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O “REFIS III” e a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária e apropriação indébita previdenciária
Leonardo Ribeiro Pessoa*
Sumário: 1. Introdução. 2. Noções
Gerais. 3. Crimes tributários. 4. Extinção da punibilidade. 5. Decisões de
vanguarda. 6. Refis III (Medida Provisória n.º 303, de 29 de junho de 2006) 7.
Conclusões. 8. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
O presente artigo foi elaborado com o desiderato de trazer algumas
considerações sobre os malfadados crimes tributários – ou crimes fiscais -, que
pululam nos noticiários e no Poder Judiciário. Em verdade, buscou-se noticiar a
possibilidade real de suspender o processo criminal e, até mesmo, extingui-lo
em decorrência do pagamento ou parcelamento do débito fiscal, antes ou depois de
aceita a denúncia.
É importante destacar que as considerações colacionadas não são inéditas, pois
já há decisões no STF e no STJ corroborando a tese da extinção da punibilidade
nos crimes de “sonegação fiscal” e apropriação indébita previdenciária com o
parcelamento ou pagamento integral do débito fiscal, mesmo após o recebimento
da denúncia.
O tema voltou ao debate com a edição da Medida Provisória n.º 303/06 que trouxe
nova possibilidade de parcelamento especial para os contribuintes que se
encontram em débito com o Fisco.
Com o presente artigo espera-se contribuir com os novos debates que começam a
surgir sobre o extinção da punibilidade nos crimes fiscais e o parcelamento dos
débitos através do Refis III.
2. Noções Gerais
Inicialmente cabe relembrar que o crime de sonegação fiscal foi definido na Lei
n.º 4.729, de 14.07.65. A partir da promulgação da Lei n.º 8.137, de 27.12.90,
todos aqueles comportamentos considerados crimes de sonegação fiscal passaram a
receber a denominação de crimes contra a ordem tributária. Destarte, os crimes
contra a ordem tributária (outrora denominados crimes de sonegação fiscais) são
tipificados na Lei n.º 8.137/90.
O crime de apropriação indébita previdenciária foi definido inicialmente na Lei
n.º 4.357, de 16.07.64. A Lei n.º 8.212, de 24.07.91, que dispõe sobre o plano
de custeio da seguridade social, definia o crime de apropriação indébita
previdenciária. A partir da promulgação da Lei n.º 9.983, de 14.07.2000,
contudo, o crime foi tipificado no artigo 168-A do Código Penal Brasileiro,
mantendo a mesma denominação.
Atualmente, portanto, temos que o crime de sonegação fiscal, hoje denominado
crime contra a ordem tributária está definido na Lei n.º 8.137/90 e o crime de
apropriação indébita previdenciária está previsto no artigo 168-A do Código
Penal.
3. Crimes tributários
Nos artigos 1º e 2º da Lei n.º 8.137, de 27.12.90, encontramos o rol de
condutas que podem constituir crime contra a ordem tributária (sonegação
fiscal). Senão vejamos:
“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir
tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes
condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou
omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei
fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou
qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou
deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento
equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço,
efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de
10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor
complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência,
caracteriza a infração prevista no inciso V.
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou
empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de
tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição
social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e
que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário,
qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de
contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo
fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de
desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao
sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa
daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”
Já o crime de apropriação indébita previdenciária, atualmente, é definido no
artigo 168-A do Código Penal, in verbis:
“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições
recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à
previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados,
a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado
despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de
serviços;
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores
já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.”
4. Extinção da punibilidade
A extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária (sonegação
fiscal) era disciplinada pelo artigo 14 da Lei n.º 8.137/90 que determinava que
o pagamento do débito tributário feito antes do recebimento da denúncia
criminal era causa excludente da punibilidade, mas foi revogado pelo art. 98 da
Lei n.º 8.383/91. O art. 34 da Lei n.º 9.249/95, contudo, voltou a admitir a
mencionada extinção da punibilidade.
Quanto à extinção da punibilidade do crime de apropriação indébita
previdenciária, temos que o § 2o , do artigo 168-A do Código Penal determina
que “é extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara,
confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta
as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou
regulamento, antes do início da ação fiscal.”
Neste diapasão, é importante observar que o autor de um crime contra a ordem
tributária (sonegação fiscal) poderia ter extinta a sua punibilidade, desde que
pagasse o débito tributário até o recebimento da denúncia. Quanto ao crime de
apropriação indébita, o autor do crime só teria a extinção de sua punibilidade
se efetuasse o pagamento do débito fiscal até o início da ação fiscal.
Ocorre que a partir da promulgação da Lei n.º 10.684, de 30 de maio de 2003 a
extinção da punibilidade nos crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita
previdenciária ganhou novo regramento. O dispositivo que trouxe a inovação foi
o artigo 9º, in verbis:
“Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes
previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos
arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código
Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos
aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da
pretensão punitiva.
§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a
pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos
débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”
Frise-se que o dispositivo legal supracitado não faz qualquer menção ao
recebimento da denúncia, silenciando, outrossim, quanto ao momento processual
em que o pagamento integral do débito pode ser feito, com a conseqüência
extinção da punibilidade.
Neste sentido, aquele contribuinte que cometeu qualquer um dos crimes acima
mencionados poderá ver sua punibilidade extinta, desde que ultime o pagamento
do tributo devido, mesmo que seja após o recebimento da denúncia.
5. Decisões de vanguarda
Recentemente, os Ilustres Ministros do STF e STJ prolataram decisões que seguem
os apontamentos aqui sopesados, demonstrando que há uma luz no fim do túnel
para aqueles que estão respondendo por crimes fiscais. Senão vejamos:
“EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento
da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para
tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc.
art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo,
ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime
tributário.” (HC 81929 / RJ - RIO DE JANEIRO. Rel. Acórdão Min. CEZAR
PELUSO. Julgamento: 16/12/2003. Publicação: 27.02.2004. Votação: unânime. Órgão
Julgador: Primeira Turma do STF)
“EMENTA: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. APROPRIAÇÃO
INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DOS EMPREGADOS.
PARCELAMENTO E QUITAÇÃO APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE, POR FORÇA DA RETROAÇÃO DE LEI BENÉFICA. As regras referentes ao
parcelamento são dirigidas à autoridade tributária. Se esta defere a faculdade
de parcelar e quitar as contribuições descontadas dos empregados, e não
repassadas ao INSS, e o paciente cumpre a respectiva obrigação, deve ser
beneficiado pelo que dispõe o artigo 9º, § 2º, da citada Lei n. 10.684/03. Este
preceito, que não faz distinção entre as contribuições previdenciárias
descontadas dos empregados e as patronais, limita-se a autorizar a extinção da
punibilidade referente aos crimes ali relacionados. Nada importa se o parcelamento
foi deferido antes ou depois da vigência das leis que o proíbe: se de qualquer
forma ocorreu, deve incidir o mencionado artigo 9º. O paciente obteve o
parcelamento e cumpriu a obrigação. Podia fazê-lo, à época, antes do
recebimento da denúncia, mas assim não procedeu. A lei nova permite que o faça
depois, sendo portanto, lex mitior, cuja retroação deve operar-se por força do
artigo 5º, XL da Constituição do Brasil. Ordem deferida. Extensão a paciente
que se encontra em situação idêntica.” (HC 85452/SP - SÃO PAULO.
Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 17/05/2005. Publicação: 03.06.2005. A
Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Unânime. Órgão Julgador: Primeira Turma do STF)
“EMENTA: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.
LEI Nº 10.684/03. PAGAMENTO DOS DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS APÓS O RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
1. O pagamento integral dos débitos oriundos da falta de recolhimento de
contribuição à Previdência Social descontada dos salários dos empregados, ainda
que posteriormente à denúncia e incabível o parcelamento, extingue a
punibilidade do crime tipificado no artigo 168-A do Código Penal (Lei nº
10.684/03, artigo 9º, parágrafo 2º).
2. Precedentes do STF e do STJ.
3. Ordem concedida.” (HC 36628/DF. Ministro HAMILTON CARVALHIDO.
Julgamento: 15/02/2005. DJ 13.06.2005. Votação Unânime. Sexta Turma do STJ)
Vale lembrar que, embora existam as supracitadas decisões favoráveis, há uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade sob o n.º 3002-7, em trâmite, protocolada
no STF no dia 24/09/2003, pela Procuradoria Geral da República, cujo objeto é
justamente questionar a constitucionalidade do artigo 9º, da Lei n.º
10.684/2003. Até a presente data, contudo, não há decisão nos autos da ADIN em
comento.
6. Refis III (Medida Provisória n.º 303, de 29 de junho de 2006)
O Refis III é um parcelamento especial criado pela Medida Provisória n.º 303,
de 29 de junho de 2006. Em síntese, dispõe sobre novo parcelamento de débitos
junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
e ao Instituto Nacional do Seguro Social nas condições que especifica.
Neste sentido, caso o contribuinte inadimplente opte pelo novo parcelamento,
até o dia 15 de Setembro de 2006, terá a possibilidade de requerer perante o
Juízo Criminal a suspensão da lide – que perdurará até a final quitação das
parcelas -, com a conseqüente extinção da punibilidade, após a comprovação do
integral pagamento dos débitos.
É importante ressaltar que, seja qual for a modalidade de parcelamento eleita
pelo contribuinte no Refis III, os artigos 2º, I; 3º § 4º, I, a e b; 8º, I e II
e 9º, § 3º, II, a e b vedam expressamente o parcelamento dos débitos relativos
a impostos e contribuições retidos na fonte ou descontados de terceiros e não
recolhidos à Fazenda Nacional ou ao INSS. Neste sentido, portanto, para
extinguir a punibilidade dos crimes fiscais e tributários, o contribuinte só
terá a possibilidade de quitar à vista os débitos em referência.
7. Conclusões
O artigo 9º da Lei n.º 10.684/2003 possibilita que o contribuinte acusado do
cometimento de um crime fiscal, possa requerer a extinção de sua punibilidade,
desde que efetue o pagamento do tributo devido.
Neste sentido, seja o parcelamento habitual ou um especial (Refis I, Paes (ou
Refis II) e Refis III (ou parcelamento especial)), o contribuinte poderá ver-se
livre da repercussão penal de sua inadimplência.
Ressalte-se que o Refis III veda expressamente o parcelamento dos débitos
relativos a impostos e contribuições retidos na fonte ou descontados de
terceiros e não recolhidos à Fazenda Nacional ou ao INSS. Neste sentido,
portanto, para extinguir a punibilidade dos crimes fiscais e tributários, o
contribuinte só terá a possibilidade de quitar à vista os débitos em
referência.
Cabe frisar que, nos termos da fundamentação supracitada, o simples
parcelamento da dívida fiscal no Refis III acarretará também a suspensão do
processo criminal até o final pagamento. Comprovando o contribuinte que quitou sua
dívida, outrora parcelada, com o fisco, poderá requerer ainda a extinção da
punibilidade e conseqüentemente do feito, em decorrência da quitação da dívida.
8. Referências Bibliográficas
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Advogado e Consultor Jurídico no RJ. Professor de Direito Empresarial e
Tributário. Mestre em Tributação e Direito Empresarial. Pós-Graduado em Direito
Civil e Processo Civil. Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior. MBA em
Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade. Pós-Graduado em Direito
Tributário e Legislação de Impostos.
E-mail:
lpessoa@leonardopessoa.adv.br
Site: www.leonardopessoa.adv.br/
PESSOA, Leonardo Ribeiro. O “REFIS III” e a
extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária e apropriação
indébita previdenciária. Jus Vigilantibus, Vitória, 10 set. 2006. Disponível
em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22440 >. Acesso em: 14 set.
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