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Gisele Leite*
*Formada em Direito pela UFRJ, em
Pedagogia pela UERJ, Mestre em Direito, em Filosofia, professora universitária da
Universidade Veiga de Almeida e outras do Rio de Janeiro. Articulista dos sites
A autora comenta sobre o crime de
aborto bem como suas modalidades e ainda o Anteprojeto do Código Penal
Brasileiro realçando a enorme polêmica sobre o tema.
Nem sempre o aborto teve sua prática recriminada, via de regra, ficava impune
se não resultasse prejuízo à saúde ou a morte da gestante. Mesmo na Grécia a
reprovação do aborto era freqüente, Aristóteles e Platão aconselharam o
aborto(desde que o feto ainda não tivesse adquirido alma) para controlar os
índices de crescimento demográfico ou populacional em função dos meios de
subsistência. Platão, por exemplo, preconizava o aborto em toda mulher
que concebesse depois dos quarenta anos. Platão e Aristóteles
foram em verdade os grandes precursores das teorias malthusianas.
Mesmo o Doutor Evangélico, Santo Agostinho, com fulcro nas idéias
aristotélicas pregava o aborto só seria crime quando o feto já tivesse recebido
alma, que presumia-se após 40 ou 80 dias de sua concepção, dependendo ainda de
seu sexo( se varão ou mulher, respectivamente).
Mais tarde, a Santa Igreja Católica eliminou tal distinção e, então passou a
condenar irrestritamente e radicalmente o aborto , aplicando o Direito Canônico
a pena capital tanto à mulher como ao partícipe.
Aliás, a lei penal tende a incriminar mais pesadamente o partícipe do que
propriamente a mulher. Para o Direito Penal1 o aborto possui
definição diversa do adotado pela medicina. Clinicamente, define-se o aborto
como ação ou efeito de abortar englobando dois tipos de aborto o provocado e o
espontâneo.
No sentido etimológico, aborto quer dizer privação de nascimento: ab
significando privação, e ortus, nascimento. O vocábulo abortamento tem
maior acepção técnica do que aborto.
Segundo o professor Hélio Gomes em seu livro Medicina Legal conceitua
aborto como sendo a interrupção ilícita da prenhez com a morte do produto, haja
ou não expulsão, qualquer que seja seu período evolutivo: da concepção até as
proximidades do parto.
Nos dois primeiros meses de gestação, o aborto é chamado de ovular, no
terceiro e quarto meses, embrionário e daí em diante denomina-se fetal.
O aborto criminoso pode ser induzido por substâncias químicas abortivas ou por
processos mecânicos. Vários argumentos tentaram justificar o aborto como o medo
da desonra e, ainda o fato de fazer parte do corpo da mulher gestante, assim
como a teoria do Dr. Klost-Forest, no sentido de que o feto não é uma
pessoa.
Há mesmo doutrinadores alemães que proclamam se o feto tão-somente uma pessoa
em potencial posto que só adquirirá personalidade jurídica se nascer com vida.
Por outro lado, temos a teoria alemã calcada em Von Liszt que partindo
da premissa de que o crime é um ataque a um bem jurídico, e negando que o feto
seja pessoa e, portanto, sujeito de direitos protegidos pela lei e, conclui
pela impunidade do aborto por não perfazer nenhum tipo penal. Também, Antonio
Alvares Garcia Prieto elaborou teoria defendendo a impunidade de aborto.
A grande discussão em verdade reside sobre a punibilidade ou não do aborto, em
1916 o Código Penal Suíço trouxe em seu artigo 112 que, in verbis: “ O
aborto praticado por um médico praticado e com consentimento da mulher grávida
não é punível, para se evitar um perigo para a vida ou a saúde da gestante. Se
a vítima é idiota ou alienada é curial o consentimento do seu representante
legal.”
Mais, tarde, em 1918, o referido dispositivo eugenista fora suprimido.As
pressões religiosas foram vitoriosas, aliás a´te hoje continuam poderosas.
Os Códigos russos de 1922 e 1926 proclamaram a impunidade do aborto, punindo
apenas o curioso sem diploma de médico ou sem a perícia específica, viesse a
interromper a concepção. E, prevendo ainda a forma qualificada sempre que tal
fato decorresse a ocorrer sem o consentimento da gestante.
Também outras legislações2 adotaram a normatização suíça de 1916 tal
como o Código argentino e, ainda o tcheco-eslovaco de 1915. O Código uruguaio
incriminou somente o aborto não permitido pela gestante.
Países que não permitem o aborto, exceto quando há risco à vida da mãe:
Afeganistão, Angola, Brasil, Camboja, Chile, Colômbia, Costa do Marfim,
Filipinas, Guatemala, Haiti, Honduras, Iêmen, Indonésia, Irã, Irlanda, Laos,
Líbano, Líbia, Mauritânia, México, Moçambique, Nicarágua, Nigéria, Paraguai,
Quênia, República Dominicana, Síria, Sri Lanka, Sudão, Tanzânia, Venezuela e
Zaire.
Países que permitem o aborto: África do Sul, Albânia, Austrália,
Áustria, Bangladesh, Bélgica, Bulgária, Canadá, china, Cingapura, Coréia do
Norte, Cuba, Dinamarca, Eslováquia, E.U.A, Finlândia, França, Holanda, Hungria,
Índia, Itália, Iugoslávia, Japão, Noruega, República Tcheca, Romênia, Rússia,
Taiwan, Tunísia, Turquia , Vietnã e Zâmbia.
A gravidez inicia-se com a fecundação, e a partir da concepção a pessoa humana
está com seus direitos protegidos tanto na esfera cível( podendo até vir a ter
um curador ao ventre capaz de resguardar legalmente seus interesses) bem como
na esfera criminal.
Apesar de que alguns autores, entretanto, entendem que só existe gravidez após
a nidação(ou seja, a fixação do óvulo fecundado na parede interna uterina).
Assim as pílulas anticoncepcionais, o DIU – Dispositivo Intra-Uterino, seriam
portanto, abortivos e, seu crime ipso facto seria crime.
Evidentemente, não há crime nestas hipóteses por ocorrer simplesmente o
exercício regular ou porque trata de conduta atípica. Porém, a ciência médica
definiu que o início da vida ocorre no momento da fecundação.
Não constitui aborto, a conduta de quebrar um tubo de ensaio contendo óvulo
fertilizado in vitro, a eliminação de embriões humanos em laboratório.
A objetividade jurídica é a vida do feto. Portanto, se o feto estiver morto por
causa natural e o médico apenas o retira do útero materno, não existe
obviamente a conduta criminosa.
Também não haverá crime, se o agente ignorando a gravidez, elabora manobras
abortivas. De qualquer maneira, nessas hipóteses , trata-se de crime impossível
por causa da absoluta impropriedade do objeto.
Também ocorrerá crime impossível3 se o crime é provocado pela
ingestão de medicamentos incapazes de provocar aborto ou ainda a realização de
rituais, rezas ou simpatias.
O aborto é quanto ao meio de execução, um crime de ação livre, pois admite
qualquer meio de realização desde que apto a causar a morte do feto. O aborto
pode igualmente ser cometido por omissão, na hipótese de gravidez de alto
risco, quando para evitar o aborto natural, deve a gestante ingerir determinado
remédio. Porém, ela se omite e sobrevém a morte do feto.
O elemento subjetivo é o dolo quer seja direto ou eventual, desta forma não
existe o aborto culposo. Se alguém causa aborto por imperícia ou imprudência
responde por lesão corporal culposa, e me geral de natureza grave.A vítima, in
casu, é a gestante. Todavia, se a própria gestante for imprudente e, der
causa ao aborto será fato atípico e não punível pois não se condena
criminalmente a autolesão.
Se alguém agride grávida, querendo apenas lesioná-la, mas, culposamente,
provoca-lhe um aborto responderá por crime de lesão corporal gravíssima(art.
129, d 2º V do CP).
O aborto funciona como causa agravadora do delito de lesões corporais. Mesmo
que a morte do feto não seja seguida de expulsão do feto, mesmo assim se
caracteriza o aborto. Também não bastará o consentimento para caracterizar o
aborto consumado, exigindo se a produção do resultado, até por ser crime
material e de dano que é a efetiva morte do feto.
É possível a tentativa de aborto criminoso.Se na manobra abortiva apesar de expulso
do ventre materno, o feto sobrevive, existe a tentativa de aborto. Se após a
manobra, o feto é expulso com vida mas lhe advém a morte, o aborto será
considerado consumado, desde que comprovada que a morte decorreu da manipulação
abortiva.
Se apesar da manipulação abortiva, apesar do feto nascer com vida, em seguida,
ocorre nova conduta criminosa contra a vida do recém-nato haverá tentativa de
aborto com concurso material com homicídio ou infanticídio( se tratar-se da mãe
em estado puerperal).
Entre as figuras típicas do aborto estão o auto-aborto e consentimento para o
aborto(art. 124 CP) o aborto praticado com o consentimento da gestante(art.
126CP), o aborto praticado sem o consentimento da gestante (art. 125CP).
No crime de auto-aborto4 não há tentativa pois não se pune
autolesão. Poder-se-á identificar o dolo eventual pelo auto-aborto. O crime de
auto-aborto admite a figura do partícipe mas nunca de co-autoria.
Alguns autores não enxergam no feto, o sujeito passivo em nenhuma das modalidades
de aborto criminoso, seria o Estado esta é a abalizada opinião de Heleno
Cláudio Fragoso e Júlio F. Mirabete.
Ambas as hipóteses do art. 124 doCP são consideradas crimes próprios5,
já que nelas o sujeito ativo é gestante, são também crimes de mão própria,
somente admitem participação.
Se a gestante consentir que terceiro lhe provoque o aborto, a gestante é autora
do crime do art. 124 segunda figura do CP e o terceiro pratica o crime previsto
no art. 126 do CP.
Se, entretanto, se terceiro já havia iniciado o ato abortivo que vem a ser
interrompido (pela chegada da polícia, e, portanto em flagrante-delito) e o
feto não morre, haverá tentativa de aborto.
Pela teoria unitária ou monista, supostamente todos que de alguma forma,
contribuíram para o delito devem responder pelo mesmo crime.
O Código Penal Brasileiro6, entretanto, excetuou a esta teoria e,
criou um delito autônomo com pena diferenciada e, mais grave para o terceiro
que, com o consentimento da gestante, pratica manobra abortiva. A pena, nesse,
caso, é de reclusão de um a quatro anos.
Assim, a gestante que consente o aborto, incide no art. 124 do CP, enquanto o
terceiro que executa o aborto, com concordância dela, responde pelo art. 126
CP.
Exige-se que o referido consentimento seja livre e espontâneo. O parágrafo
único do art. 126 do CP elenca quando o consentimento é inábil e inválido: a
gestante não é maior de 14 anos; se é alienada ou débil mental de forma que
seja ausente o discernimento.
Nestes casos, a violência é presumida, também no caso de consentimento obtido
por meio de violência, grave ameaça ou fraude. Anunciar o processos abortivo,
substância ou objeto destinado a provocar aborto constitui crime –anão, ou
seja, contravenção penal prevista na LCP no art. 20.
Ainda, o consentimento da gestante deve perdurar até a consumação do aborto. Se
a mulher está grávida de gêmeos e, se o sujeito sabe de tal fato, ocorrerá
concurso formal, mas as não sabe, haverá tão-somente crime único. Caso
contrário, haverá responsabilidade objetiva.
O aborto qualificado tem como efeito o aumento de pena se aplica ao terceiro
que provoca o aborto com ou sem o consentir da gestante. Não se estende à
gestante, pois não é punida criminalmente por autolesão.
Se a gestante sofre lesão leve, o agente responde apenas por aborto simples,
ficando absorvidas as lesões.As causas qualificadoras somente tão aplicáveis
quando o agente quis causar o aborto e não lesão grave ou morte da gestante,
mas as provoca culposamente. Existe portanto, dolo em referência ao aborto e
culpa em relação o resultado agravado.
É possível que o aumento da pena se aplique quando o aborto não se consuma, mas
a gestante sofre lesão grave ou morre.
Se além do aborto, o agente também deseja a morte da gestante, respondera por
dois crimes, poderá ocorrer concurso material ou formal imperfeito dependendo
do modo de execução empregado no caso concreto.
Se o agente quer matar a mulher,mas ignora esta ser gestante e, acaba
provocando-lhe aborto, responde apenas pelo homicídio doloso.
Se a mulher supondo estar grávida, solicita os préstimos de aborteiro, sendo
atendida e, em razão do meio, a pseudo-gestante vem a falecer, o crime que
ocorreu foi homicídio culposo, desta forma afastada a aplicação do crime de
aborto e do art. 127 do CP.
As hipóteses de aborto legal são previstos no art. 128 e seus incisos do CP,
tais causas operam a exclusão de ilicitude. O aborto necessário deve ser
praticado por médico e não havendo outro meio para salvar a vida da gestante.
Não é preciso o risco atual para a vida da gestante, basta mesmo o perigo seja
futuro. Se houve um erro médico no que tange ao diagnóstico, não responde por
aborto aplicando-se o art. 20 parágrafo primeiro do CP.
O aborto sentimental ou humanitário possui três requisitos: que seja realizado
por médico; que haja consentimento da gestante ou pelo menos de seu
representante legal se for incapaz; que a gravidez seja resultante do crime de
estupro7.
Não é necessário a condenação pelo estupro, basta que o médico tenha provas da
materialidade do crime de estupro(boletim de ocorrência, inquérito policial,
processo penal, perícia e, etc.).
O Código Penal Brasileiro só anui expressamente com o aborto, nos casos de
estupro, mas é pacífico o entendimento jurisprudencial que por analogia in
bonam partem estendem a anuência ao aborto também aos casos de crimes
contra a liberdade sexual cometidos com uso de violência ou grave ameaça.
Todavia, não haverá aborto sentimental tendo em vista o crime de sedução, pois,
obviamente não houve uso de violência e, nem da grave ameaça, não havendo
semelhanças com os demais crimes contra a liberdade sexual.
Não há dispositivo legal que permita a realização de aborto face as graves
anomalias do feto ou mesmo, por exemplo, a síndrome de Down. Não é permitido o
chamado aborto eugênico.
Excepcionalmente alguns juízes
concedem a autorização para o aborto quando a anomalia é gravíssima (como a
ausência de cérebro) e o filho terá completa inviabilidade de vida a secção do
cordão umbilical.
Pelo feto não ter vida própria, dá-se portanto, a atipicidade , ou ainda, a
inexigibilidade de conduta diversa que funciona como excludente de
culpabilidade.
A Lei 9.434/97 que trata sobre a retirada de órgão humanos para fins de
transplante, em seu art. 3º, frisa que a morte se caracteriza com a cessação da
atividade encefálica. Desta forma, não há como caracterizar o aborto, quando o
feto não possui cérebro.
Também não se pode realizar o aborto8 com base de que a gestante não
possui condições financeiras de criar o filho(aborto social) ou porque não é
casada.
No passado, no Código Penal Brasileiro de 1890 tratou o crime de aborto nos
arts. 300, 301 e 302 e, previa a redução de pena se o crime fosse praticado com
acordo da gestante e para ocultar a desonra própria9. Também
permitia o aborto legal ou necessário desde que praticado por médico ou
parteira com o nobre objetivo de salvar a gestante da morte.
O art. 128 CP que enuncia excludentes de ilicitude10 pela sua
redação dá a errônea impressão de tratar-se de excludente de punibilidade.
O atual projeto do Código penal propõe substanciais mudanças na Parte Especial
do CP, chegando mesmo a reduzir bastante a censura penal ao aborto. Colocando-o
como infração de pequeno potencial ofensivo, com procedimento regulado pela Lei
9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais Criminais onde se julgam crimes
punidos com detenção de um a nove meses e permite a transação penal comutando
com penas restritivas de direitos ou exclusivamente pecuniária, não lhe
retirando a primariedade da ré.
A expressão legal “ preservar a saúde da gestante” se refere ao domínio da
medicina. Bem procedeu a Comissão em pretender autorizar o aborto quando advier
de gravidez resultante da prática não autorizada das ciências modernas
notadamente a genética.
Autoriza o aborto quando atestado cabalmente por dois outros médicos sérias
anomalias e irreversíveis de caráter físico ou mental do feto. É importante
ressaltar que a gravidez extra uterina ou molar não dá azo de se
constituir aborto sua interrupção. O produto patológico desta gravidez não
possui vida própria., nem requer são fetos.
A prática eugênica vem de tempos imemoriais, os brâmanes tinham o costume de
sacrificar ou abandonar na selva as crianças que, de dois meses, lhe parecessem
de má índole. Os espartanos também imolavam as crianças defeituosas por
considerarem inútil para o Estado. Os celtas condenam à morte as crianças
disformes ou teratológicas e,m também, os anciãos valetudinários.
Assim também procediam outros povos sardos, eslavos, escandinavos, selvagens da
Terra de Fogo, de Fidji, os batas e os pigmeus. Mesmo assim tal higiene racial
se mostra evidente nas leis esterilizadoras de certos países( principalmente os
asiáticos) e naquelas que exigem o exame pré-nupcial para o casamento( aqui no
Brasil se exige no caso serem primos).
O tema aborto continua tão polêmico quanto a esterilização, a clonagem, a
eugenia e a eutanásia, todos eles abordados pelo projeto do código penal que
parece adotar francamente o Código Suíço de 1916.
No Brasil, o aborto ainda é ilegal embora na maioria dos países desenvolvidos,
já seja legal. O principal motivo para a não localização do aborto alegam
alguns autores, é a falta de recursos financeiros para realizar adequados
atendimentos médicos.
É importante que o aborto natural ou espontâneo não constituem crime, Também
alguns doutrinadores classificam como aborto até 19 semanas após a última
menstruação, após disso, é considerado infanticídio, pois a medicina atual já
consegue manter o feto vivo em incubadora.
O aborto pode acarretar também sanções penais e civis11. Como por
exemplo, uma mulher que aborto sem o consentimento do marido, e, este sente-se
magoado, desta forma, é parte legítima para pleitear em indenizatória
requerendo perdas e danos e até mesmo dano moral sobre a sua mulher e, até
mesmo se separar desta(com a plena caracterização de culpa conjugal).
Já no âmbito penal, a sanção importará na restrição à liberdade da mulher que
interrompeu criminosamente a gravidez e, ainda das pessoas que tenham
participado do delito.
Pode-se também cometer o crime de aborto por sucção, por medicamentos
abortivos, chás, anestésicos, óxidos de nitroso, curetagem, punção e até
envenenamento por sal
Adendos
*1 A doutrina e a jurisprudência conhecem várias espécies de aborto legal ou
consentido. O aborto natural e o acidental não constituem crimes, mas o chamado
social ou econômico é punível. Tal modalidade de crime desconhece a forma
privilegiada.
*2O Código Penal italiano elenca o aborto entre os crimes contra a integridade
e a saúde da estirpe(arts. 545 a 555). Já o CP espanhol classifica tal delito
no título dos “Delitos contra las personas” (arts.411 e 417).Apesar do feto não
ter vida independente é um produto da concepção vivo daí deve ser protegido
juridicamente.
Para o direito civil, no dizer de Damásio E. de Jesus, o feto não é pessoa e,
sim , spes personae, conforme a doutrina natalista.
Como corresponde a uma expectativa humana possui portanto, expectativa de
direito. Adianta-se Damásio em apontar na tutela penal a personalização do feto
como pessoa pois que possui a vida protegida tal qual a pessoa humana.
*3 No sistema penal brasileiro somente se permite duas formas de aborto legal:
o aborto necessário ou terapêutico previsto no art. 128, I CP e o segundo que é
quando a gravidez resulta de estupro que é denominado de aborto sentimental ou
humanitário.
Qualquer que seja o meio é indispensável a sua idoneidade à produção do
resultado, ou seja, a morte do feto.
*4 No auto-aborto, tutela-se o direito à vida cujo titular é o feto. Já no
aborto provocado por terceiro há duas objetividades jurídicas: a primeira sobre
o direito à vida e , a outra, incide sobre o direito à vida e a integridade
física e psíquica da própria gestante.
*5 O auto-aborto é crime próprio que exige da autora uma especial capacidade
penal(estar efetivamente grávida) daí, denominar-se sujeito ativo qualificado.
O mandamento incriminador penal dirige-se não só à gestante como também aos
partícipes.
Enquanto que no auto-aborto é a gestante, no aborto provocado, o autor pode ser
qualquer pessoa, tendo como sujeitos passivos tanto o feto como a gestante.
O objeto material é o feto , no auto-aborto; já no crime provocado existem dois
objetos materiais: o feto e a gestante.Exige-se a prova de vida do feto. O
Código não distingue entre óvulo fecundado, embrião ou feto.
Exige-se que o feto seja produto de desenvolvimento fisiologicamente normal.
*6 O núcleo do tipo penal é provocar e significa dar causa, produzir, originar
e promover. Desta forma, qualquer meio comissivo ou omissivo, material ou
psíquico, integra a conduta típica, daí ser crime de forma livre.
*7 No aborto qualificado pelo resultado(art. 127 CP) o crime é preterdoloso: há
tanto dolo no aborto como culpa na lesão grave ou morte da gestante. É
irrelevante que a morte do feto ocorra no ventre materno ou depois de prematura
expulsão provocada.
*8 Mesmo no crime de auto-aborto admite-se a participação que é aquele que
secundariamente auxilia a gestante a provocar o aborto, todavia se executa
pessoalmente alguma manobra abortiva incide em outro tipo penal o previsto no
art. 126 CP.
O partícipe do auto-aborto responde por tal delito e , ainda a homicídio
culposo ou lesão corporal culposo, sendo inaplicável o art. 127 CP(Damásio). É
importante frisar que o aborto consensual é punido posto que o consentimento
não exclui o delito.
O aborto consensual possui forma típica simples e exige consentimento hábil.
As formas qualificadas são aplicáveis exclusivamente aos crimes descritos nos
arts. 125 e 126 CP quando a gestante vem a morrer ou sofrer lesão corporal
grave.
Porém, se advier somente lesão corporal leve, o sujeito só responde por aborto
simples. Pois o crime de lesão fica absorvido pelo aborto.
*9 No aborto legal descrito pelo art. 128 CP não contém causa de exclusão de
culpabilidade e nem mesmo escusas absolutórias ou extintivas de punibilidade.
E se o fato for cometido por enfermeira, haverá o crime de aborto? Bem, se for
aborto necessário, não responde por delito. A enfermeira é favorecida pelo
estado de necessidade(art. 24CP) que exclui também a ilicitude do fato.
No entretanto, tratando-se de aborto sentimental ou humanitário, a enfermeira responderá
pelo delito de aborto, pois a norma é taxativa e menciona que deve ser médico.
*10 Quanto a comprovação do estupro, não é exigida autorização especial
judicial pela norma penal. É exigido o consentimento da gestante. E se o
estupro foi cometido por violência presumida. O aborto será permitido , não
constituindo crime, a norma penal menciona estupro de forma indistinta e
genérica.
*11 O auto-aborto prevê pena de detenção de um a três anos(art. 124CP) incide
na mesma pena a gestante que consente a provocação abortiva. O terceiro que
opera o aborto consentido recebe pena de reclusão, de um a quatro anos(art.
126CP).
Já no não consentido, o CP prevê pena de reclusão de 3 a 10 anos(art.125CP).
Ao aborto qualificado, aumenta-se as penas do arts. 125 e 126 com aumento de
1/3( um terço) se a gestante sofre lesão grave ou morre, as penas são
duplicadas(art 127CP).
A Lei 9.318/1996 acrescentou ao art. 61 II, h CP a circunstância agravante(por
ser contra mulher grávida) é inaplicável ao delito de aborto pois que tal
circunstância integra o tipo sendo elementar( caput, art. 61 do CP).
A ação é pública e incondicionada. Desta forma, o inquérito policial e a ação
penal podem iniciar sem a provocação de qualquer pessoa.Em juízo , a ação penal
será iniciada por denúncia do MP e não está sujeita a qualquer condição de
procedibilidade.
A redução do peso da pena sobre o crime de aborto proposta pelo atual projeto
reformador do CP poderá sanar em parte a prática contumaz e perigosa de aborto,
principalmente o praticado por razões econômicas ,porém, será preciso que o
Governo invista na área da saúde a fim de prover o competente atendimento das
gestantes e, dos eventuais casos de aborto que continuaram serem
estatisticamente expressivos.
Talvez a prevenção do aborto seja mais um item a ser abordado e tratado ao
nível educacional com a devida promoção dos meios de contracepção que cada vez
mais restam mais seguros à saúde da mulher.
LEITE, Gisele. Aborto: um crime polêmico. Disponível em: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/20583. Acesso em: 3 out. 2006.