® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
A execução de Caryl Whittier Chessman: uma (re)leitura sobre a pena de morte
Ricardo Coelho Nery da Fonseca*
SUMÁRIO: I – RESUMO;
II – INTRODUÇÃO; III – QUEM FOI CARYL W. CHESSMAN?; IV – CHESSMAN E A PENA DE
MORTE; V – CONCLUSÃO; VI – NOTAS E VII – BIBLIOGRAFIA.
I
– RESUMO.
A
legitimação e eficácia da pena de morte são brevemente discutidas em torno do
caso de Caryl W. Chessman, o individuo que foi nos anos 50 condenado à morte,
por ser indicado como o Bandido da Luz Vermelha.
II
– INTRODUÇÃO.
No
dia 02 de maio de 1960, as 10:00 horas da manhã, na câmara de gás do Presídio
de San Quentin, Estado da Califórnia – EUA – marcava-se o último traço de um
dos casos criminais que alcançou incomensurável repercussão mundial nos anos de
50 e 60 – morria Caryl Whittier Chessman, o condenado pelo júri de Los Angeles,
composto, com a vênia das palavras de Nelson Hungria, "quase
exclusivamente de mulheres, tiroidianamente emotivas" à pena de morte,
sob a acusação de ser o criminoso que praticava crimes de estupro e roubo, nas
colinas de Hollywood, local de encontros amorosos de casais de namorados, que
ganhava as páginas dos jornais locais como The Red Light Bandit (O
Bandido da Luz Vermelha).
Sem
negar o seu débito para com a sociedade, contraído na vida marginal que levou
até os 27 anos, (1) Chessman não aceitou a imputação dos crimes do famoso
Bandido da Luz Vermelha, personagem misterioso (e não identificado) que
desafiava a polícia com a prática de repetidos crimes sexuais. (2) Negando, até
morrer, a autoria dos delitos de roubo e violência sexual praticados pelo Red
Light Bandit, lutou fantasticamente para anular o veredicto do júri. Sua luta
repercutiu mundialmente em vários setores da sociedade, gerando, há todos
instantes, debates sobre a legitimidade e comutação da pena capital. No Brasil,
o mais notável e lúcido dos suplicantes pela salvação dessa vida, foi o saudoso
jurista, e então à época presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson
Hungria.
Tomando
como ponto de partida essa trágica ocorrência histórica (a execução de
Chessman), procurar-se-á, por meio deste sintético artigo, embasado, em grande
parte, no pensamento de Nelson Hungria, defender que a pena de morte, além de
ser um afronte ao pacto social, é uma punição desprovida de qualquer eficácia
no combate à criminalidade.
III
– QUEM FOI CARYL W. CHESSMAN?
Nascido
em 1921, de pai descendente de imigrantes dinamarqueses, passou sua infância e
adolescência em bairros pobres da Califórnia, em um período em que sua família
foi atingida, como mais de oito milhões de norte-americanos, pelo desemprego
durante a Grande Depressão de 1929. Sua juventude foi marcada por raros
momentos de liberdade, estando recolhido quase sempre em escolas-reformatórios.
Sobre o tema Edivaldo Vieira da Silva afirma que:
"Em
sua adolescência, Chessman organiza um grupo de amigos que inicialmente
cometiam pequenas infrações, por pura diversão, como ‘ligação direta’ de carros
para circularem nas ruas de seu bairro. Em seguida passam a chamar a atenção de
moradores e da polícia por empreenderem arrombamento e furto de
estabelecimentos comerciais; aos dezesseis anos Chessman é preso pela primeira
vez e encaminhado para um Reformatório juvenil." (3)
Já
na vida adulta, Caryl Chessman (4) passará quase toda sua existência nas
prisões, em particular, na prisão de Folsom e de San Quentin. Em um desses
estados provisórios de liberdade, depois de ter sido condenado a uma pena de 28
anos de reclusão, comutada depois em 11 anos de liberdade condicional, foi
novamente preso em 23 de janeiro de 1948, agora sob a acusação de ser o temido
Bandido da luz vermelha, quando duas de suas vítimas, Mary Alice Meza e Regina
Johnson, em seus depoimentos reconheceram-lo como The Red Light Bandit,
o homem que as tinham roubado e molestado sexualmente, no atalho dos namorados
(lover’s lane), nas colinas de Hollywood.
IV
– CHESSMAN E A PENA DE MORTE.
Ao
ser preso e ter lhe sido atribuído o título de maníaco sexual, conta-nos René
Ariel Dotti, em seu livro Casos Criminais Célebres, que Chessman, em um
primeiro momento, chegou a achar graça e se divertir da acusação. Todavia, esse
divertimento não durou muito tempo, pois, em vista de uma série de
coincidências infelizes, como, por exemplo, as características físicas
semelhantes a do bandido procurado, um passado desordenado em torno
criminalidade, as palavras categóricas dos policiais responsáveis pela prisão e
um veredicto de um grupo de jurados parciais, Chessman foi sentenciado à morte.
A partir desse momento, começava então para ele uma odisséia, no intuito de
demonstrar sua inocência e anular o julgamento.
Por
intermédio de 10 apelos e as várias petições encaminhadas à Suprema Corte dos
EUA, 16 recursos a tribunais secundários e 9 decisões proferidas pelo Superior
Tribunal da Califórnia, teve adiada por 7 vezes a data marcada para a sua
execução. Porém, o pedido central (a anulação do julgamento do júri) nunca foi
conquistado. Entre as alegações que fundamentavam o pedido de anulação do júri,
as que se destacavam mais eram: a) as notas taquigráficas do interrogatório
foram deturpadas pelo serventuário que substituiu o antecessor, que havia
falecido; b) a confissão na polícia foi obtida mediante tortura e c) o
encarregado do inquérito não quis se utilizar do detector de mentiras.
É
importante ressaltar que não se procurou reverter a situação de Chessman
justamente porque as autoridades precisavam de um "bode
expiatório", e nada melhor, para tanto, que se valer do juízo
temerário, alimentado pela presunção e pelos maus antecedentes do suspeito.
Essa foi sempre, na história dos processos criminais, uma fórmula que deu certo
quando a polícia precisa encontrar, a todo custo, um culpado exigido pelo
clamor público. (5)
Nas
palavras de Nelson Hungria, extraídas da conferência pronunciada no Centro
Acadêmico XI de Agosto, em maio de 1959:
"O
que se passou com Chessman é a confirmação do que dizia Rohland: ‘Não há homens
absolutamente bons, do mesmo modo que não há caracteres absolutamente maus, ou
delinqüentes congênitos; por isso mesmo é possível, ao contrário do que pretendia
Schopenhauer, uma modificação do caráter, ensinando a experiência que, mediante
sério esforço, muitos os conseguem’. Por que, ao invés de tentar reconstruir,
sumariamente se há de destruir? Com a pena capital, o governo da sociedade
imita a criança inconseqüente e insofrida: não podendo compreender o brinquedo
que tem em mãos, desconjuta-o e inutiliza-o. Quando se tem o conhecimento de
casos como o de Chessman, que, em virtude de certos indícios e uma confissão
que ele insiste em declarar extorquida pela violência, foi condenado à pena
última pela justiça emocional do júri, sempre disposta a atirar, do alto da
varanda de Pilatos, bodes expiatórios à multidão sedenta de vingança, é que se
vê como estão distanciados da verdadeira solução do problema da grande
criminalidade esses que, entre nós, presentemente, insistem em querer
introduzir o assassínio oficial entre as sanções do nosso Código Penal
comum."
Na
verdade, Nelson Hungria queria dar enfoque a assertiva de que, grosso modo, a
criminalidade não se extingue ou declina com a pena de morte. E para provar a
coerência dessa proposição, lá estava o caso Chessman. Um indivíduo que,
resistindo a um martírio de 12 anos e batendo desenfreadamente a portas dos
tribunais, demonstrou, de forma cabal, no curso do tempo, que não era, como
supunham, uma personalidade irremediavelmente deformada, visto que,
enclausurado em cubículo de mais ou menos três metros de comprimento, um metro
e meio de largura e dois metros e meio de altura (a famosa cela 2455) entre
apelos e writs (alguns conseguidos com a ajuda dos fiéis amigos e
advogados Rosalie Asher e George T. Davis), lendo aproximadamente 2.000 obras
de cultura jurídica, escreveu verdadeiras obras jurídicas, como, por exemplo,
2455 – A cela da morte, que vieram a contribuir para o conhecimento da mente de
um criminoso que encontrou a regeneração, na tensão e isolamento de uma
Penitenciária.
O
que se objetivava com a luta a favor da comutação da pena de Chessman era
demonstrar a todos os setores da sociedade que este tipo de pena fere o pacto
social. É difícil sustentar que o Estado diga a seu cidadão: - "Você
não pode matar! Matar é o que se quer evitar, mas, se você matar, eu te
matarei!". Ao invés de irrogar-se arbitrariamente o direito de matar,
ao Estado incumbe promover a remodelação da própria sociedade, para que se
apresentem melhores condições política, econômicas e éticas, eliminadoras das
causas etiológicas do crime.
V
– CONCLUSÃO.
Se
a pena, de fato, é um mal necessário, faz-se premente que se lhe dê uma
concepção mais humana, dirigindo-se maior atenção ao condenado, assegurando-lhe
o exercício efetivo dos direitos que lhe são inerentes, para, desse modo,
propiciar sua preparação ao retorno à vida em sociedade. (6)
Esse
é realmente o objetivo da pena. Não se acredita mais que a pena, em pleno
século XXI, seja somente um instrumento, demonstrativo da grandeza e soberania
do Estado, por meio do qual castigue o individuo, sem se preocupar com sua
readaptação ao meio social.
Não
é isto que se espera da pena, o que se espera é a recuperação do homem, é a sua
ressocialização, é o mecanismo que possa fazê-lo se reintegrar à sociedade, se
tornando produtivo, honesto, honrado. (7)
Está
provado cientificamente que em todos, repita-se, todos os países onde a pena de
morte foi implementada, a criminalidade não diminuiu. Simplesmente, os índices
de criminalidade oscilam por outros motivos.
A
maior ilegitimidade da pena de morte se evidencia em casos como o de Chessman.
Uma surpreendente campanha jornalística contra o réu, um promotor eloqüente e
dramático, uma defesa mal orientada, um conselho de jurados excessivamente
rigorosos, tudo isso pode influir no sentido de um julgamento aberrante, entregando-se
ao carrasco um réu que, em outras condições, poderia ser absolvido ou condenado
a simples privação de liberdade. Aí é que está o principal argumento contra
pena de morte – a falibilidade humana. Quem dirá que os jurados não erraram?
Parafraseando
as palavras do escritor Max Leoner, pode-se sustentar que: infelizmente se
continuará matando aquele indivíduo sentenciado à morte, que na espera da
morte, alcançou uma regeneração moral, não porque isso seja lógico, mas por
faltar-nos imaginação social para adotar qualquer outra medida.
VI
– NOTAS.
(1)
Sobre o passado de Chessman, Clemente Hungria afirma que: "O réu
californiano Caryl Chessman, em verdade, praticou vários delitos desde sua
puberdade até aos 27 anos: furtos de automóveis e estelionatos, agressões,
desordens e contravenções, mas sempre negou a autoria dos supostos estupros que
o levaram a ser condenado à morte – por um júri composto de 11 mulheres e 1
homem – bem como ser o red light bandit."
(2)
DOTTI, René Ariel. Casos Criminais Célebres. 2. ed. São Paulo:
RT, 1999. p. 278.
(3)
SILVA, Edivaldo Vieira da. Intolerável – artigo originalmente
publicado na revista Verve (periódico do Núcleo
de Sociabilidade Libertária - PUC-SP), n.º 02, São Paulo, Outubro de 2002,
p. 225-244.
(4)
Segundo Edivaldo Vieira da Silva, Mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP, em
seu artigo já citado, Chessman teve seu nome de batismo, Carol, de origem
dinamarquesa, substituído por Caryl, na adolescência, para evitar as picardias
juvenis, por ser um nome, nos Estados Unidos, tipicamente feminino.
(5)
DOTTI, René Ariel. Casos Criminais Célebres. 2. ed. São Paulo:
RT, 1999. p. 282
(6)
AMARAL, Luiz Otavio O. Pena de Morte. Texto disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3767.
(7)
D’URSO, Luiz Flávio Borges. Pena de Morte – O Erro anunciado. Artigo
publicado no site: www.portaldafamilia.org/artigos/artigo333.shtml.
VII
– BIBLIOGRAFIA.
AMARAL,
Luiz Otavio O. Pena de Morte. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3767,
Acesso em: 30 out. 2005.
DOTTI,
René Ariel. Casos Criminais Célebres. 2. ed. São Paulo: RT, 1999.
D’URSO,
Luiz Flávio Borges. Pena de Morte – O Erro anunciado. Disponível em:
http://www.portaldafamilia.org/artigos/artigo333.shtml,
Acesso em: 15 nov. 2005.
SILVA,
Edivaldo Vieira da. Intolerável – artigo originalmente publicado na
revista Verve (periódico do Núcleo
de Sociabilidade Libertária - PUC-SP), n.º 02, São Paulo, Outubro de 2002,
p. 225-244.
* advogado em Recife (PE), pós-graduando em Ciências Criminais pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)
FONSECA, Ricardo Coelho Nery da. A execução de Caryl Whittier Chessman: uma (re)leitura sobre a pena de morte. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 899, 19 dez. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7732>. Acesso em: 14 nov. 2006.