APONTAMENTOS
SOBRE A LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA
Gustavo
Henrique de Brito Alves Freire
Advogado
1. GENERALIDADES - A concessão de mandado de segurança pelo
órgão
competente
do Judiciário (magistrado ou Tribunal) sedimentar-se-á sempre
que
o interessado,
ingressando em juízo, atenda aos requisitos previstos e
exigidos
pela Lei nº 1.533/51. Ao decidir, no meritum causae, dando a
vitória
ao impetrante, o magistrado diz "concedo a ordem impetrada" ou
"concedo
a segurança pleiteada", "concedo o mandamus" etc. Em caso
contrário,
o juiz "denega a segurança", o "pedido", o "writ".
Caberá mandado de segurança se o Estado, ao comunicar-se
com
qualquer
entidade pública ou particular, fere ou ameaça ferir-lhe,
por ato
de qualquer
autoridade, direito líquido e certo de alguém, quando então
ocorrerá
ofensa a direito subjetivo (por exceção pode haver ofensa
a direito
subjetivo
privado) e o conseqüente emprego do mandado de segurança para
exigir
a imediata volta ao status quo ante, perturbado ou ameaçado pela
coação
indevida (cfr. CRETELLA JR., José. "Comentários à
Lei do Mandado de
Segurança",
9ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 1998).
O mandado de segurança constitui, ao lado do habeas corpus, do
habeas
data e do mandado de injunção, um direito subjetivo público
constitucional,
cujo titular é o administrado, quer se trate de cidadão
comum
ou de funcionário público; pode ser também pessoa
jurídica, tanto faz
se pública
ou privada. Com referência à natureza jurídica do mandado
de
segurança,
conforme afirma Celso Agrícola Barbi (in "DO MANDADO DE
SEGURANÇA",
8ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 1998), há, primeiro, quem
não o
considere
uma ação: no início de sua aplicação
pelos tribunais, dizia-se,
aqui
e acolá, que o mandado de segurança seria um remédio
de natureza
especial,
e não ação. Houve, inclusive, quem dissesse, como
o Min. Carvalho
Mourão,
em voto proferido no STF, que o mandado de segurança não
é "causa"
nem "ação",
e sim medida "acautelatória, remédio com finalidade preventiva"
principalmente,
embora sirva, ademais, também para reposição das coisas
no
estado
anterior, até serem decididas pela ação competente
(apud BARBI, Celso
Agrícola,
op.cit., p. 44).
A doutrina predominante sobre a matéria perfila-se à opinião
de que
o mandado
de segurança é, sem dúvida alguma, "ação".
Diverge-se, contudo, na
hora
de especificar a espécie de ação a que pertence o
instituto: para uns,
é
ação constitutiva. Para outros, ação mandamental;
para outros tantos, mero
executório.
Celso Agrícola Barbi, em sua obra referencial sobre o mandado de
segurança,
situa-o na qualidade de ação cognitiva, explicando o porquê:
"O
exame
da estrutura do mandado de segurança nos leva à conclusão
de que nele
se ajuiza
uma ação de 'cognição' ou 'conhecimento'. Como
acentua Chiovenda,
'o processo
de cognição desenvolve-se entre dois termos: a demanda judicial,
com a
qual o autor o constitui, chamando o réu à presença
do juiz; e a
sentença,
com a qual o juiz o encerra, pronunciando-se sobre a demanda, que
admite
ou rejeita'. A expedição do mandado, afirma com acerto Alfredo
Buzaid,
'é um efeito secundário da sentença que, embora não
pedido
expressamente
pela parte, decorre necessariamente da lei'" (BARBI, op.cit.,
p. 48).
2. MEDIDA LIMINAR - eventualmente, no processo do mandado de
segurança,
pode surgir fase distinta, prevista no art. 7º, II, da Lei nº
1.533/51,
qual seja a suspensão liminar do ato impugnado. Ter-se-á,
então, a
inserção
de uma ação "cautelar" no processo principal, pois aquela
suspensão
é
tipicamente medida acautelatória, como expõe Cretella Jr.
(op.cit., p.
48).
Ou, na expressão de Carnelutti, haverá, aí, uma "fase
cautelar do
processo"
(Cretella Jr., op.cit., p. 49).
Medida liminar é providência anterior, que se opõe
a medida
posterior.
"Providência liminar" contrapõe-se, isto posto, a "providência
de
mérito".
Concessão de medida liminar, sobrestando os efeitos do ato, não
implica
julgamento prévio nem definitivo do próprio ato, assim como
o exame
da fachada,
do invólucro, da epiderme, não implica pré-julgamento
material
da substância,
do principal, do núcleo, do interior (cfr. Cretella Jr.,
op.cit.,
p. 211). O mandado de segurança (ms) é remédio jurídico
dirigido à
auto-executoriedade
do ato. Assim porque, no processo civil vige o princípio
"nulla
executio sine titulo", ao passo que, no direito administrativo,
impera
o princípio de que o ato (administrativo), tão logo editado,
adentra
imediatamente
no mundo jurídico, projetando os seus efeitos de maneira, como
diz Cretella
Jr., "inexorável" (op.cit., p. 212). "A eficácia fulminante
do
ato da
autoridade coatora produz alterações radicais e indeléveis
que, se
efetivadas,
geram danos irreparáveis. É necessária ação
imediata e radical",
completa
o ilustre administrativista (op.cit., p. 212). Assim, se o ms é
um
remédio
heróico, que se contrapõe à auto-executoriedade, para
ceifar-lhe os
efeitos,
a medida liminar age como "pronto-socorro", que prepara o terreno
para
a segunda intervenção, enérgica, porém, mais
cuidadosa que a primeira.
Ou como resume Cretella Jr (op.cit., p. 212): "O ato ilegal é veneno
de ação
rápida, que não pode ser tratado com paliativo. Seu antídoto
imediato
é o remédio heróico que paralisa a ação
deletéria da medida
ilegal".
Em não raros casos, porém, o ato hostilizado tem de ser atacado
de
pronto,
pois do contrário a lesão causaria danos irreparáveis.
Ora, se o
doente
está sufocado, se o coração está paralisado,
urge que o paciente seja
atendido
logo, e não que fique numa fila de espera, ao Deus dará.
A atuação
médica
efetiva, o diagnóstico real do problema, pode esperar. Salvar a
vida
do paciente,
não. É interessante o exemplo agitado por Cretella Jr.:
"Imaginemos alguém impedido de prestar concurso, por ato arbitrário
da autoridade
que, no edital, ato administrativo, colocasse cláusulas
impeditivas,
discriminatórias, ausentes de lei anterior. Ou, em outra
hipótese,
nomeação e posse de funcionário classificado em terceiro
lugar, em
detrimento
de outros dois, classificados em primeiro e segundo. Ou
adjudicação
de concorrência a forma colocada em último lugar, preteridas
as
demais.
Impetrada a segurança, por mais eficiente e pronta que fosse a
intervenção
do Poder Judiciário, impossível, muitas vezes, atalhar de
imediato
o processo desencadeado pela edição do ato, ou a ameaça
de edição"
(op.cit.,
p. 212).
Daí, em síntese, a razão de ser da medida liminar
em sede de mandado
de segurança.
A concessão liminar, segundo entende Cretella Jr. (op. cit., p.
212),
"está situada na esfera discricionária do magistrado,
independentemente
de solicitação do impetrante". De fato, é ao juiz
que
cumprirá
valorar o fundamento do pedido, ao apreciar o caso concreto, e
julgar
se o sobrestamento do ato impugnado é mesmo indispensável
para que o
deferimento
extemporâneo da medida não se torne um tiro n´água,
ou seja, uma
providência
literalmente infrutífera, inócua, vazia. Claro que o impetrante
pode,
como na gíria popular, "passar batido", ou seja, ignorar, a
necessidade
do instrumento liminar. O juiz é quem decidirá o grau de
urgência,
se o socorro afigura-se urgentíssimo ou tão-somente urgente.
A
suspensão
liminar, assim, está facultada ao juiz para que não reste
frustrado
o direito reclamado, quando bem fundado o pedido. Trata-se de uma
apreciação
em que ele, juiz, deverá mover-se, nas palavras de Castro Nunes,
citado
por Cretella Jr., "com certa liberdade", pois "se de recear que o
mandado
a ser ulteriormente concedido já encontre irreparavelmente
comprometido
o direito reclamado, como no caso em que se desse posse ao
funcionário
nomeado, com preterição do impetrante, a irreparabilidade,
ainda
que relativa,
porque menos atingido o impetrante do que o erário mesmo, que
teria
de suportar o ônus do pagamento dos funcionários, seria razão
para a
suspensão
liminar".
Frise-se, apenas, por fim, que da mesma maneira que o magistrado tem
o poder
discricionário de conceder "in limine litis" a ordem para a
suspensão
do ato, pode ainda, convencendo-se da inconveniência ou
inoportunidade
da iniciativa, cassar-lhe os efeitos, revogando-a. Ora bem,
se a
ação é julgada, ao final, procedente, a liminar restará
mantida, e
vice-versa,
ou seja, se a ação é julgada improcedente, a liminar
será,
obviamente,
revogada. Sendo julgada procedente, a medida liminar é absorvida
pela
sentença final, que imediatamente é exeqüível:
à medida acautelatória
sucede
o ato executório da sentença, perdendo aquela seu objetivo
e,
portanto,
sumindo. Mas, se a sentença final de mérito julgar improcedente
a
ação,
a medida cautelar extinguir-se-á, porque inexistentes dois
pressupostos
de sua concessão: a relevância do fundamento do pedido e a
necessidade
da manutenção do status quo até a sentença.
São estes os apontamentos que entendo pertinentes à matéria.
Retirado de http://www.teiajuridica.com/