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A Importância do
Saber Criminológico pelos Membros do
Ministério Público
Lélio Braga Calhau *
As
sociedades têm os criminosos que merecem.
Lacassagne
(1843-1924)
1. Notas introdutórias – 2. O que é a Criminologia? - 3.
Criminologia: ciência ou disciplina?-
1. Notas introdutórias.
O sistema criminal brasileiro enfrenta na atualidade uma grave crise. Esta
afirmação é encontrada em quase todos os trabalhos
científicos que analisam a capacidade atual de funcionamento do mesmo.
Não existem vagas para todos os presos nas penitenciárias, sendo
que muitos ficam instalados em condições subumanas nas delegacias
de polícia. Ainda existem dezenas de milhares de mandados de
prisão expedidos e não cumpridos. Se os mesmos forem cumpridos
integralmente também não existiram vagas para todos. O que fazer
nesse caos? Qual o papel do membro do Ministério Público nesta
triste realidade?
Tanto no início, meio ou fim do sistema criminal e aqui falamos do plano
legislativo, executivo e judicial, o que encontramos é
dificuldade, precariedade e uma inoperância por parte da maioria dos
agentes públicos envolvidos. O desrespeito aos direitos humanos e o descontrole
disciplinar (inexistência do princípio da autoridade em qualquer
rebelião de presos) dão o tom da bagunça que é a
Administração Penitenciária no Brasil.
A impressão do operador do direito é que quase nada funciona, ou
que mesmo, o sistema é feito para não funcionar bem. Vivemos um
momento de inflação legislativa penal. Essa
inflação legislativa penal não é decorrente de
estudos científicos ou critérios racionais. O Poder Legislativo
nacional inunda o mundo jurídico com novas normas penais incriminadoras,
muitas sem grande possibilidade de aplicação, ou mesmo, com
defeitos terríveis em sua aplicação.
Jean Paul Marat, l'ami du peuple, combatido pelo
ostracismo forçado e hostilizado pela doutrina jurídico-penal, ao
propor seu Plano de Legislação Criminal (1790), elabora profunda
crítica ao que denominamos atualmente inflação penal.
Percebia o autor que a tendência de superposição de textos
legais acabava por gerar deformidades na estrutura rígida do direito
penal e processual penal, fundamentalmente pela ruptura com a legalidade e a
conseqüente assunção de inúmeras fontes
interpretativas na construção dos tipos de injusto e das
sanções.
O atual Estado brasileiro, que se diz Estado Democrático de direito,
deveria ser um Estado garantidor (na terminologia de Ferrajoli)
de todos os princípios fundamentais projetados no pacto social maior,
travado entre o povo e o Estado, que é a própria
Constituição. Na prática, esse Estado não consegue
realizar a sua verdadeira função social (aliás, o Estado
brasileiro nem chegou a se constituir como Estado Social) e continua operando
em cima dos conflitos interindividuais
(caracterizadores do Estado liberal), que mantém a propriedade privada
como o símbolo da conquista democrática.
O membro do Ministério Público com atuação na
área criminal é um agente de importância nuclear no sistema
criminal brasileiro. É a atuação do Ministério
Público que impulsiona a maior parte dos processos criminais no Brasil e
a ação cada vez mais eficaz do Ministério Público
em pontos sensíveis, como o combate das atividades ilícitas das
organizações criminosas, não podem ser olvidadas pela Criminologia.
Todavia, nesse contexto, podemos imaginar que o membro do Ministério
Público na atualidade está devidamente capacitado para enfrentar
a realidade do sistema criminal em que se inseri? E aqui, não
contestamos a capacidade profissional do Ministério Público no
Brasil, pois essa, a sociedade civil de nosso país já conhece e
reconhece. Está o Promotor de Justiça criminal hoje capacitado de
forma plena para exercício de seu ministério?
2. O que é a Criminologia?
Etimologicamente, Criminologia deriva do latim crimen
(crimen, delito) e do grego logo (tratado), sendo o
antropólogo francês Topinard (1830-1911)
o primeiro a utilizar este termo, que só adquire reconhecimento oficial
e chega a ser aceito internacionalmente graças à obra de Garofalo, o qual junto com seus compatriotas italianos: Lombroso (que fala de Antropologia Criminal) e Ferri (que
evoluciona em direção a Sociologia Criminal), podem
se considerados como os três grandes fundadores da Criminologia
científica.
Mesmo sendo Lombroso o nome mais lembrado quando se
fala em Criminologia no meio acadêmico, a verdade é que a
Criminologia evoluiu muito no século passado, superando o paradigma
etiológico e abarcando um número bem diversificado de campos de
atuação, podendo-se resumir hoje, que a mesma possui três
orientações principais: as biológicas, as
psicológicas e as sociológicas.
Para Antonio García-Pablos de Molina a
Criminologia é a ciência empírica e interdisciplinar que
tem por objeto o crime, o delinqüente, a vítima e o controle social
do comportamento delitivo; e que aporta uma informação
válida, contrastada e confiável, sobre a
gênese, dinâmica e variáveis do crime - contemplado
este como fenômeno individual e como problema social, comunitário
-; assim como sobre sua prevenção eficaz, as formas e
estratégias de reação ao mesmo e as técnicas de
intervenção positiva no infrator.
O domínio do saber criminológico
possibilita ao membro do Ministério Público um conhecimento
efetivo da realidade que o cerca, concedendo acesso a dados e estudos que
demonstram o funcionamento correto ou não da aplicação da
lei penal. Com a utilização correta da Criminologia, ao nosso ver, o Promotor de Justiça criminal passa a
gozar de uma amadurecida relação entre a teoria e a
prática. Esse saber criminológico
(científico) contrapõe-se ao saber popular, ainda muito arraigado
na mente de agentes que atuam no controle do crime, em especial, os agentes policiais.
O saber comum ou popular está ligado estreitamente a experiências
práticas, generalizadas a partir de algum caso; neste sentido, poderia
ser-lhe atribuída uma metodologia empírico-indutiva, que, como
logo veremos, predomina nas ciências sociais. Não obstante, o
saber comum se produz através da convivência social, na qual se
instalam tabus, superstições, mitos e pré-conceitos; isto
é, verdades estabelecidas que condicionam
fortemente a vida social, pela pura convicção cultural do grupo.
É nesse sentido que Winfried Hassemer e Francisco Muñoz
Conde ensinam que para evitar a cegueira frente à realidade que muitas
vezes tem a regulação jurídica, o saber normativo,
é dizer, o jurídico, deva ir sempre
acompanhado, apoiado e ilustrado pelo saber empírico, é dizer,
pelo conhecimento da realidade que brindam a Sociologia, a Economia, a
Psicologia, a Antropologia, ou qualquer outra ciência, de caráter
não-jurídico, que se ocupe de estudar a realidade do
comportamento humano na sociedade. Nesse contexto, não devemos nos
esquecer do papel cada vez mais destinado à vítima criminal,
assunto muito estudado pela Vitimologia e pela
Criminologia, mas que, ainda, é abordado de forma muito tímida e
precária na seara jurídico-penal.
3.Criminologia: ciência ou disciplina?
Interessante divergência provém da discussão
acadêmica se a Criminologia é uma ciência ou uma disciplina.
Para alguns autores a Criminologia possui sua independência
metodológica, não possuindo relação de
subordinação com nenhum grupo de matérias ou uma outra
ciência.
Para Vicente Garrido, Per Stangeland e Santiago
Redondo a definição de que é uma ciência deve ser
fundamentada a partir de três elementos distintos, a saber, (1) um
conjunto de métodos e instrumentos, (2) para conseguir conhecimentos
confiáveis e passíveis de verificação e (3) sobre
um tema considerado importante para a sociedade. A Criminologia atende esses
três requisitos, pois se utiliza métodos e instrumentos de outras
disciplinas, dispõe atualmente de um vasto conhecimento sobre o delito,
delinqüente, vítima e o controle social e, por último, seu
objeto é assunto da maior importância para qualquer sociedade.
Sobre essa independência é o nosso entendimento e o de Antonio García-Pablos de Molina.
Já para Carlos Alberto Elbert a Criminologia
é apenas uma disciplina científica.
4. A Criminologia como ciência interdisciplinar.
A Criminologia é uma ciência plural. Buscando o conhecimento
científico a Criminologia recebe a influência e a
contribuição de diversas outras ciências (psicologia,
sociologia, biologia, medicina legal, criminalística, direito,
política etc) com seus métodos respectivos.
Aceita-se também, com muita generalidade, que o método mais comum
a ser aplicado em Criminologia é o interdisciplinar. Em
princípio, esta denominação não parece oferecer
problemas interpretativos: tratar-se-ia de que várias disciplinas
confluiriam a investigar um ponto, aportando cada uma seus próprios
métodos. A noção de interdisciplinaridade está
amplamente difundida não só em Criminologia, mas também em
temas de família, educação, menores etc.
O princípio interdisciplinar acha-se significativamente associado ao
processo histórico de consolidação da Criminologia como
ciência autônoma.
5. O método criminológico.
O método de trabalho utilizado pela Criminologia é o
empírico. Busca-se a análise, e através da
observação conhecer o processo, utilizando-se da
indução para depois estabelecer as suas regras, o oposto do
método dedutivo utilizado no Direito Penal. Foi graças à
Escola Positiva que surgiu a fase científica da Criminologia e
generalizou-se a utilização do método empírico.
A Criminologia é uma ciência do ser, empírica; o Direito,
uma ciência cultural, do dever ser, normativa. Em
conseqüência, enquanto a primeira se serve de um método
indutivo, empírico, baseado na análise e na
observação da realidade, as disciplinas jurídicas utilizam
um método lógico, abstrato e dedutivo.
Empirismo não é achismo. O
método empírico é árduo e pouco íntimo dos
profissionais do mundo jurídico. No entanto, lamentavelmente muitas
pessoas se apresentam como criminólogos,
emitindo opiniões sem nenhum conhecimento técnico mínimo
do que estão falando, sem a observação rigorosa do
método científico e emitindo juízos de valor (acho isso,
acho aquilo etc). Existe muito disso no meio que
trata do controle da criminalidade, onde o amadorismo do Estado é
gritante, em especial, frente às formas modernas de criminalidade (crime
organizado, ataques de hackers pela Internet,
delinqüência transnacional, tráfico internacional de
mulheres, crimes contra o sistema financeiro etc).
García-Pablos de Molina e Luiz Flávio
Gomes lecionam que o jurista parte de (umas) premissas corretas para deduzir
delas as oportunas conseqüências. O criminólogo,
pelo contrário, analisa alguns dados e induz as correspondentes
conclusões, porém, suas hipóteses se verificam – e
se reforçam – sempre por força dos fatos que prevalecem
sobre os argumentos subjetivos de autoridade.
Nesse sentido, apesar da proximidade do Direito Penal com a Criminologia, a
realidade de interpretação e a metodologia de ambas as
matérias é por demais antagônica.
Talvez por isso, não haja um bom trânsito entre o Direito Penal e
a Criminologia no Brasil, lembrando-se que a Criminologia nos Estados Unidos
possui muita força nas faculdades de sociologia e no Brasil é
pouco estudada nas faculdades de direito. São raros os juristas que
transitam facilmente nas duas ciências com a desenvoltura de Zaffaroni, García-Pablos
de Molina, Muñoz Conde, Antonio Beristain, Miguel Angel Núñez
Paz, Luiz Flávio Gomes etc. Resumindo: nem sempre o bom penalista será um bom criminólogo
e vice-versa. São realidades próximas, íntimas, mas com
métodos bem diferenciados.
6. O objeto da Criminologia.
A discussão acerca do objeto da Criminologia é praticamente
tão velha como a própria Criminologia. Conheceu, no entanto,
períodos de maior intensidade e expressão, como sucedeu, por exemplo, nos fins da década de trinta
(do século passado), no II Congresso Internacional de Criminologia
(Paris, 1950), ou ainda com a Criminologia Crítica.
A Criminologia moderna fundamenta o seu objeto no estudo de quatro pontos
fundamentais: o delito, o delinqüente, a vítima e o controle social.
A problematização do objeto da
Criminologia – e do próprio saber criminológico
– reflete uma profunda mudança ou uma crise do modelo de
ciência (paradigma) e dos postulados até vigentes sobre o
fenômeno criminal. A Criminologia tradicional tinha por base um
sólido e pacífico consenso: o conceito legal de delito,
não questionado; as teorias etiológicas da criminalidade, que
tomavam daquele seu autêntico suporte ontológico; o
princípio da diversidade (patológica) do homem delinqüente
(e da disfuncionalidade do comportamento criminal); e
os fins conferidos à pena, como resposta justa e útil ao delito.
Estes constituíam seus quatros pilares mais
destacados.
A moderna Criminologia, por seu turno, vem questionando os fundamentos
epistemológicos e ideológicos da Criminologia tradicional, de
sorte que a própria definição de delito e seu castigo
– a pena – são concebidos radicalmente como
problemáticos, conflitivos, inseguros. A problematização do saber criminológico,
assim entendida, tem maior transcendência que uma mera sublinhação da historicidade ou circunstancialidade das definições de delito,
necessariamente transitórias. Significa uma reconsideração
da questão criminal, desmistificadora, realista, que põe em
dúvida os dogmas da Criminologia clássica à luz dos
conhecimentos científicos interdisciplinares do nosso tempo.
7. Funções.
No estudo do sistema criminal, onde se denota que existe muito amadorismo e
suposições, pouca pesquisa científica e muita
atuação simbólica por parte do Estado, a Criminologia tem
um papel central de apresentar a realidade criminal como ela é, sem as
costumeiras distorções e subjetivismos, próprios da
análise de cada agência estatal de combate à criminalidade
(saber comum).
Na visão de Javier Alejandro
Bujan a função essencial da
Criminologia atual consiste em analisar o fenômeno do crime em interação
social, inclinando-se a ser uma ferramenta para a preservação dos
direitos humanos e das garantias fundamentais dos cidadãos.
Para García-Pablos de Molina a
função básica da Criminologia consiste em informar a
sociedade e os poderes públicos sobre o delito, o delinqüente, a
vítima e o controle social, reunindo um núcleo de conhecimentos
– o mais seguro e contrastado – que permita compreender
cientificamente o problema criminal, preveni-lo e intervir com eficácia
e de modo positivo no homem delinqüente. A investigação criminológica, enquanto atividade científica, reduz ao máximo a intuição e o
subjetivismo, submetendo o problema criminal a uma análise rigorosa, com
técnicas empíricas. É o nosso entendimento.
8. O papel do Ministério Público na área criminal e a
crise do sistema penal.
Envoltos numa confusão epistemológica sem precedentes, que vai do
campo legislativo, ao executivo e judicial, temos aí, inserida, a
importante atuação do Ministério Público. Refiro-me
ao termo confusão epistemológica, pois, talvez não
possamos falar de um sistema criminal
Um enfoque técnico-jurídico, todavia, não nos dá
diagnóstico algum sobre o problema criminal nem está em
condições de sugerir programas, estratégias ou meras
diretrizes para intervir nele. Não dá resposta nem se preocupa
com os principais problemas que ele suscita: por que se produz o crime
(etiologia, gênese e dinâmica do acontecimento criminal, variáveis,
fatores etc); como se pode e deve preveni-lo; como se
pode e deve intervir positivamente no infrator etc. Afirmar que o delito
é uma ação típica, antijurídica e
culpável é dizer muito pouco sobre um preocupante e sempre enigmático
problema social. E nós, juristas, devemos ser conscientes de nossas própria limitações: a resposta
ao crime deve se transcorrer no marco do Direito, pois somente este
reúne seguirá na e instrumentos de controle, porém a
reação ao delito não pode ser exclusivamente
jurídica, porque o Direito não é uma solução
em si mesmo.
Para tumultuar mais essa relação já difícil o
Brasil possui um sistema criminal de dar arrepios. As falhas nas leis
são as mais variadas e grotescas possíveis. Chegou-se a ponto de
se noticiar a existência de uma norma penal incriminadora sem o
conseqüente preceito secundário (sanção penal), o que
equivale a sua inexistência no mundo jurídico.
O sistema penal brasileiro demonstra ser uma nau sem rumo. Não existe um
projeto sério em nível nacional de se dar coerência ao
sistema penal. O Brasil possui uma Política Criminal
contraditória, sendo que podemos falar que a mesma também
não existe. Aprovam-se leis penais sem o mínimo critério
científico. Na maioria das vezes os cientistas são ouvidos, mas
os legisladores optam somente pelo efeito político da norma penal. Em um
momento aprovam leis totalmente repressivas (ex: Lei 8072/90 - Crimes
Hediondos), logo em seguida, adotam sistema como o da Lei 9099/95 (com o fito
principal de desafogar o Poder Judiciário), e de certa feita, tudo
realizado a toque de caixa na maioria das vezes, sem o
mínimo critério científico, chegando a ponto de um grupo
de penalistas (e com muita razão) defender a
codificação do Direito Penal e a sua alteração com
o quorum mínimo necessário a aprovação das leis
complementares. Tudo isso para dar mais segurança e estabilidade ao
sistema penal brasileiro.
O principal culpado tem um nome, mas não tem um rosto, pois é
fruto de dezenas de anos e Administrações que competiram entre si
para demonstrar qual foi a pior no trato do Direito Penal no Brasil: a
União. Digo a União, porque não foi culpa de um governo ou
de uma legislação do Congresso, mas de todos, pois, cabe
unicamente a União legislar sobre Direito Penal (artigo 22, I, CF). Nesse
sentido, existe um órgão de suma importância dentro da
estrutura do Ministério da Justiça, que é o Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que é
formado por diversos juristas de grande atuação na área
criminal, e que não é ouvido devidamente em suas
manifestações nem pelo próprio Poder Executivo Federal.
Por outro lado, as verbas destinadas em nosso país à
segurança pública e a Administração
Penitenciária são sofríveis.
Falta ao país seriedade na condução de sua Política
Criminal. Em verdade, inexiste uma Política Criminal definida em nosso
país. Sem essa definição do rumo que o sistema vai tomar,
fica aberta a possibilidade das conhecidas incongruências do sistema,
sendo que a crise no sistema penitenciário é apenas a ponta do
iceberg, pois o sistema todo está falido desde o seu nascimento (na fase
legislativa). Sendo uma República democrática a Política
Criminal brasileira deve ser a de um Estado Democrático de Direito,
estando a atuação do Ministério
Público inserida nessa realidade. Isso não acontece na prática.
A Política Criminal do Estado Democrático é dirigida a
diminuir até níveis toleráveis as cifras de criminalidade,
mas não pretende acabar com toda a presença do delito. Pois seu
objetivo não é transcendental como no Estado Totalitário
(criar um império, manter a pureza da raça, acabar com todo
vestígio da burguesia, alcançar os fins do Alcorão etc), que justificava, desde distintas ópticas, a
necessidade de reduzir a um nada o sujeito delinqüente. No Estado
Democrático de Direito se procura que todos os cidadãos (na medida
do possível) convivam pacificamente e em liberdade, cobrindo suas
necessidades materiais e culturais para que toda pessoa possa gozar de sua
própria dignidade humana.
A luta contra o crime não pode empreender-se a custa do
sacrifício das liberdades e garantias do cidadão, pois o respeito
aos direitos fundamentais constitui alguns de seus princípios de
caráter irrenunciável. É a busca pelo ponto de
equilíbrio e entre os direitos em conflito, que deve ser procurada pelo
Ministério Público ao atuar nesse sistema.
9. A importância do saber criminológico
na atuação do Ministério Público na área
criminal.
Dentro desse contexto, encontramos a atuação do membro do
Ministério Público. Como pode um Promotor de Justiça
criminal potencializar as suas ações nesse combalido sistema?
Ao Ministério Público como instância formal de controle do
crime interessa, de forma quase exclusiva, a sua função de
deduzir a acusação ou ordenar o arquivamento do processo penal. A
sua importância como instância de seleção
advém, na verdade, do fato de ele ser o gate-keeper
do sistema jurisdicional de resposta ao crime e, por isso, o responsável
principal pela mortalidade dos casos criminais. Como afirma Sessar,
“se a vítima é a instância mais importante quanto
à iniciativa de controle do crime, o MP é seguramente a mais
importante no que toca a seu desfecho”.
Em primeiro lugar podemos citar o Tribunal do Júri como uma área
de extremo valor para a aplicação da Criminologia. Isso já
é feito por um grande número de advogados criminais. Não
é difícil encontramos um caso onde a defesa não tem quase
prova nenhuma da inocência do réu e apela para a Criminologia,
logrando êxito em absolver ou pelo menos mitigar a pena do réu. No
júri os advogados têm explorado muito um tema relevante para a
Criminologia que é o comportamento da vítima. Os advogados se
preparam bastante estudando obras criminológicas
para tentar convencer os jurados da tese que o réu não é
totalmente culpado como colocado pelo Ministério Público. Chegam
a citar detalhes da dinâmica psicológica existente entre o
réu e a vítima. Havendo apartes, e a coisa partindo para esse
lado, fica difícil para o Promotor de Justiça (em sendo um dogmata puro) defender a sua tese de forma mais adequada.
Na execução penal a Criminologia é de suma
importância. E temos como maior exemplo o trabalho de Jason
Soares de Albergaria, que utilizou forma competente a Criminologia integrada
à Execução Penal. Albergaria teve o equilíbrio de
trazer da Academia o que mais se adequava em suas teses criminológicas
na execução penal. O método APAC, a questão da
adoção ou não da remissão pelo estudo etc têm na Criminologia o campo apropriado para o seu
melhor conhecimento.
Neste ponto, é de se registrar que a reincidência é assunto
que há muito é objeto de consideráveis estudos criminológicos. Possuímos no Brasil
índices de reincidência na casa dos 80% e o sistema
penitenciário com todas as suas fragilidades já é bem
conhecido. Os defensores do método APAC apontam índices
inferiores a 40%. E como explicar então o caso da Espanha? Segundo a
Direção Geral de Instituições Penitenciária
da Espanha a reincidência naquele país (que investe pesado no
sistema penitenciário) gira em torno de 60%! O assunto não pode
ser exaurido apenas com a visão do Direito Penal.
O Juizado Especial Criminal, ponta-de-lança do modelo da Justiça
Consensual no Brasil é outro terreno fértil para a
aplicação da Criminologia. Se no modelo comum de Justiça
Criminal o Direito Penal rouba o conflito, ali no Juizado Especial Criminal as
partes passam a interagir de forma a buscar a resolverem o conflito. O Promotor
de Justiça que atua no Juizado Especial Criminal tem de ser um mediador
e ter tato suficiente para interpretar o conflito (ex: violência
doméstica). Lembra Luiz Flávio Gomes que muitas vítimas,
que jamais conseguiram qualquer indenização no processo de
conhecimento clássico, saem agora dos juízos criminais com
indenização. Permitiu-se a aproximação entre o
infrator e a vítima. Ambos podem conversa,
trocar impressões, externar seus pontos de vista. E com
freqüência o infrator acaba reconhecendo sua infração
e sua vítima. Cuida-se de diálogo positivo, propiciador de
condutas socialmente positivas. O que facilita a ressocialização
daquele. O perfil profissional do membro do Ministério Público
que atua no Juizado especial Criminal deve ser totalmente diverso do que oficia
numa vara da Justiça Criminal Ordinária.
A personalidade do agente, objeto de analise pelo magistrado na fase do artigo
59 do Código Penal é outro ponto onde a Criminologia pode e deve
auxiliar a descoberta da verdade. Geralmente, o membro do Ministério
Público não dá a devida atenção à
análise desse tópico e se importa mais com a
condenação ou não, deixando de cobrar do magistrado uma
maior coerência quando da análise da personalidade do agente,
fazendo-o evitar utilizar expressões como “nada nos autos sobre a
personalidade do réu”, “o dolo é
intenso”, caracterizações, no mínimo, vazias.
O controle do crime organizado é outro ponto que demonstra a
importância do saber criminológico. A
própria expressão crime organizado não é definida
Na Justiça da Infância e da Juventude a Criminologia indica
excelentes subsídios para a aplicação da remissão e
da escolha da medida sócio-educativa a ser aplicada no caso concreto ao
adolescente infrator. Para o Promotor de Justiça Marcus Vinícius
Amorim de Oliveira, do Ministério Público do Estado do
Ceará, poucas informações poderão ser encontradas
nos autos do procedimento do ECA em mãos do
Promotor de Justiça. Maior riqueza de detalhes só poderá
ser amealhada através da oitiva informal do adolescente. Nessa
ocasião, e tendo em vista que o Estatuto da Criança e do
Adolescente deixa de oferecer mecanismos específicos para
condução dessa audiência, o agente ministerial
haverá de se cercar, em primeiro lugar, do bom senso, e mais ainda, das
idéias, conceitos e conclusões produzidos pelo saber criminológico, em especial, no tocante à
delinqüência infanto-juvenil. Outrossim, a
Criminologia também se dispõe ao fornecimento de critérios
adequados para proposição da medida sócio-educativa mais
correta e justa, se for o caso. Decerto, se a mens legis está direcionada à reinserção
do adolescente no meio social, eliminação da gravidade de
eventuais condutas desviantes, plena materialização do
princípio diretivo da proteção integral e garantia do
pleno desenvolvimento da pessoa, uma série de aspectos
merecem ser considerados para se chegar à medida
sócio-educativa que se mostre mais apropriada para atingir esses fins.
10. Nossa contribuição: sugestão da inclusão da
matéria de Criminologia no concurso de Promotor de Justiça.
A realização de eventos de Criminologia no meio ministerial
é o primeiro passo para lançar a semente do saber criminológico na nossa Instituição.
Recentemente, o Brasil sediou o XIII Congresso
Mundial de Criminologia (Rio de Janeiro, de
Especificamente no caso de Minas Gerais foi muito valiosa a
realização do Curso Internacional A Nova Criminologia e os
Direitos Humanos, na cidade de Belo Horizonte, de 30 de abril a 1º de maio
de 2004, pela Associação Mineira do Ministério
Público. Essas iniciativas tendem a cultivar o pensamento criminológico
Nossa idéia principal no presente trabalho é a de propor a
inclusão da Criminologia como matéria a ser exigida pelos
candidatos ao ingresso na carreira do Ministério Público do
Estado de Minas Gerais.
A Criminologia ainda é pouco estudada nas faculdades de direito no
Brasil. Há informação que
Tal medida não é de difícil aplicação.
Vejamos o caso de Minas Gerais. A matéria Direito Comercial somente
é cobrada na primeira fase e no exame de Direito Civil. A Criminologia
poderia ser inserida com esse mesmo sistema, podendo adotar-se percentuais de
30% a 50% para as questões desta matéria na prova da primeira
etapa de Direito Penal. Como Direito Comercial, a Criminologia não seria
objeto de outras questões nas outras etapas, restabelecendo-se o
monopólio do Direito Penal nas fases subseqüentes.
Registre-se, ainda, que a Criminologia já é objeto de ponto
específico no programa do concurso de Promotor de Justiça do
Estado de Santa Catarina, o que demonstra, mais uma vez, a utilidade da
sugestão ora apresentada. O Ministério Público do Estado
da Bahia, o do Paraná e do Distrito Federal e Territórios cobram
conhecimento de Criminologia em seus concursos, como pontos inseridos na
matéria de Direito Penal. Minas Gerais não adota no momento
nenhuma das duas alternativas.
A adoção dessa sugestão seria um enorme impulso para a
Criminologia em nosso país e possibilitaria o ingresso de Promotores de
Justiça dotados de conhecimentos jurídico-penais e do saber criminológico, podendo, em tese, estarem mais bem
preparados para a enfrentar a grave realidade criminal em nosso país.
11. Conclusões.
1. A Criminologia é a ciência que trata do estudo
científico do controle da criminalidade, tendo na atualidade como
objeto: o delito, o delinqüente, a vítima e o controle social.
2. O membro do Ministério Público que atua na área
criminal exerce enorme importância na aplicação do saber criminológico, sendo que o Ministério
Público tem sua atuação funcional em áreas cada vez
mais diversificadas como: Tribunal do Júri, Crime Organizado, Juizado
Especial Criminal, Execução Penal etc,
onde o conhecimento da Criminologia tem sido cada vez mais importante para a
sua melhor atuação.
3. A adoção da matéria de Criminologia no concurso de
ingresso na carreira do Ministério Público é medida
salutar e que adiciona qualidade ao perfil profissional do
membro do Ministério Público que atuará na área
criminal.
4. A matéria de Criminologia poderia ser incluída no exame da disciplina
de Direito Penal, sendo argüida somente na primeira etapa do concurso,
podendo ocupar de
12. Referências bibliográficas.
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