A posse de
telefone celular é falta grave
Ricardo Antonio de Souza
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Sumário: 1- Recente decisão do Superior Tribunal de
Justiça declara que não é falta grave a posse de telefone celular por
presidiários. 2- É apresentado, no Senado, projeto de lei para incluir
expressamente a posse de telefone celular dentre as faltas graves. 3- O que diz
a LEP sobre as faltas graves. 4- Telefone celular pode ser utilizado como
instrumento de crimes. 4.1- O que é instrumento. 4.2- O telefone celular chegou
no Brasil depois de 1984. 4.3- Interpretação evolutiva da LEP. 5- Conclusão.
1- Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça
declara que não é falta grave a posse de telefone celular por presidiários.
As faltas graves praticadas por presidiários são listadas
no artigo 50 da Lei de Execuções Penais (LEP), que não inclui a posse de
telefone celular, segundo a recente decisão da Quinta Turma do Superior
Tribunal de Justiça, cujo relator foi o Ministro Gilson Dipp, em habeas corpus
favorável a Celso Aparecido dos Santos, preso em Araraquara, no interior de São
Paulo. O Ministro enfatizou, entre outras coisas, que, para ser considerada
grave, a falta deve estar necessariamente listada na LEP. Celso Aparecido é
condenado a uma pena de 21 anos e cinco meses por homicídio e furto
qualificado. Durante o cumprimento da pena privativa de liberdade, foi flagrado
em sua cela com um celular e um carregador. Uma comissão de sindicância do
presídio considerou a falta grave e o Juízo da Vara de Execuções Criminais da
Comarca de Araraquara puniu o sentenciado. A defesa dele alegou que a punição
constitui constrangimento ilegal, pois o artigo 50 da LEP não prevê a posse de
celular como falta grave. A tese acabou sendo acatada pelo STJ. Segue a ementa
do acórdão, in verbis:
CRIMINAL. HC. EXECUÇÃO DA PENA. PORTE DE TELEFONE CELULAR
E ACESSÓRIOS. FALTA GRAVE. RESOLUÇÃO DA SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA.
PERDA DOS DIAS REMIDOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA.
Hipótese em que se alega a ocorrência de violação ao
princípio da legalidade a punição do paciente, com a perda dos dias remidos,
com fulcro em Resolução da Secretaria de Administração Penitenciária que
determina ser falta de natureza grave o condenado portar aparelho de telefone
celular. Não se caracteriza como constrangimento ilegal a decretação de perda
dos dias remidos pelo Juízo da Execução, quando demonstrada a ocorrência de
falta grave durante o período de cumprimento da pena privativa de liberdade, ex
vi do art. 127 da Lei n.º 7.210/84.
Precedentes.
Resolução da Secretaria da Administração Penitenciária, ao
definir como falta grave o porte de aparelho celular e seus componentes e acessórios,
ultrapassou os limites do art. 49 da Lei de Execuções Penais, o qual dispõe que
a atuação do Estado deve restringir-se à especificação das faltas leves e
médias.
Se a hipótese dos autos não configura falta grave, resta
caracterizado constrangimento ilegal decorrente da decretação da perda dos dias
remidos pelo trabalho do paciente. Precedente da Turma.
Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como a decisão
monocrática que decretou a perda dos dias remidos pelo paciente. Ordem
concedida, nos termos do voto do Relator.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes
as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal
de Justiça. "A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo
Esteves Lima e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.
(Processo HC 45278 / SP ; HABEAS CORPUS 2005/0106352-2
Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do
Julgamento 20/04/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 15.05.2006 p. 245)
2- É apresentado, no Senado, projeto de lei para
incluir expressamente a posse de telefone celular dentre as faltas graves.
Incontinenti, um dos projetos de lei incluídos no
pacote de segurança pública do Senado, de autoria do senador César Borges
(PFL), intenta transformar em falta grave a posse e utilização de telefones
celulares por presos no interior de presídios:
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 136, DE 2006
Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de
Execução Penal, para prever como falta disciplinar grave a utilização de
telefone celular pelo preso.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º O art. 50 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984
– Lei de Execução Penal, passa a viger acrescido do seguinte inciso:
"Art.
50..................................................................................
VII – ter em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho
telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou
com o ambiente externo.
............................................................................................(NR)"
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
É injustificável a ausência de previsão do uso do aparelho
de telefone celular no rol das faltas disciplinares graves de nossa Lei de
Execução Penal (LEP). O uso do telefone celular para comandar e articular ações
criminosas a partir dos estabelecimentos penais é prática conhecida e corriqueira
no Brasil. A recente onda de violência no Estado de São Paulo, em que o PCC
alvejou várias instituições públicas e privadas da capital, foi toda
orquestrada a partir das penitenciárias pelos líderes da organização criminosa,
conforme declarações feitas pelo Departamento de Investigação do Crime
Organizado da Polícia Civil de São Paulo. Fato semelhante aconteceu no Rio de
Janeiro em 2003. A ausência do uso do telefone celular no rol das faltas
disciplinares graves impede que um líder de organização criminosa em
comunicação com seus subordinados fora do presídio seja submetido ao regime
disciplinar diferenciado previsto na LEP. O isolamento celular desses líderes
mostra-se uma ação de segurança pública imprescindível. Portanto, o presente
projeto de lei procura resolver essa injustificável lacuna legal e fornecer
mais um meio para a defesa da sociedade.
Sala das Sessões, 16 de maio de 2006.
CÉSAR BORGES"
3- O que diz a LEP sobre as faltas graves
Preceitua o art. 50 da Lei de Execuções Penais (Lei
nº8210/84) que comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade
que:
I - incitar ou participar de movimento para subverter a
ordem ou a disciplina;
II - fugir;
III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de
ofender a integridade física de outrem;
IV - provocar acidente de trabalho;
V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V,
do artigo 39, desta Lei. (grifo nosso)
Não há, no art. 50 da LEP, menção expressa de que a posse
de telefone celular pelo sentenciado constitui falta grave.
Não há sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão
legal ou regulamentar (art. 45, caput, da LEP). A falta disciplinar está
condicionada aos princípios da legalidade e anterioridade.
As faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e
graves. A legislação local especificará as leves e médias, bem assim as
respectivas sanções(art. 49, da LEP). As faltas graves são somente aqueles
prevista na Lei de Execução Penal, não podendo a legislação local incluir
outras hipóteses.
4- Telefone celular pode ser utilizado como
instrumento de crimes
4.1- O que é instrumento?
Instrumento significa:
"[Do lat. Instrumentu]
S.m. 1- Objeto, em geral mais simples que o aparelho, e
que serve de agente mecânico na execução de qualquer trabalho: instrumentos
cirúrgicos; instrumentos de astronomia. 2- Por extensão. Qualquer objeto
considerado em sua função ou utilidade: Os dentes e garras são os instrumentos
de luta das feras. (Novo Aurélio, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira)
4.2- O telefone celular chegou no Brasil depois de 1984
"A história do telefone celular no Brasil começa em
1990. Na época, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel),
o país contava com 667 aparelhos, número que passou para 6.700 unidades no ano
seguinte, ultrapassou os 30 mil em 1992 e chegou a 47.865.593 telefones
celulares em fevereiro de 2004." (Brasil tem quase 50 milhões de
aparelhos, in http://www.atarde.com.br/especiais/telefoniamovel/mat_histbrasil.php).
Em 1984 (ano em que entrou em vigor a Lei de Execuções
Penais) não era possível taxar como falta grave a posse de telefone celular,
porque nem ao menos sua história tinha se iniciado no Brasil.
4.3- Interpretação evolutiva da LEP
Deve submeter-se a lei à interpretação evolutiva. Nessa
seara, ensina Miguel Reale:
"Feita a lei, ela não fica, com efeito, adstrita às
suas fontes originárias, mas deve acompanhar as vicissitudes sociais. É
indispensável estudar as fontes inspiradoras da emanação da lei para ver quais
as intenções do legislador, mas também a fim de ajustá-las às situações
supervenientes." (Lições Preliminares de Direito, 24ª Edição, página 284).
É inegável que a intenção do legislador, ao incluir dentre
as faltas graves a posse de instrumento capaz de ofender a integridade física
de outrem, é evitar que os sentenciados pratiquem delitos dentro dos presídios.
A utilidade do telefone celular no planejamento e
determinação de crimes é óbvia. A própria justificativa do Projeto de Lei do
Senado nº136/2006 reconhece a utilidade do celular na articulação e comando de
ações criminosas. O telefone celular é instrumento apto à prática de uma série
de delitos, que lesam, dentre outros bens jurídicos, a integridade física e a
vida.
De acordo com depoimento do delegado Godofredo Bittencourt
Filho, diretor da polícia de São Paulo, à CPI do Tráfico de Armas, o celular
hoje é a arma mais perigosa nas mãos do crime organizado. "O celular
dentro de cadeia é mais perigoso do que 10 fuzis na rua. Vou deixar bem claro
para o senhor: um celular é mais perigoso do que 10 fuzis na rua",
reiterou o delegado.
Em razão da possibilidade de sua utilização no
planejamento e determinação de delitos, a posse de telefone celular ajusta-se
com perfeição art. 50, inciso III, da Lei de Execuções Penais, que veda a posse
de qualquer instrumento que possa ser utilizado em crimes contra a integridade
física de outrem.
5- Conclusão
O sentenciado, em cumprimento de pena privativa de
liberdade, que portar telefone celular pratica falta grave, ex vi do art. 50,
inciso III, da LEP, acarretando-lhe uma série de conseqüências, v.g., a perda
dos dias remidas, a impossibilidade de progressão de regime e concessão do
livramento condicional enquanto estiver em mau comportamento e a regressão de
regime, sendo desnecessário o projeto de lei do Senado nº136/2006.
Bibliografia e consultas:
Novo Aurélio, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.
Lições Preliminares de Direito, Miguel Reale.
http://www.atarde.com.br/especia is/telefoniamovel/mat_histbrasil.php
* Promotor de Justiça do Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios, professor do Curso Anglo/Triuphus em Sorocaba
(SP).
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8492>. Acesso em: 09 jun. 2006.