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A Redução da Idade de Maioridade Penal do Estigma à Subjetividade
Mário Luiz Ramidoff
“...
cada artista verdadeiro se sente obrigado a repetir certas formas ou feitios
característicos; se quisermos determinar a autoria de uma obra de arte, só
poderemos fazê-lo através do reconhecimento destas formas fundamentais... E
para identificar as formas características de um artista, precisamos nos
remeter àquelas partes da pintura sobre as quais existam menos pressões
convencionais...”
Morelli
G.
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO; 1. (RE)FUNDAÇÃO EPISTEMOLÓGICA; 2. (DES)MISTIFICAÇÃO DA
CRIMINALIDADE JUVENIL; 3. DIREITOS HUMANOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE; 4.
EMANCIPAÇÃO HUMANITÁRIA: A CAMINHO DA SUBJETIVIDADE; CONSIDERAÇÕES FINAIS;
REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A temática abordada neste trabalho
é, na verdade, um assunto já tratado na minha dissertação, então, defendida
perante o Curso de Pós-Graduação em Direito, da Universidade Federal de Santa
Catarina – CPGD/UFSC, na data de 16 de agosto de 2002, e, através da qual alcancei
o pretendido grau de Mestre em Direito. Assim, até a presente data, continuo
acompanhando o nem sempre legítimo movimento que se produz em torno do tema,
com o fito de que seja mantido íntegro o teor do artigo 228, da Constituição da
República de 1988, pois, congrega-se a inimputabilidade penal às pessoas com
idade inferior a dezoito (18) anos, agora, por opção política, como um direito
individual, de cunho fundamental, ao patrimônio personalíssimo das crianças e
adolescentes brasileiros.
E, assim, não sendo possível, pois,
a supressão, e, sequer, restrição, de um direito individual, haja vista que a
inimputabilidade penal deixa de ser considerado, então, um instituto jurídico
próprio da dogmática-jurídico penal – até porque, não se operou um mero reenvio
de tal instituto para o texto constitucional – para se constituir numa adesão
particularmente própria à autonomia do povo brasileiro, à diretriz
internacional dos Direitos Humanos, aqui, objetivada, em síntese, no artigo
227, da Constituição Federal de 1988, como Doutrina da Proteção Integral. Em
virtude disto, trago a lume um resumo aproximativo de minha dissertação, a qual
certamente, em breve, também restará levada a público pelo que desde já
agradeço as críticas e contribuições, penitenciando-me pelos desvios e erros
que são todos meus.
1.
(RE)FUNDAÇÃO EPISTEMOLÓGICA
Através do desenvolvimento
epistemológico, busca-se demonstrar a (re) fundação de um novo paradigma
jurídico que orienta toda uma nova seara jurídica, vale dizer, com a adoção da
diretriz internacional da Doutrina da Proteção Integral, por opção política,
tem-se que, mais do que um novel princípio travejado pela centralidade da
pessoa humana, estabeleceu-se, sim, uma nova dimensão subjetiva de titularidade
em direito, ou seja, de titulares de um também novo Direito da Criança e do
Adolescente. A Doutrina da Proteção Integral constitui-se em novo paradigma
epistemológico deste novel Direito da Infância e da Juventude. A
transdisciplinaridade se torna necessária a partir de então, pois para que se
possa verdadeiramente construir uma nova espacialidade jurídica, em perspectiva
aberta e emancipatória, vale dizer, em condições de reconhecer e possibilitar a
emergência do novo torna-se indispensável o abandono da arrogante postura que a
maioria dos interpretes autênticos
assumem, isto é, pretendem (re)ordenar o mundo da vida vivida através
tão-somente do viés jurídico-legal. Antes de tudo é imperativo, daqui para
sempre não só nesta nova seara sócio-jurídica, mas, de maneira geral, uma
postura de humildade diante das limitações pessoais, materiais, técnicas e
científicas, em atenção mesmo à idéia de conhecimento mais rigoroso,
falsificável e verificável.
2.
(DES)MISTIFICAÇÃO DA CRIMINALIDADE JUVENIL
Utilizando-se dos estudos da
Criminologia Crítica, em especial, segundo o seu aspecto sociológico,
precisamente, para desmistificar a crendice denominada “criminalidade juvenil”
que se inseriu tanto na opinião pública, quanto no senso comum dos
operadores/construtores jurídicos e sociais. Com isto, assevera-se a existência
de diversos processos de vitimização, criminalização e estigmatização pelos
quais passam crianças e adolescentes, principalmente, pertencentes às famílias
mais empobrecidas, bem como a violência decorrente dos enraizados processos de
controle social e as suas sofisticadas formas de manutenção do status quo das
classes que detêm acesso aos bens que a riqueza proporciona. Pois, desvelar
esses interesses nem sempre confessáveis não é tarefa fácil, pelo que, já se
constitui num enorme passo – apesar do sempre presente risco do velamento de
algo quando se desvela alguma “coisa”.
Até porque, a verdadeira
transformação que se deve operar ocorre precisamente na “disposição de
espírito”, na voluntariedade em assumir como fundamento de validade os valores
humanos, buscando-se, assim, conscientizar os construtores jurídicos e sociais
para então convertê-los em facilitadores, isto é, agentes de promoção e defesa
nem tanto dos direitos, mas, principalmente, da criança e do adolescente enquanto
pessoa humana que se encontra na condição peculiar de desenvolvimento. A partir
de uma perspectiva transdisciplinar se busca na dimensão crítica da Nova
Criminologia outros aspectos e relações que não apenas jurídicas, para
desmistificar o que se tem dito sobre a “criminalidade juvenil”, como, também,
alicerçar parâmetros nos emergentes interesses difusos, coletivos e individuais
que se caracterizam em direitos da criança e do adolescente.
É possível dizer que o marco teórico
encontra-se essencialmente delimitado pelas novas tendências do pensamento
criminológico crítico. Tais aportes teóricos, enquanto instâncias tutelares
servem de travejamento para a inflexão sobre a realidade estrutural – as
complexas questões sociais, políticas e econômicas que histórica e
culturalmente produzem violência estrutural, em decorrência mesmo das carências
materiais – na explicação do comportamento dito desviado, para assim demonstrar
que a pessoa denominada de criminoso nada mais é do que aquela pessoa que por
diversos mecanismos tem sofrido um processo de criminalização negativo.
A formatação de dimensões
alternativas ao tradicional sistema de justiça penal, de início, certamente,
perpassa pela revisão das raízes epistemológicas, pois, aqui, de forma clara,
filia-se ao matiz abolicionista, a qual sustenta que seria um erro estratégico
propor alternativas positivistas para as instituições e práticas repressivas
existentes. A teoria de base, também, neste quadrante, permeia-se pela visão
transdisciplinar, buscando-se nos estudos sociológicos, e, nas atitudes
político-filosóficas de proteção especial e integral das pessoas que se
encontram na condição peculiar de desenvolvimento de suas personalidades, o
fundamento argumentativo próprio e adequado de validade para que se evite a
supressão de garantias constitucionalmente estabelecidas aos interesses e
direitos individuais, difusos e coletivos da Criança e do Adolescente, em face
mesmo das diversas propostas de emenda à Constituição da República de 1988 – em
especial, relativas ao seu artigo 228. Impõe-se, pois, a manutenção do artigo
228, da Constituição da República de 1988, uma vez que já existem medidas
capazes de auxiliar os infantes e os jovens no desenvolvimento de suas
personalidades, bem como eficazes para que seja exigida do Poder Público a
implementação de políticas permanentes para tal desiderato, não se
necessitando, assim, da adoção dos institutos jurídicos penais de cunho
repressivo-punitivo para tal desiderato.
Através mesmo destas investigações
preliminares, já se observa que não se pode perder de vista que o processo de
criminalização seletiva recruta, de forma desigual uma espécie de “população
criminal” então constituída em sua maior parte por pessoas sobre as quais se
concentra a ação do Sistema de Justiça Penal, segundo Michel Foucault . E, isto
se dá, a partir da comunhão do sistema de Direito Penal e os controles sociais
informais – processos sociais de marginalização (instituições, mercado,
escolas, etc...). Ademais, como se percebe, as variáveis não legais que sequer
são pensadas pelas instâncias oficiais possuem um efeito considerável sobre os
resultados seletivos do sistema jurídico penal, que, apesar de não se
submeterem à obrigação de justificação e aos critérios das ações profissionais,
indiscutivelmente, desenvolvem importante influência sobre tais aspectos. Na
própria exposição de motivos da nova parte geral do Código Penal, a
inimputabilidade penal às pessoas que possuem idade inferior a dezoito (18)
anos de idade, constitui-se numa opção apoiada em critérios de Política
Criminal, inclusive, colhendo-se da oportunidade para advertir os
oposicionistas que, na verdade, todo e qualquer processo de formação do caráter
deve ser cometido à educação, e, não à penal criminal .
Bem por isso, pode-se dizer, com
Alessandro Baratta , que, na atividade jurisdicional, enquanto processo de
criminalização secundário, em virtude mesmo dos efeitos surtidos da Ciência
Penal, o âmbito discricionário é relativamente mais estreito em relação a
outros segmentos do sistema jurídico-penal, pois, as decisões que tomam os
juízes são programadas de antemão pelo legislador. Uma segunda questão
fundamental é a relativa à concepção do fenômeno delitivo. A teoria crítica
criminológica não pode mais validamente apenas identificar os delitos, enquanto
situações negativas, então, criadas pelo sistema penal, como conflitos
individuais, pura interação. O fenômeno delitivo é antes de tudo uma questão de
poder, de estruturação das necessidades e sua satisfação . Os mecanismos
seletivos funcionam, assim, de forma semelhante aos processos de seleção de
classes sociais, e, atuam desde a criação da norma até a sua efetiva aplicação.
Daí a importância capital da
transposição da abordagem teórica do autor às condições objetivas, estruturais
e funcionais que, na verdade, constituem-se na origem dos fenômenos de desvio,
bem como a transposição do interesse cognoscitivo das causas de desvio
criminal, aos mecanismos sociais e institucionais através dos quais se constrói
a realidade social da conduta desviante e são criadas e aplicadas definições de
tal conduta e da criminalidade, e são realizados os processos de
criminalização. E isto somente será possível a partir de um salto qualitativo,
vale dizer, com a superação do paradigma etiológico e de suas implicações
ideológicas .
É, pois, um fato indiscutível que,
com a eventual redução da idade penal, através da criminalização primária –
formação da legislação penal – será antecipado, como conseqüência, as mais
diversas e variegadas formas dissimuladas de isolamento social, senão, o do
próprio encarceramento que, na verdade, constituem-se no desfecho final de um
processo mais amplo de estigmatização da juventude brasileira. É justamente
sobre a legislação, enquanto segmento próprio do sistema que se concentra a
ação da ciência jurídico-penal tendente a preparar a decisão, que se pretende
fixar atenção, pois, indubitavelmente, no processo de criminalização,
afigura-se como um dos mecanismos que se apresenta com a margem mais ampla de
discricionariedade, devendo-se, então, advertir que – muito a gosto de
Alessandro Baratta – “as investigações sobre a formação das leis penais mostram
que a instância científica nas decisões legislativas não é de forma alguma
onipotente e que ocupa uma posição de subordinação, apesar de algumas vezes
desempenhar um papel digno de consideração” .
Assim, sob os auspícios da moderna
sociologia criminal, dirige-se, agora, o interesse cognoscitivo de caráter
crítico social para a formação discricionária da legislação penal, assumindo,
de um lado, uma postura crítica do sistema penal, e, de outro, abandonando, o
papel auxiliar que desempenhava a criminologia em relação à política criminal
oficial. Uma outra questão é justamente relativa à manutenção da materialização
dos direitos individuais, coletivos e difusos relativos à infância e juventude.
Pois, tal promoção, impõe uma permanente reflexão acerca do conteúdo ideológico
das normas jurídicas, impedindo, senão, desnudando, pois, as funções declaradas
ou não do sistema jurídico-penal que ensejam injustiças.
Neste sentido, o pensamento
criminológico crítico deve constituir-se num movimento de resistência e alerta,
para, no mínimo, oferecer argumentos à manutenção da imputabilidade penal
somente a partir dos dezoito anos de idade , de acordo com o disposto no artigo
288, da Constituição da República de 1988.
As diversas propostas de emenda
constitucional ao artigo 228 – aproximadamente quinze (15), até a presente
data, em tramitação ou não no Congresso Nacional –, na essência, discorrem, com
alguma variabilidade, sobre a imputabilidade penal para as pessoas maiores de
dezesseis (16) anos e até mesmo de quatorze (14) anos de idade, vale dizer, propõem não só a alteração do limite
da idade para a responsabilidade penal, mas, sobremodo, buscam o afastamento da
aplicação das normas da legislação especial, ou seja, da Lei Federal sob nº
8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Não longe disto, na data de 13 de
fevereiro de 2001, foi apresentada uma Proposta de Emenda Constitucional ao
referido artigo 228, pelo Deputado Federal Alberto Fraga do Partido do
Movimento Democrático Brasileiro do Distrito Federal – PMDB-DF, versando sobre
o estabelecimento da maioridade penal mediante fixação em lei, ou seja, segundo
a explicação da ementa, para o estabelecimento da maioridade penal, que deverá
ser fixada em lei, propõe-se agora que serão observados os aspectos
psicossociais do agente, aferindo-se em laudo emitido por junta de saúde que
avaliará a capacidade de se autodeterminar e de discernimento do fato
delituoso, permanecendo-se, por mais esta vez, no âmbito da criminologia
acessória, nos moldes do paradigma etiológico.
E tal concepção, encontra-se
presente desde a primeira Proposta de Emenda à Constituição relativa ao artigo 228, apresentada pelo,
então, Deputado Federal Benedito Domingos, do PP-DF, cujo objetivo declarado é
a atribuição de responsabilidade criminal às pessoas maiores de dezesseis anos,
refutando o fundamento básico de presunção legal da menoridade e seus efeitos,
na fixação da capacidade para entendimento do ato delituoso, sob os auspícios
de uma avaliação tão somente pelo critério biológico, desprezando-se, pois, não
só o desenvolvimento mental, mas, sobremodo, os diversos elementos e condições
de formação da personalidade humana.
É preciso, pois, diferenciar as
diversas etapas na evolução e maturação daquelas pessoas na peculiar situação
de desenvolvimento, até porque, ao se falar de juventude não se pode mais
recorrer à falácia estatística dos distintos patamares de idade. Para tal
desiderato, observa-se que, em comparação com as experiências alienígenas, o
percentual dos infratores entre as idades de 21 e 25 anos supera em muito o
percentual daqueles infratores entre 14 e 17 anos, e, entre 18 e 20 anos de
idade . O sistema geral, como se sabe, permite a manutenção do sistema social,
ensejando, por isto mesmo, a manutenção das desigualdades sociais e dos
processos de marginalização das classes menos favorecidas, ou seja, sobre
aquele grupo de pessoas que se encontram mais suscetíveis sócio-economicamente
aos processos de estigmatização.
Pois, como afirma Cezar Roberto
Bitencourt , o fenômeno delitivo tem uma inevitável dimensão social, por essa
razão é que a atitude e participação cidadã é decisiva, pois permitirá a
conscientização dos processos variegados de estigmatização, quando, não,
ensejará uma mudança radical, qual seja: a permanente luta pelos direitos
humanos. Através de um processo discriminatório, o sistema penal, desintegra os
socialmente frágeis, marginalizando-os, estigmatizando-os e, ao final,
etiquetando-os, inviabilizando, desta maneira, uma possível concreção da
solidariedade social, pois, na verdade, estabelece, sim, uma relação de exclusão.
Assim, toda espécie de mecanismos de
criminalização, tanto que se dê através de propostas de emenda à Constituição,
quanto na elaboração legislativa ordinária para a criação de normas penais,
deve considerar seriamente os problemas sociais que geram e mantém o fenômeno
delitivo.
3.
DIREITOS HUMANOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Com fundamento nos Direitos Humanos
da Criança e do Adolescente enquanto viés originário do jurídico a partir do
qual decorrem os direitos fundamentais, por opções político-ideológicas
próprias dos valores ético-morais, então, vigentes na formação da Constituição
da República de 1988 que se operou pelo Poder Constituinte de 1987/1988,
desenvolve-se a teoria de base desta virada epistemológica fundante em que se
constitui a Doutrina da Proteção Integral. Ao se estabelecer um novo estatuto
deontológico através da viragem epistêmica para este novel Direito da Criança e
do Adolescente, na verdade, o que se pretende é proporcionar uma proteção
diferenciada para este novo grupo de cidadãos, então, constituído por jovens –
crianças e adolescentes – tornando-se imperiosa a manutenção do artigo 228, da
Constituição da República de 1988, uma vez que é precisamente esta figura
legislativa constitucional que define quem são os sujeitos desta nova
titularidade jurídica, senão, subjetividade, em perspectiva emancipatória. Toda
e qualquer temática relacionada – referencial – aos assuntos que “digam” a
respeito da criança e ou do adolescente, por certo, interessa a todos.
Pois, é precisamente na formação da
personalidade e da cidadania das pessoas que se encontram na peculiar condição
de criança e ou de adolescente que se podem estabelecer os marcos referenciais
para o asseguramento das liberdades substanciais através da educação por
valores humanos. A velocidade das informações e dos saberes tem ultimamente
produzido uma sofisticação cada vez maior dos veículos de comunicação social –
a “mídia” –, contudo, sem o asseguramento das condições mínimas de
possibilidade de desenvolvimento das capacidades – potências – de crianças e
adolescentes. A melhoria da qualidade de vida, aqui, particularmente, das
crianças e dos adolescentes, demanda uma abordagem transdisciplinar e
multifacetada, sem, contudo, abandonar as metas e os princípios estabelecidos na
espacialidade própria da palavra e da ação – como bem afirma Hannah Arendt .
Crianças e adolescentes surgem como
novas subjetividades, a partir da opção política originária – constituinte de
1987/1988 – pela doutrina da proteção integral, enquanto vertente internacional
dos direitos humanos para a infância e a juventude. A partir de então, busca-se
não só universalizar tais valores, mas, também, internacionalizá-los, motivo
pelo qual surge a Lei Federal sob nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente) enquanto código deontológico protetivo especial e
integral, e, como marco jurídico-legal da promoção e asseguramento dos direitos
individuais e as garantias fundamentais da criança e do adolescente.
Na verdade, o Estatuto da Criança e
do Adolescente não só instrumentaliza as opções políticas legitimamente
adotadas, mas, principalmente, estabelece uma metodologia organizacional das
instâncias promocionais através da construção de uma rede integrada de sistemas
de proteção – “rede de garantias”. Contudo, já não se pode esquecer que a
responsabilidade pela assim denominada “matéria prima” das futuras gerações –
crianças e adolescentes – é compartilhada entre a família, a sociedade e o
Estado (art. 227, caput, da Constituição da República de 1988), motivo pelo
qual importa dizer que todas as crianças e adolescentes independentemente de
sua situação pessoal ou mesmo da eventual circunstância social em que se
encontre são titulares de diferenciados direitos individuais de cunho fundamental
– então, considerados “cláusulas pétreas” (art. 227; combinado com o art. 5º, §
2º, in fine; e, com o art. 60, § 4º, inc. IV, todos da Constituição da
República de 1988) – que guardam orientação nos valores humanos.
É preciso mais do que nunca construir
projetos de vida responsável para o asseguramento das diversas e inúmeras
dimensões da dignidade da pessoa humana. Em particular, dessas novas e
emergentes subjetividades que se constituem as crianças e os adolescentes. A
emancipação subjetiva, pessoal e humana, assim, muito bem poderá possibilitar o
desenvolvimento de capacidades excepcionais para a resolução das questões
inerentes ao mundo social, quando, não, a superação das dificuldades de acesso
– falta de informação adequada – através do estabelecimento de relações
comunicativas (liberdade de expressão), dialéticas (democráticas), comunitárias
(solidárias) e respeitosas (reconhecimento do outro).
4.
EMANCIPAÇÃO HUMANITÁRIA: A CAMINHO DA SUBJETIVIDADE
A emancipação da juventude
brasileira, enquanto promessa humanitária, pela qual, muitos se encontram
envolvidos é o caminho apto, hábil e capaz de (re)personalizar-se as relações
sociais – dentre elas as jurídicas – (re)colocando a pessoa no centro das atenções,
(re)desenhando, num projeto de vida responsável, a subjetividade das crianças e
adolescentes brasileiros. Um compromisso com a causa da infância e juventude
brasileira, deve servir como norte orientativo da disposição de espírito –
vontade e desejo – dos construtores jurídico-sociais. E isto deve restar
impregnado profundamente na racionalidade e na cultura brasileira,
patenteando-se, pois, a concepção de que este novo Direito da Criança e do
Adolescente, então, fundado na Doutrina da Proteção Integral, é antes de tudo
uma dimensão em aberto que enseja condições de possibilidade de efetivação dos
direitos fundamentais desta nova cidadania, através mesmo da implementação de
estratégias políticas – sobremodo, pela integração, articulação e municipalização
das políticas públicas de atendimento – para tal desiderato. E isto,
certamente, significa acreditar não só a Doutrina da Proteção Integral, então,
sintetizada no artigo 227, da Constituição Federal de 1988, mas, sobremodo, o
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei sob nº 8.069, de 13 de julho de 1990
– como o novo Código Deontológico Protetivo, implementando as políticas
públicas, utilizando seus institutos e instrumentais próprios, e, aplicando a
sua sistemática para a promoção e defesa dos direitos próprios desta nova e
diferenciada subjetividade. Bem por isso, entende-se que a sistemática jurídica
infanto-juvenil, então, orientada pela síntese constitucional da Doutrina da
Proteção Integral, articulada com o Estatuto da Criança e do Adolescente, e, as
demais figuras legislativas pertinentes se constituem num conjunto próprio e
suficientemente apto, coerente e compatível para a resolução das variegadas
demandas infanto-juvenis que não só aquelas atinentes aos adolescentes autores
de ações conflitantes com a lei.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Em resumo, tem-se que a partir do
viés transdisciplinar, propõe-se uma construção epistemológica para
(re)fundação de uma nova dimensão jurídica, qual seja, o Direito da Criança e
do Adolescente. A seguir, trabalhou-se com a perspectiva sociológica, então,
apreendida no discurso da Criminologia Crítica, procurando-se, assim, desvelar
algumas das causas, pelas quais os adolescentes circunstancialmente praticam
ações conflitantes com a lei.
Não fosse isto, quando, não,
evidenciar que a dita "criminalidade juvenil" é algo construído e
(re)significado que mecanicamente é reiterado no senso comum e na opinião
pública, reforçando, pois, no imaginário social, o discurso meramente
performático e argumentativo, bem como as respectivas práticas recrudescedoras
e estigmatizantes, operando eficazmente a circularidade do direito tão peculiar
à dogmática jurídico-penal – seja ela qual for, inclusive, quando travestida de
Direito Penal Mínimo, e, como quer alguns, Direito Penal Juvenil.
Em decorrência mesmo disto, a origem
humanitária é lembrada e realçada com a análise dos Direitos Humanos, pois este
é o ponto central para a demonstração de que a dogmática jurídico-penal e as
suas variantes não garantem nada, uma vez que sequer cumprem as suas promessas
– digam-se, incompatíveis entre si – de segurança jurídica e emancipação da
pessoa. Pois, agora, o fundamento de validade do Direito da Criança e do
Adolescente baseia-se na diretriz internacional dos Direitos Humanos, a qual
serve de sustentáculo dos direitos individuais, de cunho fundamental, das
crianças e dos adolescentes, assegurando, desta forma, verdadeiramente, as
pessoas que se encontram na peculiar condição de desenvolvimento. E isto se
constitui, precisamente, um movimento que propõe a (re) personalização das
relações sócio-jurídicas, com a nuclearização da pessoa, no centro das
atenções, cuidados e proteções, mediante a preocupação com a sua dignidade,
principalmente, quando se trata de uma criança ou de um adolescente – ainda que
tenha praticado uma ação conflitante com a lei. O primeiro e grande passo que
se deve dar é acreditar, de forma convincente, de que o novo Direito da Criança
e do Adolescente, então, travejado pelo princípio da Doutrina da Proteção
Integral, e, instrumentalizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei
sob nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – possui as condições necessárias de
criação e crítica para a construção de possibilidades de efetivação e
implementação dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes
brasileiros.
Até porque, já se está neste mundo
para sempre e como se sabe nem tudo é perfeito, e, justamente, o que não se
desvela é que ele jamais o será. E isto não é um ponto fraco, mas, sim, forte.
Pois, é precisamente esta tensão entre a norma, a convenção, a hipótese e o
mundo fenomenológico, enfim, os fatos, que, proporcionará uma tessitura aberta
de possibilidades para o futuro. O caminho é construído – ou não – segundo a
credulidade que se tem nos modelos, no compartilhamento do paradigma e nas
principais matrizes da teoria enquanto orientação capaz de possibilitar tal
construção.
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