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Paulo Antônio Locatelli
I -
INTRODUÇÃO:
O Código
Civil de 2003 alterou a maioridade civil, reduzindo-a de 21 para 18 anos de
idade. A partir de então, divergem as opiniões quanto à influência ou não do
novo Código nos institutos penais e processuais penais.
Alguns
doutrinadores posicionam-se no sentido de que esta maioridade não acarretou
qualquer reflexo na legislação penal e processual penal. Por outro lado, vários
juristas sustentam que tanto o Código Penal quanto o Código de Processo Penal
foram revogados na parte que disciplinam a antiga maioridade do réu, entendendo
que ambos os diplomas, nesta matéria, são fundamentalmente baseados e
esculpidos pela norma civil. Sendo assim, se referida fonte inspiradora é
modificada, fatalmente haverá repercussão no conteúdo das normas que utilizam
seus conceitos [1] .
Tem-se
ainda, uma terceira corrente doutrinária cuja linha de raciocínio é difundida
no sentido de que o novo Instituto Civilista alterou apenas a maioridade
processual prevista no Código de Processo Penal, mas em nada modificou as
normas protetivas conferidas ao agente maior de 18 e menor de 21 anos de idade
esculpidas na lei penal.
Com base
nesta última hipótese, apresentamos reflexos nas legislações mencionadas.
II -
REFLEXOS NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:
a)
NOMEAÇÃO DE CURADOR
A redação
do artigo 15 do Código de Processo Penal, que faz alusão a nomeação de curador,
apesar de se dirigir às pessoas entre dezoito e vinte e um anos, não traz essa
referência explícita, subtendendo-se que atinge as pessoas nessa faixa de idade
porque os menores de dezoito anos, por serem inimputáveis não estão sujeitos a
ação penal.
Hoje,
como o menor de 21 anos e maior de 18 não é mais relativamente incapaz, podendo
exercer todos os atos da vida civil, desapareceram a necessidade de curador e a
figura de seu representante legal. De modo que devem ser considerados
ab-rogados ou derrogados, conforme o caso, todos os dispositivos do Código de
Processo Penal que se referem ao menor de 21 anos de idade (e maior de 18) e à
nomeação de curador (arts. 15, 194, 262, 449 e 564, III, c) [2] .
Entende-se
assim, que o artigo acima foi derrogado de forma tácita pelo artigo 5° do novo
Código Civil, derrogando do mesmo modo a letra c do inciso III do artigo 564 do
Código de Processo Penal, que trata da nulidade por falta de nomeação de
curador ao menor de 21 anos.
b)
DIREITO DE QUEIXA
O mesmo
ocorre com o artigo 34 do Código de Processo Penal
[3] . Não há mais que se falar em representante legal de pessoa
natural que já completou 18 anos.
A partir
dos 18 anos de idade, só ele pode decidir sobre os atos da ação privada. Logo,
entende-se que o artigo 34 do Código de Processo penal foi derrogado, e em
conseqüência a Súmula 594 do STF [4] ,
que concedia direitos de queixa e de representação, que podem ser exercidos
independentes, pelo representante ou pelo ofendido. Não há mais possibilidade
dos dois exercerem o direito: ou o ofendido é menor de 18 anos e só o
representante tem legitimidade, ou ele já completou essa idade e só ele pode
exercer o direito.
Desta
forma, o posicionamento dominante é de que os procedimentos penais, cujas ações
se enquadrem na hipótese do artigo 34 do Código de Processo Penal, que
estiverem em curso apenas por vontade do representante legal contra a vontade
do ofendido maior de 18 anos, poderão ser extintas. Pode haver continuação, por
intermédio da peça hábil, se oferecida pelo ofendido, desde que não tenha ainda
ocorrido o prazo decadencial.
Consoante
o exposto, não existe mais indiciado menor civilmente. E se o ofendido for
menor de 21 anos e maior de 18 anos, o direito de queixa somente poderá ser
exercido por ele, que não possui mais representante legal.
Compartilham
desse entendimento, os seguintes doutrinadores: Damásio de Jesus, Fernando
Capez, Gianpaollo Poggio Smanio, Ricardo Cunha Chienti, Victor Eduardo
Gonçalves, Vitor Frederico Kumpel e André E. A. Lima.
Nesse
sentido, vale citar:
Nas
hipóteses em que as disposições fazem referência a representante legal, sem mencionar
a figura do menor de 21 anos e maior de 18, não houve ab-rogação ou derrogação,
devendo ser empregada simples interpretação do texto legal (arts. 14, 34, 38,
50, parágrafo único, 52 e 54). O que mudou foi o conceito (significado) da
expressão ¿representante legal¿. Convém observar ser possível que a pessoa
possua mais de 18 anos de idade, caso em que não existe mais a figura do
representante legal. Mas é admissível que a vítima seja, por exemplo, um doente
mental, caso em que subsiste o representante legal [5] .
III -
IRREFLEXOS NO CÓDIGO PENAL:
a)
ATENUANTE
Dispõe o
artigo 65 do Código Penal que:
são
circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I - ser o
agente menor de 21, na data do fato, ou maior de 70 anos, na data da
sentença;¿
Segundo a
corrente que se mostra dominante, a atenuante da menoridade atua neste caso
como coeficiente de menor culpabilidade, reduzindo o juízo de censura em razão
da falta de pleno amadurecimento da pessoa, sendo a diminuição da pena medida
de política criminal. O legislador de 1940, como o do Código Criminal de 1830 e
o do Código Penal de 1890, não se atrelou ao limite de idade do Código Civil. Por
essas razões, entende-se que o artigo 65, I, do CP, não foi alterado pelo
artigo 5° do novo CC., subsiste [6] .
b) PRAZOS
DA PRESCRIÇÃO
Dispõe o
art. 115 do CP que:
são
reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do
crime, menor de 21 anos, ou, na data da sentença, maior de 70 anos.
As razões
que levaram o legislador à redução do prazo prescricional são as mesmas da
atenuação genérica da pena em face da menoridade. Segundo Damásio de Jesus, ¿a
imaturidade daqueles que ainda não estão com a sua personalidade completamente
formada, como acontece com aqueles que estão saindo da adolescência e entrando
na fase adulta, pode conduzir à prática de atos ilícitos impensados. Além
disso, a convivência carcerária do menor de 21 anos com criminosos perigosos
acabará por perturbar a sua personalidade, razão pela qual, como medida
despenalizadora, a lei penal reduz pela metade o cômputo do prazo prescricional[7] .
Nesse
sentido, sustenta-se na doutrina que o art. 115 do CP, pelos mesmos fundamentos
relacionados ao art. 65, I, não foi ab-rogado ou derrogado pelo art. 5° do novo
Código Civil, portanto, vigendo [8] .
Os que
divergem de tal entendimento, afirmam que o agente a quem é destinada a
proteção conferida pelo Código de Processo Penal, é a mesma pessoa tutelada
pelo Código Penal, nos arts. 65, I e 115. Assim, tornar-se-ia incoerente considerar
o menor como necessitado de proteção no âmbito material, e no processual,
abandonar as garantias correlatas, sendo que, sem as garantias materializadas
no processo penal, não haveria sentido o seu reconhecimento apenas no direito
material.
Afasta-se
o argumento da incoerência, considerando que não pode haver interpretação
extensiva para desfavorecer o réu, uma vez que o fundamento para delimitação da
maioridade penal diverge do fundamento para a delimitação da maioridade civil.
IV -
CONCLUSÕES APONTADAS NO XXV ENCONTRO DOS MINISTÉRIOS PÚBLICOS ESTADUAIS:
Em
relação ao tema, os debates e as teses formuladas para o evento apontaram no
sentido de que: as alterações trazidas pelo novo Código Civil, repercutiram na
legislação processual penal, contudo, na legislação material não houve
alteração.
Hoje,
como a maioridade civil se alcança aos 18 anos, e com ela, o indivíduo é
plenamente capaz para todos os atos da vida civil, sem ressalvas, avaliamos ser
inútil, sem razão de ser e totalmente desnecessária a regra do artigo 194 do
Código de Processo Penal, e, por conseguinte, também imprópria a conseqüência
do artigo 564, inciso III, alínea "c", in fine, do mesmo Código de
Ritos, que declara a nulidade no processo na falta de nomeação de curador ao menor
de 21 anos.
Ademais,
o novo Código Civil é uma Lei de hierarquia igual à do Código de Processo Penal
e, segundo as regras de interpretação, a Lei posterior revoga a anterior, no
que dispuser de modo diverso.[9]
Por fim,
concluem:
Com a
maioridade civil aos 18 anos, não é mais necessária e obrigatória a nomeação de
curador ao denunciado menor de 21 anos; por conseqüência, o artigo 194 do
Código de Processo Penal restou revogado pelo art. 5° da Lei n° 10.406/03; com
a maioridade civil aos 18 anos, e a desnecessidade de nomeação de curador ao
denunciado menor de 21 anos, não é mais considerada causa de nulidade no
processo penal, a falta de nomeação ou intimação de curador ao réu menor de 21
anos; assim, o artigo 564, inciso III, alínea "c", in fine, do Código
de Processo Penal restou revogado pelo artigo 5° da Lei n° 10.406/03. [10]
V -
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dos temas
em análise, apenas a exigência de curador ao réu menor de 21 foi alvo de
discussão junto aos Ilustres Procuradores de Justiça Criminais, tendo o Procurador
de Justiça manifestado-se nos autos - Reclamação n° 2003.005229-1, no sentido
de que destarte, forçoso o reconhecimento de que toda a legislação processual
penal que tem por base a capacidade do ser humano para praticar atos civis foi
afetada pela nova norma civil, motivo pelo qual, desnecessária a nomeação de
curador para o réu menor de 21 anos de idade. De fato, outro não pode ser o
entendimento, ao considerar a razão sócio-jurídica da regulamentação desse
instituto, estritamente relacionada à aptidão e ao discernimento do ser humano
para praticar um ato processual de seu interesse, presumindo a lei que o
indiciado ou acusado menor (absoluta ou relativamente incapaz) necessita de
aconselhamento de pessoa que possa, também, resguardar seus direitos, ou, ao
menos, informá-lo convenientemente. Assim, entendendo a nova legislação civil
que os maiores de 18 anos possuem plena capacidade para gerir sua vida civil e
seus interesses, razão nenhuma subsiste quanto à exigência de nomeação de
curador para os que já alcançaram essa idade¿.
Do mesmo
modo, sobre esse caso, decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina,
pela improcedência da ação, considerando que ao contrário do que acontecia
anteriormente, uma vez que a legislação civil revogada estabelecia o termo
inicial da plena capacidade apenas aos 21 anos completos (art.9°), não existem
mais hipóteses em que o sujeito possa ser processado na esfera criminal sem que
tenha capacidade para praticar os atos processuais, de modo que toda a
legislação processual em sentido contrário foi revogada tacitamente. (...). Com
a entrada em vigor, a partir de 11 de janeiro de 2003, da nova lei civil
pátria, todas as pessoas naturais com 18 anos completos passaram a ter plena
capacidade para a realização de quaisquer atos jurídicos, inclusive a
participação em processo judicial, pelo que tornaram-se inaplicáveis quaisquer
disposições legais que obriguem o suprimento da capacidade.
De outro
vértice, conforme as teses aprovadas no XXV Encontro Nacional dos Ministérios
Públicos Estaduais, percebe-se o nítido posicionamento no sentido da adoção, no
âmbito da Instituição, de que o Código Penal não foi atingido pelas mudanças
ocorridas no direito civil, ao contrário do Código de Processo Penal, que nesse
particular teve suas normas revogadas.
[1] Jesus,
Damásio de. Mesa de Ciências Criminais - A Nova Maioridade Civil: reflexos
penais e processuais penais. São Paulo: complexo jurídico Damásio de Jesus,
fev/2003.
[2] Jesus,
Damásio de. Mesa de Ciências Criminais - A Nova Maioridade Civil: reflexos
penais e processuais penais. São Paulo: complexo jurídico Damásio de Jesus,
fev/2003.
[3] ART.34 -
Se o ofendido for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, o
direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal.
[4] Súmula
594 STF - Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos,
independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal.
[5] Jesus,
Damásio de. Mesa de Ciências Criminais - A Nova Maioridade Civil: reflexos
penais e processuais penais. São Paulo: complexo jurídico Damásio de Jesus,
fev/2003.
[6] Jesus,
Damásio de. Mesa de Ciências Criminais - A Nova Maioridade Civil: reflexos
penais e processuais penais. São Paulo: complexo jurídico Damásio de Jesus,
fev/2003.
[7] Jesus,
Damásio de. Mesa de Ciências Criminais - A Nova Maioridade Civil: reflexos
penais e processuais penais. São Paulo: complexo jurídico Damásio de Jesus,
fev/2003.
[8] Jesus,
Damásio de. Mesa de Ciências Criminais - A Nova Maioridade Civil: reflexos penais
e processuais penais. São Paulo: complexo jurídico Damásio de Jesus, fev/2003.
[9] Canuto,
Érica de Oliveira. 3ª Promotora de Justiça em Assu/RN. Tese n° 121, encontro do
MP.
[10] Canuto,
Érica de Oliveira. 3ª Promotora de Justiça em Assu/RN. Tese n° 121, encontro do
MP.
Disponivel em: http://portalmpsc.mp.sc.gov.br/site/portal/portal_detalhe.asp?campo=1062
acesso em 19.09.05