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Romana Affonso de Almeida Allegro*
A tentativa da
medicina de tutelar a vida humana não é recente, e nas últimas décadas a
humanidade vem sofrendo o desdobramento de uma verdadeira insurreição médica.
Diante de progressos médico-científicos de tal envergadura, esqueceu-se que o
ser humano é a razão dessas pesquisas, para onde conjugam todos os avanços
conseguidos, passando-se a tratá-lo não mais como sujeito de direitos, mas como
seu objeto. Em decorrência disso, procurou-se adentrar no estudo desse tema
pela tamanha importância que ele confere hoje à sociedade, demonstrado pela
capacitação dos profissionais, melhoria dos tratamentos, das técnicas
cirúrgicas, prolongando-se a vida através de transplantes de órgãos, operações
para mudança de sexo, esterilizações, transfusões de sangue, dentre outros
procedimentos que tem por fim prezar pela saúde. Contudo, deve-se levar em
conta que o paciente é o eixo central de todos esses estudos, tendo ele que
decidir por tudo que envolver sua integridade física e a sua vida.
A Constituição
Federal proclamou uma nova ordem jurídica, instituindo princípios e normas que
forçaram uma reformulação desse sistema médico vigente, limitando essa atuação
fundamentada no princípio basilar da dignidade da pessoa humana. Uma das
interpretações desse princípio que restringe a ciência médica diz respeito ao
direito primordial do paciente de consentir com qualquer intervenção a que for
submetido. Ou como entende França (2003, p.29):
Com o avanço cada dia mais eloqüente dos direitos humanos, o ato médico só
alcança sua verdadeira dimensão e o seu incontrastável destino com a obtenção
do consentimento do paciente ou de seus responsáveis legais. Assim, em tese, todo
procedimento profissional nesse particular necessita de uma autorização prévia.
De acordo com o que foi transcrito, exige-se que seja obedecido o princípio da
autonomia ou da liberdade, que faculta à pessoa, no caso o paciente, de
escolher pela submissão a um tratamento ou não. Por esse princípio o paciente
tem o direito de nortear o médico em sua terapêutica. É indispensável que o consenciente tenha uma explicação prévia da intervenção que
se submeterá. Logo, o consentimento deve ser dado antes da cirurgia e continuar
durante o tratamento, pois quando dado após a intervenção não constituirá uma
causa de justificação.
Para esclarecer sobre a vitalidade do consentimento, cola-se o significado
dessa palavra por Ferreira (1986, p.457) como “o direito de consentir,
permissão, licença, anuência, aprovação, acordo, aprovação tácita e
tolerância”, e ainda transcreve-se a irrefutável colocação de Carvalho (2001,
p. 143) sobre essa expressão:
O consentimento nada mais significa que conferir a terceiros a faculdade de
perpetrar a ação, tornando lícito o que em outras circunstâncias era ilícito,
fazendo desaparecer apenas, nos limites do autorizado, a tutela jurídica do bem
pertencente ao consenciente.
É fundamental que o consentimento respeite a ordem pública e os bons costumes,
pois então não será justificada a conduta do médico. Daí compreende-se que
ninguém poderá consentir, ainda que validamente, a intervenção que resulte na
sua própria incapacidade psíquica e física. É necessário ressalvar a
relatividade desse princípio, porque se a informação for algo complicador à
saúde do paciente, o médico não tem a obrigação de contar. Todavia tem que
contar a um familiar próximo. Além do mais, essa relatividade também se dá em
situações de iminente perigo de vida, em que o profissional, sob os conselhos
da Ética Médica, deverá atuar ainda que desrespeitando a vontade do paciente.
Neste caso, o médico estaria agindo conforme recomenda sua experiência
profissional, visando o bem estar do paciente. Dessa forma, acolherá o princípio
da beneficência, posto que estaria realizando todos os
meios necessários para salvaguardar a saúde do acamado, ainda que não
respeitando sua autonomia.
Mas assim não estaria o clínico atuando de maneira arbitrária ao suprimir o
interesse do doente? A doutrina tenta solucionar esta questão fundamentada no
art. 5º inc. II da Constituição Federal (Brasil, 1988), in verbis “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei”.Um exemplo muito
comum são as pessoas que são testemunhas de Jeová, e esta religião proíbe a
transfusão de sangue por considerá-lo impuro, ainda que seja para salvar a
própria vida, os seguidores desta religião não consentem que o médico
intervenha. Além do mais, neste caso particularmente, encontra-se o fundamento
no art. 5º inc. VI da CF que diz expressamente: “É inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma de lei, a proteção aos locais de culto e de
sua liturgia”. (Brasil, 1988)
Todavia, deve-se ressaltar que em caso da tentativa de suicídio, ainda que
obviamente, o titular do bem jurídico vida não queira mais viver, o médico
deverá prestar socorro para evitar a morte do paciente.
Assim, conclui-se que em regra, ao médico é vetado intervir terapeuticamente
sem o consentimento do paciente, o que comportando exceções, pois estará
atendendo ao princípio da beneficência. Pierangeli
(1995, p. 203) assinala alguma dessas exceções, como quando o médico for
compelido a realizar tratamento por norma, quando o médico tiver que prestar
socorro forçosamente, ou quando existirem os requisitos necessários para
identificar o estado de necessidade.
O primeiro caso, ocorre quando a lei compele o indivíduo a realizar o
tratamento, ainda que contra a sua vontade e se fundamenta no mesmo dispositivo
constitucional supramencionado que baseia a não obrigatoriedade do indivíduo a
fazer algo senão em virtude de lei. Romanello Neto
(1998, p.71) ratifica tal compreensão versando que:
“[...] estão obrigados os médicos a revelar o segredo médico quando diante de
pacientes com doenças de notificação compulsória às autoridades
médico-sanitárias, para salvaguardar a coletividade. O Código Penal refere-se
ao tratamento arbitrário ou direito de tratar, e define que o médico, diante de
iminente perigo de vida, não necessita de consentimento para o tratamento (inc.
I do § 3º)”.Art. 146. constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido por qualquer outro
meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer
o que ela não manda. ...Não se compreende na disposição deste
artigo: a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de
seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida “.
O princípio da autonomia ou da liberdade é complementado por outro essencial, o
da informação adequada, onde prevê que o consentimento deve ser emanado de um
paciente capaz de compreender claramente a notícia que for dada pelo médico
quanto ao tratamento a que será submetido. Em caso do paciente, não poder
consentir lucidamente, o consentimento poderá ser substituído pelo do seu
representante legal.
Nos casos que houver dissenso do representante legal e o incapaz, o médico deverá
em caso de emergência intervir oponente ao consentimento do representante
legal. Entretanto, se for possível postergar a intervenção, em caso de não ser
de urgência, a doutrina entende que deve recorrer ao Judiciário para solucionar
o conflito.
É imprescindível que o consentimento seja dado pelo paciente ou quando não for
possível este ser dado por si próprio, será suplantado pelos familiares.
Todavia, quando o primeiro estiver impossibilitado, em casos como estar o
paciente em coma, e não se podendo ter a anuência de algum representante, o
médico age com a presunção do consentimento do enfermo pra salvar-lhe a vida,
pois sem o consentimento real ou presumido do paciente, estaria o médico
obrigando-o ao tratamento terapêutico, não permitindo o livre-arbítrio do
paciente de poder dispor do próprio corpo.
Havendo anuência com um tratamento inicial, não significa dizer que na
possibilidade de tratamentos posteriores ou alterações nas circunstâncias do
caso clínico o consentimento anterior suplantará este, pois deve o enfermo
aquiescer novamente a respeito do novo método a que será submetido, obtendo o
consentimento continuado e atendendo ao princípio da temporalidade.
França (2003, p.31) ressalta o direito do paciente de revogar qualquer
consentimento seu dado anteriormente, argüindo que “[...] em
qualquer momento da relação profissional, o paciente tem o direito de não mais
consentir com uma determinada prática ou conduta, mesmo já consentida por
escrito, revogando assim a permissão outorgada”.
Mesmo que o doente consinta expressamente determinado procedimento médico, por
si só este consentimento não legitima a intervenção do profissional, uma vez
que esse ato venha a causar um prejuízo maior à saúde do paciente, pois o esculápio é que avaliará a real necessidade do ato. Por
exemplo, um enfermo que clame impiedosamente pela amputação de um membro por
estar sentindo dores insuportáveis, e o médico ache que este não é o caso para
tal procedimento, podendo ser curado por outra via que não a retirada desta parte
do corpo. O que deve valer é o entendimento do profissional, pois assim estará
atendendo ao princípio da não maleficência.
Na hipótese do médico durante a cirurgia verificar que necessita adotar um
método terapêutico diferente daquele anteriormente consentido, mesmo que seja
de maior complexidade, deverá agir orientada pelas razões do bom senso, como
alardeado por Romanello Neto (1998, p.70).
Não há dúvida de que suspender o médico um ato cirúrgico para solicitar o
consentimento do paciente, a fim de aumentar ou diminuir a extensão da
intervenção cirúrgica, configura uma atitude excessiva de zelo e perigosa à
vida do paciente, que teria de retornar a uma outra intervenção cirúrgica com
todas as suas circunstâncias perigosas e de risco: anestesia, cortes,
inflamações, medicamentos etc.
Então, se o enfermo já anuiu com um procedimento médico anterior, se presume
que também aquiescerá com outra intervenção num problema descoberto
posteriormente, desde que não se possa adiar sem prejuízo de sua saúde.
Isto posto, depois de se ter abordado toda a principiologia
que direciona o consentimento do ofendido nas intervenções médicas, conclui-se
que quando se tratar de cirurgia com finalidade terapêutica, o consenso é de
que a conduta praticada pelo médico quando bem
sucedida seja atípica, pois tem como escopo a “melhora” do bem jurídico
integridade física. Entretanto, é possível que o médico não atinja o seu
objetivo, e mesmo depois de realizar a cirurgia o paciente não melhore e venha
a morrer ou adquira uma seqüela irreversível em decorrência desta, como por
exemplo, a amputação de um membro. Pierangeli (1995,
p. 180).
Grande parte da doutrina sustenta que a intervenção médico-cirúrgica com
finalidade terapêutica e resultado positivo é atípica porque isso não significa
uma “piora” do bem jurídico integridade física, mas uma “melhora”. Com isso
faltaria o pressuposto essencial do delito de lesões corporais, pois enquanto a
intervenção como resultado negativo é típica, resta a antijuridicidade excluída.
A intenção do médico é de salvar o paciente, e não de ferí-lo.
Entretanto, este posicionamento sofre uma forçosa crítica: fatalmente, ao
submeter o paciente à intervenção cirúrgica, o médico age com animus de cortar, ainda que, obviamente, não aja com dolo
prescrito pelo tipo penal de lesões corporais, pois o profissional está agindo
terapeuticamente. Tal postura não pode balizar outros tipos de procedimentos,
como as operações estéticas, posto que não há uma
finalidade de cura a ser perseguida ou como bem consolidado por Andrade (1991,
p.470-471)
“[...] a operação cosmética esgota a sua relevância no interior do sistema
pessoal do sujeito passivo, não abrindo a porta à alienação da integridade
física em benefício dos interesses do investigador, de terceiro ou da comunidade
me geral. O que, por seu turno e inversamente, alarga a comunicabilidade coma
intervenção médico-cirúrgica. Como já Stoos
sublinhava, é precisamente esta << identidade tanto da pessoa lesada e
protegida como do bem que é sacrificado e protegido>>, que
verdadeiramente constitui a diferença específica da intervenção médica”.
Além do mais, o tratamento médico realizado conforme os princípios da lege artis
constitui uma conduta socialmente adequada, já que o art. 196 da Constituição
Federal (Brasil, 1988) prevê a tutela da saúde pelo Estado.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
Assim,
parte da doutrina compreende que ainda que o médico-cirurgião tenha causado
lesões ao organismo necessárias à cirurgia, sua conduta está conforme o Direito
e às exigências de cunho ético-jurídico-social. Há,
no entanto, quem entenda que a conduta do médico constitui uma excludente de
tipicidade, mesmo que o paciente tenha uma piora no seu estado de saúde em
virtude desta conduta.
Ainda que nesta questão se trate de bem jurídico indisponível, que pode ser a
vida ou a integridade física do paciente, a conduta, em regra, não constituirá
crime porque será considerado irrelevante para o Direito Penal, bastando apenas
que não haja dolo por parte do médico em prejudicar o enfermo e também ao atuar
na intervenção cirúrgica o faça com a lege artis [1]. Para tanto, existe ainda a
teoria da imputação objetiva que isenta a responsabilidade penal do médico
quando realiza uma intervenção médica cirúrgica, desde que ele tenha seguido
rigorosamente a lege artis,
em razão dos riscos que foram criados para o paciente eram riscos permitidos.
É cediço que é impossível que uma operação deixe intacto o bem jurídico
integridade física, não havendo como evitar o agravamento do estado geral do
enfermo, pois existe de fato um defloramento do seu corpo, visando uma melhora
futura. Em função disso, parte da corrente doutrinária entende que o tratamento
médico cirúrgico é um exercício regular de direito para aqueles que o
profissional, no caso o médico, ao adquirir este título possui o direito de realizar
todos os atos inerentes a sua profissão para atingir o fim social a que esta se
propõe, ainda que para isto tenha que violar alguns bens juridicamente tutelados.
Existe a possibilidade do médico cometer erro médico vencível, que se configura
quando o profissional erra quanto à utilização do meio, ou seja, quando
diagnostica erroneamente ou quando utiliza o método terapêutico incorreto,
desde que este erro possa ter sido evitado. Entretanto, o risco do tratamento
está ligado a uma intervenção em que o médico não violou as regras da lex artis, caso em
que excluirá o dolo, mas não a culpa. Se o tipo penal previr a modalidade
culposa, o agente responderá por ela, ainda que o paciente tenha consentido.
Diferente solução será dada na incidência de erro invencível, em que o
profissional observou corretamente o tratamento terapêutico. Neste caso o
consentimento atuará como causa justificante. Assim, o tratamento médico
cirúrgico será considerado como causa de justificação, já que a cura através da
cirurgia é um dos meios para se alcançar uma das garantias e deveres do Estado;
a saúde, tornando lícita a conduta do médico para alcançar este fim.
De tal modo, é imprescindível o consentimento do ofendido válido em algumas
condutas para justificá-las, não poderia ser diferente com a intervenção médico-cirurgica. Bem como os demais pressupostos de
validade e elementos integrantes do consentimento tratados no capítulo anterior
que também serão exigidos. Assim entende Pierangeli
(1995, p. 186) que
Para a teoria em exame, o que torna lícita a conduta do médico, é vontade do
paciente em se submeter a um tratamento, ou por outras palavras, é
autodeterminação do paciente em renunciar a um bem juridicamente tutelado,
consciente da possibilidade de conseqüências lesivas para ele, conseqüências
estas ínsitas ao tratamento.
Para esse autor, portanto, mesmo que o paciente encontre-se em estado de
emergência e gravidade, porém com capacidade para consentir e este não permita,
ou seja, não dê o consentimento para o tratamento médico, não poderá sofrer a
intervenção cirúrgica, pois ninguém, a não ser o titular do bem juridicamente
tutelado, pode expor a integridade física e a vida de outrem a intervenção de
um terceiro.
Contudo, a posição adotada nesse trabalho é inversa a esse pensamento, no
sentido de sobrepor a vida, por ser um bem jurídico indisponível, a qualquer
garantia considerado também de relevância fundamental. Assim, para o direito
penal é irrelevante o consentimento do paciente quando se trata de iminente
perigo de vida como predispõe o art. 146, § 3º, inc. I do Código Penal,
(BRASIL, 1940):
Art. 146. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de
lhe haver reduzido por qualquer outro meio a capacidade de resistência, a não
fazer o que a lei permite. Ou a fazer o que ela não manda:
§ 3º. Não se compreendem na disposição deste artigo:
I. A intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de seu
representante legal, se justificada por iminente perigo de vida.
Esse dispositivo legal fundamenta-se no princípio da sacralidade
da vida, significando dizer que a vida é um bem indisponível, intangível,
sagrado e que deve ser tutelado por todas as formas.
Então, mesmo que o paciente não aquiesça com a intervenção, deve o médico realizá-la,
pois caso contrário estaria concorrendo para sua incriminação. Assim dispõe Royo de maneira indiscutível:
El enfermo ignora a menudo lo que debe hacerse
em su próprio interés; solo
el médico puede tomar la decisión necesaria.
Además el paciente se dejaria impresionar, influenciar
más de lo conveniente, ante el
temor de uma operación talvez indispensable,
lo cual no sucede con el cirurjano,
que gosa de una completa libertad
e tranquilidad de ánimo. Por otra parte, el
enfermo que recusa la operación
urgente e indispensable puede
a veces cometer un verdadero suicidio, y el médico que no lo practicase cooperaria él en estas circonstancias”.
(RICARDO ROYO, apud HUNGRIA, 1958, p. 177)
Soma-se a isso a argumentação de que a vida é um bem coletivo, e como cediço, o
interesse coletivo sobrepõe-se ao interesse particular. Mesmo que o paciente
não anua com o tratamento, em caso escolhido pelo médico, por entender ser o
único capaz de salvá-lo naquele instante, será lícita a conduta do clínico,
pois o interesse a ser protegido é superior, e, portanto, legítimo.
Corroborando, com esse entendimento:
O direito moderno considera a vida um bem coletivo. O homem não se pertence só
a si, senão à sociedade, de que faz parte integrante. A hipótese se enquadra,
então, sem a menor dúvida em questão de ordem pública. E sendo assim, como de
fato é, a vida um bem coletivo, claro está que, em tais circunstâncias
excepcionais (perigo de vida ou iminência de morte), o médico pode e deve agir
arbitrariamente, porque há uma razão jurídica a invocar: o interésse
do agente é legítimo, a utilidade manifesta para a sociedade. (LEMOS, apud
HUNGRIA, 1958, p.178)
E para arrematar a convicção que esta tese visa defender, Prado (2002, p.276)
escreve:
Fundamenta-se o estado de necessidade porque a conduta do médico visa afastar
de perigo atual ou iminente bem jurídico alheio (vida do paciente), cujo
sacrifício, nas circunstâncias não era razoável exigir-se. O mal causado
(violação da liberdade pessoal) é menor do que aquele que se aprende evitar
(morte). Há conflito entre bens de valor diferencial, com sacrifício do bem de
menor valor. O ordenamento jurídico faculta a lesão do bem jurídico de menor
valor com o único meio de salvaguardar o de maior valor.
Dessa forma, somente haverá a exclusão da ilicitude de uma intervenção médica
sem o consentimento do paciente em casos de iminente perigo de vida, que seja
impostergável em razão da urgência e que constitua
único meio para salvar a vida do paciente. Existindo outro tratamento
alternativo, ainda que lesivo e na opinião médica inviável, deverá ele
direcionar sua atuação em consonância com a opção eleita pelo enfermo, caso
contrário estará o médico atuando de forma arbitrária e violando o direito do
indivíduo de decidir o melhor para si. Portanto, o consentimento do ofendido só
deverá ser desconsiderado, no caso de intervenções médicas ou cirúrgicas,
quando a única conseqüência advinda da ausência de consentimento seja a sua morte.
A vida é um bem de interesse público, e por essa razão é indisponível. Assim,
ainda que seu titular não consinta a intervenção em caso de iminente perigo de
vida, o seu consentimento será irrelevante para o Direito Penal. Dessa forma, o
médico seguindo os princípios do consentimento, a lex
artis, esgotando todos os meios que a medicina dispõe
e não existindo outro meio curativo que não vá de encontro à vontade do
paciente, não poderá ser incriminado por uma conduta que teve como fim maior
evitar que se desvaneça o bem jurídico de maior tutela da sociedade – a vida humana.
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5. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
[1] A lex Artis
ad hoc é o critério
valorativo da correção do ato concretizado pelo profissional da medicina – arte
ou ciência médica visando a verificar se a atuação é compatível – ou não – com
o acervo de exigências e a técnica normalmente requeridos para determinado ato
observando-se a eficácia dos serviços prestados e a possível responsabilidade
do médico/autor pelo resultado obtido. (KFOURI NETO, 1998 p. 158)
*Estudante de Direito
Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/x/20/90/2090/ > / Acesso em: 18 out. 2006