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Gabriel Luiz de Carvalho*
Sumário: 1 INTRODUÇÃO; 2 VEDAÇÕES
CONSTITUCIONAIS; 2.1 Pena de morte; 2.2 Penas de caráter perpétuo; 2.3
Trabalhos forçados; 2.4 Banimento; 2.5 Penas cruéis; 3 CONCLUSÃO; 4 REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
Sabe-se que o princípio da
humanidade está na base da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 (CF/88), devendo-se aplicá-lo, por extensão e logicamente, às disposições
constitucionais relativas ao Direito Penal.
Tal princípio reforça, dentro da
matéria relacionada às sanções penais, que o condenado deve ser tratado, acima
de tudo, como uma pessoa humana, digna de um tratamento sensível às suas
necessidades mais básicas, sem deixar de receber, obviamente, a pena prevista
para a infração cometida. [01]
Durante a época iluminista, houve
verdadeira transformação do Estado a partir da adoção de duas idéias
fundamentais, quais sejam: a existência de direitos inerentes à condição
humana, chamados de direito naturais, e o entendimento de que a origem do
Estado está assentada numa espécie de contrato, de forma a assegurar o respeito
a esses direitos naturais do homem. [02] Pode-se dizer que uma das
extensões dessa transformação estatal foi justamente o processo de humanização
das penas aplicadas, em busca de maior proporcionalidade entre o delito
cometido e a sua respectiva sanção. Para essa mudança, torna-se quase
imprescindível citar a colaboração de Cesare Beccaria, com a sua obra "Dos
delitos e das penas".
No âmbito da CF/88, a princípio da
humanidade pode ser observado em diversos momentos, principalmente no art. 5º.
O inciso III deste artigo, por exemplo, ao dispor que "ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante", está
claramente a par do respeito devido à pessoa humana. O inciso XLIX, por sua
vez, estabelece que "é assegurado aos presos o respeito à integridade
física e moral". Já o L assegura às presidiárias "condições para que
possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação".
Enfim, percebe-se uma postura humanitária, adotada constitucionalmente em
relação às pessoas que se encontram condenadas.
Porém, uma das maiores expressões do
princípio da dignidade da pessoa humana corresponde às vedações impostas pela
CF/88 quanto a cinco espécies de penas. Segundo o inciso XLVII do já citado
art. 5º, são proibidas as penas: (a) de morte; (b) de caráter perpétuo; (c) de
trabalhos forçados; (d) de banimento; e (e) cruéis.
2 VEDAÇÕES CONSTITUCIONAIS
2.1 Pena de morte
A pena de morte não está
absolutamente proibida no Brasil. Existe a possibilidade de, em caso de guerra
declarada, haver a sua utilização. Trata-se de uma situação excepcional, porém
perfeitamente possível.
A declaração de guerra se dá apenas
entre Estados soberanos. [03] Portanto, para que haja a aplicação da
pena de morte, o cenário deve envolver uma guerra externa, e não meramente
civil, pois, para esta última, não é necessária a declaração para que o Estado
possa intervir. Isso também pode ser percebido a partir da leitura do art. 84,
XIX, da CF/88, relacionado diretamente à pena de morte. Segundo ele, o
Presidente da República apenas poderá declarar guerra "no caso de agressão
estrangeira".
Ainda com base no inciso XIX do
referido art. 84, a declaração de guerra feita pelo Presidente da República
deve ser autorizada pelo Congresso Nacional ou por este referendada, quando do
intervalo das sessões legislativas.
De acordo com o art. 56 do Código
Penal Militar (CPM), a morte do condenado dar-se-á por fuzilamento. Antes da
execução, a sentença deve ser comunicada ao Presidente da República, para que
ele possa utilizar-se ou não da chamada clementia Principis, espécie de
graça concedida ao condenado no sentido de comutar a pena (CF/88, art. 84,
XII). Em regra, só depois de sete dias dessa comunicação, a execução poderá ser
efetuada. [04]
O CPM traz uma lista de crimes
militares cuja pena pode ser a capital. Por exemplo: traição (art. 355),
favorecimento do inimigo (art. 356), covardia qualificada (art. 364), fuga em
presença do inimigo (art. 365), insubordinação (art. 387) etc.
No Brasil, o Código Criminal do
Império chegou a prever a pena de morte. Entretanto, na década de 1850, D.
Pedro II a revogou em virtude principalmente da execução do fazendeiro
fluminense Mota Coqueiro, morto, como se soube após a execução, de maneira
injusta. [05]
Uma constatação há de ser feita: a
pena de morte sempre foi (ou é) utilizada por governos totalitários. No caso
nacional, a Constituição Federal de 1937 estabelecia tal pena, e não apenas
para as situações que envolvessem agressão estrangeira, de modo que ela poderia
ser aplicada em vista de vários crimes de natureza política e de homicídios
cometidos por motivo fútil e com requintes de perversidade. A Emenda
Constitucional n. 1/1969, por sua vez, também trouxe um emprego menos restrito
da pena de morte. [06]
Outra observação: inexiste relação
obrigatória entre a extinção da pena de morte e a elevação dos níveis de
delinqüência. Foi feita uma pesquisa nos EUA sobre a possível relação entre a
pena de morte e os índices de homicídios. Como se sabe, nos EUA, a decisão a
respeito da adoção ou não da pena de morte cabe particularmente a cada
Estado-membro. Dessa forma, analisou-se a quantidade de homicídios em cada
grupo de cem mil habitantes em Estados que adotavam a pena em epígrafe, caso do
Texas e da Flórida, e em Estados que não a adotavam, caso de Nova York e de
Massachusetts. Concluiu-se, a partir da obtenção dos resultados, que o emprego
da pena de morte não reduziu os índices de criminalidade em comparação com os
Estados que não a prescrevem. Ou seja, há fatores outros que influenciam mais
de perto a taxa de crimes cometidos, caso de uma situação econômica precária e
injusta. [07]
A proibição da pena de morte, por
estar inserida no rol dos direitos e garantias individuais (CF/88, art. 5º),
sendo, dessa forma, considerada cláusula pétrea (CF/88, art. 60, §4º, IV), não
poderá sofrer qualquer tentativa de emenda ou alteração. Essa vedação consiste
em verdadeiro escudo contra a exacerbação do direito de punir, devendo,
portanto, ser imune a mudanças. [08]
2.2 Penas de caráter perpétuo
As penas de caráter perpétuo estão
definitivamente fora do sistema penal brasileiro, segundo a CF/88. É
praticamente unânime o entendimento de que esse tipo de pena não traz efeitos
positivos para a sociedade e muito menos para os condenados. Os reflexos são
totalmente negativos, tais como a manutenção da ociosidade e a transformação do
condenado em pária social. [09]
Na experiência italiana, existe
previsão para a pena de natureza perpétua, também conhecida por ergastolo.
Porém, observa-se que tal pena é perpétua apenas teoricamente, porque, na
prática, o preso, obedecidas certas condições, poderá obter livramento
condicional após o cumprimento de 26 anos de sua condenação. [10]
Sabe-se que o retorno ao convívio
social é fundamental quando se tem em mente a recuperação do condenado, sendo
que é daí que nasce o princípio da natureza temporária, limitada e definida das
penas. [11]
Uma questão que precisa debatida é a
que gira em torno das penas que não se caracterizam exatamente pela
perpetuidade, mas que são efetivamente longas. Percebe-se que penas
excessivamente elevadas geram desestímulo e revolta nos condenados. É
necessário que estes cumpram, de fato, a sua condenação; entretanto, a
possibilidade de voltarem à sociedade deve sempre existir. Diante disso, o art.
75 do Código Penal brasileiro (CP) dispõe que as penas privativas de liberdades
não podem superar 30 anos, tempo máximo de cumprimento.
2.3 Trabalhos forçados
A existência de trabalhos forçados é
possível ou "admissível" num contexto de escravidão. Fora deste, não
há qualquer cabimento ou sentido.
Para que se faça satisfatória
distinção entre trabalho forçado e laborterapia, que está prevista no CP, é
importante compreender a força, a extensão que o adjetivo "forçado"
confere à palavra "trabalho". Esse adjetivo dá uma idéia de que o
condenado terá que trabalhar nem que seja à base de violência, de socos e
pontapés, não havendo, portanto, opção. Ou ele trabalha ou ele apanha. Situação
definitivamente desumana.
Já a laborterapia, disposta no art.
39 do CP, oferece ao condenado uma vaga de trabalho remunerado. Repete-se:
trabalho remunerado, além dos benefícios oriundos da Previdência Social. E,
segundo o art. 29 da Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210/1984), o preso será
remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três
quartos) do salário mínimo, sendo que o produto desta remuneração deverá atender:
(a) à indenização dos danos causados pelo crime; (b) à assistência
familiar; (c) a pequenas despesas pessoais; (d) ao ressarcimento ao
Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado.
Não se pode confundir, por outro
lado, trabalho forçado com prestação de serviços à comunidade, porque, apesar
de ambos serem exercidos gratuitamente, sabe-se que, na prestação de serviços,
não há privação da liberdade de locomoção, mas simples restrição. Além disso,
essa prestação possui previsão constitucional e o seu objetivo é justamente
evitar que o condenado seja segredado da sociedade, afastado de seus afazeres
normais e de sua família. Está, portanto, bem distante das características
degradantes comuns aos trabalhos forçados. E uma última peculiaridade da
prestação de serviços à comunidade é o fato de ela ser opcional, podendo o
condenado recusá-la para sofrer outras espécies de penas. [12]
2.4 Banimento
A pena de banimento corresponde à
"retirada forçada de um nacional de seu país, em virtude da prática de
determinado fato no território nacional". [13] Ou seja, é a
extinção da possibilidade de um cidadão conviver entre os seus e em sua terra
natal.
Deve-se estar atento à diferença que
existe entre o banimento e a extradição, a deportação e a expulsão. Estas três
últimas medidas recaem sobre estrangeiros, enquanto que o primeiro sobre
nacionais. [14]
No entanto, uma ressalva há de ser
feita: o inciso LI do art. 5º da CF/88 dispõe que brasileiro naturalizo poderá
ser extraditado, "em caso de crime comum, praticado antes da
naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins".
Dois argumentos colaboram, por fim,
para que essa pena não prospere, a saber: (a) não se pode exigir que cidadãos
nacionais convivam compulsoriamente com povos estranhos e de cultura diversa; e
(b) Estados estrangeiros não devem aceitar um delinqüente em suas terras, fato
que colocaria em perigo os seus tutelados. [15]
2.5 Penas cruéis
Logo no art. 1º, III, da CF/88, está
disposto que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade
da pessoa humana. Em seguida, o art. 5º, III, veda a prática de tortura, já
que, afinal, o delinqüente não deixa de pertencer ao gênero humano. [16]
Têm-se aqui, então, as bases que repudiam as penas manchadas pela crueldade,
pelo sofrimento desnecessário.
A título de ilustração, o Livro V
das Ordenações Filipinas estabelecia que certos condenados tinham que sair à
rua portando uma capela de chifres, outros deveriam ter os seus pés amarrados
com bolas de ferro, ou ter os seus corpos marcados com fogo etc. [17]
Penas nitidamente marcadas pela crueza.
Casos em que mulheres são postas em
celas destinadas a homens, tendo que se prostituírem em troca de comida,
demonstram verdadeira ofensa à pessoa humana, situação inconcebível à luz
daquilo que a Carta Magna nacional defende e propõe como suas bases, que
excluem, de plano, tamanho ultraje.
3 CONCLUSÃO
A CF/88, em nenhum momento, afirma
que os delinqüentes não devem condenados, que não devem sofrer punição em
decorrência do mal que cometeram à sociedade. Porém, é fundamental que haja
proporcionalidade entre a infração penal cometida e a sua respectiva pena,
sendo a dignidade da pessoa humana um princípio indispensável quando da escolha
desse mesmo castigo.
Para tanto, a atual Constituição
estabeleceu um rol de penas que jamais poderão ser aplicadas sob a sua
vigência, salvo raras exceções que se referem à pena de morte. Trata-se,
portanto, de mandamento de força constitucional que serve como verdadeiro muro
contra eventuais injustiças e barbaridades derivadas do direito de punir
pertencente ao Estado.
O delinqüente é, ou melhor, nunca
deixou de pertencer à humanidade. A sua conduta delituosa deve certamente ser
punida por uma série de justificativas, que vão desde a retribuição pelo mal
que causou até a tentativa de recuperá-lo a fim de enviá-lo novamente ao
convívio social. Entretanto e por fim, punir não significa, pelo menos
hodiernamente, ofender a dignidade, intrínseca a todo ser humano.
4 REFERÊNCIAS
CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA
JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal na constituição. 2. ed. rev. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.
LUISI, Luiz. Os princípios
constitucionais penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 2003.
MORAES, Alexandre de. Constituição
do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2003.
SHECARIA, Sérgio Salomão; CORRÊA
JUNIOR, Alceu. Teoria da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
NOTAS
01
Cf. LUISI, Luiz. Os
princípios constitucionais penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2003. p. 46.
02 Ibid., p. 46-47.
03 Cf. SHECARIA, Sérgio Salomão;
CORRÊA JUNIOR, Alceu. Teoria da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 112.
04 Cf. MORAES, Alexandre de. Constituição
do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2003. p. 330.
05
Cf. LUISI, op. cit., p. 49.
06 Cf. SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR, op.
cit., p. 112.
07 Ibid., p. 114.
08 Cf. CERNICCHIARO, Luiz Vicente;
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal na constituição. 2. ed. rev.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 111-112; SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR,
op. cit., 116.
09 Cf. CHERNICCHIARO; COSTA JÚNIOR,
op. cit., p. 112; SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR, op. cit., p. 117.
10 Cf. CHERNICCHIARO; COSTA JÚNIOR,
op. cit., p. 112; SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR, op. cit., p. 118.
11
Cf. MORAES, op. cit., p. 331.
12
Cf. CHERNICCHIARO; COSTA JÚNIOR, op. cit., p. 118-119; SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR,
op. cit., p. 120-121.
13
MORAES, op. cit., p. 332.
14
Cf. SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR, op. cit., p. 122.
15
Ibid.
16
Cf. MORAES, op. cit., p. 333.
17
Cf. CHERNICCHIARO; COSTA JÚNIOR, op. cit., p. 124.
* Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual Paulista
"Júlio de Mesquita Filho" (UNESP)
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10802
Acesso em: 07 out.
2008.