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A redução da maioridade penal é a solução para a questão da violência?

 

 

Jozemir Loureiro Pereira *

*Acadêmico de Direito em Vitória/ES

 

INTRODUÇÃO

Nos últimos tempos, a mídia tem dado especial relevo à questão da redução da maioridade penal. Inúmeras pessoas têm acenado com a possibilidade de reduzir para dezesseis anos a maioridade penal e alterar alguns dispositivos da Lei 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), vislumbrando assim a solução para a criminalidade crescente em nosso país.

Pois bem. O adolescente, por inimputável, não comete crime ou contravenção penal, mas  ato infracional, definido pelo legislador como "a conduta descrita como crime ou contravenção penal" (art. 103 do ECRIAD). Logo, a conduta é a mesma. O que muda, apenas, é o posicionamento da sociedade frente a essa conduta, posto que considera o adolescente imaturo para compreender toda a dimensão do ato praticado e, por isso, o repreende com menor rigor.

E não se diga que não existe uma repreensão, uma pena lato senso, em graus  variados. As medidas sócio-educativas a que fica sujeito o inimputável por idade (art. 112) trazem, além do sentido de alinhamento social (como o próprio nome diz), uma reprimenda, um castigo, na medida que impõem ao infrator, na maioria das vezes, a prática de um comportamento em desacordo com sua vontade, pelo qual terá que reparar o dano, prestar serviços à comunidade, ser internado, submeter-se a tratamento médico, freqüentar escola.

E até mesmo, não raro, em desacordo com a vontade dos pais ou representantes  legais do adolescente infrator que, quiçá premidos pela dificuldade econômica e sem assistência do poder público, incentivam pequenos delitos como forma de sobrevivência familiar.

ASPECTOS SOCIOLÓGICOS DA QUESTÃO

O crescente índice de infrações cometidas por adolescentes, na maioria dos  Estados, nada mais representa do que o reflexo do aumento da crise econômica  e da incapacidade do Poder Público em promover o reequilíbrio social. É flagrante nos municípios a falta de apoio que os jovens e suas famílias necessitam e que deveria ser colocado à disposição destes por parte do Poder Público e da própria sociedade, para que preventivamente evitasse o ingresso dos adolescentes na delinqüência. A ausência de políticas públicas na área infanto-juvenil ou da qualidade do atendimento dos poucos programas que existem, está levando os jovens brasileiros a adentrarem a passos largos no caminho da marginalidade, a olho nu da sociedade, fazendo dos adolescentes verdadeiros personagens da trágica dramaturgia, na qual só existem vítimas.

A desestrutura familiar, a falta de programas sociais e de políticas educacionais e de saúde, aliadas a crise econômica, ao desemprego, ao desvio de verbas públicas e a recessão, somados às cenas de violência transmitidas cotidianamente pelos meios de comunicação, integram todos estes o conjunto dos principais vilões da geração dessa entre os jovens. Os adolescentes como verdadeiros atores do teatro da vida, ao subirem no palco, acabam exprimindo como resposta para esta mesma sociedade, os atos de violência que sofrem e convivem.       

A verdade é que o ECRIAD (Estatuto da Criança e do Adolescente), vigente desde  outubro de 1990, 15 anos, nunca foi aplicado na sua globalidade, tornando-se  erroneamente para a população como o grande criador do aumento da delinqüência juvenil e de sua impunidade. Esta legislação, ao contrário do que muitos pensam, prevê e estimula ações práticas e concretas de prevenção à delinqüência e de controle desta, mediante uma política de atendimento e de um sistema de responsabilização sócio-educativo, com a previsão de sanções progressivas a serem aplicadas aos adolescentes que cometam ato infracional, que são: a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a semiliberdade e a internação em estabelecimento educacional, todas estas capazes de evitar a reincidência, preparando-os para o exercício da cidadania.

NOSSO SISTEMA CARCERÁRIO

A pena privativa da liberdade não reeduca, muito menos ressocializa; perverte, deforma. Não recupera, corrompe. Os fatos não deixam margem a dúvidas sobre a falência do sistema prisional. No Brasil o sistema, além de ineficaz, constitui um dos maiores fatores de reincidência e de criminalidade violenta. O fato, sendo público e notório, dispensa comentários. Basta ver a superpopulação carcerária, o "tratamento" de presos e condenados e os altos índices de reincidência.

Se a falência pedagógica e recuperadora do sistema carcerário levou penalistas a preconizarem a substituição do cárcere por alternativas mais viáveis, encaminhar jovens a tal sistema seria concorrer para o aumento e não para a diminuição da criminalidade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente entre outros motivos e também para a prevenção da delinqüência, assegura os direitos fundamentais (saúde, educação, recreação, profissionalização, assistência social) através de ações que podem ser movidas contra os pais, responsáveis, inclusive contra o Estado. Reconhecendo nos jovens a condição de sujeitos ativos de direitos, atribui-lhes responsabilidade estatutária (juvenil). Tal responsabilidade, pelo caráter pedagógico, pode implicar, conforme o caso, medidas sócio-educativas, em algumas hipóteses tão severas quanto as penas criminais, com a diferença de serem cumpridas em estabelecimento destinado a jovens e acompanhadas de medidas educativas e protetivas abrangendo a própria família.

Objetivamente nada diferem penas e medidas sócio-educativas. Ambas só podem  ser impostas em decorrência da prática de fatos definidos como infrações penais, comprovadas autoria, materialidade e responsabilidade.

A diferença reside apenas no sistema, no caso dos jovens, mais pedagógico e flexível, permitindo maiores alternativas na execução das sentenças com medidas de apoio, auxílio e orientação, inclusive aos familiares. Se pelo Código Penal um sentenciado por homicídio pode ser privado de liberdade por seis anos, pelo Estatuto, o adolescente pode ficar privado da liberdade por três anos.

Se o caso é tão grave que a sociedade antes do julgamento precisa segregar, conter, limitar, defender-se preventivamente, da mesma forma e nas mesmas  circunstâncias que o adulto, o jovem infrator pode também ser privado de  liberdade. O que o Estatuto exige, como o faz o Código de Processo Penal, é que a decisão seja fundamentada em indícios suficientes da autoria, demonstrada a necessidade imperiosa da medida. O que precisa ficar claro, de uma vez por todas, é que o Estatuto não compactua com a delinqüência, com a impunidade. É um sistema justo (científico e jurídico) em que jovens só podem ser responsabilizados com observância das garantias constitucionais e do devido processo legal, o que ninguém recusa ao pior e mais perigoso dos delinqüentes adultos. Os movimentos de defesa dos direitos dos jovens patrocinam direitos humanos, portanto o direito de todos à liberdade, à presunção de inocência e à justiça. Não compactuam com violência e crime, principalmente arbitrariedade, quase sempre impostas aos pobres e desprotegidos sob a falácia da prevenção da delinqüência. De outro lado, é grande o exagero quanto à exata dimensão da chamada delinqüência juvenil - Estatísticas comprovam que não ultrapassa 10% de toda a criminalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizando este breve estudo, gostaria de ressaltar que, quando se consideram os aspectos sociológicos, políticos, psicológicos e afetivos do adolescente e a realidade do sistema prisional brasileiro e a prática da execução penal, hoje, chega-se à conclusão de que os menores de 18 anos devem receber tratamento especial por parte da lei, no caso de cometerem infrações. Tal tratamento especial não significa, de forma alguma, deixá-los impune, mas oferecer-lhes condições para uma ressocialização, já que se encontram em desenvolvimento físico, psicológico, emocional e social. Portanto, penso que a solução para o problema da criminalidade e da violência crescente em nosso país não passa pela redução da maioridade penal.

 

Referências

BARROS, Wellington Pacheco. A interpretação sociológica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.

CAVALIERI, Alyrio. Direito do Menor. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1978.

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JESUS, Damásio E. de. Os erros e o formalismo da justiça criminal brasileira. Jornal Síntese, Porto Alegre, n. 43, p. 3, set. 2000.

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.

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PEREIRA, Jozemir Loureiro. A redução da maioridade penal é a solução para a questão da violência? Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=388. Acesso em 20/10/2006