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Nova política criminal sobre drogas: Infrações penais de médio e de mínimo potencial ofensivo previstas na Lei 11.343/2006
Estudo das
questões relativas aos tipos penais de médio e de mínimo potencial ofensivo, à
luz da Política Criminal adotada pela nova Lei Antidrogas.
João José Leal *
*Doutor-Livre Docente em Direito Penal - UGF/FURB. Professor do Curso de
PósGraduação em Ciência Jurídica - CPCJ/UNIVALI. Ex-Procurador Geral de Justiça
de SC e ex-Diretor do CCJ/FURB. Associado do IBCCrim e da AIDP.
1. Introdução
A Lei 11.343/2006, aqui denominada de Lei Antidrogas,
manteve a orientação da legislação anterior e incriminou condutas
intermediárias entre o simples porte para consumo pessoal (conduta agora
submetida a um processo de descriminalização branca) e o crime maior e mais
grave de tráfico ilícito de drogas.
Aqui, examinaremos os crimes descritos no Título IV, da
nova lei que, em termos de gravidade, podem ser considerados como de menor ou
de médio potencial ofensivo, em face dos dois tipos penais extremos. Nosso
estudo, portanto, terá como foco os crimes que ocupam um espaço de tipicidade
penal situado entre os campos de maior gravidade reservado ao crime de tráfico
ilícito (aí incluídas as formas típicas que lhe são equiparadas ou
assemelhadas) e o de reduzidíssima gravidade (ou quase insignificância penal!)
ocupado pelo crime de porte para consumo pessoal.
Na verdade, os crimes que aqui serão objeto de análise
podem ser classificados como infrações intermediárias entre o crime de tráfico
e esta nova e implicitamente descriminalizada infração que leva agora o nomen
juris de consumo pessoal de drogas.
Por isso, embora tais crimes estejam descritos no Capítulo
II, do Título IV, da Lei Antidrogas, não devem ser considerados como modalidade
ou espécies do tipo básico ou fundamental do crime de tráfico ilícito de
drogas. No entanto, é preciso lembrar que, no regime normativo do direito
anterior, dois destes crimes intermediários eram reprimidos como modalidades
típicas equiparadas ou equivalentes ao tipo básico mais grave de tráfico
ilícito de drogas.
2. Induzimento ou Auxílio ao Consumo Indevido de Droga (art. 33, § 2º)
A atual Lei de Drogas manteve a incriminação - com a mesma
descrição típica - da conduta de “induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso
indevido de droga” (art. 33, § 2º). Embora, inserido como parágrafo do art. 33,
a atual lei deu-lhe autonomia tipológica, pois deixou de ser uma simples
modalidade do tipo penal básico bem mais grave.
Antes sancionada com a mesma pena - de três a quinze anos
de reclusão - imposta ao traficante (art. 12, § 2º, inciso I, da lei anterior),
a conduta agora é classificada de forma autônoma e punida com detenção, de um a
três anos, acrescida da pena pecuniária de 100 a 300 dias-multa. Houve uma
sensível redução da carga punitiva cominada para este tipo de conduta, cujas
linhas divisórias, em relação ao crime de tráfico, nem sempre será tarefa fácil
de ser demarcada.
Os três verbos, que compõem o núcleo da descrição típica,
referem-se a ações que, normalmente, são indicadoras de participação no crime
do outro. Mas, no caso em exame, foram consideradas como suficientes para
constituírem um tipo penal próprio. Assim, somente estará configurada esta
infração quando o agente induz, instiga ou auxilia pessoa certa e esta efetivamente
passa a consumir determinado tipo de droga. Aplica-se à hipótese sob exame a
regra geral de que o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio não são puníveis
se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado (art. 31, do CP).
É claro, também, que só haverá crime se a instigação ou o
auxílio destinar-se ao uso indevido. Assim, não comete o crime em exame quem
induz um parente ou uma pessoa amiga a consultar um médico para o uso de
psicotrópicos ou o auxilia a ingerir substância psicotrópica devidamente
prescrita por profissional médico.
Por outro lado, deve ser ressaltado que a ação de induzir,
instigar ou auxiliar não pode representar qualquer ato próprio do crime de
tráfico. Ou seja, o agente, a pretexto de instigar ou auxiliar, não pode tomar
a iniciativa de oferecer (muito menos vender!) a droga a determinado usuário,
porque neste caso o crime praticado será o de tráfico, previsto no caput, do
art. 33. Na prática, sempre será necessária uma análise minuciosa de todas as
circunstâncias em que o agente atuou para chegar-se à constatação segura de que
o mesmo, com sua conduta, não ultrapassou os limites da simples instigação ou
do auxílio para adentrar no espaço de tipicidade mais grave da oferta, que já
carateriza o crime de tráfico.
Da mesma forma, a conduta de induzir, instigar ou auxiliar,
também precisa ser distinguida daquela prevista no parágrafo 3º, em que o
agente oferece droga, eventualmente e sem intenção de lucro, a um terceiro para
consumo em conjunto. São dois crimes muito próximos em seus contornos típicos e
a diferença entre um e outro não será tarefa fácil no campo da práxis
judiciária.
Finalmente, cremos que a alteração se fazia necessária. A
norma repressiva anterior era demasiadamente severa, ao punir o instigador ou
prestador de auxílio ao uso de drogas com a mesma carga punitiva cominada ao
traficante.
Por isso, com a Lei Antidrogas, os casos de instigação e de
auxílio ao uso de drogas, que não são frequentes ou, ao menos não são fáceis de
serem identificados na prática judiciária, terão um tratamento penal bem mais
brando e mais justo.
3. Oferecimento de Droga para Consumo em Conjunto (art. 33. § 3º)
Outra inovação de grande significado penal diz respeito ao
crime de “oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de
seu relacionamento, para juntos a consumirem” (art. 33, § 3º), punido com pena
de detenção, de seis meses a um ano, além da pena 700 a 1.500 dias-multa e “sem
prejuízo das penas previstas no art. 28”. É preciso reconhecer que houve um
significativo abrandamento no controle penal desta conduta, antes também
incriminada como tráfico ilícito.
Mas, ao mesmo tempo, o novo preceito incriminador veio
acompanhado de uma verdadeira cascata sancionatória. Para uma infração penal
que, pela natureza e quantidade da pena privativa de liberdade cominada, deve
ser classificada como de menor potencial ofensivo, o legislador realmente
exagerou na dose do remédio punitivo. Assim sendo, observado o disposto na
parte sancionatória, deverá o juiz aplicar ao condenado por oferta de droga,
sem fim lucrativo e para consumo em conjunto, as penas detentiva e pecuniária
ali cominadas e mais uma das outras três penas previstas no art. 28. Sem
dúvida, trata-se de um exagerado e inócuo festival de pequenas penalidades.
O novo tipo penal é marcado por elementos normativos
próprios. O objetivo é o de diferenciá-lo do tipo muito mais grave - mas muito
próximo e de onde foi destacado, frise-se – que é o crime de tráfico ilícito de
drogas. Assim, só não será considerado traficante quem oferecer drogas: a) de forma
eventual, ou seja, ocasionalmente e não de forma reiterada; b) sem objetivo de
lucro, o que significa que a droga deve ser oferecida gratuitamente; c) a um
consumidor que seja pessoa amiga ou, ao menos, conhecido do agente, e d) para consumo
em conjunto, o que quer dizer que a droga deve ser ofertada para consumo
compartilhado.
Conforme já assinalado, se olharmos a nova norma pelo
prisma meramente formal – pelo simples olhar apenas das formas e das sombras
normativas estereotipadas e projetadas no fundo da caverna - pode-se dizer que
o tipo em exame abrandou, sensivelmente, o controle penal sobre uma conduta
bastante comum no mundo das drogas e consistente na prática do consumo conjunto
de drogas entre pessoas amigas ou entre si relacionadas. Ou seja, entre
participantes – mesmo que eventuais – da tribo do fumo, da coca ou do crake.
No regime penal anterior, a conduta era necessariamente
(ou, ao menos, deveria ser!) enquadrada no caput do art. 12 ou no inciso III,
de seu § 2º, da Lei 6.368/76. Neste sentido, decidiu o TJSC que “comete o crime
previsto no art. 12 da Lei 6.368/76, quem, voluntariamente, traz consigo
substância entorpecente e fornece a terceiro, ainda que gratuitamente”. [1]
Só a possibilidade, prevista na lei anterior, de reprimir o
autor desta conduta – que não apresenta maior potencial de nocividade ou de
ofensividade - como traficante, já é suficiente para demonstrar o abrandamento
da carga punitiva, em termos quantitativos, operado pela nova lei em relação ao
ofertante e companheiro condenado pelo crime de consumo compartilhado de
drogas.
No entanto, o Direito Penal precisa ser compreendido,
também, pelo olhar comprometido com o mundo da práxis e da realidade construída
pela ação humana. E esta traz consigo a marca inafastável da relatividade e da
imperfeição das instituições humanas. Assim, não se pode ignorar que, no regime
anterior, boa parte dos casos de oferta e compartilhamento de drogas entre
pessoas e grupos amigos – a chamada roda de fumo - era tratada como de porte
para uso próprio.
Na jurisprudência, foi decidido que, em caso de dúvida
quanto ao destino da substância entorpecente encontrada com o agente – se para
uso próprio ou para entrega a terceiro - a imputação pelo crime de tráfico
ilícito deve ser desclassificada para porte para uso pessoal. [2]
Se assim eram solucionados e não como de tráfico ilícito,
muitos dos casos de oferta de drogas para consumo em conjunto e sem fins de
lucro, cremos que a redução da carga punitiva resultante da norma criadora
deste novo tipo penal, embora válida e politicamente mais adequada, pode não
produzir tanta mudança, em relação à efetiva prática judiciária anterior.
Com a nova infração penal, a lei amplia sua rede repressora
e incrimina, de forma autônoma, a conduta bastante comum do uso compartilhado
de drogas, conhecida no jargão dos usuários ou dependentes como “roda de fumo”
, “roda de coca” ou “roda de crake”.
Agora, é esperar para ver como será efetivado o comando
contido no novo tipo penal, em meio ao enorme número de casos de tráfico
ilícito e de consumo pessoal de drogas.
4. Prescrição Culposa de Drogas (art. 38)
É o único tipo culposo relacionado ao tráfico ou ao consumo
ilícito de drogas.
No tocante à conduta de, culposamente, prescrever ou
ministrar drogas, o novo tipo foi descrito, no art. 38, da Lei Antidrogas, de
forma mais objetiva, em comparação ao texto do art. 15, da Lei 6.368/76. A pena
privativa de liberdade continua a mesma: detenção, de seis meses a dois anos.
Já, a pena pecuniária sofreu um leve aumento e está fixada entre os limites de
50 a 200 dias-multa.
Os verbos indicadores da ação típica foram mantidos: prescrever
ou ministrar. Mas, o novo texto legal ganhou em objetividade. Já não se trata
mais de crime próprio. Foi abandonada a indicação taxativa dos sujeitos ativos
da infração penal em exame, como fazia a lei anterior, ao se referir ao
“médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem”.
Agora, por falta de referência expressa ao sujeito ativo,
em tese, esta infração pode ser praticada por qualquer pessoa. Porém, na
prática, é preciso reconhecer que, dificilmente, alguma outra pessoa ou
profissional poderá figurar no pólo ativo deste crime. Assim, a ação de
“prescrever”, em regra, continuará sendo praticada pelo médico, pelo dentista
ou pelo farmacêutico. Já, a ação de “ministrar”, embora possa ser praticada por
qualquer pessoa, em regra, terá como sujeito ativo um profissional de
enfermagem ou de farmácia ou de um órgão público ou particular de saúde.
Houve mudança, também, na descrição do complemento verbal
da ação proibida. Agora, são três as modalidades típicas configuradoras do
crime de prescrever ou ministrar drogas: quando a substância for completamente desnecessária;
quando o paciente dela necessitar, mas for prescrita ou ministrada em dose
excessiva; finalmente, mesmo dela necessitando o paciente, quando for prescrita
ou aviada em desacordo com determinação legal.
Tratando-se de tipo culposo, em qualquer das três formas
típicas, deve ficar demonstrado que o agente, no âmbito de sua respectiva
profissão ou na esfera de sua atividade, infringiu o dever de cuidado ou
diligência e se conduziu com imprudência, negligência ou imperícia. Cabe
ressaltar que, se a prescrição ou aplicação da droga, é praticada com a vontade
de, simplesmente, levar o paciente – mesmo que a pedido ou com a concordância
deste - ao consumo de drogas, é claro que a conduta deve ser considerada como
crime de tráfico ilícito de drogas.
5. Condução de Embarcação ou Aeronave Após Consumo de Droga (art. 39 e
parágrafo único)
Finalmente, merece referência o novo tipo penal de perigo
abstrato, descrito no art. 39 da atual Lei de Drogas: “Conduzir embarcação ou
aeronave após o consumo de drogas, expondo a perigo potencial a incolumidade de
outrem”. As penas cominadas são de detenção, de seis meses a três anos,
cumulativamente aplicadas com a apreensão do veículo, cassação da habilitação e
com o pagamento de 200 a 400 dias-multa.
O parágrafo único descreve uma forma qualificada desta
infração penal, no caso de ser o veículo destinado ao transporte coletivo de
passageiros. Nesta hipótese, “as penas de prisão (sic) e multa, aplicadas
cumulativamente com as demais, serão de quatro a seis anos e de 400 a 600
dias-multa”.
A descrição típica deste dispositivo, certamente, não
ficará imune à crítica da doutrina.
Primeiro, por criar um tipo construído com base na idéia de
perigo abstrato, condenada por boa parte dos penalistas. Não compartilhamos com
boa parte da doutrina que divide a categoria jurídicopenal perigo em duas: perigo
concreto e perigo abstrato. Cremos que, nas infrações de perigo, este deve ser
sempre efetivo, concreto, cabendo ao juiz, identificar a efetividade do perigo
causado pela conduta do agente, em relação ao bem jurídico protegido. Nossa
posição é no sentido de que inexiste perigo abstrato e, se teoricamente, pode
ser imaginado, penalmente, é irrelevante. Assim, o perigo potencial a que, de
forma ambígua, se refere a Lei Antidrogas, só pode ser entendido como perigo
efetivo.
Em segundo lugar, por utilizar a expressão após o consumo
de drogas, na condição de elemento normativo do tipo. Aqui, foi abandonada a
expressão logo após que, embora contenha certo grau de imprecisão temporal, tem
sido adotada pelo direito positivo e já se encontra assimilada pela doutrina e
pela jurisprudência. Além disso, sempre constituiu um limite ao uso de uma
discricionariedade ofensiva à regra da taxatividade da norma penal
incriminadora. Agora, já não se sabe mais até quanto tempo - após o consumo de
drogas - pode ser imputado ao condutor de embarcação ou aeronave o novo tipo
penal previsto no art. 39 da Lei Antidrogas.
Por fim, o novo tipo penal pode ser objeto de crítica por
ter criado mais um fator de assimetria no sistema penal brasileiro. É que o
art. 306, do CTB, já incrimina conduta semelhante, punindo o motorista que
“conduzir veículo automotor em via pública, sob a influência de álcool ou
substância de efeitos análogos”. O tipo objetivo automotivo tem uma dicção
penalmente mais adequada, pois exige que a conduta seja praticada sob a
influência de alguma substância tóxica.
A disfunção normativa torna-se ainda mais grave quando se
verifica que o CTB é omisso quanto ao crime qualificado. A pena ali cominada é
uma só (de seis meses a três anos de detenção), mesmo se o motorista pratica o
crime na condução de veículo de transporte coletivo de passageiros, sob o
efeito de qualquer tipo droga.
Nosso direito positivo, que já trabalha com duas figuras
típicas para incriminar o homicídio involuntário, conta agora com mais esta
assimetria pena, ao punir o condutor de embarcação ou de aeronave sob o efeito
de drogas, de forma diferenciada do condutor de veículo automotor, que se
encontre na mesma condição.
Em termos de Política Criminal, seguramente, o dispositivo
em análise não foi feliz. Pune, com espadas e medidas diferentes, duas condutas
idênticas e relacionadas ou influenciadas pelo uso de drogas. Em termos de
Direito como ordenamento, o novo dispositivo diferenciador contribui para que
nosso sistema penal se torne ainda mais contraditório e assimétrico.
6. Causa de Aumento de Pena (art. 40)
Questão seguramente polêmica é a que diz respeito à causa
de aumento, de um sexto a dois terços, prevista no art. 40 e seus incisos, da
Lei Antidrogas. O dispositivo legal determina a incidência do aumento, sem
exceção, às “penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei”. São sete as
circunstâncias majorantes, previstas nos incisos do referido art. 40 e o
aumento deve incidir sobre a pena a ser aplicada.
Literalmente interpretado o caput do artigo 40, não haveria
dúvida quanto ao aumento, que deve ser obrigatoriamente aplicado, no caso de
condenação por qualquer dos crimes ali indicados, desde que verificada, no caso
concreto, a presença de uma das circunstâncias acima descritas.
No entanto, cremos que a melhor interpretação é a de que
nem todas as circunstâncias majorantes são compatíveis com todos tipos penais
descritos nos arts. 33 a 37 da Lei Antidrogas. Por exemplo, como poderá haver
incidência da circunstância de ter sido o crime praticado com violência, grave
ameaça, emprego de arma de fogo etc., nas hipóteses típicas de indução ao uso
de drogas ou de oferta a pessoa amiga para consumo em conjunto de drogas,
descritas nos §§ 2º e 3º, do art. 33?
Por outro lado, a conduta de financiar ou custear a prática
de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei
AntiDrogas, já constitui crime autônomo, punido com pena de reclusão, de oito a
20 anos, e pagamento de 1.500 a 4.000 dias-multa (art. 36). Portanto, para
estes crimes, a circunstância prevista no inciso VII, não poderá ser aplicada
sem ofensa ao princípio do non bis in idem.
Finalmente, é preciso assinalar a amplitude espacial da
circunstância majorante descrita no inciso III. São tantos os locais,
estabelecimentos e entidades capazes de majorar a pena, no caso de o crime ser
praticado em suas imediações que, rigorosamente observada, é possível sempre
encontrar uma hipótese para a incidência desta norma repressiva.
7. Substituição e Conversão das Penas
No caso dos crimes acima examinados, cremos ser
perfeitamente possível a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos ou pecuniária, nos termos do estabelecido nos arts. 43 e
seguintes do CP. São crimes praticados sem violência e o máximo cominado às
penas permite a substituição. Não nos parece que o fato de a pena privativa de
liberdade cominada estar acompanhada de outra, de natureza pecuniária, deve
considerado como óbice à referida substituição.
Além disso, a Lei Antidrogas, que em alguns pontos
procedimentais e de regime penal é casuística e expressa, não estabelece
qualquer disposição em contrário. Portanto, como vinha ocorrendo no regime da
lei anterior, para estas infrações de menor ou médio potencial ofensivo
relacionadas ou periféricas ao consumo e ao tráfico de drogas, satisfeitas
condições legais, poderá o condenado ser beneficiado com a substituição da
pena.
8. Procedimento Penal e Juizado Especial Criminal
A Lei Antidrogas não acertou ao indicar, de forma expressa
e restritiva (art. 48, § 1º), que somente o “crime” de porte para consumo
pessoal, previsto em seu art. 28, “será processado e julgado na forma dos arts.
60 e seguintes da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os
Juizados Especiais Criminais”. Com tal dispositivo, poder-se-ia pensar que os
demais crimes de menor potencial ofensivo, tipificados na nova lei de drogas e
analisados acima, encontram-se fora da competência dessa jurisdição
especializada.
Não parece ser esta a melhor hermenêutica para identificar
o sentido do direito contido na norma em exame. Na verdade, teria sido mais
adequado que a Lei Antidrogas tivesse omitido qualquer referência limitadora à
competência dos Juizados Criminais. De qualquer modo, é preciso ressaltar que
não há, no texto da nova lei, nenhuma norma expressa proibindo a competência
dos Juizados para processar e julgar estes crimes situados na periferia do
tráfico ilícito de drogas, cuja pena máxima cominada não ultrapasse dois anos.
Assim sendo, entendemos que os crimes de oferta e de
prescrição culposa de drogas (arts. 33, § 3º e 38), cujas penas máximas não
ultrapassam a dois anos de detenção e, em conseqüência enquadram-se no conceito
legal de crimes de menor potencial ofensivo, podem ser objeto de processo e
julgamento pelos Juizados Criminais Especiais.
9. Considerações Finais
As idéias acima expostas resultam de uma análise
interpretativa operada num primeiro momento de vigência da nova Lei Antidrogas.
Trata-se, portanto, de um estudo forjado no calor das primeiras impressões, a
respeito de alguns de seus dispositivos incriminadores das condutas que
gravitam na periferia do espaço normativo mais importante ocupado pelo crime
maior e mais grave do tráfico ilícito de drogas.
São, portanto, idéias e posições formuladas com o objetivo
de contribuir para a construção de uma doutrina comprometida com a busca
incessante do melhor sentido do direito contido nas referidas normas
incriminadoras. Por isso, estamos conscientes de que são idéias e posições
sujeitas ao crivo da crítica e da divergência doutrinária.
[1] Ap. Crim. 2001.005798-0, rel. des. Irineu
João da Silva.
[2] TJMS, Ap. Crim. 1.093/85; TJRJ. Ap. Crim.
1.867/85-50; TACrimSP, Ap. Crim. 224.131, RT 522/354).
LEAL, João José. Nova política criminal sobre
drogas: Infrações penais de médio e de mínimo potencial ofensivo previstas na
Lei 11.343/2006. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/x/30/57/3057/.
Acesso em 06 de fevereiro de 2007.