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A retratação do agente - causa de extinção da punibilidade prevista no art. 107, inc. VI, do Código Penal
Vanderson Roberto Vieira
*
*Graduado em Direito pela Unesp - FHDSS - campus de
Franca. Mestre em Direito pela mesma Instituição. Bolsista de Mestrado da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), em 2003-2005.
Advogado no Estado de São Paulo, Professor de Direito Penal e Processo Penal
1- PREVISÃO LEGAL
E CONCEITO
Declara o art. 107, inc. VI, do Código Penal que
extingue-se a punibilidade “pela retratação do agente, nos casos em que a lei a
admite”.
A retratação do agente só é cabível nos
casos em que a lei prevê. Realizando-se uma análise desses casos percebe-se que
só se admite a retratação até a sentença de primeiro grau, ou seja, na fase da pretensão
punitiva[1] que se estende até a decisão de
primeiro grau de jurisdição.
Advertência, portanto, deve ser feita à
nomenclatura “retratação do agente”, que é imprópria, devendo-se
encará-la como “retratação do suposto agente”, pois antes de decisão
condenatória transitada em julgado não se deve dizer que a retratação foi do
agente do fato material ou do crime (incidência do princípio
da presunção de inocência).
Desta maneira, não se deve dizer que quem se
retratou cometeu o delito, até mesmo porque acontecem casos em que a pessoa se
retrata de um fato típico que realizou licitamente ou não culpavelmente, com o
intuito apenas de encerrar a discussão no juízo penal, evitando, assim, o
desgaste de ter que provar a excludente e as intempéries processuais
estigmatizantes.
Discordamos de Luiz Carlos Betanho quando afirma
que “a retratação é o ato jurídico pelo qual o agente do crime [não se pode
dizer que houve crime: presunção de inocência] reconhece o erro
praticado e o denuncia coram judicem”[2]. Também, o conceito de retratação não
pode significar sempre “reconhecer o erro praticado”[3], pois não poderá ter ocorrido erro
algum, como no exemplo citado de quem se retrata de um fato típico que realizou
licitamente ou não culpavelmente. O conceito de retratação deve simplesmente
estar ligado ao “desdizer-se”, “voltar atrás”, “retirar o que foi dito”.
A retratação “não deve ser confundida com a
negativa do fato, pois quem o nega, obviamente, dele não se retrata”[4].
Por tudo, quem se retrata, se retrata de um fato e
não de um crime completamente configurado.
Quanto à forma, a retratação não exige
forma sacramental, mas precisa ser cabal, isto é, irrestrita, incondicional,
indiscutível, inequívoca, precisa e clara, de modo a englobar a totalidade do
que foi dito[5]. Não extingue a punibilidade a
retratação ambígua.
A retratação do agente é um ato jurídico
unilateral, não dependendo de aceitação do suposto ofendido, devendo ser
reduzida a termo pelo juiz. Poderá ser feita pelo próprio suposto ofensor ou
por procurador com poderes especiais.
Luiz Régis Prado ensina que para a retratação “é
irrelevante a espontaneidade da declaração, bem como os motivos que a fundaram,
mas é imprescindível sua voluntariedade”[6].
Ficará à análise ponderada do magistrado constatar
se, conforme o modo com que foi feita a retratação, seria benéfico para a paz
social considerar extinta a punibilidade.
2- HIPÓTESES LEGAIS
A retratação do agente só é possível, como
menionado, nos casos em que a lei a admite, que são os seguintes: 1) art. 143
do CP (calúnia e difamação); 2) art. 342, § 2º, do CP (falso testemunho e falsa
perícia); 3) art. 26 da lei 5.250/67 - Lei de Imprensa - (calúnia, difamação e injúria).
Informa o art. 143 do CP que “o querelado que,
antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica
isento de pena”. Pelo conteúdo da disposição, já se percebe que a retratação do
querelado só é admitida na calúnia e na difamação, e não na injúria. A calúnia
e a difamação dizem respeito a fatos que podem ser desmentidos. A injúria
refere-se a dizeres contendo qualidades pessoais negativas, não havendo
imputação de fato, e aqui a retratação dificilmente conseguiria desfazer o
efeito da ofensa[7]. Pelo contrário, a retratação do
suposto ofensor (querelado), retirando a qualidade negativa atribuída à vítima
pode macular ainda mais a sua honra. Desta forma, se se afirma que fulano é
ignorante e analfabeto e depois tenta se retratar dizendo que é muito sábio e
letrado, pode causar ofensa ainda maior[8]. A retratação só é admitida nos crimes
de calúnia e difamação que se processam por ação penal privada, pois a
disposição fala em querelado, que é o réu na ação penal privada.
Assim, v.g., a jurisprudência não admite retratação em ação penal
pública condicionada, proposta por ofensa contra funcionário público, em razão
da função[9].
Estabelece o art. 342, § 2º, do CP que “o fato
deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o
ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade”. Merece comentário a
expressão ilícito, que não pode ser interpretada literalmente. Se
alguém realizar, por exemplo, um falso testemunho e estiver acobertado por uma
causa que exclua a culpabilidade, como a coação moral irresistível, é lógico
que não precisa se retratar, pois sua conduta nunca será reprovável e,
porventura, punível. A retratação deve ocorrer até a sentença do processo em
que o agente prestou o falso testemunho ou a falsa perícia, e não no processo
onde se imputa o crime de falso[10].
O art. 26 da lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) admite
a retratação na calúnia, difamação e, também, na injúria; dispondo: “A
retratação ou retificação espontânea, expressa e cabal, feita antes de iniciado
o procedimento judicial, excluirá a ação penal contra o responsável pelos
crimes previstos nos arts. 20 a 22. § 1º - A retratação do ofensor, em juízo,
reconhecendo, por termo lavrado nos autos, a falsidade da imputação, o eximirá
da pena, desde que pague as custas do processo e promova, se assim o desejar o
ofendido, dentro de 5 dias e por sua conta, a divulgação da notícia da
retratação. § 2º - Nos casos deste artigo e do § 1o, a retratação deve ser
feita ou divulgada: a) no mesmo jornal ou periódico, no mesmo local, com os
mesmos caracteres e sob a mesma epígrafe; ou b) na mesma estação emissora e no
mesmo programa ou horário”.
3- MOMENTO DE OCORRÊNCIA
E EFEITOS
A retratação, nos casos do Código Penal (art. 143 e
342, § 2º) e no do art. 26 da Lei de Imprensa, só produz efeitos, como dito, se
for praticada antes do juiz proferir a sentença de primeiro grau. O
momento de existência da sentença é a data da publicação, ou seja, a data na
qual o juiz entrega em mãos do escrivão.
Nos casos em que a retratação do suposto agente não
extingue a punibilidade por não existir previsão legal, ela pode funcionar,
caso advenha condenação, como circunstância atenuante (art. 65, III, b,
do CP[11]).
No procedimento do Júri existem duas correntes
quanto ao momento final em que pode ser realizada a retratação. Uma
corrente entende que pode ser até a decisão de pronúncia[12]. Outra admite a possibilidade de ser
feita até a decisão do conselho de sentença[13]. O entendimento correto é aquele que
admite a retratação até a decisão do conselho de sentença, pois, no rito do
Júri, é ela a decisão de primeiro grau de jurisdição.
Quanto aos efeitos da retratação, a
conclusão é a seguinte: como a retratação ocorre antes da condenação
com trânsito em julgado, não haverá qualquer efeito da condenação.
Sobre os efeitos da condenação, resumidamente
pode-se dizer o seguinte.
O trânsito em julgado da condenação faz surgir
vários efeitos. Esses efeitos não ocorrerão se a decisão for absolutória. A
condenação tem efeitos penais e extrapenais.
Pode-se dividir os efeitos penais da
condenação em: a) principais e b) secundários.
O efeito penal principal é cumprir a sanção
imposta. A doutrina majoritária entende que efeito penal principal da
condenação é apenas o cumprimento da pena. Quanto à medida de
segurança, entendem que a sentença que a concede é uma sentença absolutória,
designando-a como absolutória imprópria. Segundo o art. 386, parágrafo
único, III, do CPP, é na sentença absolutória que o juiz aplicará a
medida de segurança. Já no art. 387, IV, a lei estabelece que o juiz, ao
proferir sentença condenatória declarará, se presente, a periculosidade real e
imporá as medidas de segurança que no caso couberem. Não existe, assim, na
legislação, precisão quanto à natureza da sentença que impõe medida de
segurança. Na nossa opinião, esta sentença deve ser qualificada de condenatória,
pois aplica uma sanção penal (medida de segurança), que muitas vezes é
de gravidade superior à pena.
Com o trânsito em julgado, o nome do réu é lançado
no rol dos culpados. Este ato permite a documentação da decisão, para que
produza os efeitos penais secundários, como, v.g., os seguintes: 1) se
foi prestada fiança, o seu valor fica sujeito ao pagamento das custas e da
indenização pelo dano causado (art. 336 do CPP); 2) atribuição das custas
processuais; 3) pode gerar a revogação, facultativa ou obrigatória, do sursis
(art. 81 do CP); 4) pode gerar a revogação, facultativa ou obrigatória, do
livramento condicional (art. 86 e 87 do CP); 5) é pressuposto para eventual
reincidência (art. 63 do CP).
A condenação tem efeitos extrapenais, que
são de natureza cível e administrativa. Os efeitos extrapenais são genéricos
(art. 91 do CP[14]) e específicos (art. 92 do CP[15]). Outro efeito genérico é que
a condenação suspende os direitos políticos. A súmula 9 do Tribunal Superior
Eleitoral estabelece que “a suspensão de direitos políticos decorrente de
condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção
da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos”.
Nos atos contra a honra, a extinção da punibilidade
ocasionada pela retratação afasta apenas os efeitos penais, não obstando a
propositura de ação civil de indenização (art. 67, II, do CPP)[16].
4- ALCANCE
No concurso de pessoas, a retratação realizada
somente por um dos agentes não se comunica aos demais. A regra é a retratação
ser pessoal (incomunicável).
Como exceção, existe discussão se a retratação do
art. 342, § 2º, do CP, comunica-se ou não aos co-autores. Uma corrente afirma
que essa retratação se comunica aos co-autores[17]. Outra entende que não[18].
A segunda posição é mais consentânea com a busca da
justiça no caso concreto, devendo a retratação ser incomunicável. Os
co-autores e partícipes, se quiserem, devem um a um se retratar e alegar as
razões que os levaram a cometer o falso, o que certamente trará novos elementos
para o deslinde da causa, colaborando para se atingir a verdade real,
e poderá trazer à tona eventuais crimes conexos.
5- IMPORTÂNCIA DA
RETRATAÇÃO
Sobre a utilidade e justiça da previsão da retratação
do agente como causa de extinção da punibilidade, existe
divergência na doutrina.
Fragoso diz que nos casos onde a lei prevê a
retratação é “porque constitui reparação completa do malefício praticado”[19]. Mirabete possui a mesma posição,
entendendo que na retratação há uma reparação ao ofendido dos prejuízos
sofridos pelo atuar do agente, dizendo que “justificam-se as previsões
legais para a incidência da retratação, quer pela preferência que se deve dar à
reparação moral concedida à vítima pelo próprio agente, quer pelo
restabelecimento da verdade no processo”[20]. Delmanto, comentando o art. 143 do
CP, afirma que a retratação “é medida especial de política criminal, instituída
para melhor preservar a honra do ofendido. À condenação do ofensor, prefere o
CP que ele desminta o fato calunioso ou difamatório que atribuir à vítima”[21].
Quanto à retratação nos crimes contra a honra,
Damásio de Jesus sustenta “que a retratação deveria constituir causa de
diminuição da pena e não de extinção da punibilidade. Suponha-se que um sujeito
lance ao vento as penas de um travesseiro do alto de um edifício e determine a
centenas de pessoas que as recolham. Jamais será possível recolher todas. O mesmo
acontece com a calúnia e a difamação. Por mais cabal seja a retratação, nunca
poderá alcançar todas as pessoas que tomaram conhecimento da imputação
ofensiva. Não havendo reparação total do dano à honra do ofendido, não deveria
a retratação extinguir toda a punibilidade, mas permitir a atenuação da pena”[22].
Concordamos com Damásio de Jesus, que demonstra
claramente os efeitos do ato contra a honra no atual contexto dos meios de difusão
da comunicação. A retratação podia funcionar em tempos passados onde os fatos
corriam de boca em boca, não tendo, porém, eficácia atualmente. Imagine uma
calúnia pela internet, que certamente será mencionada por vários sites,
percorrendo o planeta e sendo de conhecimento até das futuras gerações.
A retratação do suposto agente é um ato jurídico unilateral,
não dependendo de aceitação do suposto ofendido. Essa é outra crítica que se
pode endereçar à retratação, pois aquele que se sentiu ofendido pode não
concordar com a retratação, não vendo nela benefícios efetivos à sua honra.
Somente entendemos útil a previsão da retratação
para o falso testemunho e falsa perícia. Concordamos com Delmanto que,
comentando o art. 342, § 2º, diz que a retratação é “medida especial de
política criminal, instituída com o objetivo de proteger os mais superiores
interesses da justiça. Como esta busca a apuração da verdade, entende-se
preferível à condenação do agente a sua retratação ou declaração da verdade. Ou
seja, mais atende à justiça a descoberta da verdade do que a punição do falso
testemunho ou perícia”[23].
Bibliografia
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NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. São Paulo:
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____. Falso testemunha e falsa perícia. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1994.
Notas:
[1] As causas de extinção da
punibilidade previstas no art. 107 do Código Penal, e qualquer outra que
seja, podem ocorrer no momento da pretensão punitiva ou na fase da pretensão
executória. Entende-se por pretensão punitiva o momento
do ius puniendi em concreto que se inicia com a ocorrência do
suposto fato criminoso e que se estende até a decisão irrecorrível,
seja condenatória ou absolutória. Pretensão executória é o momento que
tem início com a decisão condenatória transitada em julgado e que termina com o
fim da execução da sanção penal.
VIEIRA, Vanderson Roberto. A retratação do
agente - causa de extinção da punibilidade prevista no art. 107, inc. VI, do
Código Penal. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=153.
Acesso em 20/10/2006