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APONTAMENTOS ACERCA DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Gustavo de Medeiros Melo

1. Introdução

O sistema democrático de governo reside sobre um alicerce jurídico-constitucional a cujos principais prolóquios devem atender: legitimidade dos governantes e limitação de sua autoridade .

As páginas que constituem este trabalho têm por escopo ater-se à segunda característica, digo, ao controle da constitucionalidade das leis, assunto de amplas e acaloradas discussões na seara doutrinária e jurisprudencial, o que o faz merecedor, embora com certa brevidade e sem a pretensão de exaurir seu intricado teor jurídico-político, de uma análise a respeito do que seja o instituto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn).

A matéria suscita uma abordagem que não encontra barreiras de conteúdo instrutivo e científico, exigindo-nos, como estudo de índole mais política do que jurídica, interpretações extensivas e rápido retrospecto histórico, condição sine qua non para se tentar oferecer novos horizontes à teoria constitucional, tão debatida, todavia apaixonante para aqueles que se interessam pelo Direito Público.

2. Histórico

Antes de adentrarmos diretamente ao tema em foco, necessário se faz tecer algumas linhas propedêuticas sobre a evolução do mecanismo de controle da constitucionalidade, sem, contudo, atrelar-se a uma visão esmiuçada dos fatores produtivos de tal instituto, posto que se requer um estudo à parte.

A idéia de limitação do poder implica levar em conta a de supremacia da Constituição, princípio assente nas constituições de estabilidade rígida e, como tais, modernas, ainda que, mais coerentemente, se perfaçam de imutabilidade relativa. Daí a estabilidade de uma constituição ser, em regra, determinada pelo nível de rigidez de que dispõem seus preceitos constitucionais, detentores do degrau supremo, da diretriz primeira pela qual se basilou o Estado.

Dessa forma, o ideal de se controlar os atos estatais advém de períodos da mais remota documentação, tendo, pois, Aristóteles cogitado de um meio limitador do poder, dividindo-o em órgãos deliberativos, órgãos da magistratura e órgãos judiciários, ou seja, a assembléia, o corpo de magistrados e o corpo de juízes, respectivamente.

Concomitante a esse processo de desenvolvimento do nosso sistema de divisão de poderes, como via de embargo aos contingentes abusos governamentais, Manoel Gonçalves Ferreira Filho , referindo-se à antigüidade greco-clássica, suscita, desde logo, o fato de que, inobstante a carência de delimitação entre Poder constituinte originário e derivado naquele tempo, existiam leis norteadoras das atividades estatais e governamentais, acima, portanto, das outras advindas do interior dos órgãos do Estado. Com efeito, apesar de não ter havido, àquela época, Constituições escritas de cunho estritamente jurídico, o tema fora abordado em termos abstratos e políticos, o que na verdade só veio a lume de pacto solene no chamado Constitucionalismo moderno, século XVIII.

No intervalo de tempo entre as civilizações antigas e a clássica doutrina de Montesquieu, a teoria de limitação do poder foi objeto de profundas indagações, evoluindo por renomados pensadores, tais quais: São Tomás de Aquino, Marsílio de Pádua, Niccolo Machiavelli, Jean Bodin, Buchanan, Hoocker etc.

Sem embargo, a respeito do termo supremacia da Constituição, León Duguit fez uma simples colocação, afirmando que a idéia primeira de distinção entre leis constitucionais e ordinárias remonta à França do antigo regime. A bem dos fatos, somente em meandros do século XVIII, conforme se sabe, é que o sistema jurídico tomou forma objetiva, prática e formal, com parâmetro solene a eventuais reparações normativas, visto que as conotações outrora existentes, acerca de sobreposição de leis constitucionais, eram mescladas de usos e costumes ainda indefinidamente arraigados. Quanto a essa fase, Maurice Hauriou classifica as constituições de governamentais, ao passo que as modernas ou formais são as chamadas nacionais, atentando-se ao fato de que emanam de um Poder Legislativo delegado pela nação.

Foi com aquele desiderato ainda incipiente que o termo supra-referido, de que também falavam Barthélemy et Duez , logrou gênese nas Cartas escritas pela Coroa inglesa às suas colônias americanas, segundo as quais o Poder Legislativo, que a estas fora conferido, ficaria subordinado aos estatutos, leis e costumes da Inglaterra, não os podendo afrontar. Evidentemente, até a emancipação política das treze colônias, datada de 1776, em cujo berço nasceu toda a arquitetura do que se convencionou chamar judicial control da América do Norte, apanágio do sistema de freios e contrapesos e da separação dos poderes.

Nessa perspectiva, bem assevera Georg Jellinek, in verbis: "Deste modo, preparam-se já nessas cartas os princípios fundamentais das constituições futuras, especialmente o princípio da separação dos poderes legislativo e executivo, assim como esse outro, de que a Carta, tanto no ponto de vista do direito natural, como segundo o direito positivo, é uma norma superior que obriga ao legislador" . E foi seguindo essa esteira que Carlos Sanches Viamonte engendrou sua tese de círculos concêntricos, cuja esfera externa e principal é ocupada pela Lei Maior, síntese de todo o arcabouço jurídico-legal que se lhe apresenta inferior, conforme o perfil axiológico da pirâmide Kelseniana, ainda hoje paradigma do ordenamento jurídico moderno nos países de constituição rígida, acautelados, pois, pelo sistema de controle da constitucionalidade.

Entretanto, apesar de toda contribuição da experiência jurídica ao longo dos anos, há estudiosos no assunto, acreditamos, que se propendem a desvalorizar o instituto do controle da constitucionalidade nos dias atuais, por classificá-lo como empecilho à divisão tripartida e harmônica dos Poderes, já que ao Judiciário é dada a competência de invalidar leis ordinárias advindas dos representantes da Nação. Objeta-se tal crítica, com evidência, apenas lembrando o emérito prof.º J. H. Meirelles Teixeira, quando diz, com agudeza meridiana que lhe é própria, que o Poder Judiciário não embarga a vontade própria da Nação, mas uma "pseudovontade" sua, cujo remédio encontra-se "expresso de modo mais elevado, mais vigoroso e mais solene, na Constituição" .

Sinteticamente falando, Vezio Crisafulli, renomado jurisconsulto italiano, citado por J. H. Meirelles Teixeira , aborda dois aspectos relacionados diretamente com os malefícios de que leis inconstitucionais são capazes: em primeiro lugar, ferem elementos materiais e formais, conceito estritamente condizente com o espírito normativo, ou seja, abalam a verticalidade e horizontalidade da Constituição; em segundo, uma vez que repercutirá nos direitos individuais e coletivos dos cidadãos, lídimos titulares da Soberania a que se reporta o parágrafo único do art. 1.º, de nossa atual Lex Magna de 1988.

Dito isto como âmbito histórico-introdutório do nosso presente trabalho, firma-se que é por demais necessária, na Constituição do Estado Democrático hodierno, a existência de mecanismos reguladores de sua própria defesa, seja contra leis infraconstitucionais deturpadas, provenientes do Parlamento, seja contra atos normativos do Executivo, através de seus órgãos e agentes ; sem olvidar, em igual sorte, de um controle quanto à inação dos Poderes Públicos, que se afigura como Ação direta de inconstitucionalidade por omissão, fazendo existir o que, inconstitucionalmente, não existe.

Nos itens a seguir, restringir-nos-emos a esses dois comandos judiciais de proteção política ou conciliabilidade do nosso ordenamento jurídico pátrio, tratando-os em referência ao Direito Comparado, mormente quando se há de investigar as correlações existentes sob a bússola da legislação da Áustria e dos Estados Unidos da América.

3. O sistema brasileiro de controle da constitucionalidade por Ação direta

O estudo do controle da constitucionalidade das leis no Brasil está originariamente relacionado com o judicial control dos EUA. Esse modelo, por conseguinte, foi recepcionado pelo nosso legislador constituinte de 1824, que albergou o sistema de controle difuso ou por via de exceção, em que o objeto precípuo do instituto é a declaração, por qualquer juiz singular ou tribunal, da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo para uma relação jurídica concreta, ou seja, inter partes, só atingindo os sujeitos da lide ou da controvérsia posta à apreciação pelo Poder Judiciário.

O controle concentrado — via direta ou principal —, alvo de nossas meditações, tem origem, por sua vez, na Constituição de Weimar, de 1.º de outubro de 1920, cujo expoente intelectual foi o famoso jusfilósofo da Escola de Viena, Hans Kelsen.

Tal espécie de comando se caracteriza por ser apreciado num Tribunal Constitucional, cujo objeto de exame é a declaração de inconstitucionalidade em tese, quer dizer, a argüição da Corte Suprema se adstringe a declarar uma determinada lei, ou ato normativo, como contrária aos preceitos ou espírito da Constituição vigente. Isto, diferentemente do difuso, gera efeitos erga omnes, vinculando a todos.

O controle concentrado, no Brasil, foi primeiramente consubstanciado na Constituinte de 1934, embora um tanto coarctado a intervenções que porventura viessem a ocorrer em favor dos princípios especificados sob aquele ordenamento. Em seguida, a Constituição de 1946 manteve a mesma linha, sendo que mais abrangente, conforme a qual o STF poderia decretar a inconstitucionalidade de um ato representado pelo Procurador Geral da República, o que implicava intervenção da União em algum Estado. Finalmente, a Emenda Constitucional n.º 16, de 26.11.65, além de manter a ação direta interventiva, conferiu ao Procurador Geral da República a legitimidade para representar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, cujo julgamento e processo caberia ao STF.

A partir de 1988, com o advento da chamada Constituição cidadã, o sistema jurídico-político ganhou um elenco assaz razoável para a propositura da ADIn, consoante se extrai do art. 103, incisos de I a IX, o que não mais é de competência tão-somente do chefe do Ministério Público federal.

Há, pois, na atual Carta Política de 1988, um misto de duas espécies de controle judicial da constitucionalidade, que, pela via repressiva, são: o método difuso ou incidenter tantum, de caráter jurisdicional, natural dos EUA; e o concentrado ou por via de ação direta, de efeito vinculante geral, erga omnes, de caráter político, nascido no afã da Constituição da Áustria. Volvendo-nos à segunda modalidade, tem-se que o controle judicial abstrato pelo método concentrado, em que pese opiniões em contrário , se reveste de atributo eminentemente político, uma vez que a Corte Constitucional analisa o conteúdo e a forma de uma lei infraconstitucional, supostamente contrária à Constituição, em termos hipotéticos e abstratos, sem, dessarte, aplicar a lei ao caso concreto ou "contenciosamente", no dizer de nosso mestre das letras jurídicas, Seabra Fagundes. É o que se depreende das lições do Exmo. Sr. Min. Moreira Alves:

"A representação de inconstitucionalidade, por sua própria natureza, se destina tão-somente à defesa da Constituição vigente quando de sua propositura. Trata-se, em verdade, de ação de caráter excepcional com acentuada feição política pelo fato de visar ao julgamento, não de uma relação jurídica concreta, mas da validade da lei em tese, razão por que o titular dela — e árbitro da conveniência de sua propositura — é um órgão político" (grifo nosso).

Nessa perspectiva, a aferição da norma ou lei em abstrato se faz com base em dois prismas, a saber: o formal, verificando se há desvio na elaboração do ato. Tem caráter meramente hermenêutico e técnico; e o material, quando se perquire da existência de antagonismo entre o conteúdo e a Constituição, analisada esta em seu espírito e filosofia.

Aliás, os princípios são como que a pedra angular de todo o sistema jurídico positivo que delineia a vida nas sociedades civilizadas, pois nas lições do ilustre publicista Carlos Ari Sundfeld, "aplicar as regras desconsiderando os princípios é como não crer em Deus mas preservar a fé em Nossa Senhora" .

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 102, reza que:
"Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal".

Pela dicção do referido dispositivo, nota-se que cabe ao órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, além de uma série de outras atribuições, a defesa, em última palavra, da Lei Maior que rege o país. Isso no que diz respeito a lei ou ato normativo federal ou estadual. Logo, uma vista meio apressada do texto, sob uma interpretação filológica, não nos informa sobre o caso de uma lei municipal que contrarie a Constituição Federal. Isso será objeto do nosso próximo tópico.

Com pertinência aos Estados-membros, o art. 125, § 2.º, é bem taxativo, por simetria constitucional, ao dizer que os Tribunais de Justiça devem apreciar a constitucionalidade das normas e atos estaduais e municipais perante a Constituição Estadual.

Como se falou anteriormente, a constituinte de 1988 foi pródiga em arrolar, no art. 103, nove incisos legitimados ativamente para propor a referida ação. Urge lembrar, de passagem, com relação ao último, "confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional", o julgamento da ADIn 505-7, quando o STF dispôs sobre a estrutura das Confederações sindicais, com supedâneo no art. 535 da CLT — recepcionado pela Carta de 1988 — cuja composição deve ser de, no mínimo, 3 federações.

4. Controle da constitucionalidade de lei municipal em face da CF

Descer, neste momento, a pormenores aspectos do Município na estrutura federativa brasileira, seria fugir um pouco dos nossos limites didáticos. Contudo, é imprescindível que se faça um brevíssimo comentário em cima de seu notável alcance jurídico-político no Brasil.

Como a mais genuína criação no contexto da disposição do Estado Federal brasileiro, o Município, para alguns escafandristas do assunto, sempre foi uma peça autônoma politicamente, antes mesmo da criação dos Estados-membros em nosso ordenamento. Nasceu de modo espontâneo e natural, não da "técnica legislativa", na expressão de Pontes de Miranda, ou "sob um legalismo positivo, imposto de cima para baixo, mas como um produto dos elementos fornecedores dos hábitos sociais, que por sua vez se concretizam nas instituições políticas e na legalidade", lembrando a eminência do magistério de Alceu Amoroso Lima .

Urge lembrar que o Município ainda se apresenta como um simulacro atípico no panorama federal, seja porque não possui Poder Judiciário próprio, seja pela ausência de representação da vontade local nos interesses nacionais. Mesmo assim, é inegável, principalmente após a Constituinte de 1988 — que retirou dos Estados a capacidade de organizar seus municípios — o prestígio auferido por este ente, agora com status de Pessoa Jurídica de Direito Público Interno, dotado de autonomia política, normativa, administrativa e financeira, consoante consta dos arts. 1.º e 18 da CF.

No tocante, pois, ao controle da constitucionalidade de leis municipais em face da CF, a doutrina majoritária, ao abrigo da imprevisão normativa, em cujo entendimento está a Egrégia Corte, se posiciona no sentido de que só há controle constitucional, para esse caso, pelo rumo do método difuso ou incidental, chegando ao STF apenas por grau de recurso extraordinário (art. 102, III, "c", CF).

O outro norte do problema, em contrapartida, reside numa interpretação extensiva ou mesmo lógico-sistemática, "ratio legis", segundo a qual haveremos de enxergar a palavra municipal como implicitamente referida no art. 102, I, "a", sem cometer, com isso, o erro de privar o Município em ter suas leis apreciadas, através de ação direta, pelo mais alto tribunal do país, ou lhe negar observância do princípio da igualdade das pessoas políticas, inadmitindo discriminação, em regra, entre os entes federados.

O recurso do qual se serve o hermeneuta em estender o sentido e o alcance da norma é, nas célebres convicções de Miguel Reale, "acrescer algo de novo àquilo que, a rigor, a lei deveria normalmente enunciar, à vista das novas circunstâncias, quando a elasticidade do texto normativo comportar o acréscimo" .

A nosso ver, constitucionalmente falando, pensar diferentemente dessa última corrente, por sinal minoritária, sob o biombo silencioso da Constituição, é, ainda sem a intenção de o fazer, acometer-se em restrições infundadas e contribuir cada vez mais para o desprestígio dos Municípios na conjuntura atual do federalismo brasileiro .

A título de curiosidade, o controle difuso, nos EUA, não adquiriu operacionalidade com fulcro em preceito normativo, mas na criação pura e simples da doutrina e jurisprudência norte-americanas.

Entretanto, data venia, não obstante rejeitarmos tal pretexto da opinião dominante, chegamos em certo ponto a filiar-nos a ela, quando, saindo do plano normativo-constitucional, deparamo-nos com uma realidade factualmente impossibilitante de se dar operacionalidade ao quadro juspublicista de que goza o Município atualmente, ou seja, o fato de o STF, detentor de competência originária, ordinária e extraordinária, sobre os mais variados assuntos, encontrar-se altamente sufocado com o exagerado número de processos dos quais são encarregados seus onze ministros. Posição essa que nos convém acatar, não por nos estribarmos no "silêncio eloqüente" da Carta Magna ou com desrespeito ao princípios de Direito Público, mas sim por transcender as fronteiras do factível.

Donde se conclui que para o Município se utilizar do controle abstrato pelo STF, surgem três propostas, conforme nos assinala o insigne constitucionalista Dalmo de Abreu Dallari : ou aumentar o número de juízes, ou reduzir as competências do Tribunal, ou ainda a criação de uma Corte Constitucional, caso em que se retiraria do STF tal atribuição, nos moldes da Itália, Espanha, Portugal, Alemanha etc. Fora dessa perspectiva, bem que nos adverte Nagib Slaibi Filho: "existindo mais de cinco mil municípios no Brasil, seria exigir demasiadamente da capacidade de atendimento do mais Alto Tribunal a tal demanda" .

Atingindo, desse modo, um meio termo, diríamos que as leis ou atos municipais, em confronto com a CF, devem continuar sendo apreciados pelo sistema difuso ou por via de exceção, dada a impossibilidade material de sê-lo imediatamente pelo STF. Isto, contudo, não implica que, excepcionalmente, algum Tribunal de Justiça não faça as vezes de Corte Política para o caso em comento, já que os princípios elencados pela Constituição Estadual são pressupostos da Federal, sendo passíveis ainda de recurso extraordinário para o Supremo.

Foi exatamente o que fez o Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da ADIn 374-0, de sorte que o colegiado suspendeu liminarmente a expressão "federal" contida no art. 74, XI, da Constituição do mesmo Estado, tendo, pois, competência para o julgamento de lei municipal .

5. Ação de inconstitucionalidade por omissão e o Senado perante o julgamento do STF

O controle pelo duto da ação direta por omissão, em nosso sistema, veio a ser recepcionado recentemente, quando da promulgação da Carta Magna de 1988, que tomou como modelo a Constituição da República Portuguesa de 1976.

É preciso, no entanto, que chamemos a atenção, por questões de interesse prático, que tal espécie de controle por omissão obteve nascedouro já na Constituição da República Socialista Federativa da Iugoslávia, de 1974, mediante iniciativa de seu então presidente Josip Broz Tito.

Tanto em Portugual quanto na Iugoslávia, há como foro competente o Tribunal Constitucional, no que tange às questões de inconstitucionalidade em tese. De maneira semelhante acontece com o Brasil, conquanto tenhamos que interpretar, mais uma vez, extensivamente o art. 102, I, "a", englobando, pois, a ADIn por omissão como objeto de processo e julgamento pelo STF, guardião da Lex Fundamentalis.

A ADIn por omissão, dessarte, é um remédio constitucional que consiste em evitar a programaticidade ou inoperância da Lei Maior, fazendo a norma "passar da abstração para a concreção; da inação para o ação" , isto é, visa a impedir a inexeqüibilidade de certa lei ou ato normativo, em virtude de inação do legislador encarregado de regulamentá-la. Inolvidável que se diga que gera efeitos erga omnes, já que faz parte do controle por via de ação direta, em tese.

O art. 103, caput, CF, já referido anteriormente, dispõe sobre os legitimados ativos, sendo os mesmos para a aludida ação.

Quanto à defesa da constitucionalidade pelo Advogado Geral da União (art. 103, § 3.º), é quase unânime o entendimento de que se faz despiciendo tal encargo, motivo por que o que se questiona é uma omissão legislativa e não ato ou texto impugnado.

Sabe-se, porém, que o grande problema mora no momento em que nos deparamos com o § 2.º do artigo sub examine, visto envolver discussões de feição axiológica, política e normativa, que envolvem os poderes Judiciário e Legislativo.

Inicialmente, como meio de externar posicionamento paralelo e ao mesmo tempo intrínseco, tomemos por oportuno fazer menção ao art. 52, X, CF, excluindo, desse modo, seu alcance e sentido do presente tema, uma vez que achamos, sob certa literalidade, que a expressão "decisão definitiva" refere-se ao controle da constitucionalidade por via de exceção ou método difuso, o que dá a perceber que a matéria foi julgada em última instância, no STF, por grau de recurso.

Logo, tentamos afastar, com isso, a participação do Senado na ação direta, cabendo-nos, doravante, reposicionar a atuação do mesmo, os Representantes dos Estados, com referência à redação dada pelo § 2.º do art. 103, ou seja, com relação à ação direta por omissão.

Nesse intento, por força da clareza verbal do § 2.º e do princípio segundo o qual o Legislador não é obrigado a legislar, muitos doutrinadores do assunto se pacificam nessa direção, evitando uma suposta subordinação do Legislativo ao Judiciário, o que a Constituição diz quando não delimita prazo para o legislador, ao contrário do órgão administrativo, cujo termo é de trinta dias.

É nesta controvérsia, em contrapartida, que comungamos com aqueles idealizadores de uma visão mais teleológica para com o nosso "guardião da Constituição", posto que se oferece ao Supremo um corpo de ministros-juízes do mais alto porte intelectual e jurídico — ou como diz o texto, "de notável saber jurídico e reputação ilibada" —, existindo em vários outros países, consoante já expusemos, tribunais constitucionais tão-somente para apreciar a constitucionalidade abstrata das leis, cuja natureza da declaração é política, meramente.

Nesse panorama, não se quer reduzir o prestígio do Poder Legislativo no atual tridimensionalismo harmônico e independente, mas repensar sobre o tratamento dado pelo constituinte de 1988 a essa tripartição, haja vista que tal relacionamento não se concebe, como outrora, estanque, quão o foi ao arquétipo de séculos anteriores.

A conformação entre os Poderes requer, segundo a própria Constituição, não só independência mas harmonia, à medida que cada Poder se encarregue de contribuir com suas funções próprias, típicas, ao mesmo tempo que se preste a funções atípicas, impróprias, verbi gratia o que ocorre quando o Senado Federal processa e julga o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I, CF). Nas palavras, pois, de Nagib Slaibi Filho, "na ação direta, o Tribunal exerce uma função legislativa anômala" , com pertinência ao que temos versado acerca do papel político do STF.

A ciência ao Poder competente, de que fala o § 2.º, deve ser compreendida — ao menos na melhor das hipóteses e através de criação jurisprudencial — com prazo prefixado ao legislador, que uma vez expirado, estar-se-ia automaticamente configurada a anulabilidade da lei ou ato normativo repugnado pelo Tribunal Constitucional, e não do modo como se infere da mensagem expressa pelo dispositivo, deixando à mercê do Poder Legislativo uma decisão advinda de um superior Tribunal Federal ao qual chamamos de Supremo, ou seja, dono da última palavra.

Com efeito, falar em equilíbrio harmônico e independente significa atribuir ao Judiciário a tarefa de apreciar a constitucionalidade da norma e, se for o caso, anulá-la por maioria absoluta de votos, cabendo apenas ao Legislativo dar publicidade ao acórdão pelo Diário Oficial. No que concerne ao método difuso, é inequívoca a idéia de que, chegando o processo ao Supremo, por via de recurso, e este declarando in concreto a inconstitucionalidade, só resta ao Senado decidir, mediante resolução, pela suspensão ou não da referida lei, ato este que dará efeito erga omnes, pois até então havia-se restringido ao caso concreto, segundo labor hermenêutico que damos ao art. 52, X, CF.

Vê-se, dessa maneira, que existe notável diferença de atuação política a respeito do Senado Federal, quando se reporta ao controle da constitucionalidade. Pelo método difuso, dá-se provimento jurisdicional ao julgamento em concreto, havendo a posteriori, somente conforme dispuser aquela Casa Legislativa, incidência geral. Já pelo método concentrado, no caso da ADIn por omissão, a inócua expressão "será dada ciência", oriunda de uma decisão de atributo legislativo, deve vir acompanhada, na mais branda das alternativas, de um prazo tal qual foi estabelecido para o órgão administrativo, opinião esta que coaduna com a preleção de Paulino Jacques, para quem "O Judiciário, declarando a inconstitucionalidade de uma lei, cumpriu seu dever; resta ao Senado fazer o que lhe toca, suspendendo-lhe a execução" .

Como meio de se conceder um papel complementariamente formal ao Senado, a tendência hodierna está no sentido de que a ação direta de inconstitucionalidade, incluindo o modelo omissivo, perfaz teleologicamente a inteligência do § 2.º, não mais do art. 103 da CF, mas agora do 102, que reza:
"As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo".

Raciocinando assim, diga-se de passagem, não implica confundir a ação declaratória de inconstitucionalidade, objeto nosso, com a declaratória de constitucionalidade, institutos apenas semelhantes.

Esta, pois, é a inclinação sistêmica de Ronaldo Poletti, em sua clássica obra por vezes citada , em que faz menção ao Ministro Rodrigues Alckmin, do Colendo Tribunal, cuja colaboração foi preciosa para o processo administrativo 4.477/72, que deu ao Regimento Interno do Supremo a seguinte linha de pensamento:
"Já nos casos de ação direta, a função jurisdicional, apreciando a Representação, se estende à decretação da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em tese. Não vejo, pois, seja necessária a intervenção do Senado, cabível somente quando, por ser a inconstitucionalidade no julgamento de caso concreto, a decisão judicial não possa exercer seus efeitos fora da demanda em que proferida".

No tópico que se nos vem à frente, falaremos um pouco, como desfecho do trabalho, dos efeitos decorrentes da decisão pelo STF.

6. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade pela via direta

Abordar o item que nos toca no momento não é tarefa das mais pacíficas, haja vista a divergência que já é posta a respeito do significado que se tem de ato nulo e anulável quanto ao Direito Público e Privado.

Tentaremos, no percorrer destas últimas linhas, não obstante se reconheça que o assunto possibilita galgar os confins de uma simples monografia, ao menos buscar uma definição mais objetiva, sensata e precisa para os efeitos da ADIn, em tese, que se vislumbra à par do exame sobre o alcance das sentenças declaratória e constitutiva.

Um lado da corrente opinante, prosélitos da teoria constitucional norte-americana, advoga a tese segundo a qual uma lei declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, deve ter por fulminada sua eficácia desde o início de sua existência, ou melhor, o acórdão que declara determinada lei ou preceito normativo incompatível formal e materialmente com a Lei Maior, torna-o absolutamente nulo, devendo, dessa maneira, desaparecer ab initio do mundo jurídico, por lhe ter faltado exatamente o substrato ou qualidade de lei. O efeito é ex tunc, retrooperante, típico de sentenças declaratórias, condizendo com a premissa latina quod nullum est, nullum effectum producit. Tal é a opinião de juristas da lavra de Alfredo Buzaid, Ronaldo Poletti, Rui Barbosa, Miguel Reale, o Supremo Tribunal Federal e outros.

Por diverso raciocínio, encontram-se José Afonso da Silva , Hugo de Brito Machado , Regina Maria Nery Ferrari , Min. Leitão de Abreu etc., filiados que são ao constitucionalismo austríaco, da Escola de Viena.

A inteligência dos que assim caminham se faz de modo a conceber certos temperamentos à decisão que declara, em abstrato, a inconstitucionalidade de uma lei. Sem embargo, achamos, seguindo-lhes a diretriz, que atribuir caráter de nulidade absoluta à decisão do Supremo, que por conseguinte retrocede os efeitos à data do nascimento da norma, importa pôr em perigo de instabilidade a ordem jurídica, uma vez que se faz mister analisar tais repercussões, antes de tudo, à luz dos direitos adquiridos, quais sejam aqueles que já foram incorporados ao patrimônio pessoal e real dos cidadãos.

Há, pois, em nossa maneira de enxergar, necessidade de se idealizar efeito ex nunc ao acórdão prolatado pelo Egrégio Tribunal, que somente anula a lei inquinada de vício, à medida que são considerados válidos, tanto do ponto de vista formal como do social, os fatos e atos jurídicos realizados anteriormente à decisão, sob a égide de uma norma presumivelmente constitucional, o que é mais importante, para a confiança daqueles que, de boa-fé, gozaram de suas benesses. É-nos, destarte, insuspeito que a uma norma não se forneça o apanágio da presunção, cujo nascimento se deu no processo legiferante formal e normal. Aproveitando, de igual arte, as palavras da prof.ª Regina Neri Ferrari, tem-se que "admitimos, assim, que a lei inconstitucional vive, por mais breve espaço de tempo que seja" .

E lá pela frente arremata, "reconhecer, portanto, que a norma inconstitucional é nula, e que os efeitos desse reconhecimento devem operar ex tunc, estendendo-se ao passado de modo absoluto, anulando tudo o que se verificou sob o império da norma assim considerada, é impedir a segurança jurídica, a estabilidade do Direito e sua própria finalidade" .

Nessa perspectiva, a decisão provinda de um acórdão do Supremo possui natureza constitutiva, posto que, revestida de uma declaração comum a todo tipo de sentença, cria, modifica ou extingue uma relação jurídica , cujo efeito temporal opera para o futuro, dali por diante, sem excluir, de igual sorte, a possibilidade de retroagir excepcionalmente, cabendo nesse caso à Corte Suprema perquirir dos pormenores por que se apresenta o caso concreto e o interesse público.

Seguem-se, nesse desiderato, as lições de Mauro Capelleti , para o qual devemos inclinar-nos analogicamente ao mesmo processo ocorrido com a Constituição da Áustria, principalmente após a reforma de 1929, e dos EUA, quando estes dois países passaram a compreender mais maleavelmente a lógica dos efeitos declaratórios da inconstitucionalidade, de modo que a Áustria tendeu a utilizar-se, em certos casos especiais, da nulidade absoluta, ao passo que os EUA moderaram suas incidências meramente declaratórias, no que tange a matéria administrativa e civil, aformoseando-lhes de estabilidade jurídica.

7. Conclusão

Chegamos, enfim, ao termo desta despretensiosa dissertação. Parafraseando o brilhante cenógrafo Tomás Santa Rosa, diríamos que "um quadro por maior que seja, não atinge a amplidão de um cenário".

Sob a luz de tão profícua mensagem, concluimos que os temas de cunho juspublicístico, diga-se os que se reportam ao Direito Constitucional, Tributário, Administrativo etc, merecem exames que envolvam, imprescindivelmente, suas nuances políticas, na medida que se absorve o caráter de seus questionamentos no Direito comparado, sempre correlacionando o objeto de estudo como que emoldurado numa atmosfera não só de normas, mas de valores e fatos implicados tridimensionalmente em reciprocidade dialética. Ensina-nos uma das maiores culturas da teoria jurídico-científica moderna, J. J. Calmon de Passos, que "A interpretação constitucional é, hoje, dos maiores desafios postos para o jurista e um dos campos mais fecundos e mais prioritários de seu labor científico" .

Os tópicos versados disseram algo de modo bastante relativo, em termos acadêmicos, acerca dos assuntos mais polêmicos no que pertine à Ação Direta de Inconstitucionalidade.

A bem da segurança jurídica e dos direitos adquiridos de boa-fé, faz-se necessário dosar com mais justeza os efeitos decorrentes de uma decisão in abstrato, em face da ADIn, o que equivale a lhe revestir, grosso modo, eficácia futura no tempo, como uma amálgama de sentença declaratória e constitutiva. Isto sem olvidar que se pense na posição menos comprometedora do Senado quando das ações diretas, em que o Supremo, fazendo as vezes de Corte Constitucional, emite acórdão de atributo legislativo-político, cabendo tão-somente ao legislador publicar a decisão.

É missão de cada um, operador do instrumento de paz social a que se cognominou Direito, indagar de seus pressupostos básicos à lucidez das áreas multidisciplinares da Ciência Jurídica, vista a Constituicão não como uma "metáfora ideologicamente abstrata", mas como matéria-prima de se viver com direitos e garantias elencados eficazmente.

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