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Aborto:
a quem interessa?
Maria José Miranda Pereira *
"Certos fatos sobre o
aborto precisam ser entendidos: nenhum país já reduziu o crescimento de sua
população sem recorrer ao aborto" (Relatório Kissinger, p. 182).
Uma pesquisa da Sensus realizada em abril de
A Folha de S. Paulo recentemente mostrou sua admiração
pela "queda abissal" (sic) da aprovação pública ao aborto:
"Um dos aspectos que mais atraíram a atenção das
pessoas ouvidas pela Folha a respeito dos resultados das chamadas ´questões
morais´ da pesquisa Datafolha foi a queda abissal no índice de moradores de São
Paulo que apóiam a legalização do aborto. Saiu de 43% em 1994, quando a maioria
da população se declarava a favor da descriminalização, para 21% em 1997, já em
segundo nas opções, para apenas 11% na pesquisa atual..." [2].
Paradoxalmente, estamos vendo parte do governo e de ONGs
feministas numa busca frenética da liberação total do aborto. Por iniciativa do
governo federal, foi instalada uma Comissão Tripartite para rever a legislação
punitiva de tal crime. A Comissão foi composta por três partes: a primeira,
abortistas do Poder Executivo; a segunda, abortistas do Poder Legislativo; a
terceira, abortistas das ONGs financiadas com muitos dólares
"representando" (?) a sociedade civil. Lamentavelmente, a Associação
Nacional Mulheres pela Vida não foi convidada. O anteprojeto (ou "proposta
normativa") resultante do trabalho de tal Comissão dificilmente poderia
ter saído pior.
No dia 27 de setembro de
Segundo o texto da justificação, "a grande
inovação da proposta [...] diz respeito à consagração da interrupção
voluntária da gravidez como um direito inalienável de toda mulher [grifo
nosso], prevista no primeiro artigo da proposição".
Diz o mesmo texto que o anteprojeto "propõe ampla
descriminalização do procedimento [grifamos], com exceção daquele provocado
contra a vontade da mulher. Dessa forma, revoga os artigos
Em outras palavras: o anteprojeto revoga todas as
hipóteses de crime de aborto previstas no Código Penal, com apenas duas
exceções: quando o aborto é praticado contra a vontade da gestante e quando do
aborto resulta lesão corporal ou morte da gestante. De acordo com a proposta, a
criança por nascer deixa de ter qualquer proteção penal. Só a gestante é
considerada sujeito de direitos.
O artigo 3° estabelece condições para que o aborto seja
feito: até doze semanas de gestação (três meses) por simples deliberação da
gestante; até vinte semanas de gestação (cinco meses) se a gravidez resultou de
crime contra a liberdade sexual (entre os quais, o estupro); até nove meses, se
houver "grave risco à saúde da gestante"; também até nove meses em
caso de má-formação fetal. As previsões, portanto, são amplíssimas.
E se alguém descumprir essas condições? Por exemplo: se
uma gestante de oito meses decidir esquartejar seu bebê simplesmente porque não
quer dar à luz, o que acontecerá? Nada. Absolutamente nada. Desde que o aborto
seja feito com seu consentimento, nem ela nem o médico responderão
criminalmente.
Ou seja: as pouquíssimas restrições impostas pelo artigo
3° na verdade são nulas. Sabedores de que a população repudia com mais
veemência o aborto quando feito contra um bebê no final da gestação, querem
enganar a sociedade, deixando-a acreditar que o aborto por livre vontade da mãe
só poderia ser feito até três meses, quando, em verdade, sua inobservância não
trará qualquer sanção penal. Em outras palavras: o anteprojeto libera
totalmente o aborto no País.
A quem isso interessa?
É de causar perplexidade o que está no artigo 4°: os
planos privados de saúde serão obrigados a cobrir as despesas com aborto.
Poderão eles excluir procedimentos obstétricos, mas não poderão excluir "os
necessários à interrupção voluntária da gravidez realizada nos termos da lei"
(sic). Pasmem! Para o governo, o aborto provocado é mais importante que o nascimento!
A morte tem prioridade sobre a vida! A quem isso interessa?
Mortes maternas
Uma das fraudes mais utilizadas para defender a
legalização do aborto é dizer que muitas gestantes morrem por causa de
"abortos mal feitos". A solução seria legalizar tal prática, que
garantiria às grávidas o acesso ao "aborto seguro". Raciocínio
análogo levaria à conclusão de que seria necessário legalizar o roubo, a fim de
evitar que ladrões inexperientes, atuando à margem da lei, acabassem morrendo
em "roubos mal feitos". Por uma questão de isonomia, todos teriam
direito a um "roubo seguro".
Deixando de lado, porém, o mérito de tal argumento
pró-aborto, examinemos quantas mulheres morrem a cada ano em decorrência de
abortos. Centenas de milhares? Dezenas de milhares? Alguns milhares? Nada
disso. Veja-se a tabela abaixo, extraída do Departamento de Informação e
Informática do SUS - DATASUS [4]:
Número de mulheres mortas em
gravidez que terminou em aborto |
|
|
|
|
|
|
|
Ano |
1996 |
1997 |
1998 |
1999 |
2000 |
2001 |
2002 |
|
146 |
163 |
119 |
147 |
128 |
148 |
115 |
Como se percebe, o número anual de mortes maternas em
decorrência do aborto não chega a duzentos! E este número pode ser reduzido a
zero se o governo, ao invés de incentivar, combater a prática do aborto.
Uma outra fraude correlata é a afirmação de que, nos
países em que o aborto é legal, a morte materna é bem menor do que nos outros,
onde ele é proibido.
Ora, "mais de 59% das mortes maternas do mundo
ocorrem nos países que têm as leis menos restritivas. Na Índia, por exemplo,
onde existe uma legislação que permite o aborto em quase todos os casos desde
1972, é onde mais mortes maternas ocorrem. A cada ano, registram-se cerca de
136.000 casos, equivalentes a 25% do total mundial, que para o ano 2000 se
calculou em 529.000" [5].
"Nos países desenvolvidos também se pode ver que não
há uma correlação entre a legalidade do aborto e os índices de mortalidade
materna. A Rússia, com uma das legislações mais amplas, tem uma taxa de
mortalidade materna alta (67 por 100.000 nascidos vivos), seis vezes superior à
média. Em contraste, a Irlanda, onde o aborto é ilegal praticamente em todos os
casos, possui uma das taxas de mortalidade materna mais baixas do mundo (5 por
100.000 nascidos vivos), três vezes inferior à do Reino Unido (13 por 100.000 NV)
e à dos Estados Unidos (17 por 100.000 NV), países onde o aborto é amplamente
permitido e os padrões de saúde são altos" [6].
A quem, portanto, interessa legalizar o aborto?
Para esclarecer o que está por trás de tudo isso, convém
que leiamos um documento, hoje não mais confidencial, de 10 de dezembro de
1974, de autoria do então secretário de Estado Henry Kissinger, intitulado National
Security Study Memorandum 200 (abreviadamente NSSM 200): Implications of
Worldwide Population Growth for US Security and Overseas Interests . Em bom
português: Memorando de Estudo de Segurança Nacional 200: Implicações do
Crescimento Populacional Mundial para a Segurança e os Interesses Ultramarinos
dos Estados Unidos. O documento, conhecido como Relatório Kissinger, foi entregue
pelo Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos ao presidente americano
Gerald Ford. Somente em
Henry Kissinger percebeu o que há quatro milênios o Faraó
do Egito já percebera: a população é fator de poder. Seu simples crescimento
numérico já é assustador:
"Eis que o povo dos filhos de Israel tornou-se mais
numeroso e mais poderoso do que nós. Vinde, tomemos sábias medidas para
impedir que ele cresça´. [...]. Então o Faraó ordenou a todo o seu povo: ´Jogai
no Rio [o Nilo] todo menino que nascer. Mas deixai viver as meninas´"
[7].
Para tentar impedir o crescimento demográfico dos países
pobres, mantendo-os sob o domínio econômico e político dos países
desenvolvidos, já se realizaram várias Conferências Mundiais: em Bucareste,
Romênia (1974), na cidade do México (1984) e no Cairo (Egito, a terra do
Faraó!) em 1994.
O Relatório Kissinger concentra seu plano de controle
demográfico em treze países-chave, entre os quais, o Brasil:
"A assistência para o controle populacional deve
ser empregada principalmente nos países em desenvolvimento de maior e mais
rápido crescimento onde os EUA têm interesses políticos e estratégicos especiais.
Estes países são: Índia, Bangladesh, Paquistão, Nigéria, México, Indonésia, Brasil,
Filipinas, Tailândia, Egito, Turquia, Etiópia e Colômbia" [8].
O disfarce do controle demográfico foi cuidadosamente
planejado:
"Os EUA podem ajudar a diminuir as acusações de
motivação imperialista por trás do seu apoio aos programas populacionais
declarando reiteradamente que tal apoio vem da preocupação que os EUA têm com:
a) o direito de cada casal escolher com liberdade e
responsabilidade o número e o espaçamento de seus filhos e o direito de eles
terem informações, educações e meios para realizar isso; e
b) o desenvolvimento social e econômico fundamental dos
países pobres nos quais o rápido crescimento populacional é uma das causas e
consequência da pobreza generalizada" [9].
É forçoso reconhecer que a afirmação repetida de tais
inverdades acabou penetrando nas mentes brasileiras, que não enxergam a torpe
motivação imperialista das políticas antinatalistas. A instrumentalização
das mulheres também está prevista no Relatório Kissinger, motivo pelo qual
os grupos feministas são sobejamente financiados por instituições de controle
demográfico:
"A condição e a utilização das mulheres nas
sociedades dos países subdesenvolvidos são de extrema importância na redução do
tamanho da família. Para as mulheres, o emprego fora do lar oferece uma
alternativa para o casamento e maternidade precoces, e incentiva a mulher a ter
menos filhos após o casamento... As pesquisas mostram que a redução da
fertilidade está relacionada com o trabalho da mulher fora do lar..."
[10].
Na Conferência de Pequim (ou Beijing) sobre a Mulher, de
1995, investiu-se enormemente, em nível internacional, para compelir os países
a legalizarem o aborto, reconhecendo-o como um "direito da mulher".
De fato, o Relatório Kissinger considera o aborto como crucial para o controle
demográfico. Eis suas palavras textuais:
"Certos fatos sobre o aborto precisam ser
entendidos: nenhum país já reduziu o crescimento de sua população sem
recorrer ao aborto" [11].
Em Brasília, atua um eficiente "lobby"
pró-aborto chamado CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria). Essa ONG
monitora cuidadosamente as proposições legislativas do Congresso Nacional e
está sempre alerta para as estratégias mais favoráveis para a aprovação de
projetos pró-aborto. Vejamos o que o CFEMEA diz de si mesmo:
"Desde 1992, o Centro Feminista desenvolve o
Programa Direitos da Mulher na Lei e na Vida, [...]. O Programa assumiu a
feição de Implementação das Plataformas de Beijing´95 e Cairo´94 no Brasil em
1995. Para realizar este trabalho, o CFEMEA conta com o apoio de organizações
da cooperação internacional" [12] (grifo nosso).
As organizações da cooperação internacional que financiam
o CFEMEA - e também vários outros grupos pró-aborto - são, entre outras, a
Fundação Ford, a Fundação Mac Arthur, o Fundo das Nações Unidas para a
População (FNUAP) e o Fundo das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM). Isso
explica porque as feministas, embora em número reduzidíssimo, conseguem tanto
espaço nos meios de comunicação social, dando a entender que representam o
pensamento "da mulher".
O imenso empenho do governo em favorecer o aborto pode ser
explicado, em parte, pela submissão aos organismos multilaterais de crédito,
como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. De fato, tais
instituições financeiras "condicionam toda ajuda econômica externa ao
cumprimento de metas demográficas pautadas em cada empréstimo" [13].
Está em julgamento perante o Supremo Tribunal Federal a
famosa Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 (ADPF 54), que
pretende que a Suprema Corte declare, com eficácia contra todos e efeito
vinculante, que o aborto de bebês anencéfalos não constitui aborto, mas mera
"antecipação terapêutica de parto" (ATP, na linguagem dos abortistas).
Convém lembrar que, em tal ação, o Instituto ANIS, uma ONG pró-aborto muito
atuante, já na petição inicial, oferece-se para ser admitido no feito como
"amicus curiae". Por coincidência, o ANIS [14], dirigido pela
antropóloga Débora Diniz, é financiado pelas Fundações Ford e Mac Arthur, que
também financiam o CFEMEA.
O plano de se obter a liberação do aborto eugênico
(apelidado, eufemisticamente, de ATP) por via judicial não é novo.
Periodicamente o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) publica um
relatório ("inventory") acerca dos projetos de população
("population projects") em todo o mundo, Na edição de 1996, na seção
relativa ao Brasil, tal documento relatava uma doação da Fundação Mac Arthur de
US$ 72.000 para "promover a discussão e demonstrar, com base em
julgamentos anteriores, que se pode obter decisão da Justiça para interromper a
gravidez no caso de sérias anomalias do feto. Duração: três anos. 1996-1999"
[15].
É impossível, nesse curto espaço, enunciar todas as estratégias
e desmascarar todas as fraudes empregadas para obter o domínio político de
nosso país, impedindo que o Brasil gere brasileiros. Aos interessados em
aprofundar o tema, recomendo o excelente livro do jurista argentino Jorge
Scala, intitulado "IPPF: a multinacional da morte", recentemente
traduzido para o português. A IPPF (Federação Internacional de Planejamento
familiar) é a maior rede privada de controle de natalidade, com sede em Londres
e filiais espalhadas em cerca de 180 países, entre os quais o Brasil, cuja
filial chama-se BEMFAM. A IPPF dispõe no Brasil de um braço legislativo chamado
Grupo Parlamentar de Estudos em População de Desenvolvimento (GPEPD), um
poderoso - e bem financiado - lobby composto de parlamentares encarregados de
transformar em lei os planos antinatalistas.
De lege ferenda
Na qualidade de mulher e de promotora de justiça, constato
que, de todos os crimes contra a vida, o aborto é o mais paradoxal, o mais
covarde de todos os assassinatos. Os meios empregados são insidiosos ou cruéis,
Incluindo envenenamento, tortura ou asfixia (art. 121, §2°, III,
CP). O ofendido sempre é absolutamente indefeso (art, 121, §2°, IV, CP).
É praticado contra um descendente (art. 61, II, e, CP), contra uma criança
(art. 61, II, h, CP) e, muitas vezes, por um médico que tem por ofício o dever
de defender a vida (art. 61, II, g, CP). No entanto, a pena é ridiculamente
pequena. Tão pequena que o autor pode beneficiar-se da suspensão condicional do
processo (art. 89 da Lei 9099/1995). Embora o aborto seja a violação do mais
precioso bem jurídico - a vida - praticado contra o mais inocente e
indefeso dos entes humanos - a criança por nascer - ele não foi até hoje
colocado na lista dos crimes considerados hediondos (Lei 8072/1990).
Se as feministas, instruídas por seus financiadores, têm
sua "proposta normativa" para a revisão da lei penal do aborto, eu
também tenho a minha. É uma sugestão simples que, se acolhida, colocará o
Brasil na vanguarda da defesa dos direitos humanos:
Os artigos que incriminam o aborto (
Art. 121- Matar alguém, fora ou dentro do organismo
materno.
Assim haveria total equiparação entre nascidos e
nascituros quanto à violação do direito à vida, acabando-se, de uma vez por
todas, com qualquer forma de preconceito de lugar (dentro ou fora do organismo
materno). Essa nova redação incriminaria também quem concorresse, por ação ou
omissão, para a morte do bebê. A modalidade culposa do aborto seria também
punível, admitindo-se, porém, o perdão judicial (art. 121, §5°, CP). Obviamente
qualquer aborto doloso seria, então, homicídio qualificado, o que
desestimularia os matadores de criancinhas a abrir o lucrativo negócio de uma
clínica de abortos. O que vem ocorrendo, entretanto, é uma extrema eficiência
das estratégias dos aguerridos lutadores pelo "direito" ao aborto,
que tão bem dissimulam o verdadeiro propósito, propagandeando a "nobre
intenção de ajudar a mulher".
Notas
Disponível em <http://www.sensus.com.br/doc/PN19042005.doc>
DÁVILA, Sérgio. MANIR, Mônica. Posições extremadas sobre aborto e maconha
surpreendem estudiosos. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 jan. 2004, Folha
Especial.
A íntegra do anteprojeto está disponível em
<http://200.130.7.5/spmu/docs/proposta%20normativa.pdf>
Acessível a qualquer internauta em <http://www.datasus.gov.br>
Observatorio Regional para
Idem.
Êxodo 1,8-10.22.
NSSM 200, Implications of Worldwide Population Growth for US Security and
Overseas Interests, páginas 14 e 15, parágrafo 30. Tradução nossa.
NSSM 200, p. 115. Tradução nossa.
NSSM 200, p. 151. Tradução nossa.
NSSM 200, p. 182. Tradução nossa.
Ver <http://www.cfemea.org.br/quemsomos/apresentacao.asp>
SCALA, Jorge. IPPF: a multinacional da morte. Anápolis: Múltipla Gráfica,
2004. p.16.
Ver <http://www.anis.org.br/parceiro/parceiro.cfm>
Fonte oficial: FNUAP - Inventory of Population Projects in Developing
Countries Around the World – 1996. Tradução nossa.
* Promotora de Justiça do
Tribunal do Júri de Brasília (DF), membro da Associação Nacional Mulheres pela
Vida.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8562>. Acesso em: 26 jun. 2006.