
Constituinte Soberana e Popular, onde se discuta as bases de um Estado que garanta voz aos
seus cidadãos através de mecanismos de participação democrática permanente; que
garanta fala aos cidadãos através da educação livre, da liberdade de informar e
informar-se; e onde a comunicação entre Sociedade Civil e Estado seja o elemento que
faça com que estes dois conceitos de confundam em um Estado que seja sensível às
indicações que partem de seu povo através dos mecanismos democráticos
constitucionalmente instituídos e garantidos.
NOTAS
- (1) ARAGÃO, Selma Regina. Direitos
Humanos - Do Mundo Antigo no Brasil de Todos, Rio de Janeiro, Forense, 1990. GOFFREDO,
Gustavo Sénéchal e outros. Direitos Humanos em Debate Necessário. Editora Brasileira,
São Paulo, 1989. RUZ, Fidel Castro e outros. Cuba de los Derechos Humanos. Habana, Cuba,
Editorial de Ciencias Sociales, 1990. NIKKEN, Pedro e outros. Agenda para la
Consolidación de la Democracia en America Latina, San José, Costa Rica, Instituto
Interamericano de Derechos Humanos - CAPEL, 1990 - CAMPOS, German J. Bidart. Constitución
y Derechos Humanos, Buenos Aires, EDIAR, 1991. LLORENTE, Francisco Rubio. La Forma del
Poder (Estudios sobre la Cnstitución), Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1993.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos Humanos na Ordem Jurídica Interna, ob. cit.
- (2) MELLO, Celso D. de Albuquerque.
Direito Constitucional Internacional, Rio de Janeiro, Renovar, 1994. MELLO, Celso
Albuquerque. "A Revisão do Direito Constitucional na Constituição de 1988",
in Revista Ciencias Sociais, Universidade Gama Filho, Ano 1 novembro, 1995, pp. 75-89.
- (3) PEREIRA, Antônio Celso Alves.
"Direito Internacional e Desenvolvimento Econômico" in Revista da Faculdade de
Direito, n. 1, vol. 1, 1993, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pp. 32-63.
- (4) BARACHO, José Alfredo de
Oliveira. Teoria Geral de Poder Constituinte. Separata n. 52 da Revista Brasileira de
Estudos Políticos, Belo Horizonte, 1981. MAGALHÃES, José Luiz Quadros. "Poder
Constituinte e a Norma Fundamental de Hans Kelsen" in Revista de Informação
Legislativa e Senado Federal. Subsecretaria de Edições Técnicas, janeiro e março,
1990, Ano 27, n. 105, pp. 109-128.
E-mail do autor:
abaracho@netland.com.br
Fonte:
www.jus.com.br