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Anna Cecília Fernandes Almeida*
"De tanto ver triunfar
as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a
desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto"
(Rui Barbosa).
Respeito ao preso como ser humano
Sabe-se que o Direito e a sociedade estão entrelaçados, porque o Direito surge
das necessidades fundamentais da sociedade humana, tendo que acompanhar a
evolução e transformações que passamos ao longo da história.
O Direito nos proporciona segurança e nos dá condições de viver em um mundo
equilibrado, de forma que somos regidos pelas normas que formam a ordem
jurídica. Quando violados os bens mais importantes da vida social, diz-se que
ocorreu um ato ilícito penal.
O Direito
Penal surge exatamente nesse momento, para aplicar sanções àquele que praticou
tal ato, seja privando-lhe ou dando-lhe parcialmente a liberdade.
A justiça procura trabalhar da maneira mais sensata possível, constrangendo o
autor da conduta punível a submeter-se a um mal que corresponda em gravidade ao
dano por ele causado. Com isso, a justiça espera que seja combatido o crime.
É opinião unânime que o atual Sistema Penitenciário Brasileiro está passando
por uma crise, trabalhando de forma negativa, sendo elemento potencializador da capacidade criminosa do indivíduo.
Quando discutido tal tema, várias soluções são apresentadas, umas coerentes,
outras deveras polêmicas. A verdade é que não é fácil governar uma nação,
principalmente o Brasil e, ainda, tirar da lama um sistema penitenciário tão
ultrapassado, que parece mais uma massa falida do que uma sociedade de pessoas corrompidas.
O sistema penitenciário no Brasil apresenta inúmeros problemas. A ausência de
respeito aos presos, a ausência de um tratamento médico regular, ausência de
atividades laborativas dentro dos presídios, a
superpopulação carcerária e processo de desumanização
do preso, fazem com que ocorram constantes rebeliões, demonstrando, de forma
trágica, o inconformismo daqueles que se encontram privados de seus direitos elementares.
A influência deste ambiente hostil não beneficia o processo de ressocialização do detento. Na verdade, o preso é forçado a
esquecer a vida existente do lado de fora dos portões de aço, causando-lhe
traumas profundos. Dessa forma esse encarcerado apresenta ansiedade, angústia e
medo de não se readaptar novamente ao mundo livre, mostrando que não há
qualquer preocupação com a ressocialização do detento
dentro dos presídios.
É certo que ao cometer um crime o agente ativo não está se comportando de
maneira honesta para com os seus similares, porém, o preso que está condenado à
pena privativa de liberdade não desmerece desse princípio, e também não há de
merecer a impunidade. O homem é considerado o centro do universo social e
jurídico, conquanto o respeito à vida, à imagem e à dignidade da pessoa humana
não sejam respeitados dentro daquele confinamento, sonegando, todo e qualquer
direito fundamental que o homem tem.
Nesta trilha, o direito de punir deve levar em conta a noção de que o caráter
da pena é reparar o mal cometido pelo infrator. Seus efeitos devem causar
impressão sobre os sentidos e o espírito, tanto do culpado quanto da sociedade,
para que dessa forma haja a intimidação de futuros agressores e a satisfação
dos cidadãos que estão à mercê do perigo da marginalidade. Se o direito de
punir for de encontro aos princípios que protegem os detentos, caracteriza abuso
e não justiça.
A exposição de César Barros Leal (1998, p. 87-8) revela a realidade da falida
instituição carcerária, revelando a falta de dignidade humana que ali existe:
[...]
De fato, como falar em respeito à integridade física e moral em prisões onde
convivem pessoas sadias e doentes; onde o lixo e os dejetos humanos se acumulam
a olhos vistos e as fossas abertas, nas ruas e galerias, exalam um odor
insuportável; onde as celas individuais são desprovidas por vezes de
instalações sanitárias; onde os alojamentos coletivos chegam a abrigar 30 ou 40
homens; onde permanecem sendo utilizadas, ao arrepio da Lei 7.210/84, as celas
escuras, as de segurança, em que os presos são recolhidos por longos períodos,
sem banho de sol, sem direito a visita; onde a alimentação e o tratamento
médico e odontológico são muito precários e a violência sexual atinge níveis desassossegantes? Como falar, insistimos, em integridade
física e moral em prisões onde a oferta de trabalho inexiste ou é absolutamente
insuficiente; onde os presos são obrigados a assumirem a paternidade de crimes
que não cometeram, por imposição dos mais fortes; onde um condenado cumpre a
pena de outrem, por troca de prontuários; onde diretores determinam o
recolhimento na mesma cela de desafetos, sob o falso pretexto de oferecer-lhes
uma chance para tornarem-se amigos, numa atitude assumida de público e
flagrantemente irresponsável e criminosa?
Ao silenciar, o vilão dessa atual forma de ressocialização
será o condenado, como também, a sociedade, que se encontra do lado de fora das
prisões, esperando o próximo delinqüente "recuperado" ser posto
Parece
É preciso provar à sociedade civil e ao Estado, porém, que por pior que seja o
delinqüente, a estigmatização brutal muitas vezes
modifica a sua condição humana, despojando-o de seus direitos. A situação em
que são colocados os presos corrompe-os definitivamente, trazendo um mal muito
maior ao convívio social quando postos
A
A dignidade da pessoa humana não é a garantia única fundamental discutida na
Constituição Federal. Entre outras previstas no art. 5º, tem-se a determinação
de que nenhuma pena passará da pessoa do preso, ou seja, deve atingir, única e exclusivamente a ele, o que caracteriza a
pessoalidade; a pena deve ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo
com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; é assegurado aos presos
o respeito à integridade moral e física; às presidiárias serão asseguradas
condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de
amamentação; e, ainda, a Resolução de 11 de novembro de 1994 fixou regras
mínimas para o tratamento do preso no Brasil independentemente da natureza
racial, social, religiosa, sexual, política, idiomática ou de qualquer outra
ordem, levando-se em consideração a idéia de que o Estado, imperiosamente, deve
indenizar o condenado que por erro judiciário for preso ou ficar preso além do
tempo fixado na sentença.
Em entrevista feita pela revista Consulex, indagando
sobre o respeito aos princípios da dignidade dos carcerários a Elói Pietá, há a revelação de que, de fato, não são respeitados:
CONSULEX – Segundo a legislação brasileira, os presos não teriam que ser
separados por categorias?
Elói Pietá –
Outro tipo que é separado dos demais presos é o preso rico, que tem curso
universitário, com direito a cela especial, em geral uma sala num quartel da
Polícia Militar. Só que, neste caso, é desrespeitada outra regra mínima da ONU,
que estabelece que não se faça distinção de tratamento entre presos fundada em
preconceitos, entre eles, o de fortuna.
Quanto aos alojamentos, assistência médica e outras recomendações da ONU,
evidentemente que nossas prisões estão muito longe delas.
Polêmico é trazer à tona que a prisão não é a única resposta do Estado ao violador de direitos. Alguns crimes e as contravenções
penais são punidos com as denominadas penas restritivas de direitos.
Não basta ao condenado estar preso, dessa forma ele estará preso ao seu “eu”,
preso aos outros marginais, preso à falta de liberdade e da convivência em
sociedade, estará ele, o condenado, sendo privado de conviver com pessoas que poderiam
estar ajudando na sua recuperação e educação.
A prisão é uma velha resposta punitiva. O Sistema Penitenciário
Brasileiro de hoje está passando por uma crise, sem condições de oferecer
qualidade, oportunidade e, muito menos, a recuperação do condenado.
Por isso, diz-se que as pessoas preferem ignorar o problema a ter que se
confrontar com a sede de justiça e com a mudança. Olhando por esse aspecto,
verifica-se que as frestas deixadas pelo legislador nos levam a saídas polêmicas, mas plausíveis.
Vislumbra-se a necessidade de adequar as regras das penas privativas de
liberdade à evolução do direito penal. Deve-se reconhecer que a execução de
pena restritiva é a melhor escolha para não estigmatizar tão brutalmente o condenado.
O Sistema Penitenciário Brasileiro está em deplorável condição e os presídios e
casas de detenção não são a melhor saída para a solução da criminalidade.
As penas restritivas de direitos vêm se mostrando a saída mais inteligente para
recuperação do delinqüente, tendo em vista que dessa forma há a reinclusão social, pois é oferecido oportunidade.
O Sistema Penitenciário Brasileiro não oferece boas condições de prestação de
serviços como forma de ensejo de trabalho aos condenados, o que, talvez, seria
uma saída para tal crise.
Diante disto, as penas restritivas de direito oferece tal ensejo, e, isto
posto, conclamamos os ilustres legisladores acatarem a melhor saída para que
possamos viver em sociedade harmoniosa e satisfeita.
A restrição ao máximo à aplicação da pena privativa de liberdade,
substituindo-as pelas chamadas penas alternativas, é uma saída que já tem sido
usada pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Beneficiando, os condenados, com o livramento condicional, seria uma maneira de
lhes dar oportunidade de recuperação.
Mas como seria tal recuperação?
Como uma das saídas possíveis, o condenado teria que prestar serviços sociais.
Prestando tais serviços, não teria o convívio direto com outros criminosos, mas
sim, teria ele, convívio com o meio social, estando entre pessoas dispostas a
ajudar na sua recuperação e educação, respeitando-o sem julgá-lo por sua
conduta ilícita.
Todavia, para tanto, teria que afastar o receio das entidades conveniadas em
receber apenados por determinado tipo de delito, pois caso contrário iria gerar
um complicador para o sucesso da execução desse tipo de pena.
E, ainda, poderia ser também concomitantemente à prestação de serviços sociais
um acompanhamento psicológico. Nesse acompanhamento psicológico seriam
trabalhados as suas dificuldades, os seus medos, seus traumas e as causas que o
levou a cometer o ato ilícito. Dessa forma o condenado seria trabalhado para
não se sentir um sujeito excluído da sociedade.
Falência do sistema penitenciário: desinteresse do Estado?
A sociedade de hoje é refém da violência e da insegurança. O crescimento da
taxa de criminalidade aterroriza a população, fazendo que viva em função da
marginalização, não para praticá-lo, mas para preveni-lo.
É certo que a segurança pública é dever do Estado, como reza o art. 144 da
Constituição Federal, porém a incapacidade policial para coibir a criminalidade
faz com que o caos se agrave, deixando os marginais à vontade ao limite da
inviabilidade do convívio em paz na terra. Sim terra, pois a onda da violência
está se alastrando não somente no Brasil. Vêem-se nos
noticiários as guerras, os terrorismos, a luta pelo poder e pela supremacia,
ensinando e aguçando a mente pervertida do cidadão que já recebe influencia,
seja pela violência doméstica, nascida no meio familiar, ou pela violência que
já carrega dentro de si.
A televisão, ao passo que traz informações para a humanidade, é um profundo
poço de ensinamento, mostrando como roubar, revelando formas exacerbadas de
criminalidade e novas técnicas. Não obstante, a criminalidade também se faz
presente nos desenhos animados e jogos de videogames, jorrando sangue para todo
lado, fazendo até com que a criança se acostume com aquela cena, e, ao crescer,
ela não se surpreenderá mais com o espetáculo da violência.
Pergunta-se, qual fator é mais preocupante para a sociedade: o desemprego ou a
violência? Considerando que aquele, muitas vezes, acarreta este, pode-se tirar
a lição de que o desemprego preocupa mais os brasileiros. E é a falta de
emprego, falta de dinheiro para colocar comida à mesa que leva muitas pessoas a
buscar a marginalização, tendo que roubar e tirar dos outros para ter para si.
As mães ensinando os filhos a pedir esmola no semáforo, orientando-o a passar o dia no sol quente, descalços. Fácil é falar: vai
estudar menino ou arrumar o que fazer! Muito fácil, concorda-se - tantas vezes
ao parar no sinal de trânsito pensa-se isso. Ou até mesmo quando o pedinte já é
adulto, com idade para empregar-se, passa o dia inteiro desocupado pedindo
esmola ou olhando carro; mas a verdade é que: quem vai dar emprego para uma
pessoa cuja procedência não se sabe e não se tem dela referência? Quem teria
coragem de colocar uma pessoa daquela para trabalhar como empregada doméstica
ou jardineiro na sua casa? Para se viver sempre em estado de alerta, escondendo
as jóias, o dinheiro, ou qualquer bem de estimação?
Não é papel da sociedade fazer esse tipo de
questionamento, e sim dever e obrigação do Estado prestar serviços a essas
pessoas que ali estão, suplicando e mendigando por uma moeda, para ao fim do
dia juntar e ter como comprar seu alimento. (...) alimento, sabe-se bem que nem
sempre é alimento. Aquelas crianças, que são o futuro do País, que deveriam
estar nas escolas, ou sob a custódia do Estado, compram drogas, cola, para
inibir a fome e agüentar o sofrimento e o desprezo vivido.
A concorrer para essa ultrajante realidade estão a incúria do Governo, a
indiferença da sociedade, a lentidão da justiça, a apatia do Ministério Público
e de todos os demais órgãos da execução penal incumbidos legalmente de exercer
uma função fiscalizadora, mas que, no entanto, em decorrência de sua omissão,
tornam-se cúmplices do caos (LEAL, 1998, p. 69).
Ao ignorar e calar a miserável situação em que se encontra inserida a maioria
da população brasileira, porém, a sociedade fica submetida à criminalidade.
Numa profunda reflexão sobre a crise do sistema penitenciário brasileiro,
pode-se chegar à conclusão de que, na realidade, trata-se nada mais do que um
reflexo da crise do próprio sistema de Governo, responsável pela gerência e
administração da vida dos cidadãos
Conclusão
Oportuno
É hora de o ser humano parar com a extrema ferocidade, o grande egoísmo e a desumanização; assolada. Acreditar na paz do mundo e no
coração dos homens não é utopia, basta que cada um faça sua parte e tenha
crença em um melhor amanhã.
É fato que as casas de detenção não oferecem ressocialização
e, muito menos, oportunidade de recuperação aos presos. A atual falência do
sistema penitenciário retrata a crise do Governo e da própria sociedade, porém
pouco se sabe da preocupação das pessoas que estão do lado de fora das prisões
em progredir e tirar da lama a desesparadora classe
de detentos. Muitos dos cidadãos são contra a terceirização dos presídios,
manifestando descuido e descaso, pois não querem dispor de dinheiro para
manutenção dos recursos necessários; no entanto, a tercerização
seria uma saída aplaudida de pé pelos humanístas,
pois acreditar na recuperação daqueles criminosos é acreditar no respeito que
deve existir aos direitos humanos e aos princípios regidos nas lagislações.
É hilário falar
Por mais triste que seja dizer isso, sabe-se que não adianta falar em
investimentos na educação, nas escolas, na saúde pública e na segurança,
ignorando a situação calamitosa em que estão inseridos os detentos, pois
aqueles que ali estão voltarão para a sociedade, com sede de amparo e não o
encontrarão. A única saída que essas pessoas encontrarão é voltar à vida
marginalizada, para que, de alguma forma, possam sobreviver e ter o que comer.
Em conclusão, não se poderia deixar de acreditar, sob um ponto de vista
otimista, que a criminalidade buscada pela classe baixa é uma maneira de pedir
socorro ao Governo. Quando o grito de amparo for escutado e respeitado, o
Brasil não viverá mais essa baderna, e sair às ruas não será mais motivo de
desespero e aflição, pois todas as pessoas temem não voltar vivas para casa.
REFERÊNCIAS
LEAL, César Barros. Prisão: Crepúsculo de uma era. Belo
Horizonte: Del Rey, 1998.
CONSULEX. Porque explodem as rebeliões de presos. Entrevista feita ao
Elói Pietá, 1997. Disponível em:
<http://www.sul-sc.com.br/afolha/pag/direito.htm>.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988, Arts. 1º e 5º*Advogada, pós-graduanda em Direito e Processo Constitucionais, sócia
do escritório Guizardi Advocacia
Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/92/1992/ >. Acesso em: 18 out. 2006.