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A possibilidade de exclusão de inquéritos e processos dos registros de instituto de identificação
Clóvis Mendes*
Questão não raramente submetida ao Poder Judiciário em primeira instância
é o pedido visando expurgar dos prontuários e arquivos criminais de institutos
de identificação registros de inquéritos policiais arquivados ou processos
criminais que terminaram em absolvição ou após cumprimento da suspensão
condicional (art. 89 da Lei 9.099/95), com a prescrição da pretensão punitiva e
de termos circunstanciados encerrados com a transação penal (art. 76 da citada
lei), após o decurso de 5 anos.
Os envolvidos em tais inquéritos e processos justificam o pedido alegando
que a permanência dos registros traduz constrangimento ilegal e causa
dissabores em suas vidas, notadamente em razão da publicidade dos registros,
embaraçando até mesmo aprovação em concursos públicos e processos seletivos
para admissão em emprego na iniciativa privada.
Alguns juízes e tribunais entendem que não é possível simplesmente apagar
dos arquivos criminais dos Institutos de Identificação os feitos ora referidos.
Alegam a necessidade de preservar o histórico do envolvido em inquérito
policial, processo criminal ou termo circunstanciado, ainda que não tenha
sobrevindo condenação transitada em julgado. Afirmam que é preciso
disponibilizar à Justiça Criminal o conhecimento, em qualquer tempo, de tais
apontamentos, úteis na avaliação dos antecedentes do indivíduo, caso ele volte
a delinqüir e seja processado por outro ilícito penal.
Os defensores desse entendimento não enxergam qualquer possibilidade de
constrangimento na manutenção desses registros e tentam minimizar o problema
apresentado, invocando disposições do Código de Processo Penal, Lei de Execução
Penal e, no caso do Estado de São Paulo, das Normas de Serviço da Corregedoria
Geral de Justiça, como o decidido no Mandado de Segurança nº 438.372.3/7,
julgado pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (j.
30.3.2004, por maioria). O relator, Desembargador Hélio de Freitas, no voto
condutor, afirmou:
"Não há direito líquido e certo do impetrante em obter o
cancelamento do registro e das informações a respeito de seu processo nos
computadores, seja do IIRGD, seja do sistema informatizado do Poder Judiciário,
seja do sistema interno do DIPO.
Não há norma constitucional ou legal que determine seja efetuado esse
cancelamento pretendido pelo Impetrante.
A Constituição Federal, no inciso X, do seu artigo 5°, garante a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das
pessoas. Comentando esse inciso, prelecionam CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA
MARTINS que o direito à reserva da intimidade e da vida privada consiste ‘na
faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua
vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações
sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas
informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano’
(COMENTARIOS A CONSTITUIÇÃO DO BRASIL, 2° Volume, Editora Saraiva, 1989, pág.
63).
A simples existência do registro e de informações relacionados com o
processo do impetrante não fere o direito constitucional à reserva de sua
intimidade e de sua vida privada. O que viola esse direito é a divulgação
indevida desse registro e dessas informações. Por isso, a lei determina que, em
determinados casos, se guarde sigilo a respeito desse registro e dessas
informações. A lei não manda cancelar, apenas determina que se observe sigilo
sobre esses dados, preservando, com isso, o direito constitucional à reserva da
intimidade e da vida privada da pessoa.
Com efeito, o artigo 93, "caput", do Código Penal, assegura
ao condenado reabilitado o sigilo dos registros sobre seu processo e
condenação. O artigo 748 do Código de Processo Penal, na mesma esteira,
determina que a condenação ou condenações anteriores do reabilitado não serão
mencionadas na folha de antecedentes, nem em certidão extraída dos livros do
juízo, ressalvando a hipótese de requisição judicial.
O artigo 202 da Lei de Execução Penal, por fim, dispõe que, depois de
cumprida ou extinta a pena, ‘não constarão da folha corrida, atestados ou
certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça,
qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela
prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei’.
Esse dispositivo legal, por interpretação extensiva, também se aplica
aos processos em que resulta a absolvição do réu. Tem pertinência aqui a lição
do saudoso autor Julio Fabbrini Mirabete: ‘De toda lógica a afirmação de que
não devem também constar das folhas corridas e certidões referências às ações
penais encerradas com a absolvição do réu. A proibição da informação relativa
ao processo com absolvição é extraída do art. 202 da Lei de Execução Penal, por
interpretação extensiva, em virtude dos conhecidos princípios ubi eadern ratio,
ibi eadem legis dispositio e favorabilia sunt amplianda, odiosa restringenda’
(EXECUÇÃO PENAL, Atlas, 9 Edição, pág. 694).
Vê-se, pois, que, em nenhum caso, a lei determina o cancelamento ou a
exclusão de registros ou informações a respeito de processos na Instituição
Policial e no Poder Judiciário, pelo contrário, ela deixa entendida a
necessidade de manutenção desses dados para possibilitar o fornecimento deles
na hipótese de requisição judicial e em outros casos expressos na legislação. As
disposições legais apenas mandam observar o sigilo desses dados naqueles casos
específicos.
(...)
O registro histórico do processo e das informações relativas a ele não
pode ser cancelado, apagado ou eliminado dos assentamentos das repartições
policiais e do Poder Judiciário, pois é necessário para a preservação da
memória histórica da Administração Pública, que exige que seus arquivos sejam
completos e fidedignos, a fim de que se saiba tudo que nela tramitou.
Atualmente, com a informatização das repartições públicas, imprimindo
maior agilidade e eficiência aos serviços da Polícia e do Judiciário, os
registros e informações a respeito de processos são lançados no computador, os
quais podem ser protegidos com a utilização de códigos de modo a torná-los inacessíveis
ao público, tendo acesso a eles apenas funcionários autorizados. O cancelamento
ou exclusão desses dados no computador tornariam incompletos os lançamentos,
impossibilitando o fornecimento de informações fidedignas na hipótese de
requisição judicial e em outros casos previstos em lei, como para fins de
concurso publico.
(...)
O sigilo do registro de sentenças penais absolutórias e inquéritos
arquivados nos terminais dos computadores do IIRGD, assim como no Departamento
de Investigação e na Delegacia de Polícia, não impõe, necessariamente, a
exclusão desses registros. A manutenção do registro histórico do processo é
necessária para a preservação da memória dos atos praticados pela Administração
Pública. O sigilo pode ser assegurado sem a exclusão desses registros. (...)
Ademais, a exclusão dos dados daqueles impetrantes dos computadores do IIRGD
tomou os arquivos dessa instituição falhos, incompletos, inviabilizando o
fornecimento de informações corretas na hipótese de requisição judicial e em
outros casos previstos em lei, como, por exemplo, concursos públicos.
É importante registrar que o IIRGD é o Órgão encarregado de fornecer a
folha de antecedentes das pessoas no Estado de São Paulo. Nele se centralizam
as anotações sobre todos os processos instaurados contra as pessoas neste
Estado. É através da folha de antecedentes, requisitada ao IIRGD, que os Juízes
tomam conhecimento da existência de outros processos, em outras Comarcas, de
réus sob seu julgamento, e, eventualmente, requisitam às Comarcas certidões
relativas a esses processos, para fins de individualização da pena, decisão
sobre transação penal e suspensão condicional do processo etc. E através da
folha de antecedentes, requisitada ao referido Instituto, que as comissões de
concursos públicos avaliam a idoneidade moral de candidatos, para fms de
aprovação para cargos públicos. A exclusão de registro de processos,
regularmente feito, irá tornar falha e omissa as folhas de antecedentes
naqueles casos de requisição judicial e em outros previstos em lei,
retirando-lhe a credibilidade".
Os argumentos expendidos no voto em questão são, sem dúvida,
respeitáveis. E no mesmo sentido trilham inúmeras outras decisões do Tribunal
de Justiça bandeirante: Mandado de Segurança nº 394.406-3/4 - São Paulo - 6ª Câmara
Criminal - Relator: Pedro Gagliardi - 24.10.02 - v.u.; Mandado de Segurança nº
397.324-3/1 - São Paulo - 3ª Câmara Criminal - Relator: Walter Guilherme -
25.02.03 - v.u.; Mandado de Segurança nº 247.813-3 – São Paulo – 6ª Câmara
Criminal – Relator: Gentil Leite – 02.04.98 – v.u.; Mandado de Segurança nº
428.132-3/4 – São Paulo – 3ª Câmara Criminal Extraordinária – Relator: Marcos
Zanuzzi – 01.10.2003 – v.u..
Todavia, entendo que tais registros devem sim ser apagados dos arquivos
informatizados dos institutos de identificação, para que deixem de constar das
folhas de antecedentes, acessadas facilmente nas Delegacias de Polícia do
Estado e, atualmente, disponíveis através de consulta nos Fóruns e até mesmo
nas penitenciárias.
O motivo da afirmação reside numa questão essencialmente prática. Qual a
finalidade de saber que determinado cidadão tem em seu prontuário criminal,
inquérito arquivado, processo no qual foi absolvido, processo extinto pela
prescrição da pretensão punitiva, processo extinto após cumprimento do sursis
processual (art. 89, Lei 9.099/95) ou termo circunstanciado em que foi
beneficiado com a transação penal há mais de 5 anos?
É sabido que todos esses feitos, inclusive as condenações e outras
intercorrências processuais (v.g., recebimento da denúncia, suspensão do
processo etc) são lançados na folha de antecedentes dos indivíduos, sempre no
Instituto de Identificação do Estado em que ele está sendo processado e, em
muitos casos, naqueles onde ele foi registrado civilmente.
Os registros da folha de antecedentes não bastam para comprovar a
reincidência e os maus antecedentes. Ela serve, porém, de parâmetro para que os
cartórios judiciais forneçam certidão circunstanciada acerca do(s) processo(s)
nela constante(s).
Mas nem todos os registros constantes da folha de antecedentes têm
utilidade para a Justiça Criminal ou mesmo para outras finalidades.
Os feitos em questão não servem para demonstrar a reincidência, já que
esta só se verifica "quando o agente comete novo crime, depois de
transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha
condenado por crime anterior" (art. 63, CP).
Tais feitos podem ser considerados a título de maus antecedentes? Tenho
que não, pois somente condenações criminais transitadas em julgado, que não
sirvam para considerar a recidiva, podem justificar a exacerbação da pena (ou a
aplicação de tratamento jurídico mais gravoso ao sentenciado), pois, com o
trânsito em julgado, descaracteriza-se a presunção juris tantum de
não-culpabilidade do agente, passando este a ostentar o status
jurídico-penal de condenado, com todas as conseqüências legais daí decorrentes.
O eminente Professor Damásio E. de Jesus preleciona: "Não devem
ser considerados como maus antecedentes, prejudicando o réu, processos em curso
(...); inquéritos em andamento (...); sentenças condenatórias ainda não
confirmadas (...); simples indiciamento em inquérito policial (...); fatos
posteriores não relacionados com o crime (...); crimes posteriores (...); fatos
anteriores à maioridade penal (...); sentenças absolutórias (...); referência
feita pelo delegado de polícia de que o indivíduo tem vários inquéritos contra
si (...); simples denúncia (...); periculosidade (...); e revelia, de natureza
estritamente processual (...)" ("Código Penal Anotado", p.
199/200, 11ª ed., 2001, Saraiva).
Rogério Greco, por seu turno, assinala:
"Entendemos que, em virtude do princípio constitucional da
presunção de inocência, somente as condenações anteriores com trânsito em
julgado, que não sirvam para forjar a reincidência, é que poderão ser
consideradas em prejuízo do sentenciado, fazendo com que a sua pena-base comece
a caminhar nos limites estabelecidos pela lei penal.
(...)
Se somente as condenações anteriores com trânsito em julgado, que não
se prestem para afirmar a reincidência, servem para conclusão dos maus
antecedentes, estamos dizendo, com isso, que simples anotações na folha de
antecedentes criminais (FAC) do agente, apontando inquéritos policiais ou mesmo
processos penais em andamento, inclusive com condenações, mas ainda pendentes
de recurso, não têm o condão de permitir que a sua pena seja elevada" ("Curso
de Direito Penal – Parte Geral", vol. I/626, 5ª ed., 2005, Editora
Impetus).
Elucidativo aresto do Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo
Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, bem sintetiza a questão:
"Inquérito policial arquivado significa não haver sido coligidos
elementos mínimos para justificar oferecimento de denúncia. Acrescente-se, tal
arquivamento decorre de decisão judicial, ouvido o Ministério Público.
Inquérito policial em andamento, por si só, não indica infração penal. É mera
proposta de trabalho. Precipitado, por isso, tomá-lo como antecedente criminal
negativo. Sentença absolutória é declaração solene de inexistência de infração
penal, ou que, através da garantia constitucional e jurisdicional, não foram
colhidos elementos para imputar o delito ao réu. Assim, os três institutos não
podem conduzir à conclusão de, antes, o indiciado, ou réu haver praticado o
crime" (REsp. nº 167.369/RJ – 6ª T. – j. 23.11.98 – v.u. – DJU
17.2.99, p. 171).
Quanto aos termos circunstanciados em que o autor do fato foi beneficiado
com a transação penal e já se passaram mais de 5 anos da concessão do
benefício, razão alguma há para permanecer o feito registrado no prontuário
criminal do agente.
Com efeito, dispõe o § 4º do artigo 76 da Lei 9.099/95: "Acolhendo
a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará
a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo
registrada apenas para impedir o mesmo benefício no prazo de cinco anos"
– grifei.
Ora, se a única finalidade do registro da transação penal nos terminais
do Instituto de Identificação é orientar a Justiça quanto à possibilidade de
ser ou não o agente beneficiado com a transação penal no prazo de cinco anos, e
se este prazo já expirou, desnecessário que permaneça cadastrado naquele órgão.
Até porque, se praticar infração penal de menor potencial ofensivo, o
feito anterior não poderá ser considerado na avaliação dos requisitos previstos
no artigo supradito.
Para a Justiça Criminal não terão validade alguma. Para fins de concurso
público (art. 291, Constituição do Estado de São Paulo), penso que também não
poderão ser considerados, haja vista o já mencionado princípio constitucional
da presunção de inocência.
Não se pode olvidar que esses registros podem dificultar sobremaneira a
vida do indivíduo. Imaginemos a situação de uma pessoa que ostenta tão somente
em sua folha de antecedentes um inquérito policial arquivado. Ele foi aprovado
em concurso público e o órgão no qual ele pretende ingressar, acessando os
registros do Instituto de Identificação, descobre o inquérito. Ou de imediato o
desclassificará, apenas e tão somente por considerar aquele apontamento uma
mácula em sua vida, situação que não raro acontece, ou então mandará que
apresente certidão judicial atualizada. Para tanto, ele deverá desembolsar
valor relativo à taxa cobrada para expedição do documento. Isso tudo para
provar que não possui condenações criminais definitivas. E se ele morar em
Panorama, extremo Oeste do Estado de São Paulo, e o processo for, p. ex., de
São José dos Campos? Certamente terá que se deslocar até essa cidade para obter
a certidão.
Até mesmo policiais, serventuários da justiça e profissionais do direito
costumam exclamar, quando se deparam com uma extensa folha corrida, que seu
titular é criminoso profissional. E o fazem sem sequer saber o resultado de
cada um dos apontamentos nela contidos. Isso ocorre quando o indivíduo, tendo
ou não condenação, tem em sua folha corrida diversos inquéritos ou processos
que "deram em nada". E porque isso ocorre? É o estigma que decorre
dos registros criminais. Isso está arraigado na mente das pessoas e os desavisados
chegam a tachar de "reincidente" ou "mau elemento" uma
pessoa que foi mais de uma vez a uma Delegacia apenas para prestar
esclarecimentos sobre um fato investigado.
O promotor de justiça paulista Mário Sérgio Sobrinho, na obra "A
Identificação Criminal", afirma:
"Os efeitos da inclusão dos dados no cadastro criminal pelo
indiciamento em inquérito policial permanecem em relação ao indiciado, mesmo
que a investigação policial não redunde em ação penal, como ocorre nos casos de
arquivamento das investigações ou no reconhecimento de qualquer forma de
extinção de punibilidade, causando-lhe dificuldades de toda ordem, sendo a
principal delas a rejeição desta pessoa pelo mercado de trabalho" (RT,
2003, p. 115).
Para fins de estatística, tais apontamentos também não têm validade. É
cediço que, na atualidade, com os grandes recursos da Informática e da
comunicação em rede, os dados formadores da estatística criminal são computados
diariamente, através dos próprios boletins de ocorrência e, ao depois, de
planilhas da polícia e dos juízos criminais. Isso não será desfigurado com a
exclusão, posterior, dos registros.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é tranqüila quanto à
possibilidade de exclusão desses registros, conforme se vê dos seguintes
arestos:
"Inquérito Policial. Arquivamento. Exclusão de dados dos
terminais do instituto de identificação. Por analogia ao art. 784 do CPP – que
assegura ao reabilitado o sigilo das condenações criminais anteriores na sua
folha de antecedentes -, esta Corte Superior tem entendido que devem ser
excluídos dos terminais dos Institutos de Identificação Criminal os dados
relativos a inquéritos arquivados, de modo a preservar a intimidade do
indivíduo. Precedentes. Recurso conhecido e provido" (RHC n 14.376/SP,
5ª T., rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 02.03.04, v.u., DJU 29.03.04, p.
254). "CRIMINAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
ANTECEDENTES CRIMINAIS. INQUÉRITOS ARQUIVADOS. REABILITAÇÃO, ABSOLVIÇÃO E
RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXCLUSÃO DE DADOS DO
REGISTRO DO PODER JUDICIÁRIO.
I - Esta Corte Superior tem entendido que, por analogia ao que dispõe
o art. 748 do Código do Processo Penal, que assegura ao reabilitado o sigilo
das condenações criminais anteriores na sua folha de antecedentes, devem ser
excluídos dos terminais dos Institutos de Identificação Criminal os dados
relativos a inquéritos arquivados e a processos em que tenha ocorrido a
reabilitação do condenado, a absolvição do acusado por sentença penal
transitada em julgado, ou tenha sido reconhecida a extinção da punibilidade do
acusado pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, de modo a preservar a
intimidade do mesmo.(Precedentes).
II - Tais dados entretanto, não deverão ser excluídos dos arquivos do
Poder Judiciário, tendo em vista que, nos termos do art. 748 do CPP, pode o
Juiz Criminal requisitá-los, de forma fundamentada, a qualquer tempo,
mantendo-se entretanto o sigilo quanto às demais pessoas. (Precedente). Recurso
desprovido" (RMS 19501/SP, DJ de 01.07.2005, Rel. Min. Felix Fischer).
"CRIMINAL – ROMS – PROCESSO ARQUIVADO PELA INVIABILIDADE DA AÇÃO
PENAL - CANCELAMENTO DE REGISTRO NA FOLHA DE ANTECEDENTES – RECURSO PROVIDO.
I – É legítima a pretensão do recorrente que teve o processo a que
respondia arquivado por requerimento do próprio Parquet, em razão da
inviabilidade da ação penal, e pretende sejam apagados de sua folha de
antecedentes quaisquer referências ao referido processo, visando a evitar
prejuízos futuros.
II – Recurso provido para que sejam canceladas as anotações relativas
ao processo criminal, na folha de antecedentes da recorrente" (RMS
nº9879/SP – 5ª T. – Rel. Min.
Gilson Dipp – j. 09.4.2002 – v.u – DJ 03.06.2002, p. 214).
"INQUÉRITO POLICIAL. ARQUIVAMENTO. PEDIDO DE EXCLUSÃO DO NOME DO
IMPETRANTE NOS REGISTROS DO INSTITUTO DE IDENTIFICAÇÃO. SIGILO DAS INFORMAÇÕES
PELO DISTRIBUIDOR CRIMINAL. ACOLHIMENTO DO PEDIDO. PRECEDENTES.
É pacífico o entendimento jurisprudencial desta Eg. Corte de Justiça,
em atendimento ao disposto no art. 748 do CPP, de que os dados relativos a
inquéritos arquivados, em processos nos quais tenha ocorrido a reabilitação do
condenado ou tenha ocorrido a absolvição do acusado por sentença penal
transitada em julgado, ou em caso de reconhecimento da extinção da punibilidade
pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, devem ser excluídos do
respectivo registro nos Institutos de Identificação e preservado o sigilo no
Distribuidor Criminal" (RMS nº 19.936/SP – 5ª T. – Rel. Min. José
Arnaldo da Fonseca – j. 08.11.05 – v.u. – DJU 05.12.05, p. 341).
"Se o Código de Processo Penal, em seu art. 748, assegura ao
reabilitado o sigilo de registros das condenações criminais anteriores, é de
rigor a exclusão dos dados relativos a sentenças penais absolutórias e
inquéritos arquivados dos terminais dos institutos de identificação, de modo a
preservar as franquias democráticas consagradas em nosso ordenamento jurídico"
(STJ – 6ª T. – ROMS 9.739-SP – Rel. Min. Vicente Leal – j. 05.04.2001 – RT
793/541).
No mesmo sentido trilham decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo:
"MANDADO DE SEGURANÇA - Matéria criminal - Absolvição definitiva
por causa de exclusão de ilicitude - Direito líquido e certo que as informações
sejam omitidas pelo IIRGD para certidões para fins civis - Inteligência do
artigo 748 do Código de Processo Penal - Segurança parcialmente concedida"
(JTJ 267/597).
"Caracteriza constrangimento ilegal e fere o princípio da
dignidade da pessoa humana estatuído no art. 1º, III, da CF, o fato de se o
impetrante, embora absolvido em processo-crime, não ter seus registros
cancelados na delegacia de polícia e no instituto de identificação. Na
hipótese, assim como no caso de reabilitação, é de rigor ser assegurado o
sigilo, devendo-se aplicar o disposto no artigo 748 do CPP" (HC nº
367.316-3/0-00 – 2ª CCrim. – j. 28.01.2002 – Rel. Des. Silva Pinto – RT
803/578).
Nem se argumente que as disposições previstas nos artigos 202 da Lei de
Execução Penal [01] e 748 do Código de Processo Penal [02]
bastam para resolver o problema, garantindo o sigilo dos registros, sem que se
precise excluí-los.
É que ambos os dispositivos dizem respeito a processos que resultaram em
condenação. Eles são necessários para a Justiça Criminal e, por isso, devem ser
mantidos nos arquivos da Polícia (Institutos de Identificação), com as
ressalvas de sigilo.
Mas no caso sub studio, nem a própria lei faz previsão da
permanência deles. Desse modo, o entendimento de que podem ser excluídos é de
todo pertinente e, sem dúvida, busca preservar a dignidadade, a honra, a imagem
e a intimidade do indivíduo.
No julgamento do Recurso de Hábeas Corpus nº 429.514-3/5-00, o eminente
Desembargador Márcio Bártoli consignou: "(...) É irrefutável que
informações constantes de registros criminais, seja qual for a sua natureza,
têm o condão de, potencialmente, macular a imagem da pessoa em seu meio social,
em função da falta de conhecimento técnico dos outros cidadãos. Inúmeros
estudos científicos demonstraram claramente os efeitos negativos que
procedimentos criminais têm sobre a reputação do indivíduo, mesmo quando tenha
sido vítima. Não raro o cidadão comum busca esquivar-se de prestar depoimentos
em juízo, ou mesmo de dirigir-se a distritos policiais, com medo de ter sua
imagem associada ao cometimento de delitos" (TJSP – 1ª CCrim. – j.
22.09.2003 – v.u. – JTJ/Lex 273, p. 269).
Do voto do Desembargador Damião Cogan, no julgamento do Mandado de
Segurança nº 397.319-3/9-00, extrai-se: "Se a reabilitação visa
cancelar os registros de forma a permitir que o condenado, quando solicitada a
certidão para fins civis, possa omitir eventual condenação, permitindo-se-lhe a
reinserção social com maior facilidade, inclusive para obtenção de emprego,
velando pela sua honorabilidade e respeito no meio em que vive, razão alguma
existe para que qualquer certidão fornecida pelo IIRGD, para fins civis,
contenha informações a respeito de quem foi processado e absolvido em processo
criminal" (TJSP -5ª CCrim. – j. 06.2.2003 – JTJ/Lex 267, p. 601).
O juiz paulista Benedito Roberto Garcia Pozzer, em sentença proferida nos
autos de habeas corpus nº 050.00.018381-4, asseverou:
"Não se olvida da necessidade histórica dos registros – inclusive
no interesse público, para orientação de futuras investigações criminais ou
instrução de processos penais -, mas, pela facilidade de conhecimento dos
dados, por pessoas desconhecidas e que tenham acesso aos computadores do
Instituto de Identificação, com possível divulgação dos fatos registrados pela
polícia, prepondera o direito individual à intimidade, exigindo-se o fichamento
apenas pelo Poder Judiciário que, em seus arquivos, preservará a memória dos
antecedentes pessoais.
Se o escopo é acobertar o passado do condenado reabilitado,
permitindo-lhe restabelecer o convívio social com dignidade e sem eternização
dos efeitos da pena extinta, com maior razão há de ser protegido aquele que,
por decisão judicial, foi absolvido, seja por qualquer fundamento, ou teve
arquivado o inquérito policial, como é o caso do requerente" (in
Boletim IBCCRIM nº 95, p. 483, outubro/2000).
Assim, não há razões para que inquéritos arquivados, processos encerrados
com sentença absolutória, pelo cumprimento do sursis processual, trancados por
hábeas corpus ou extintos em razão da prescrição da pretensão punitiva e termos
circunstanciados encerrados com a transação penal há mais de 5 anos, continuem
inseridos no prontuário criminal do envolvido.
Invoco, novamente, lição de Mário Sérgio Sobrinho:
"Não se nega a necessidade da existência e manutenção de um
cadastro criminal completo, eficiente e seguro, cuja finalidade básica é servir
de banco de dados para orientação da aplicação da lei penal e processual,
podendo ser usado, ainda, como fonte de dados auxiliares para a investigação
policial.
Mas o atendimento desta necessidade certamente não deverá servir de
meio para o surgimento de ofensas à honra e imagem das pessoas, valores
assegurados no Estado Democrático de Direito" (ob. cit., p. 116).
Como vem sendo reiteradamente decidido pelo Colendo Superior Tribunal de
Justiça, cabe mandado de segurança contra a autoridade judiciária que nega a
exclusão, ante o malferimento do direito líquido e certo do indivíduo em ver
efetivado o cancelamento do registro inócuo, sem embargo do entendimento não
sedimentado de que existe, na espécie, constrangimento ilegal sanável por meio
de habeas corpus.
Notas
01 Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida,
atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da
Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir
processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.
02 A condenação ou condenações anteriores não serão
mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída
dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal.
*oficial de
promotoria do Ministério Público do Estado de São Paulo, bacharelando em
Direito pelo Centro de Ensino Superior de Dracena (SP)
MENDES, Clóvis. A possibilidade de exclusão de inquéritos e processos dos registros de instituto de identificação . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1174, 18 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8929>. Acesso em: 19 set. 2006.