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A prescrição no crime de deserção

                                                                                                                                      

Joaquim Batista de Amorim Filho*
Mauro dos Santos Junior **


O artigo 132 do Código de Processo Penal Militar, que trata da prescrição no crime de deserção, tem sido motivo de estudo de renomados doutrinadores, entre os quais não ousamos, por óbvio, nos incluir. Assim, limitados pelas imperfeições próprias do ser humano, não pretendemos, nem poderíamos, esgotar o assunto.

O CPM, como toda legislação, foi elaborado seguindo uma seqüência lógica. Em sua Parte Geral o assunto tratado é de natureza processual. E em sua Parte Especial cuidou-se especificamente da parte penal, ou seja, da tipificação dos delitos militares.

Nesta seqüência lógica, o legislador, cautelosamente, preocupou-se em definir as formas de extinção de punibilidade:

No art. 123, verifica-se, taxativamente, quais são as causas extintivas da punibilidade do agente. Taxativamente, ou seja, só extinguem a punibilidade as circunstâncias elencadas neste artigo. No inciso IV, encontra-se a prescrição.

Art. 123. Extingue-se a punibilidade:
I - pela morte do agente;
II - pela anistia ou indulto;
III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV - pela prescrição;
V - pela reabilitação;
VI - pelo ressarcimento do dano, no peculato culposo (art. 303, § 4º).

A punibilidade do agente é pressuposto de aplicabilidade da pena. Assim, se extinta a punibilidade, extingue-se com ela a possibilidade jurídica de o Estado aplicar a pena imposta ao réu.

Fenômeno jurídico tão importante que é a extinção da punibilidade, o CPM alonga-se por 10 (dez) longos e minuciosos artigos.

O art. 124 estabelece quais as formas de prescrição: punitiva e executória. Na primeira, o Estado, desidioso, perde o direito (poder-dever) de exercer a jurisdição e de julgar a conduta do acusado, e na segunda, embora o Estado tenha sido célere o suficiente para julgar a conduta do réu, por quaisquer motivos, ele deixa passar o tempo previsto em lei sem que tenha conseguido impor ao réu o cumprimento da pena imposta, e fica impedido, a partir de determinada data, de executar a pena imposta.

Espécies de prescrição
Art. 124. A prescrição refere-se à ação penal ou à execução da pena.

O art. 125 fixa os períodos de tempo que em determinadas circunstâncias fica caracterizada a “prescrição”. Que, por ser considerada norma de direito público e de interesse público, deve ser declarada de ofício.

Uma vez constatada e declarada, de ofício ou por provocação das partes, a prescrição (punitiva ou executória) em determinado feito penal, o reflexo processual da sua incidência é a ocorrência da extinção da punibilidade (art. 123, inc. IV)

A seguir, o CPM continua a tratar da prescrição, elencando suas causas interruptivas e suspensivas.

Tendo em vista a natureza dos crimes militares e os princípios de hierarquia e disciplina da vida militar, preocupado com os reflexos que a ocorrência da prescrição nos crimes de deserção e o clima de aparente impunidade poderiam provocar na caserna, o legislador dedicou um artigo exclusivo para o tema e, excepcionalmente, estabeleceu uma hipótese em que a prescrição não gera seu efeito imediatamente (assim que declarada).

Ou seja, o legislador postergou o efeito, que em regra é imediato, para que, nos casos em que se verifique a prescrição, está só gerará seu efeito quando o réu (desertor) atinja a idade de 45 anos, se graduado, e 60 anos, se oficial.

Do artigo 132 do CPM:

A intenção do legislador foi deixar claro aos iniciantes da carreira militar que o ato de deserção é uma conduta altamente reprovável e procurou intimidar sua prática aos novatos, advertindo-os de que o simples fato de desertarem não estariam sujeitos apenas ao máximo de 04 anos necessários para a ocorrência da prescrição pelo máximo da pena em abstrato.

Ou seja, se desertarem no início da carreira, ainda que ocorra a prescrição, ela, por si só, não extinguirá a punibilidade do agente. Isso demonstra a alta reprovabilidade de tão desonrosa conduta no seio da caserna.

Acreditamos que um artigo no qual o legislador expressou seu repúdio pela conduta do desertor, não possa ser ele (o artigo) subutilizado e, às vezes, até alegado pela própria Defesa como uma espécie de salvo-conduto para uma eventual impunidade.

Pois, como já dito, as causas extintivas da punibilidade são as previstas taxativamente no art. 123.

Da análise do art. 132:

Prescrição no caso de deserção
Art. 132. No crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição, esta só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se oficial, a de sessenta.

O artigo inicia explicitando e limitando a qual crime ele se aplica. Só no crime de deserção. Ou seja, previstos nos art. 187 e 188 (casos assemelhados).

A seguir, estabelece o artigo: “embora decorrido o prazo da prescrição...”. Pois bem, vale dizer que já ocorreu um dos prazos previstos no art. 125 (seja pela pena em abstrato ou em concreto).

Aqui, o legislador decidiu, embora já tenha ocorrido a prescrição, suspender o efeito primário da ocorrência da prescrição (a extinção da punibilidade) para um evento certo e determinado que é no momento em que o apenado atingir a idade estabelecida no próprio artigo.

Inocorrendo a prescrição, acreditamos ser impossível a aplicação deste art. 132. Imaginemos o mesmo artigo sem a prescrição:

Prescrição no caso de deserção
Art. 132. No crime de deserção, esta só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se oficial, a de sessenta.

Observa-se que o artigo perdeu seu objeto, perdeu o sentido.
Há de se constatar que o pronome demonstrativo “esta” aparece no feminino; assim não se pode falar que estaria se referindo à expressão “No crime de deserção” do início do artigo. Logo, o pronome “esta” tem a função gramatical de substituir o substantivo “prescrição” (também no feminino), imediatamente anteposto à vírgula.

Dessa forma, a extinção de punibilidade prevista aqui está umbilicalmente ligada à prescrição. A ocorrência da prescrição é o evento principal e esta ocorrendo (a prescrição) a extinção da punibilidade é secundária. Inexistindo o principal (prescrição), não há que se falar na acessória (extinção da punibilidade).

Temerosa a idéia de que a punibilidade se extinguiria simplesmente pelo fato de o desertor atingir a idade (45 ou 60 anos, conforme o caso). Se assim fosse, os militares, após atingir 45 anos (graduado) e 60 anos (oficial) não mais estariam sujeitos aos artigos 187 e 188. A denúncia sequer seria recebida pelo simples fato de ter o acusado idade superior às aqui mensuradas.

Imaginemos alguns exemplos, considerando em todos eles que: a) a data da prática da conduta como sendo aquela em que o desertor foi capturado e reintegrado à Corporação; b) réu é graduado:

Caso A Caso B Caso C
Réu nascido em 10/04/50 10/04/70 16/02/60
Réu fez 45 anos em 10/04/1995 ___ ___
Recebimento da denúncia 02/01/00 02/01/00 08/07/03
Sentença de 1º Grau Absolvido
01/06/01 Absolvido
01/06/01 Condenado à 06 meses em 16/07/03
Prescrição Ocorreu em 01/01/04.
Pela pena em abstrato. Ocorreu em 01/01/04.
Pela pena em abstrato.
Réu fez 45 anos em 16/02/05

Julgamento no TJM Condenado em 30/06/05. TJM declara, de ofício, a prescrição (art. 125). Réu não vai cumprir a pena, porque extinta a punibilidade e a ele não se aplica o art. 132. Condenado em
30/06/05 (TJM), e vai cumprir a pena, porque a extinção da punibilidade só ocorrerá em 10/04/2015 (réu fará 45 anos). Mantida a condenação em
30/06/05. Réu vai cumprir a pena, porque não ocorreu a prescrição. Logo não se pode falar na extinção da punibilidade pelo 132, porque a ele não se aplica este artigo.
Réu fará 45 anos só em 10/04/2015

Aplicar-se o art. 132 e extinguir a punibilidade do desertor sem que ocorra a prescrição (quer pela pena em concreto, quer pela mais benéfica - a pena em abstrato) pelo simples fato de o réu completar os 45 ou 60 anos pode dar ensejo a inverter o pretendido exemplo de repúdio e exaltar a pseudo-impressão de impunidade por conduta tão gravosa.

Concluindo este raciocínio, o art. 132 não cria uma nova hipótese de ocorrência da prescrição. Ele estabelece, excepcionalmente, uma hipótese em que o legislador postergou o efeito primário da prescrição, já ocorrida e declarada, repita-se, para além dos 04 anos previstos para o máximo da pena em abstrato.

Entendemos que para se aplicar o art. 132 do CPM é condição sine qua non que ocorra a prescrição. O fato de o desertor ter os 45 ou 60 anos é condição complementar para que se extinga a punibilidade nos termos do art. 132, deixando de se impor a ele o cumprimento da pena.

Assim, ocorrendo a prescrição, deve-se reconhecê-la e declará-la nos termos do art. 125 (em um dos seus incisos), sem, contudo, aplicar a pena porque extinta a punibilidade, nos termos do art. 132.

Concluindo, para se aplicar o artigo 132 é imperioso que se tenha reconhecido a prescrição nos termos do artigo 125, ambos do Código de Processo Penal Militar.

NOTAS:
Bacharel em Direito pela UMC, Especialista em Direito Penal e em Direito Público pela ESMP. Atualmente lotado no Gabinete do Vice-Presidente do TJM-SP – Juiz Lourival Costa Ramos.
Bacharel em Direito pela UniFMU. Atualmente lotado no Gabinete do Vice-Presidente do TJM-SP – Juiz Lourival Costa Ramos

 


 

*Bacharel em Direito pela UMC, Especialista em Direito Penal e em Direito Público pela ESMP. Atualmente lotado no Gabinete do Vice-Presidente do TJM-SP – Juiz Lourival Costa Ramos. 

 

 

**Bacharel em Direito pela UniFMU. Atualmente lotado no Gabinete do Vice-Presidente do TJM-SP – Juiz Lourival Costa Ramos.

 

 

 

Disponível em: < http://www.jusmilitaris.com.br/?secao=doutrina&cat=2 >. Acesso em: 10/10/06.