® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
A contraproducente excentricidade relacional entre os órgãos do Ministério Público, polícia judiciária e polícia militar
Roger Spode
Brutti
INTRODUÇÃO
Hodiernamente,
vivenciam-se estampadas “crises do Estado”. Pode-se afirmar, diante disso, com
cristalina serenidade, que um dos seus fatores é a expansão, sem precedentes,
dos chamados “Poderes do Estado”, mormente nos seus aspectos legislativo e
administrativo.
Em decorrência dessa
conjuntura, tornou-se mais aguda e urgente a exigência do controle judiciário
ante a atividade do Estado. Os embates judiciais deixaram de envolver apenas
sujeitos privados e passaram a abarcar, também, os próprios órgãos estatais, em
que pese a ínsita finalidade de promoção da pacificação social que, em
conjugação de esforços e estreita junção de vontades, compete-lhes levar a
efeito precipuamente.
Efetivamente, pouco
resolveria atribuir-se tamanho acervo de relevância aos direitos da pessoa, por
meio de uma sempre crescente expansão das chamadas “ramificações estatais”, e,
ao mesmo tempo, não se assegurar a real proteção da pessoa humana, ante o
embate vivenciado entre as próprias “ramificações”. Com propriedade, NORBERTO
BOBBIO já afirmara que o grave problema de nosso tempo, com relação aos direitos
da pessoa humana, não mais é o de fundamentá-los, mas sim o de protegê-los. [1]
No que diz respeito à
problemática abarcada neste estudo, meritório é tornar inteligível o que se
deve conceber, in casu, acerca do vocábulo “excentricidade”. Com
efeito, quer-se denotar o aspecto de “desvio ou afastamento de um centro
comum“,[2] ou seja, quer-se ressaltar a carência
de uma urgente e mais acertada harmonia, ou união operacional, entre os órgãos
do Ministério Público, Polícia Judiciária e Polícia Militar.
Se o Estado é uma
"Couraça Coercitiva da Sociedade Civil" (GRAMSCI apud CARNOY,
1994:98), essa armadura, no aspecto de proteção, deve ser impermeável a
conflitos de ordem interna ou, ao menos, que eventuais oposições não degradem a
imagem estatal perante a sociedade. Aliás, segundo Alba Zaluar (1999, p.
26-27):
[...] as imagens ou
representações sociais do crime e da violência e o medo da população, muitas
vezes apresentados como irracionais, são envenenadas pela mídia que manipula
seu sentimento por meio do exagero ou excessiva exposição da natureza violenta
da sociedade brasileira e sua falta de concepção de cidadania.
O ASPECTO RELACIONAL
ENTRE MINISTÉRIO PÚBLICO E POLÍCIA JUDICIÁRIA
Compete à Polícia
Judiciária à apuração da autoria e da materialidade dos ilícitos penais, exceto
os militares.[3] Ao Ministério Público, compete a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.[4]
Pois, pela expansão
moderna cada vez mais crescente do Estado como regulador de uma convivência
social concebida como salutar, estabeleceram-se incontáveis normas cogentes,
bem como se estabeleceram inúmeras formas de fiscaliza-las e de impor sanções
às suas infrações.
Muito se tem discutido, e
anda ainda em aguda voga, a legalidade da investigação criminal levada a
efeito pelo Ministério Público. Pela singela análise das competências
constitucionais acima aludidas, fonte por demais confiável, quaisquer
divergências que venham a surgir, certamente, por mais acirradas que se
apresentem, consubstanciar-se-ão em debates inócuos, posto que manifesto está a
intenção do constituinte em não assoberbar um órgão e esvaziar o outro, como
estão querendo alguns.
Com efeito, se não é
crível um juiz receber uma denúncia formulada por um Delegado de Polícia,
também não nos é sensato conceber que, dentre as atribuições legais
comissionadas ao Ministério Público, esteja a presidência do inquérito
policial.
O legislador, ao elaborar
seus atos, em consonância com a vontade popular que lhe concedeu referido
mandato, estabeleceu uma relação de órgãos a quem foram atribuídas específicas
funções. Se exercidas elas dentro dos seus perfeitos lindes, ver-se-ão
exsurgidos como resultados apenas as mais perfeitas aspirações sociais,
porquanto os postulados cogentes são constituídos e emanados de rigoroso e mui
artificioso processo legislativo.
Todavia, conforme já fora
escrito antes, a vaidade é ínsita do ser humano e o que disso advém é pura
aflição.[5] Conjugado a isso, ainda há o
entendimento de Lord Acton, qual seja, o de que o poder tende a corromper; e o
de que o poder absoluto corrompe absolutamente.[6]
Esse verdadeiro conflito
de atribuições observado entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária, no
que tange à investigação criminal, onde as inserções de um na seara de
atribuições específicas do outro não vê precedentes à altura em nossa história
jurídica, acaba por deixar o estudioso um tanto perplexo, sendo que o número
alarmante de escritos a respeito denotam essa perplexidez acadêmica.
Não obstante, por que as
melhores idéias da vida são sempre as mais simples, bem como as melhores
explicações também sempre são as mais singelas, imaginemos as seguintes
situações hipotéticas: um Promotor de Justiça lavrando uma sentença; e, por
fim, um Delegado de Polícia elaborando uma denúncia. Indubitavelmente, e isso é
relativo à lógica, a resposta sobre a razoabilidade dessas conjeturas
levanta-se veementemente das suas próprias conjecturas. Se, dessarte, não é
dado ao Delegado de Polícia elaborar denúncia, porquanto ato contra legem,
a contrario sensu, no que diz respeito à sua competência prevista
constitucionalmente para apurar as infrações penais, exceto as militares,
tem-se que a recíproca deve, forçosamente, ser verdadeira.
Entretanto, o que se
procura ressaltar aqui, não mais é o debate acerca da legalidade ou ilegalidade
investigatória do órgão ministerial. Brilhantes pareceres e julgados existem
para ambas partes. Debater-se na defesa de pareceres de um lado, em prejuízo de
pareceres de outro, é de pouca produtividade no momento. Quer-se, isto sim,
prender a atenção ao aspecto contraproducente do dissenso observado no aspecto
relacional dos referidos órgãos os quais, antes de mais nada, devem sempre agir
com a mais profunda e profícua união, no encalço da tão almejada pacificação
social.
Efetivamente, a carência
de uma maior diálogo a nível de cúpulas constitui-se em irrefutável da
contraproducente excentricidade relacional observa entre essas duas
ramificações estatais. E não deveria ser conferido à doutrina debater sobre os
embates ideológicos ou de interpretação legal ocorridos entre os órgãos do
Estado. Estes, exclusivamente, devem desenvolver um melhor costume dialógico,
pretérito à inserções abruptas de um na seara funcional do outro.
A verdade inexorável é
que conflitos interpretativos sempre ocorrerão entre as tão vastas ramificações
estatais, mas não cabe aos particulares, nem mesmo ao Judiciário,
precipuamente, conferirem a eles as soluções almejadas. Com efeito, no dizer de
Carlos Maximiliano, não há princípio isolado, em ciência alguma. Há sempre
conexão de uma norma com as demais. O Direito objetivo não é um conglomerado
caótico de preceitos, mas se constitui em um conjunto harmônico de normas
coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar
próprio.[7] Por isso, tencionar-se fundamentar
opinião jurídica em torno de temas palpitantes como o em voga é prática que
encontra infinita possibilidade de fundamentação jurídica, pouco importando a
facção doutrinária a que se pretenda fazer parte com seu novel parecer. Pode-se
opinar pró ou contra, qualquer hipótese encontra larga margem de fundamentação.
No momento em que os
próprios órgãos do Estado entram em embate, à revelia completa da ínsita união
incorruptível e harmônica que lhes deveria ser característica principiológica,
o Estado entra em crise. Tratar-se-ia de uma problemática similar ao câncer,
nome concedido a um conjunto de inúmeras doenças que têm em comum o crescimento
desordenado, ou seja, maligno, de células que invadem os tecidos e órgãos,
podendo espalhar-se , por meio da metástase, para outras regiões do corpo.
Assim, tem-se que o Estado não pode transformar-se em um monstro teratológico
que carrega em seus genes as nefastas características da natureza humana, tal
qual é a discórdia observada dos dias de hoje em relação ao tema da
titularidade, exclusiva ou não, da investigação criminal. Juristas, os mais
renomados, já trouxeram a público seus pareceres os quais vertem para todos os
lados, mas ninguém se ateve à premissa maior da necessidade em não se olvidar
da elegância imprescindível de um diálogo mais próximo, amigável, isento de
interesses pessoais, “pretérito” às decisões relevantes e “constante” durante o
trâmite das decisões tomadas, tudo entre as celebradas cúpulas
respectivas.
A elegância do diálogo
pretérito entre os Órgãos incumbidos de promover a pacificação social é sempre
de bom tom, pois, conforme o dizer de Dallari, o ser “apolítico” ou é um animal
ou um Deus.[8]
A temática toda aqui
proposta, e que tanto se discute na doutrina presentemente, vê a sua gênese no
entremeio ministerial na seara da competência constitucional atribuída à
Polícia Judiciária. Talvez, se fosse da intenção do legislador brasileiro
conferir poder investigatório ao Ministério Público, redigiria tal qual o fez o
legislador italiano no seu Codice di Procedura Penale, in verbis, “o
Ministério Público e a Polícia Judiciária realizarão, no âmbito de suas
respectivas atribuições, a investigação necessária para o termo inerente
ao exercício da ação penal”.[9]
Na França, aliás, nem um
pouco diferente, o legislador também deixou hialina a sua intenção, sem margem
para interpretações equivocadas como os respeitáveis defensores do poder
investigatório do Ministério Público estão hoje fazendo, senão vejamos: "o
Procurador da República procede ou faz proceder a todos os atos necessários à
investigação e ao processamento das infrações da lei penal. Para esse
fim, ele dirige as atividades dos oficiais e agentes da Polícia
Judiciária dentro das atribuições do seu tribunal."[10]
É de contumaz relevância,
ainda, não olvidarmos que o Delegado de Polícia, após um concurso público de
relevância no cenário jurídico pátrio, passa por um processo de treinamento
específico nas chamadas academias de polícia, processo este pelo qual não se
submete o parquet. Assim, a Autoridade Policial submete-se, por
força legal, a um treinamento que procura torná-la imune às chamadas
“intoxicações” do processo investigatório. Nesse aspecto, já observara
ALTAVILLA no seu trabalho sobre os perigos das hipóteses provisórias, as quais
tem o condão de “seduzir o investigador” e torná-lo daltônico na apreciação das
conclusões de indagações ulteriores. Assim, internalizada no policial a
procedência da hipótese provisória, cria-se em seu espírito a necessidade de
demonstrar o que considera verdade. O policial tornar-se-ia “intoxicado”, a bem
da verdade. E, intoxicado por sua verdade, acabaria por sobrevalorizar os
elementos probatórios que lhe fossem favoráveis e diminuiria o valor dos
contrários, até o ponto de não serem mais tomados em consideração em
determinado caso concreto.[11]
À luz desse entendimento,
aliás, e porque corre nas veias do parquet o mesmo sangue mortal de todos
os humanos, assim já foi decidido:
"Ministério Público.
Impedimento de seus órgãos. Nulidade da denúncia. 1. O membro do Ministério
Público que atua na fase inquisitorial, apurando pessoalmente os fatos,
torna-se impedido para oficiar como promotor da ação penal (inteligência dos
arts. 252, I e 258, CPP). Nula, portanto, é a denúncia ofertada, se inobservado
esse aspecto." (EJTJAP, v. 1, nº 1, p. 91)
Sempre é de bom alvitre
também não olvidarmos do respeitável posicionamento do Supremo Tribunal Federal,
exarado por meio do eminente Ministro Nélson Jobim:
“O Ministério Público não
tem poderes para realizar diretamente investigações, ma sim requisitá-las à
autoridade policial competente, não lhe cabendo, portanto, inquirir diretamente
pessoas suspeitas da autoria de crime, dado que a condução do inquérito
policial e a realização das diligências investigatórias são funções de
atribuição exclusiva da polícia judiciária”.[12]
Por outro lado, e porque
o discurso aqui deve ser imparcial, é surpreendente o poder conferido ao
Ministério Público nos Estados Unidos. Com efeito, o Ministério Público
(“District Attorney”), naquele país, reveste-se de verdadeira supremacia sobre
a Polícia e, também, sobre o Poder Judiciário. Cabe-lhe, por exemplo, proceder
a negociações com os acusados, celebrar acordos e manter em sigilo o nome de
testemunhas. Tais atribuições, cuja origem se associa à necessidade de combate
à alta criminalidade, tornam-no verdadeiro “Senhor” da conveniência e
oportunidade da propositura e exercício da ação penal. Daí, revela-se sua ampla
competência investigatória.
A par desse verdadeiro
“poder” conferido aos Promotores de Justiça nos Estados Unidos, tem-se muito
falado ultimamente na “tendência mundial” em se deferir ao Ministério Público
competência investigatória. Contudo, mais uma vez, quer-se ressaltar que a
intenção deste escrito não está em se pôr em jogo contenda atinente a revelar a
quem restará o “poder”. Acima de tudo, o Estado é um conjunto de órgãos, seus longa
manus, cuja única finalidade é a de, em conjugação de esforços, promover o
bem-estar social. Qualquer contenda envolvendo os próprios órgãos do Estado
denota crise interna, um dissenso, uma inoportunidade a ser dissolvida
incontinenti, entre as próprias cúpulas, amigavelmente e à luz do bom senso,
sem se permitir o prévio despejo do assunto controvertido à apreciação dos
órgãos judiciais e da doutrina em geral, esta sedenta que é por assuntos o mais
palpitantes possíveis.
Não se pode olvidar que
não se confere conteúdo à Constituição a partir das leis. A fórmula a adotar-se
deve operar ‘de cima para baixo’.[13] Procede-se à interpretação da lei
sempre a partir da Constituição, já que esta constitui fundamento de validade
daquela. E embora o texto de nossa Carta Magna, expressamente, confira a
investigação criminal ao Delegado de Polícia,[14], como nos é cediço, o direito é por
demais lato, passível de incontáveis interpretações atinentes aos seus mais
variados temas. As considerações díspares são salutares em uma sociedade em
plena evolução, mas não se pode colocar em xeque, tão frontal e deselegante,
encarregados tão meritórios e essenciais à promoção da paz social como o
Delegado de Polícia, juiz de primeiríssima e última instância no dizer de Rubem
Braga, e o Promotor de Justiça. A sociedade os paga, a fim de vê-los unidos e
harmônicos no combate ao crime.
POLÍCIA JUDICIÁRIA E
POLÍCIA MILITAR, A HISTÓRICA DICOTOMIA IMPOSTA PELO ESTADO AO COMBATE À
CRIMINALIDADE
Outro aspecto que
evidencia mais uma “crise de estado” no ramo da segurança pública, setor tão
sensível e delicado que é, assenta-se na contenda traçada entre Polícia Militar
e Polícia Judiciária em torno da lavratura dos termos circunstanciados.[15]
A lex pátria reza,
sem revolutear, serenamente, que compete à “autoridade policial” lavrar
o termo circunstanciado, e aí está a gênese de toda a polêmica.[16]
A discussão repousa,
lamentavelmente, em se saber se a expressão “autoridade policial” deve ser
compreendida em seu aspecto estrito, à luz do nosso Códex adjetivo processual,
ou se deve abarcar ela exegese lata.
De acordo com o Código de
Processo Penal, [17] no seu Título II, art. 4º, quando se
passa a tratar especificamente do Inquérito Policial, expresso está que a sua
presidência compete à Polícia Judiciária, exercida pelas “autoridades
policiais”.[18]
Mais uma vez, portanto, o
legislador deixou expresso, de forma hialina, com a mesma força com que o dono
da fazenda marca, indelevelmente, o seu gado em brasa, que o inquérito
policial, peça destinada a levar ao Poder Judiciário ciência formal acerca da
materialidade e da autoria dos ilícitos penais praticados, compete ao Delegado
de Polícia, sendo ele, em princípio, seu único presidente legalmente previsto.
Com efeito, o art. 4º do referido codex traz à baila a expressão
“Polícia Judiciária”, exercida pelas “autoridades policiais”, cujo fim é a
apuração das infrações penais e da sua autoria (Redação dada pela Lei nº 9.043,
de 9.5.1995). Assim, tem-se que a expressão “autoridade policial” é sinônima de
Delegado de Polícia, pois, consoante o disposto no art. 144, §4º, da
Constituição Federal, às polícias civis, dirigidas por “delegados de
polícia” de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções
de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. A
exegese não avoca esforço, é singela, pois cristalina foi a vontade do
legislador em se estabelecer, sem equívocos, as atribuições de cada um dos
órgãos essenciais à edificante e sensível administração estatal em torno da
segurança pública.
O inquérito policial é,
pois, o instrumento de maior relevância na atualidade no combate à
criminalidade, com expressa previsão em nossa legislação processual, tendente a
apurar a autoria e a materialidade das infrações penais. A sua presidência, em
princípio, é exclusiva da Autoridade Policial. Quando se quer dizer “em
princípio”, está-se ressaltando que a lei poderá vir a conferir sua presidência
à autoridade administrativa diversa da figura do Delegado de Polícia,
consoante o parágrafo único do art. 4º do CPP.[19] Não obstante, referidas exceções
deverão decorrer de lei, entendida como tal o ato emanado exclusivamente do
Legislativo, de acordo com o previsto processo constitucional atinente a sua
elaboração.
Pois veio ao cenário
pátrio a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais,[20]. Ela promoveu modificações nas
disposições penais e processuais penais até então vigentes, estabelecendo um
novo sistema inclinado para as infrações de menor potencial ofensivo.
Todavia, não estabeleceu,
em nenhum momento, o declínio da competência conferida constitucional e
processualmente ao Delegado de Polícia para a elaboração dos cadernos tendentes
a levar ao conhecimento do Poder Judiciário as infrações penais e a elucidação
das sua autoria.
De facto, a expressão
“autoridade policial“ constante na Lei nº9.099/95 é perfeitamente consonante e
não entra em conflito, em momento algum, com os textos da Constituição Federal
e do Código de Processo Penal. Há uma harmonia patente, só atingida pelo
pálpito debate em torno da competência do Policial Militar em se levar a efeito
a lavratura de um termo circunstanciado, compromissando as partes a
comparecerem à audiência judicial.
Sobre o tema, o Superior
Tribunal de Justiça, por meio da lavra do eminente relator Ministro Vicente
Leal, já decidiu no sentido da legalidade da lavratura de Termos
Circunstanciados pela Polícia Militar:
"PENAL. PROCESSUAL
PENAL. LEI N.º 9099/95. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. TERMO CIRCUNSTANCIADO E
NOTIFICAÇÃO PARA AUDIÊNCIA. ATUAÇÃO DE POLICIAL MILITAR. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. INEXISTÊNCIA".[21]
Vale mencionar que,
segundo o entendimento do celebrado Relator, "nos casos de prática de
infração penal de menor potencial ofensivo, a providência prevista no art. 69,
da Lei n.º 9099/95, é da competência da autoridade policial, não consubstanciando,
todavia, ilegalidade a circunstância de utilizar o Estado o contingente da
Polícia Militar".
Vê-se, pois, que o Poder
Judiciário, por meio da celebrada Corte supra, entende que a competência para a
lavratura de termos circunstanciados é, indubitavelmente, pertencente ao
Delegado de Polícia, mas, por força de questões funcionais do Estado, não há
ilegalidade em este utilizar-se, para tanto, da força Policial Militar.
Novamente, vêem-se
entendimentos de todos os lados. Brilhantes pareceres doutrinários e acirradas
e empolgantes discussões sobre o tema. Todavia, o que deve ser notado, mais uma
vez, é que, in casu, novamente, faltou uma prévia e mais acertada
discussão entre as Polícias Civil e Militar sobre o assunto, antes da inserção
abrupta de um órgão nas atribuições relativas à seara do outro.
Lamentavelmente, quando
não previamente pactuadas e lapidadas, entre os próprios órgãos
envolvidos, inovações procedimentais como a em pauta, resplandece à
população a hipótese de que há uma, absolutamente impensada e deselegante,
“briga por poder” entre as ramificações estatais.
CONCLUSÃO
Pelo que se depreende do
estudo em evidência, há, hodiernamente, uma crise moderna enfrentada pelo
Estado no âmbito da segurança pública. As suas ramificações postas em vida para
a promoção da pacificação social estão, de forma obtusa e perplexa, em patente
e nada proveitoso conflito.
Os discursos políticos
tendentes a dissimular a atual conjuntura acabam por verem-se inseridos em
querela violenta com as próprias manchetes estampadas na tão vasta e
disseminada tipografia jurídica, e até mesmo não jurídica, que versejam sobre o
tema. A conjugação sobre proposições relevantes envolvendo a segurança pública
deve ser abarcada, sempre, interna corporis, em caráter preventivo,
antes de a temática ser lançada ao longus oculus do Big Brother.
A excentricidade
relacional entre os gestores da segurança pública torna-se tão instigante ao
criminoso que, por mais duras que sejam as leis sobre a criminalidade, não
possuirão elas, jamais, o condão de aplacar o encorajamento do infrator. Por
sinal, convenientemente, vale citar o aposentado Ministro do STF, Dr. EVANDRO
LINS E SILVA: "Muitos acham que a severidade do sistema intimida e
acovarda os criminosos, mas eu não tenho conhecimento de nenhum que tenha feito
uma consulta ao Código Penal antes de infringi-lo."[22]
Notas
[1] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos,
p. 25.
[2] Consoante o Dicionário Aurélio: excentricidade
[Do lat. med. excentricitate.] S. f. 1.Desvio ou afastamento do centro. 2.
Astr. No sistema cosmológico de Ptolomeu, a distância entre o centro do mundo e
do excêntrico1 (3) (q. v.) do astro considerado. 3.Astr. Excentricidade da
órbita. 4.Geom. Cociente da distância de um ponto de uma cônica ao seu foco
pela distância desse ponto à sua diretriz. Se a cônica é central, é o quociente
da distância do centro ao foco pela distância do centro ao
vértice.
[3] CF, art. 144, § 4º - às polícias civis,
dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a
competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares -.
[4] CF, art. 127 - O Ministério Público é
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis -.
[5] 1-Eclesiastes 1.14 Atentei para
todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e
aflição de espírito.
[6] Lord Acton, em carta ao Bispo M.
Creighton, no ano de 1887.
[7] Carlos Maximiliano. Hermenêutica e
Aplicação do Direito. Freitas Bastos, 1961, p. 165.
[8] DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos
de Teoria Geral do Estado, p. 7-8.
[9] "Codice di Procedura Penale",
art. 326.
[10] Código de Processo Penal da França,
art. 41.
[11] Revista Brasileira de Ciências
Criminais, nº 19, p. 106.
[12] Rel. Min.
Nélson Jobim, 6/5/03 (RHC 81.326).
[13] Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica
e Interpretação Constitucional, p. 102.
[14] CF, art. 144, §4º.
[15] Procedimento tendente a apurar as
infrações de menor potencial ofensivo, à luz da Legislação dos Juizados
Especiais Criminais.
[16] Lei nº9.099/95, art. 69. A autoridade
policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o
encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima,
providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.
Parágrafo único.
Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado
ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão
em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz
poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou
local de convivência com a vítima. (NR) (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº
10.455, de 13.05.2002, DOU 14.05.2002, com efeitos a partir de 45 dias da data
da publicação)
[17] DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO
DE 1941.
[18] Art. 4º A polícia judiciária será
exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas
circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
(Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995)
[19] CPP, art. 4º. Parágrafo
único. A competência definida neste artigo não excluirá a de
autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
[20] Lei nº9.099/95.
[21] HC n.º 7199/PR
[22] In Ciência Jurídica - Fatos
- nº 20, maio de 1996.
BRUTTI,
Roger Spode. A
contraproducente excentricidade relacional entre os órgãos do Ministério
Público, polícia judiciária e polícia militar. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1322.
Acesso em 20/10/2006.