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A atuação do ente público na persecução criminal, à luz da Constituição Federal
Antônio José Dos Reis Júnior
Procurador do Estado
de Rondônia-lotado na Procuradoria Regional de Vilhena, pós-graduando em
Direito Constitucional
SUMÁRIO:1.
Ente Público ou Entidade Política.1.1. Conceito e classificação.1.2.
Representação em juízo.2. Ação Penal.2.1. Conceito.2.2. Classificação e
Legitimidade.2.3. Natureza jurídica da ação penal privada subsidiária da
pública.2.4. A legitimidade do Estado-Administração para a propositura da ação
penal privada subsidiária da pública com relação aos crimes que causam ou
possam causar lesão ao seu patrimônio físico.3. A assistência da acusação.3.1.
Conceito e Legitimidade.3.2.A legitimidade do ente público para atuar como
assistente da acusação nos processos relacionados aos crimes que causam ou
possam causar lesão ao seu patrimônio.3.3. O âmbito de atuação do ente público
nos processos em que atua como assistente da acusação.4. Os crimes praticados
por funcionário público.4.1. Considerações Gerais.4.2. Sujeito passivo –
Estado-Administração.4.3. A intervenção do ente público, também nas persecuções
relacionadas aos crimes praticados por funcionário público que não causam lesão
ao seu patrimônio material.5. A forma de atuação do agente público no
desempenho de suas atribuições.5.1. O Poder-Dever de agir.5.2. O princípio da
eficiência.5.3. O princípio da indisponibilidade.5.5. A obrigatoriedade da
intervenção dos entes públicos nos processos criminais.
INTRODUÇÃO
Seria
relevante para o atendimento dos interesses das pessoas jurídicas de direito
público e, por conseguinte, para o aperfeiçoamento da defesa do próprio
interesse público, se os órgãos que as representam judicial e
extrajudicialmente fizessem uso da ação penal privada subsidiária da pública,
se necessário, bem como, da intervenção na condição de assistentes de acusação
nos processos penais instaurados em face de crimes que lesam o seu patrimônio
público ou interesse jurídico, tendo em vista que as sentenças proferidas nas
aludidas ações influenciam, e muito, nas questões relacionadas ao ressarcimento
de danos e à responsabilidade funcional dos servidores.
Assim,
é de se indagar:
1
- São os entes públicos detentores de legitimidade para tanto, levando-se em
consideração as suas distinções, para uns, e a sua semelhança, para outros, com
o Ministério Público?
2
- Em se considerando a possibilidade do ente público tomar as providências
legais supracitadas, teria o dever ou a mera faculdade de agir?
3
- Qual seria o âmbito de atuação na qualidade de assistente, ou seja, seria um
assistente simples ou litisconsorcial, ou ainda, limitar-se-ia a atuar visando
apenas futura indenização ou atuaria de uma forma mais ampla, como colaborador
da acusação pública?
4
- Em quais processos poderia atuar: apenas naqueles relacionados com a eventual
e futura indenização em favor do Estado-Administração ou também naqueles em
que, malgrado não lhe cause prejuízo material, figura como sujeito passivo
imediato, como sói acontecer nos crimes praticados por funcionário público
contra a Administração Pública?
A
reflexão sobre os conteúdos das normas e princípios vigentes, especialmente os
de natureza constitucional, bem como acerca dos posicionamentos doutrinário e
jurisprudencial, conduz à conclusão de que o ente de direito público é
detentor não só da legitimidade como também do dever de propor a ação penal
privada subsidiária da pública. quando omisso o Parquet, nos crimes que
provocam lesão ao patrimônio público ou interesse jurídico, bem como de atuar
de forma ampla nos processos penais instaurados em face da prática de referidos
delitos, na condição de assistente da acusação.
A
escolha do presente tema tem como finalidade, primeiramente, promover a
conscientização, em especial dos órgãos de representação das pessoas jurídicas
de direito público, no sentido de que o Estado-Administração possui não só
legitimidade, como também o dever de utilizar os instrumentos processuais acima
referenciados, eis que se mostram omissos frente à persecução penal relacionada
aos citados crimes, deixando de lado instrumento relevante para a defesa do
interesse público.
Em
segundo lugar, pelo fato de que, indisputavelmente, uma participação efetiva e
colaborativa junto aos órgãos de persecução penal, irá aperfeiçoar, e muito, a
atuação estatal em defesa do patrimônio público, eis que, como é cediço, o
processo penal destina-se, também, à reparação civil, conforme o disposto no
art. 63 do Código de Processo Penal adiante transcrito, como, outrossim, dele
exsurgem importantes reflexos na área cível e, por conseguinte, nos processos
administrativos disciplinares, tal como aqueles previstos no artigo 65 do mesmo
diploma legal
Art.
63: Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a
execução, no juízo cível, para o efeito de reparação do dano, o ofendido, seu
representante legal ou seus herdeiros."
Art.
65: Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato
praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento
do dever legal ou no exercício regular de direito.
Além
do que, com a conscientização e tomada das providências cabíveis, o ente
público, necessariamente, passará a acompanhar os inquéritos policiais junto às
Delegacias de Polícia do Patrimônio Público; promoverá o aperfeiçoamento da
atuação da Fazenda nos processos cíveis de reparação de danos, se porventura em
andamento concomitante com o correspondente processo penal; proporcionará uma
maior eficiência da acusação pública, pois o procurador da entidade política
terá, obviamente, acesso mais agilizado à documentos e importantes informações,
além do conhecimento adquirido em razão do desempenho de suas funções, que
poderá compartilhar com o Parquet, ligados ao intrincado funcionamento
da máquina administrativa e aos ramos do direito a ela afetos, etc.
É
de se ressaltar, ainda, que a aludida conscientização dos órgãos
representativos, acerca, inclusive, do dever de atuar, conduzirá, quiçá,
a uma profunda modificação em suas estruturas, como, p. ex., criação de novas
procuradorias ou órgãos e, até mesmo, alterações nas provas dos concursos para
provimento do cargo de representante da entidade política, tais como o de
Procurador do Estado; da Fazenda Nacional; dos Municípios, etc., eis que o foco
de atuação estará direcionado, também, na área criminal, quase que totalmente
desprezada atualmente.
1- ENTE
DE DIREITO PÚBLICO OU ENTIDADE POLÍTICA
1.1.–
CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
Entidade
ou ente, nada mais é do que a pessoa jurídica.
Assim,
pode-se afirmar que no âmbito de nossa organização política e administrativa,
os entes de direito público são os estatais, autárquicos e fundacionais.
Acerca
da definição dos aludidos entes, é de se trazer à baila as lições de Hely Lopes
Meirelles:
"Entidades
estatais: São pessoas jurídicas de Direito Público que integram a estrutura
constitucional do Estado e têm poderes políticos e administrativos, tais como a
União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal. A União é
soberana; as demais entidades estatais têm apenas autonomia política,
administrativa e financeira, mas não dispõem de Soberania, que é privativa da
Nação e própria da Federação.
Entidades
autárquicas: São pessoas jurídicas de direito público, de natureza
meramente administrativa, criadas por lei específica, para a realização de
atividades, obras ou serviços descentralizados da entidade estatal que as
criou. Funcionam e operam na forma estabelecida na lei instituidora e nos
termos de seu regulamento. As autarquias podem desempenhar atividades
educacionais, previdenciárias e quaisquer outras outorgadas pela entidade
estatal-matriz, mas sem subordinação hierárquica, sujeitas apenas ao controle
finalístico de sua administração e da conduta de seus agentes.
Entidades
fundacionais: São pessoas jurídicas de Direito Público ou pessoas jurídicas
de Direito Privado, devendo a lei definir as respectivas áreas de atuação,
conforme inc. XIX do art. 37 da CF, na nova redação dada pela EC 19/98. No
primeiro caso elas são criadas por lei, à semelhança das autarquias, e no
segundo a lei apenas autoriza a sua criação, devendo o Poder Executivo tomas as
providências necessárias à sua instituição." [01]
Frise-se,
que, comumente, os doutrinadores utilizam-se dos termos Fazenda Pública;
Estado-Administração ou Pessoa Jurídica de Direito Público como sinônimos de
ente de direito público.
1.2
– REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
Os
entes públicos são representados em juízo pelo Chefe do Executivo ou por
procurador constituído de forma contratual ou institucional.
O
ente estatal, mais especificamente, os Estados-membros e o Distrito Federal,
são representados por procuradores institucionalmente constituídos, nos termos
do art. 132 da Carta Magna adiante transcrito:
"Art.
132: Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em
carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos,
com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fazes,
exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas
unidades federadas".
Da
mesma forma, a União, nos termos em que estabelece o disposto no artigo 131 da
Constituição Federal:
"Art.
131: A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de
órgão vinculado, representa a União, judicial ou extrajudicialmente,
cabendo-se, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e
funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder
Executivo".
Os
Municípios, por sua vez, são representados pelo Chefe do Executivo, ou por
procurador, conforme estabelecido no inciso II do art. 12 do Código de Processo
Civil: "Serão representados em juízo, ativa e passivamente: II – o
Município por seu Prefeito ou procurador".
Como
se vê, a Constituição silenciou acerca da aludida representação, talvez pela
grande dificuldade prática de se obrigar a instituição de Procuradorias, frente
a notória escassez de recursos financeiros que afeta a maioria dos municípios.
No
que tange às autarquias e fundações de direito público, pode se afirmar que
serão representadas por seus dirigentes máximos ou por procurador autárquico ou
fundacional, nos termos em que dispuser a lei, conforme se depreende do
disposto no art. 12 do Código de Processo Civil.
É
interessante salientar, neste tópico, que os procuradores dos entes públicos
são detentores da importante missão de representá-los judicial e
extrajudicialmente, agindo ativa ou passivamente (defesa) em seu favor, e
não a pessoa do governante ou do dirigente executivo.
A
propósito, ensina Cláudio Grande Júnior, citando Fides Angélica Ommati:
"Quanto
à atividade de defesa, o grande impasse diz respeito a "não se confundir a
defesa do Estado com defesa do governo, se bem que, por vezes, possa
ocorrer". E tal se deve ao fato de que do mesmo modo que no processo penal
ao réu deve ser efetivamente garantida a ampla defesa, ao Estado também se deve
garanti-la, porque ambas as hipóteses encarnam interesses indisponíveis.
Pode-se afirmar categoricamente que "no plano da defesa jurídica, a
evolução é marcada pela defesa dita integral, que inclui a judicial e
extrajudicial"......Pode perfeitamente ocorrer de se ter que defender o
governo, um vez que este dá tônica à atuação estatal, o que, inclusive,
determina o comportamento do Estado em ações populares e civil públicas. Mas
não se pode chegar ao absurdo de advogados públicos defenderem a pessoa do
governante em processos criminais ou de mero interesse particular, porque aí,
sim, este estaria patrimonializando mão-de-obra qualificada estatal em
benefício pessoal. Aliás, o que o Estado ganharia com isso?. Nada, só o
governo! Não se justifica, portanto, dito patrocínio judicial por advogados
públicos". [02]
Sobre
o mesmo tema, as lições de Hely Lopes Meirelles:
"O
Chefe do Executivo não pode utilizar advogado da Administração Pública, ou
contratá-lo às expensas da Fazenda Pública, para sua defesa, por fato anterior
ou concomitante ao exercício do cargo, salvo em questão pertinente às suas
prerrogativas". [03]
Outra
questão que importa ser esclarecida neste momento, diz respeito às
características que norteiam a "representação" exercida pelos órgãos
das entidades políticas.
Em
se considerando que o representante da pessoa jurídica de direito público não
é, em última análise, representante e nem substituto processual, é de se
afirmar que ele o presenta. Vale dizer: a defesa e o ataque judiciais e
extrajudiciais praticados pelos procuradores (pessoas físicas), são, na
verdade, os atos praticados pelo próprio ente público.
Com
extrema precisão técnica posicionou-se, a respeito, Athos Gusmão Carneiro,
citando Pontes de Miranda:
A
substituição processual mostra-se inconfundível com a representação.
O
substituto processual é parte, age em juízo em nome próprio, defende
em nome próprio o interesse do substituído.
Já
o representante defende "em nome alheio o interesse alheio".
Nos
casos de representação, parte em juízo é o representado, não o
representante. Assim, o pai ou o tutor representa em juízo o filho ou o tutelado,
mas parte na ação é o representado.......
Também
inconfundíveis substituição processual e presentação. O órgão
mediante o qual a pessoa jurídica se faz presente e expressa sua vontade não é
substituto processual e nem representante legal: "A pessoa jurídica não é
incapaz. O poder de presentação, que ela tem, provém da capacidade mesma da
pessoa jurídica.......
..................................
A
presentação é extrajudicial e judicial (art. 17); processualmente, a pessoa
jurídica não é incapaz. Nem o é, materialmente...(...)...O que a
vida nos apresenta é exatamente a atividade das pessoas jurídicas através de
seus órgãos: os atos são seus, praticados por pessoas físicas".
(Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t., 1, § 97, n. 1).
(grifo nosso) [04]
2 -
AÇÃO PENAL.
2.1
- CONCEITO
O
Prof. Júlio Fabrini Mirabete traz em sua obra "Processo Penal",
conceitos de ação penal elaborados por Magalhães Noronha e José Frederico
Marques: "...o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do Direito
Penal Objetivo" (Magalhães Noronha), ou ainda, "o direito de
invocar-se o Poder Judiciário para aplicar o direito penal objetivo" (José
Frederico Marques). [05]
O
citado Mestre, por sua vez, adotando o conceito elaborado por Fernando da Costa
Tourinho Filho, leciona que a ação penal:
a-
É um direito autônomo:
O
direito de ação é autônomo, pois não se confunde com o direito subjetivo
material que ampararia a pretensão deduzida em juízo. Se não fosse, não se
poderia compreender como o direito de ação pôde ser exercido pela parte quando,
afinal, foi ela julgada improcedente. Tem assim a ação um conteúdo próprio, uma
vida própria, diversos do direito material a que está ligado. O destinatário da
ação não é o sujeito passivo da pretensão insatisfeita e sim o Estado,
representado pelo órgão judiciário, a quem se endereça o pedido sobre a
pretensão. O interesse do autor é ver atendida sua pretensão, aquela deduzida
perante o Estado-Juiz.
b-
É um direito abstrato:
Além
de autônomo, o direito de ação é um direito abstrato, que investe o seu titular
da faculdade de invocar o poder público, por meio dos órgãos judiciários, para
compor uma lide e atender, se possível, a pretensão insatisfeita de que este se
origina. Independe, portanto, do resultado final do processo, de que o autor
tenha ou não razão, ou de que obtenha ou não êxito no que pretende.
c-
É um direito instrumental, específico e determinado:
É
também um direito instrumental. Embora o fim último do autor seja o de obter um
resultado favorável à pretensão insatisfeita, o direito de ação tem por fim a
instauração do processo, com a tutela jurisdicional, para a composição da lide.
Esse direito instrumental, porém, só existe porque é conexo a um caso
concreto. Ingressa-se em juízo pretendendo algo específico. Seu conteúdo é a
pretensão deduzida, como determinado, porque está ligada a um fato ou interesse
concreto.
d-
É um direito subjetivo:
É
a ação um direito subjetivo, porque o titular pode exigir do Estado-Juiz a
prestação jurisdicional.
e-
É um direito público:
É
um direito público porque serve para a aplicação do direito público, que é o de
provocar a atuação jurisdicional.
E,
por fim, assevera:
Diante
de tais características pode-se adotar a definição de ação fornecida por
Fernando da Costa Tourinho Filho: "Ação é o direito subjetivo de se
invocar do Estado-Juiz a aplicação do direito objetivo a um caso concreto. Tal
direito é público, subjetivo, autônomo, específico, determinado e abstrato".
(grifo nosso) [06]
2.2
- CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES PENAIS
Vários
são os critérios de classificação das ações penais.
Colocando-se
a ação penal no esquema da Teoria Geral do Processo, em face do seu conteúdo,
pode-se afirmar que ela subdivide-se em ações de conhecimento (declaratória,
constitutiva e condenatória), as cautelares e as executivas.
Convém
trazer à colação, a esta altura, as lições do Professor Julio Fabrini Mirabete:
a-
Ação penal declaratória:
Ação
penal de conhecimento é aquela em que a prestação jurisdicional consiste numa
decisão sobre situação jurídica disciplinada no Direito Penal. São exemplos de
ação penal declaratória o hábeas corpus preventivo em que o pedido é de
declarar-se a existência de uma ameaça à liberdade de locomoção....
b-
Ação penal constitutiva:
Sendo
a ação penal constitutiva àquela destinada a criar, extinguir ou modificar uma
situação jurídica sob a regulamentação do direito penal ou formal, apontam-se
como exemplos as referentes ao pedido de homologação de sentença penal
estrangeira e o de revisão criminal (que é uma rescisória no campo penal).
c-
Ação penal condenatória:
A
ação penal condenatória, destacadamente a mais relevante no campo penal, é a
que tem por objetivo o reconhecimento de uma pretensão punitiva ou aplicação de
medida de segurança, para que seja imposto ao réu o preceito sancionador da
norma penal incriminadora.
d-
Ação penal executiva:
Como
ação penal executiva, em que se dá atuação à sanção penal, cita-se a execução
da pena de multa, disciplinada nos artigos 164 a 170 da Lei de Execução Penal.
Como a execução das demais penas (privativas de liberdade e restritivas de
direito) independe de provocação dos órgão da persecução penal, procedendo-se
de ofício, sem citação, não há que se falar, nessas hipóteses, em ação
executiva, mas em prolongamento da ação penal condenatória.
e-
Ação penal cautelar:
A
ação cautelar, em que há a antecipação provisória das prováveis conseqüências
de uma decisão de ação principal em que se procura afastar o periculum in
mora assegurando a eficácia futura desse processo, encontra exemplos no
processo penal na perícia complementar (art. 168), no depoimento ad
perpetuam rei memoriam (art. 225), na prisão preventiva (arts. 311 e ss)
etc. [07]
Todavia,
o critério mais utilizado é aquele que se baseia no aspecto subjetivo do
titular da ação penal (aquele legitimado a propor a ação penal).
Adotando-se
o citado critério, as ações penais são públicas, quando a titularidade de seu
exercício é do Ministério Público, ou privadas, quando seu titular é o
particular ofendido ou seu representante legal.
As
ações penais públicas, por sua vez, subdividem-se conforme esteja ou não
presente uma condição específica de procedibilidade, qual seja, a representação
do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça. Quando se exige este
requisito, a ação é pública condicionada; nos demais casos a ação será pública
incondicionada.
É
de se ressaltar que os motivos determinantes do enquadramento de determinado
crime a um dos tipos de ação supracitados são de natureza política criminal.
Assim,
os crimes mais agressivos a sociedade, são de persecução absolutamente
indisponível, estando sujeitos a ação pública incondicionada.
Nos
crimes em que ocorra lesão imediata concernente à esfera íntima do ofendido e
apenas mediata ao interesse da coletividade, exige-se que o ofendido manifeste
o desejo de que se inicie a persecução, embora a iniciativa continue sendo
pública (ação penal pública condicionada).
Há
crimes em que a ofensa atinge quase que exclusivamente o interesse do sujeito
passivo. Nestes, o Estado confere ao ofendido o próprio direito de ação.
Tendo
em vista a finalidade do presente trabalho, é de se concentrar a atenção mais
especificamente, embora de forma bastante concisa, na sub-classificação das
ações penais privadas.
Leciona
o Mestre Julio Fabrini Mirabete, que:
"há
duas formas de ação privada: a exclusiva, ou principal, e a subsidiária
da ação pública. A ação privada exclusiva somente pode ser proposta pelo
ofendido ou por seu representante legal...Fala-se na ação privada personalíssima,
cujo exercício compete, única e exclusivamente, ao ofendido, em que não há
sucessão por morte ou ausência". [08].
No
que se refere à ação privada subsidiária da pública, assevera o citado mestre
que pode "intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério
Público não oferece denúncia no prazo legal (art. 100, § 3º, do CP, e art. 29,
do CPP. [09].
Veja-se
o que dispõem os citados dispositivos legais:
Art.
100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente declara
privativa do ofendido.
.......
§
3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública,
se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal".
"Art.
29 – Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for
intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa,
repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do
processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no
caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal."
Importante,
neste momento, citar, também, o artigo 30 do Código de Processo Penal: "Ao
ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação
privada".
Assim,
é de se concluir que a aludida ação pode ser intentada por qualquer um que
tenha o seu bem jurídico lesado ou ameaçado pela prática de crime, qualquer que
seja a lei definidora do ilícito.
Assente-se,
em passant, que a propositura desta ação só tem guarida quando
caracterizada a inércia do Ministério Público. Vale dizer: quando, transcorrido
o prazo legal, não são tomadas as providências cabíveis, o que não ocorre, vale
ressaltar, quando o inquérito policial é arquivado por despacho do juiz, a
requerimento do Promotor de Justiça.
No
ponto, Mirabete observa que:
"A
ação penal subsidiária, ou supletiva, só tem lugar no caso de inércia do órgão
do MP, ou seja, quando ele, no prazo que lhe é concedido para oferecer a
denúncia, não a apresenta, não requer diligência, nem pede o arquivamento.
Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do
Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem provas (Súmula 525)
e, em conseqüência, não cabe a ação privada subsidiária". [10].
No
mesmo sentido, o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
"Para
que surja o direito de promover a ação penal privada subsidiária é
indispensável que tenha havido omissão da ação pelo Ministério Público, o que
nada mais é do que a inércia processual – falta de oferecimento de denúncia ou
de pedido de arquivamento formulado à autoridade judiciária – e não
verificar-se se ocorreu ou não inércia administrativa do citado órgão".
[11]
Note-se,
que, se o juiz não concordar com o pedido de arquivamento, aplica-se o disposto
no artigo 28 do Código de Processo Penal:
"Se
o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar denúncia, requerer o arquivamento
do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de
considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou
peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá denúncia, designará
outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de
arquivamento, ao qual só então estará obrigado o juiz obrigado a atender".
Todavia,
é de se concluir que se evidencia a inércia do Ministério Público nas hipóteses
em que o pedido de arquivamento do inquérito policial não for cabalmente
fundamentado, e, por via de conseqüência, a possibilidade da propositura da
ação penal privada subsidiária da pública.
Como
se vê, a questão é por demais intrigante, eis que, de um lado, a lei processual
determinando que o juiz estará obrigado a acatar a decisão do
Procurador-Geral no sentido de que o inquérito deverá ser arquivado. Do outro,
a possibilidade, muito remota, é claro, do Chefe do Ministério Público insistir
num arquivamento absurdo, decorrente de escancarada falta ou descabida
fundamentação.
Ora,
nestes casos, é forçoso concluir que a restará à vítima desconsiderar a decisão
do Ministério Público e a posterior homologação desta decisão pelo juiz, até
mesmo em face da sua nulidade absoluta, e propor a ação penal privada
subsidiária da pública, sob o argumento de que restara caracterizada a inércia
do Parquet.
No
caso, porém, de não ser recebida a ação por ter sido aplicado no caso concreto
o art. 28 do CPP, restaria ao ofendido a tomada das medidas processuais
cabíveis - tais como, por exemplo, a propositura de mandado de segurança; ação
de nulidade, etc. -, para assegurar o seu direito constitucional de acesso à
justiça, ou seja, de utilizar-se da ação penal privada prevista nos artigos 5º,
inc. LIX da Carta Magna; 100, § 3º do CP e 29 do CPP, quando evidenciada a
omissão do Ministério Público.
Não
se trata, é evidente, de negar vigência ao disposto no art. 28 do Código de
Processo Penal, eis que para a sua aplicabilidade, pressupõe-se, obviamente, a
atuação legítima de "Parquet" em fundamentar adequadamente o pedido
de arquivamento do inquérito policial.
Do
contrário, estar-se-ia admitindo, ao arrepio da técnica, da lógica, da moral,
dos princípios que norteiam o estado democrático de direito e o devido processo
legal, um monopólio tirano da ação penal.
2.3
- NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA
Como
é cediço, a ação penal privada subsidiária da pública, está prevista,
inclusive, no art. 5º, inciso LIX da Constituição Federal: "Será
admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no
prazo legal".
A
propósito, ensina o Prof. Mirabete que:
"Essa
ação privada subsidiária da ação pública passou a constituir garantia
constitucional com a nova Carta Magna (art. 5º, LIX), em consonância, aliás,
com o princípio de que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV). Atende-se ao inderrogável princípio
democrático do processo a participação do ofendido na persecução penal"
[12].
O
Procurador da República Anastácio Nóbrega Tahim Júnior, por sua vez, observa:
"Alçada
à categoria de garantia constitucional, a ação penal privada subsidiária
da pública ainda suscita controvérsias. Singularizada por muitos como uma
verdadeira avis rara de nosso ordenamento jurídico, sem prejuízo da
inconveniência resultante de sua existência num sistema acusatório, como é o
caso do nosso, a verdade é que, com assento no artigo 5º de nossa Carta
Política de 1988, a ação penal privada subsidiária consubstancia-se em cláusula
pétrea, em que pese todas essas honrosas críticas". [13]
Têm-se,
pois, que a natureza jurídica da ação penal privada subsidiária da pública é de
instrumento de garantia constitucional, podendo, assim, ser também
chamada de "remédio".
2.4
- A LEGITIMIDADE DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL
PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA COM RELAÇÃO AOS CRIMES QUE CAUSAM OU POSSAM
CAUSAR LESÃO AO SEU PATRIMÔNIO FÍSICO.
Conforme
visto acima, a ação supracitada caracteriza-se como cláusula pétrea e pode ser
intentada por qualquer um que tenha o seu interesse ou bem jurídico lesado ou
ameaçado de lesão pela prática de crime.
Desta
feita, pode-se afirmar que o titular desta ação é, obviamente, o sujeito
passivo imediato do crime ou o ofendido pela prática delituosa (CPP, art. 30).
Todavia,
é necessária uma análise acerca da abrangência da aplicabilidade desse
dispositivo constitucional.
Não
se pode afirmar, obviamente, que o citado sujeito passivo poderia ser
tão-somente a pessoa física.
É
evidente que também detém esta condição a pessoa jurídica, eis que também pode,
obviamente, sofrer lesão ou ameaça de lesão, em decorrência da prática de uma
infração penal.
Neste
sentido é o entendimento do Prof. Fábio Ramazzini Bechara, ao comentar acerca
da pessoa jurídica na condição de sujeito passivo de crimes:
Nesse
mesmo conceito se inserem não somente as pessoas físicas, mas igualmente as
pessoas jurídicas, sejam elas de direito público ou de direito privado. No
crime de estelionato, na modalidade emissão de cheques sem fundos, por exemplo,
tanto é possível que o sujeito passivo seja uma pessoa física quanto uma
pessoa jurídica – uma empresa, uma sociedade de economia mista, a União, os
Estados, os Municípios. (grifo nosso). [14]
Têm-se,
pois, que a entidade política é detentora da aludida legitimidade, eis que é
pessoa jurídica e figura como sujeito passivo direto em várias figuras delitivas,
tais como aquelas previstas no Capítulo I do Título XI do Código Penal; na Lei
das Licitações e Contratos, etc.
No
ponto, é de se trazer o comentário de Jessé Torres sobre o artigo 90 da Lei
Federal n. 8.666/93:
"Art.
90 – Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro
expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de
obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da
licitação:
Pena
– detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
........
3.1
- Objetividade jurídica
A
Administração Pública, no particular aspecto de seu patrimônio, que deve ser
protegido através da aquisição mediante a proposta mais vantajosa, sobretudo
quanto ao preço, da moralidade que deve presidir seus atos e da livra
concorrência que se aplica ao processo licitatório, permitindo a competição
salutar entre todos os licitantes.
........
3.3
– Sujeito passivo
Primariamente,
o Estado que vê frustrado ou fraudado seu interesse na competitividade da
licitação e da qual deve emergir a proposta mais vantajosa economicamente.(grifei)
[14-a]
Não
há se falar que o Ministério Público, por se confundir com o
Estado-Administração, retiraria deste a legitimidade para propor a ação
subsidiária, eis que, consoante é sabido, a Constituição Federal de 1988
retirou do Parquet a atribuição de representante judicial dos entes de
Direito Público (arts. 131 e 132), o que os legitima plenamente para a
propositura da ação subsidiária.
Como
dilucida o Professor Airton Rocha Nóbrega:
Uma
avaliação atual dessa questão, exige, necessariamente, que se considere o fato
de estarem deslocadas da esfera de competência do Ministério Público as
atribuições alusivas à representação judicial dos entes de Direito Público que,
com a promulgação da Carta Federal de 1988, se viu transferida, no âmbito
federal, para a esfera da Advocacia-Geral da União (art. 131).
Esse
órgão passou a ter, portanto, por intermédio de quadro próprio, de forma
independente e dissociada da atuação do Ministério Público, a função
institucional de representante judicial da União, diretamente ou através de
órgão vinculado.
Ao
Ministério Público, como órgão independente e instituição permanente, essencial
à função jurisdicional do Estado, reserva-se o exercício de atribuições que lhe
são próprias (CF: art. 129), não mais fazendo parte desse rol de
atividades aquela alusiva à representação de tais entes.) (grifei) [15].
Por
sua vez, o Professor Rodolfo de Camargo Mancuso, citando José Marcelo Menezes
Vigliar, afirma:
Nesse
ponto, é muito importante a distinção conceitual, desenvolvida na doutrina
italiana por Renato Alessi, entre "interesse público primário" e
"interesse público secundário", cujo desdobramento permite, a
nosso ver, a não menos importante distinção entre "interesse público"
(propriamente dito) e "interesse fazendário" ou "da
Administração Pública".
Note-se
que o art. 127 da CF legitima o Ministério Público à defesa "dos interesse
sociais e individuais indisponíveis", mas no art. 129, IX, veda-lhe
"a representação judicial e a consultoria jurídicas entidades públicas",
justamente por causa daquela distinção, observando-se, v.g., que "o
interesse da União" vem a ser defendido por esse mesmo ente político,
através de sua Procuradoria, no caso a Advocacia Geral da União (CF, art. 131).
No ponto, preleciona José Marcelo Menezes Vigliar: "Fica patente que
nem sempre o interesse cujo Estado (enquanto pessoa jurídica de direito
público) é o titular coincide com o interesse público identificado com o
conceito de bem geral (interesse da coletividade como um todo. (grifo nosso)
[16]
O
Professor Jessé Torres Pereira Júnior, ao comentar o disposto no art. 103 da
Lei Federal n. 8.666/93, em singular e objetiva apreciação, assevera com plena
juridicidade, que o Estado-Administração, por distinguir-se do Ministério Público,
tem plena legitiminade para propor a ação subsidiária:
Consagrou
o legislador, neste dispositivo, o que a doutrina nomeia ação penal privada
subsidiária da pública. Instituto incluído nos artigos 29 e 30 do Código de
Processo Penal e alçado a direito individual pelo constituinte de 1988,
consiste na garantia que se assegura ao cidadão de poder deflagrar o processo
persecutório do infrator em caso de inércia de órgão de atuação do Ministério
Público, quando este deixa de propor a ação penal, oferecendo a denúncia no
prazo legal. É hipótese, pois, de substituição processual, eis que o ofendido
ou quem tenha qualidade para representá-lo atua em nome próprio defendendo
direito alheio, uma vez que o titular do direito de punir é o Estado.
Cumpre,
pois, definir quem tem a legitimação extraordinária para propor a ação penal
privada subsidiária. Remete o dispositivo em comento ao disposto nos artigos 29
e 30 do diploma processual penal, estabelecendo este último que caberá ao
ofendido (ou a quem tenha qualidade para representá-lo) a iniciativa para
intentar a ação penal no caso de omissão do Ministério Público. Legitimado,
pois, será o titular do bem jurídico penalmente tutelado e lesado pelo ato
infracional praticado.
Sob
este prisma, vamo-nos deparar com curiosa situação, nos caso dos crimes
definidos na Lei: como, em todos eles, o objeto da proteção penal é a
Administração Pública e, por conseguinte, sujeito passivo primário é o Estado,
disto se segue será ele, o ofendido, o legitimado extraordinariamente para a
propositura da ação penal privada subsidiária da pública. Peculiar situação em
que veremos o Estado substituindo-se...ao próprio Estado!
Com
efeito. Titular do direito de ação penal pública, não detém o Ministério
Público um direito próprio, seu, exclusivo, senão que a Constituição lhe
confere a guarda e o exercício de um direito do Estado, já que a este, e só a
este, se reconhece a titularidade do direito de punir. Por isto mesmo, é o
Ministério Público órgão do Estado, velando o legislador constituinte por
conferir-lhe prerrogativas (antes só reconhecidas à magistratura) que lhe
assegurassem a necessária independência no exercício da superior função que lhe
entregou a Carta da República. O exame destas prerrogativas (art. 128, I, da
Constituição Federal) revela a preocupação do legislador constituinte, em
tornar os membros do Parquet imunes a influências e pressões originadas,
de regra, no seio da Administração Pública.
Disto
se depreende que nem sempre são coincidentes os interesses defendidos e
tutelados pelo Ministério Público e aqueles patrocinados pela Administração
Pública. A prática, aliás, demonstra o sem-número de vezes em que o Ministério
Público atua contra a Administração Pública, promovendo medidas na área cível e
criminal, que confrontam o exercício do poder pelo administrador.
Não
é de desprezar-se, portanto, a hipótese em que o entendimento do Ministério
Público contrarie os interesses da Administração Pública quando à dedução da
ação penal, não se podendo admitir que o Estado, por sua Administração, se
visse tolhido em seu direito de ver submetida à apreciação do Poder Judiciário
lesão que entenda ter ocorrido a direito seu, no caso de inércia ou inação da
representação do Ministério Público.
Não
hesitamos, portanto, em admitir que, em se tratando de crime definido na Lei
(como, de resto, em qualquer crime cometido contra interesse ou patrimônio da
Administração Pública), a inércia do Ministério Público, na propositura da ação
penal pública autoriza ao Estado, por sua Administração, o exercício da ação
penal privada subsidiária, hipótese em que ele se equipara ao particular (como
em tantas outras, aliás), assim como o exercício da faculdade de recorrer,
prevista no artigo 598 do Código de Processo Penal, nos casos em que o órgão de
atuação do Ministério Público se conforme com a decisão proferida na ação
penal, mas cujo desfecho a Administração Pública repute incompatível com o
interesse público.(grifei) [17]
Assim,
caracterizada a efetiva distinção de interesses e de atuação entre o Ministério
Público e os entes públicos, bem como a evidente possibilidade destes serem
sujeitos passivos de crimes, resta categoricamente demonstrada a legitimidade
das aludidas entidades proporem a ação privada subsidiária da pública, se
necessário, lembrando, nesse ponto, que a referida ação fora elevada à
categoria de garantia constitucional, conforme visto no item anterior.
Realce-se,
ainda, que se a melhor doutrina tem admitido, inclusive, a propositura da ação
subsidiária da pública até mesmo nos chamados crimes vagos, quanto mais
naqueles tipos penais em que o ente público é de pronto identificado como
vítima; ofendido ou sujeito passivo imediato.
A
esse respeito, e para corroborar ainda mais as afirmativas acima, é de se
transcrever parte da tese apresentada e aprovada pelo Ilustre Procurador da
República em Goiás, Dr. Anastácio Nóbrega Tahim Júnior, no 13º Congresso
Nacional do Ministério Público, onde cita, inclusive, o Código de Defesa do
Consumidor, que prevê a titularidade da ação subsidiária até mesmo por órgão
da administração pública sem personalidade jurídica:
".....não
se pode deixar de ter presente que a ação penal privada subsidiária é privada,
apenas, subsidiariamente. Traz ela, como pano de fundo, toda a principiologia
que inspira e informa as ações penais públicas. Em se tratando de ação pública
em sua essência, pois, como qualquer uma outra, seu móvel não é um interesse
particular da vítima, mas o interesse público que anima e justifica a própria
repressão criminal.
Parece
insustentável, portanto, que esse interesse público e princípios como o da
obrigatoriedade e da indisponibilidade, por exemplo, possam não ser
reconhecidos a ponto de cair no vazio a persecução penal quando inerte o
Ministério Público, em casos que tais; tão somente pelo fato de se ter, como
sujeito passivo, uma dada coletividade...
Assim,
quer tenha o crime, como sujeito passivo, uma pessoa individualmente
considerada e determinada, quer uma coletividade destituída de personalidade
jurídica, é possível concluir, com extrema razoabilidade, que há identidade de
razão jurídica entre ambas as situações, a justificar a aplicação dos mesmos
princípios e dispositivos.
É
dizer, qualquer que seja o delito, se inerte o Ministério Público quando do
oferecimento de denúncia, estará aberto o caminho para a ação penal privada
subsidiária, por quem detenha a necessária legitimidade....."
..........
Corroborando
a tese aqui esboçada, no sentido de que a ação penal privada subsidiária da
pública também tem ampla aplicação nos crimes que comprometem toda uma
coletividade – e a de consumidores não poderia passar ao largo dessa disciplina
-, a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, atribuiu legitimidade ativa para
aquela causa também aos legitimados indicados no artigo 82, incisos III (as
entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem
personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e
direitos protegidos pelo CDC) e IV (as associações legalmente constituídas há
pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos
interesses e direitos protegidos pelo CDC) da mesma lei, nos termos de seu
artigo 80.
Conclusão:
..........
I
– a ação penal privada subsidiária da pública tem, também,plena aplicação nos
chamados crimes vagos; aqueles em que o sujeito passivo é uma coletividade
destituída de personalidade jurídica;
II
– em caso de inércia do Ministério Público no oferecimento de denúncia em casos
que tais (crimes contra a incolumidade pública ou mesmo contra o meio ambiente,
por exemplo), a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública poderá
ser proposta por todo aquele que puder se identificar, ao lado da coletividade
a que pertence, como sendo o titular do bem jurídico tutelado pela norma penal;
III
– a noção de coletividade lesionada e, conseqüentemente, de indivíduos que a
integra, para os fins de ação penal privada subsidiária da pública, deve-se
prender à idéia de sujeito passivo. A extensão desses conceitos, portanto, vai
até onde houver titularidade do bem jurídico penalmente protegido; e
Quanto
aos crimes vagos que interessem às relações de consumo, a legitimidade ativa
para a causa é, sem prejuízo da pertencente ao ofendido, também conferida aos
legitimados indicados no art. 82, incisos III (as entidades e órgãos da
administração pública, direta ou indireta, ainda que sem persolnalidade
jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos
protegidos pelo CDC) e IV (as associações legalmente constituídas há pelo menos
um ano e que incluam entre os seus fins institucionais a defesa dos interesses
e direitos protegidos pelo CDC) da Lei n. 8.078/90)". (grifo
nosso). [18]
Tem-se,
assim, que a legitimidade do Estado para a propositura da ação subsidiária
fundamenta-se, também, pela aplicação do disposto no art. 3º do Código de
Processo Penal c/c art. 82, III da Lei 8.078/90.
3.– A
ASSISTÊNCIA DA ACUSAÇÃO
3.1
– CONCEITO E LEGITIMIDADE
Trata-se,
basicamente, do direito colocado à disposição daquele que figura como sujeito
passivo nos crimes de ação penal pública, de, facultativamente, auxiliar o
Ministério Público na acusação (CPP, art. 268).
No
que diz respeito a natureza jurídica do instituto da assistência, não é
pacífico o entendimento doutrinário, uns afirmando que caracteriza-se como uma
mera parte contingente ou adesiva, eventual, cuja única finalidade é a obtenção
de futura indenização, e outros entendendo que o assistente pode intervir de
forma ampla no processo, auxiliando e reforçando a acusação pública e,
secundariamente, visando posterior reparação de danos.
O
artigo 268 do Código de Processo Penal estabelece que pode intervir como
assistente do Ministério Público o ofendido ou seu representante legal, ou
na falta, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31.
O
citado artigo 31, por sua vez, dispõe que "No caso de morte do ofendido
ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa
ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou
irmão".
É
de bom alvitre lembrar que detem também esta legitimidade as pessoas jurídicas,
públicas ou privadas, eis que, conforme já asseverado acima, quando se
demonstrou a titularidade para a propositura da ação penal privada subsidiária
da pública, podem, obviamente, figurar como vítima ou sujeito passivo de crimes
(item 2.4).
Ressalte-se,
por fim, que não cabe recurso da decisão que indeferir o pedido de assistência,
nos termos do art. 273 do Código de Processo Penal.
Todavia,
os tribunais vêm admitindo o ingresso de assistente, através de mandado de
segurança (RT 577:386).
3.2
- A LEGITIMIDADE DO ENTE PÚBLICO PARA ATUAR COMO ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO NOS
PROCESSOS RELACIONADOS AOS CRIMES QUE CAUSAM OU POSSAM CAUSAR LESÃO AO SEU
PATRIMÔNIO.
O
artigo 268 do Código de Processo Penal estabelece: "Em todos os termos
da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o
ofendido ou o seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas
mencionadas no art. 31".
A
despeito do dispositivo acima, doutrina e jurisprudência tem se dividido acerca
da possibilidade do ente público intervir como assistente em processos penais
instaurados em face da prática de crimes que lhes tenham provocado lesão ou
ameaça de lesão.
Admitindo
a assistência do ente público, trazemos o entendimento do Prof Vicente Greco
Filho:
"...divergência
quanto aos crimes contra a administração pública. Poderia a fazenda, em crime,
por exemplo, de peculato, ingressar como assistente? Entendemos que sim,
porque o interesse patrimonial e a qualidade de ofendido da Fazenda não se
confundem com a função institucional do Ministério Público de titular da
ação penal. O ministério Público não representa a Administração, logo não se
esgota nele o interesse de intervir para preservar a reparação civil e
colaborar na aplicação da lei penal" (grifei). [19]
Em
sentido contrário, o entendimento do Prof. Júlio Fabrini Mirabete, ao dispor
que: "O Poder Público não pode intervir como assistente, uma vez que o
Ministério Público, parte acusadora, atua sempre em seu nome, sendo a
ingerência da administração uma superafetação prejudicial à defesa". [20]
Ao
que tudo indica, não há razão para tal divergência, eis que se o ente público
pode ser titular da ação penal privada subsidiária da pública, conforme lhe
garante a própria Carta Magna, muito mais pode figurar como assistente nos
aludidos processos criminais.
Além
do que, como bem asseveram os Professores Vicente Greco Filho e Airton Rocha
Nóbrega nos textos retro transcritos, a qualidade de ofendido da Fazenda não se
confunde com a função institucional do Ministério Público.
Ora,
o interesse da Fazenda Pública que, de regra, é garantir futura
indenização, não só legitima a sua intervenção processual, como também,
evidencia a sua distinção com o Parquet.
Acerca
deste interesse especial da Fazenda, que a diferencia do Ministério Público, é
oportuno destacar, neste momento, as lições de Rômulo de Andrade Moreira:
A
consumação de uma infração penal não acarreta, tão-somente, o aparecimento da
pretensão punitiva do Estado.
Como
o crime poderá vir a surgir, também, a pretensão individual de ressarcimento do
dano causado à vítima.
Assim,
a princípio, ao lado da pretensão punitiva, de regra (pois nem toda ação
delituosa é necessariamente ressarcível) a prática da infração penal dá ensejo
ao direito de alguém a ser indenizado civilmente pelo dano provocado. Entre nós
esta norma vem expressa no art. 159 do Código Civil:
"Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar
direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".
...........................
...o
certo é que, via de regra, a prática do delito também faz surgir a pretensão da
vítima a um ressarcimento pelo respectivo dano. Como escreveu Bettiol, o
crime ocasiona, portanto, não apenas um dano penal, mas também um dano civil eu
deve ser reparado. Assim, gravita em torno do crime toda uma série de
interesses e de disposições não penais que, por se referirem ao crime, poderiam
agrupar-se sob a denominação de "direito criminal civil’....(grifo
nosso) [21]
Aliás,
diga-se de passagem, não é estranho ao direito brasileiro, a intervenção da
Fazenda Pública, no pólo ativo, juntamente com o Ministério Público, como
ocorre na ação civil pública.
Como
leciona Rodolfo de Camargo Mancuso:
"Sob
o critério da "imperatividade da citação" de todos aqueles implicados,
o litisconsórcio passivo será do tipo necessário (embora não unitário),
salvo, pensamos, com relação à Administração, já que à esta é facultado
"atuar ao lado do autor (§ 3ºdo art. 6º), e, por assim dizer,
"recusar" o litisconsórcio passivo". Assim, com relação ao Poder
Público, parece que se forma um curioso litisconsórcio passivo secundum
litis, conforme ele se decida a: 1. contestar a ação; 2. abster-se de
fazê-lo; 3. assistir o autor popular (art. 6º, § 3º da Lei 4.717/65). [22]
Poderia
se argumentar, ainda, que a Fazenda Pública não teria esta legitimidade, pelo
fato de que o Ministério Público, por ser titular da ação civil para a apuração
de atos de improbidade administrativa, teria esta missão, qual seja, a de promover
o ressarcimento dos danos ao Estado, eis que este é um dos efeitos daquela ação
(art. 12 da Lei n. 8429/92).
Tal
argumento, todavia, não merece prosperar, pelo simples fato de que a Fazenda
Pública também é titular da aludida ação civil destinada a apuração de
improbidade administrativa.
Exatamente
essa é a lição do Professor Pedro Roberto:
Particularmente,
acreditamos que, tratando-se de crime que haja ocasionado direto prejuízo
patrimonial para o Poder Público, este, considerando que também em seu
benefício se aplicam as regras do art. 91, inciso I, do Código Penal e do art.
63 do Código de Processo Penal, pode habilitar-se como assistente de acusação,
nos processos destinados à apuração de tais ilícitos penais. No ponto,
deve-se inclusive considerar a regra constitucional segundo a qual ao
Ministério Público é vedado, no Brasil, empreender a defesa judicial das
pessoas jurídicas de Direito Público, muito embora nesse ponto se deva fazer
também a ressalva de que, normalmente, o crime que causa prejuízo ao Poder
Público configura também um ato de improbidade, o que, face a essa particular
situação, faria nascer de todo modo a legitimidade do Ministério Público para a
ação destinada à imposição ao seu autor das sanções previstas pelo art. 12 da
Lei n. 8429/1992, entre as quais se inclui o ressarcimento integral do dano.
Mesmo nesse caso, porém, como a legitimidade é também da pessoa jurídica de
Direito Público prejudicada, tratando-se de situação de legitimidade concorrente
e disjuntiva, somente tal circunstância, só por si, já faria surgir o interesse
da pessoa jurídica de Direito Público prejudicada, em atuar na ação penal como
assistente do Ministério Público. (grifo nosso) [23]
Cumpre
lembrar, ainda, apenas para enfatizar a importância da intervenção do ofendido
no processo penal, que, no Brasil, adota-se a independência ou separação entre
a ação penal e a civil: Vale dizer: a ação civil que visa a indenização por
danos decorrentes de uma determinada prática delituosa pode ser proposta antes,
durante ou depois da ação penal correspondente.
Todavia,
como é sabido, tal independência é relativa, eis que a ação penal - procedente
e, em determinados casos, a absolutória -, gera importantíssimos e decisivos
efeitos na área cível.
Vejamos,
a respeito, a lúcida exposição de Rômulo de Andrade Moreira:
...Estas
possibilidades resultam claras nos arts. 63 e 64 do Código de Processo Penal:
Art.
63: Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a
execução, no juízo cível, para o efeito de reparação do dano, o ofendido, seu
representante legal ou seus herdeiros."
Art.
64: Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para o ressarcimento do
dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o
caso, contra o responsável civil".
Vê-se,
portanto, que não se faz necessária um sentença penal condenatória transitada
em julgado para se pretender, no cível, a reparação do dano.
.....................................
O
certo, porém, é que a ação penal e a ação civil são autônomas, ainda que a
sentença penal seja determinante no cível em relação a determinados aspectos. A
autonomia, portanto, não é absoluta, como queria Toullier.
Prevaleceu
na doutrina a teoria de Merlin, adotada, inclusive, pelo nosso Código Civil, ao
dispor no seu artigo 1.525 que:
"A
responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém,
questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando
estas questões se acharem decididas no crime".
...........................
Por
sua vez, complementando esta relativa independência entre as duas instâncias, o
Código de Processo Penal proclama:
Art.
65 - Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato
praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento
do dever legal ou no exercício regular do direito".
Este
artigo guarda estreita relação com o disposto no art. 160, I e II do Código
Civil, in verbis:
"Art.
160 – Não constituem atos ilícitos:
I-
Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido.
II-
A deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente
(arts. 1.519 e 1.520).
Vê-se,
portanto, que o sistema adotado pelo Brasil reconhece a independência entre o
Juízo cível e o penal, ressalvando, no entanto, que quanto à autoria e a
existência do delito prevalece o decidido no crime (art. 1525 do Código Civil),
bem como no que se refere às causas excludentes de ilicitude (art. 23 do Código
Penal); exatamente por isso, o parágrafo único do art. 64 "faculta"
ao Juiz da ação civil suspender o curso do respectivo processo, até que se
decida definitivamente a ação penal. [24]
Outro
fator que demonstra ainda mais a importância do processo criminal para o
sujeito passivo direto, diz respeito ao prazo prescricional para a obtenção de
indenização, com base na sentença penal condenatória, que inicia-se apenas após
o seu trânsito em julgado.
Analisando
esta questão, destaca Yussef Said Cahali que:
O
prazo que flui desde a prática delituosa é da prescrição da ação
("a") e o que principia do trânsito em julgado da eventual sentença
penal condenatória é da prescrição da actio iudicati autônoma
("b"). E, como se trata de pretensões autônomas, exercitáveis mediante
ações processuais distintas e alternativas ("a" e "b"),
guarda não menor aceito notar que, embora prescrita a ação de ressarcimento
("a"), pode a vítima, ou seus sucessores, valer-se com o mesmo
objetivo prático, da execução não prescrita de eventual sentença condenatória
("b"), cujo termo inicial do prazo prescritivo é, a toda evidência,
sempre muito posterior ao do mesmo prazo da ação de ressarcimento.[25]
Assim,
não se pode negar que impedir a atuação do ente público nos processos criminais
decorrentes de crimes que lesam o seu patrimônio, em face, ainda, da
escancarada distinção entre este e o Ministério Público significaria, de
pronto, afrontar, também, os princípios constitucionais da isonomia e do
livre acesso à justiça.
Acertado,
a propósito, o posicionamento do eminente Juiz Federal da 12ª Vara do Distrito
Federal, Sidney M. Monteiro Peres, em face do pedido formulado no interesse da
fundação pública federal, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq, citado por Airton Nóbrega no artigo supracitado:
.........................
3.
Entendo que a assistência requerida pelo CNPq, que é uma fundação pública,
objetiva coadjuvar a atuação do Ministério Público Federal, apenas para
auxiliá-lo sobre fatos que possam lhe ser desconhecidos, sobre o caso deste
processo.
4.
Por outro lado, o pretendente à assistência é sujeito passivo do crime que está
sendo apurado na ação penal.
5.
Sobre a hipótese, a jurisprudência nos dá as orientações, como inter plures, o
aresto:
EMENTA
"Tratando-se
de ação penal pública promovida pelo Ministério Público do Estado, sendo lesada
a Prefeitura Municipal de São Paulo, é admissível o ingresso desta como
assistente. É que o interesse do bem público geral do órgão ministerial não
coincide com o interesse secundário da ofendida municipalidade."
(JSTJ
20/224 e RT 667/334)
6.
No mesmo sentido: STJ: JSTJ 39/313; RT 688/295; RJTJESP 137/567. Crime de
Peculato. Caixa Econômica Federal – STF: Admissibilidade de assistência: RTJ
78/923.
7.
Isto posto, defiro o pedido de fls. 1239, e admito o CNPq como assistente do
Ministério Público Federal nesta ação penal, com apoio no art. 268 do
CPP. (grifei) [26]
Cumpre
ressaltar, ainda, que a legitimidade do ente público para figurar como
assistente da acusação, encontra respaldo no próprio direito positivo, mais
especificamente no Decreto-Lei n. 201/67, que trata da responsabilidade de
prefeitos e vereadores.
Elucidativa,
a respeito, a lição de Jessé Torres Pereira Júnior:
Este
confronto entre o interesse da Administração Pública e o posicionamento
independente do Ministério Público não é desconhecido do direito positivo. O
Decreto-Lei n. 201, de 27.02.1967, que trata da responsabilidade de prefeitos e
vereadores, prevê, no § 1º do art. 2º, a possibilidade de "os órgãos
federais, estaduais ou municipais, interessados na apuração da responsabilidade
do prefeito" intervirem "em qualquer fase do processo, como
assistente da acusação". Esta equiparação do Estado ao particular,
como ofendidos intervenientes adesivos na ação penal, é forma de reconhecimento
entre o conflito in fieri existente entre os interesses defendidos pelo
Ministério Público e aqueles esposados pela Administração Pública. (grifo
nosso) [27]
Têm-se,
pois, estreme de dúvidas, a plena legitimidade do Estado-Administração, de
intervir como assistente de acusação nos processos criminais de seu interesse,
em face, inclusive, da aplicação do disposto no art. 3º do Código de Processo
Penal, adiante transcrito, c/c o § 1º do art. 2º do Decreto-Lei supracitado:
"art.
3º do CPP: "A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e
aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de
direito".
Para
terminar este tópico, é de se trazer à baila O Projeto Oficial de Lei Orgânica
da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, aliás, prevê, em seu art. 3º,
inc. "X", adiante transcrito, que, a Procuradoria do Estado deverá: "acompanhar
inquéritos policiais sobre crimes funcionais, fiscais ou Contra a Administração
Pública e atuar como assistente de acusação nas respectivas ações penais,
quando for o caso".
3.3
- O ÂMBITO DE ATUAÇÃO DO ENTE PÚBLICO NOS PROCESSOS EM QUE ATUA COMO
ASSISTENTE
Inicialmente,
vejamos o que dispõem os artigos 268 e 271, ambos do Código de Processo Penal:
"art.
268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do
Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta,
qualquer das pessoas mencionadas no art. 31."
"art.
271. Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas
às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e
arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio,
nos casos dos arts. 584, § 1º., e 598.
No
entanto, parte da doutrina e da jurisprudência, ao interpretar esses
dispositivos, entende que a atuação do assistente nos processos criminais
justifica-se tão somente em face do interesse por uma futura indenização.
Assim,
o assistente teria uma participação reduzida no processo penal, limitando-se à
prática dos atos tendentes a garantir o seu interesse na reparação de danos.
Ipso
facto, não poderia, por exemplo, interpor recurso para agravar a pena
imposta ao acusado.
Neste
sentido, aliás, é o entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho:
Qual
a função do assistente? Entendemos que a razão de se permitir a ingerência do
ofendido em todos os termos da ação penal pública, ao lado do Ministério
Público, repousa na influência decisiva que a sentença penal exerce na sede
civil.
Segundo
dispõe o art. 91, I, do CP, é um dos efeitos da sentença penal condenatória
tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Por isso mesmo
dispõe o art. 63 do CPP que a sentença penal condenatória com trânsito em
julgado constitui título certo e ilíquido em favor do direito à indenização.
Assim,
ao que tudo indica, o Estado permitiu a ingerência do ofendido nos crimes de
ação pública para velar pelo seu direito à indenização. Conclui-se, pois, que a
função do assistente não é a de auxiliar a acusação, mas a de procurar defender
seu interesse na indenização do dano ex delicto. [28]
Não
parece retratar, data vênia, tal posicionamento, a melhor exegese do
sistema processual.
Ora,
da simples leitura do disposto no artigo 268 do CPP, acima transcrito,
constata-se que o termo assistente, ali colocado pelo legislador, por si só,
demonstra que o sujeito passivo pode atuar de forma ampla, eis que assistir
significa auxiliar, ajudar, etc.
Além
do que, se a vítima é detentora de legitimidade para propor ação penal privada
subsidiária da pública, por qual razão não poderia ter uma ampla atuação no
processo, equiparada àquela que o próprio Ministério Público desenvolve?
Esta
questão fora detalhadamente analisada por Fábio Ramazzini Bechara e, pela
importância, pedimos vênia para transcrevê-la parcialmente:
Qual
o interesse que move a vítima no processo penal? Essa questão tem por base a
dúvida suscitada em torno da possibilidade de o assistente recorrer para
agravar a pena do réu já condenado. Parte da doutrina e dos tribunais sustenta
que a presença da vítima no processo penal se justifica única e tão-somente em
razão do interesse por uma futura indenização, o que acaba por limitar suas
ações na relação jurídica processual, não podendo, portanto, recorrer para
agravar a pena imposta ao acusado.
Todavia,
tal raciocínio apresenta-se incompleto e simplista. E por uma razão bem
evidente. Na hipótese de a vítima promover a ação penal privada subsidiária da
pública, que na essência é uma ação penal pública, a sua atuação é tão ampla
quanto se o MP estivesse no pólo ativo da demanda. Ou seja, goza de ampla
liberdade para recorrer e para produzir provas. Logo, não se pode afirmar que o
interesse da vítima é de natureza meramente econômica, na medida em que faz as
vezes do Estado-Administração, que num dado momento mostrou-se omisso dada a
ausência de pronunciamento pelo MP no momento em que deveria fazê-lo. E no caso
do assistente? Poderia sim apelar, uma vez que o recurso supletivo do
assistente, tal qual a ação privada subsidiária, busca coibir e evitar as
conseqüências maléficas provocadas pela omissão ou desídia do MP. Com efeito,
qual seria a razão a justificar o tratamento diferenciado entre a vítima
enquanto parte principal, na ação privada subsidiária, e a vítima
enquanto assistente de acusação? Não há justificativa legalmente aceitável.
A única restrição que se põe é que a atuação como assistente tem por finalidade
complementar a atividade do MP na relação processual, ao passo que, enquanto
titular da ação, a atuação mostra-se mais ampla. Tanto é verdade que se o MP
atuar eficazmente, o assistente se posicionará na condição de mero
coadjuvante".(grifei) [29]
No
mesmo sentido os Professores Júlio Fabrini Mirabete, invocando Marcelo Fortes
Barbosa, e Vicente Greco Filho:
Barbosa:
"A assistência de acusação, em nosso Direito Processual Penal não é um
mero correlativo direito do direito à reparação do dano, eis que o ofendido
intervém para reforçar a acusação pública, figurando em posição secundária o
interesse mediato na reparação do dano causado pelo delito". Mirabete:
"É o que deixa entrever a escolha do termo "assistente" pela lei
nos artigos 268 e ss. Do CPP. Sua função é auxiliar, ajudar, assistir o
Ministério Público a acusar e, secundariamente garantir seus interesses
reflexos quanto à indenização civil dos danos causados pelo crime [15].
Vicente
Graco Filho: O assistente é o ofendido, seu representante legal ou seu
sucessor, auxiliar da acusação pública. O fundamento da possibilidade de sua
intervenção é o seu interesse na reparação civil, mas o assistente atua,
também, em colaboração com a acusação pública no sentido da aplicação da lei
penal. [30]
Ademais,
não se pode negar que o ofendido, além de pretender um ressarcimento pelo dano
sofrido, tem, também, o justo interesse de ver efetivamente punido aquele que
lhe causou prejuízo, o que o autoriza, na ação penal, um desempenho
colaborativo com a acusação pública, podendo, inclusive, suprir eventuais
omissões, a exemplo do que ocorre quando da propositura da ação penal privada
subsidiária da pública.
A
esse respeito, vale trazer ao proscênio a opinião de Eduardo Espínola Filho:
Ao
mesmo tempo que atinge, na sua pessoa ou nos seus bens, um ou mais indivíduos,
que se apresentam, assim, como ofendido ou ofendidos, o crime causa um dano
social, e, apenas em homenagem à predominância do interesse social sobre o
particular, é estabelecida a preferência de iniciativa do órgão público, para
instauração da ação penal, somente sendo lícito à parte privada apresentar a
sua queixa, se, no prazo legal, o Ministério Público deixou de manifestar-se
sobre o inquérito, a representação ou a peça de informações – salvo,
naturalmente, os casos em que a ação penal toma corpo, exclusivamente, com a
queixa do ofendido, do seu representante legal ou de quem o substitua.
Mas,
seja qual for o interesse público e social, que haja, de apurar o delito e
punir o ou os autores, persiste sempre o grande e muito ponderável interesse
particular na apuração do fato e na punição dos responsáveis.
Eis
porque, embora movimentada, normalmente, pelo Ministério Público, a ação penal,
com o oferecimento da denúncia, é permitido à parte privada tomar uma posição
acusatória auxiliar; que o Código de Processo Penal encara como assistência ao
Ministério Público, na ação criminal por este promovida. (grifei) [31]
Também
merece transcrição, as opiniões de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães
Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes: O assistente também intervem no
processo com a finalidade de cooperar com a justiça, figurando como assistente
do MP "ad coadjuvantum". Assim, com relação à condenação, o ofendido
tem o mesmo interesse-utilidade da parte principal na justa aplicação da pena.
[32]
No
mesmo sentido, o entendimento jurisprudencial:
O
assistente também é interessado na averiguação da verdade substancial. O
interesse não se restringe à aquisição de título executório para reparação de
perdas e danos. O direito de recorrer, não o fazendo o Ministério Público,
se dá quando a sentença absolveu o réu, ou postulado aumento de pena. A
hipótese não se confunde com a justiça privada. A vítima como o réu, tem
direito a decisão justa. A pena, por se turno, é a medida jurídica do dano
social decorrente do crime. [33]
Além
do que, é de se lembrar que a sentença penal poderá, em determinadas hipóteses
- conforme se demonstrará de forma mais detalhada no transcorrer deste trabalho
-, influir decisivamente nos processos administrativos disciplinares, via de
regra instaurados concomitantemente com os processos penais para apuração de
responsabilidade do funcionário público, o que legitima ainda mais a
intervenção do ente público a desenvolver-se de uma forma mais ampla, e não a
de atuar somente quando relevante para a obtenção de futura indenização.
Frise-se,
ainda, que a assertiva de que a intervenção deve ser correspondente àquela
desenvolvida pelo Ministério Público, decorre, também, da interpretação
teleológica ou sociológica que se deve aplicar aos dispositivos legais
pertinentes (CPP, artigos 268 e 271), à vista de que aquele que imediatamente
sofrera as conseqüências do ato ilícito, visando, não só futura indenização,
como também, uma justa aplicação da lei em desfavor do autor do crime, aprimora
a ação estatal em benefício do atendimento ao interesse público.
Veja-se
os esclarecimentos de Maria Helena Diniz a respeito, citando Ihering e Ferrara:
"...E
a sociológica ou teleológica objetiva, como que Ihering, adaptar
o sentido ou finalidade da norma às novas exigências sociais, adaptação esta
prevista pelo art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil, que assim reza:
"na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige
e às exigências do bem comum". Os fins sociais e o bem comum, portanto,
sínteses éticas da vida em comunidade, por pressuporem uma unidade de objetivos
do comportamento humano social. Os fins sociais são do direito; logo, é preciso
encontrar no preceito normativo o seu telos (fim). O bem comum postula
uma exigência, que se faz à própria sociabilidade; portanto, não é um fim do
direito, mas da vida social... .A interpretação, como nos diz Ferrara, não é
pura arte dialética, não se desenvolve como método geométrico num círculo de
abstrações, mas perscruta as necessidades práticas da vida e a
realidade social." [34]
Por
isso mesmo, e até porque se trata de norma garantidora de direitos do ofendido,
impõe-se que também seja aplicada ao artigo 271 do Código de Processo Penal, a
interpretação extensiva ou progressiva, para se considerar o rol de medidas à
disposição do assistente ali constantes, apenas exemplificativa e não taxativa.
Sobre
a aludida interpretação no processo penal, as lições do Professor Mirabete:
"A
interpretação extensiva, referida expressamente pelo art. 3º do CPP, ocorre
quando é necessário ampliar o sentido ou alcance da lei...Fala-se, ainda, em
interpretação progressiva para se abarcarem no processo novas concepções
ditadas pelas transformações sociais, científicas, jurídicas ou morais que
devem permear a lei processual estabelecida." [35].
Ao
lecionar acerca da interpretação das normas, Maria Helena Diniz adverte:
"A
interpretação é uma, não se fraciona; é, tão-somente, exercida por vários
processos que conduzem a um resultado final: a descoberta do alcance e sentido
da disposição normativa. Há hipóteses em que o jurista ou o juiz devem lançar
mão da interpretação extensiva para complementar uma norma, ao admitir
que ela abrange certos fatos-tipos implicitamente. Essa interpretação
ultrapassa o núcleo do sentido norma, avançando até o sentido literal possível
desta, concluindo que o alcance da lei é mais amplo do que indicam seus termos.
[36]
A
propósito, não é demais lembrar, como afirmam os Professores Sérgio Demoro
Hamilton e Christiano Fragoso, respectivamente, que a vítima, no processo
penal, funciona, na verdade, como fator de controle externo do Ministério
Público:
"salutar
a presença do particular no processo penal, quer atuando como legitimado
extraordinário para agir, quer como simples assistente de acusação.Vislumbro na
presença do particular, naqueles casos, uma eficiente forma de controle
externo do Ministério Público." (grifei) [36-a]
É
altamente democrática a participação da vítima no processo criminal,
constituindo fator de transparência para a Justiça e de controle da
atividade ministerial, devendo ser mantida. A admissão de terceiros no
processo constitui um dos mais eficazes modos de garantir o acesso à
justiça." (grifo
nosso) (M. Cappelletti/B.Garth). [36-b]
Assim,
não seria demais, então, afirmar-se que o ente público, na persecução relacionada
aos crimes em que figura como ofendido, atua, em última análise, como fiscal
do fiscal da lei.
Essa
linha evolutiva permite, pois, inferir, também, que a intervenção da pessoa
jurídica de direito público caracteriza-se como aquela que se assemelha à assistência
litisconsorcial, tendo em vista o que dispõe o art. 54 do Código de
Processo Civil.
Como
leciona Athos Gusmão Carneiro:
Já
nos casos de assistência litisconsorcial, o assistente é direta e
imediatamente vinculado à relação jurídica (rectius, ao conflito de
interesse) objeto do processo; como disse Atílio González, "es cotitular
de la misma relación sustancial invocada em juicio por lãs partes
originarias". (La intervención voluntária de terceros em el processo, B.
Aires, Ed. Ábaco, 1994).
A
teor do art. 54 do Código de Processo Civil, considera-se litisconsorte da
parte principal o assistente, "toda vez que a sentença houver de influir
na relação jurídica entre o assistente e o adversário do assistido" (rectius,
houver de influir no "conflito de interesses" entre o
assistente e o adversário do assistido).
Todavia,
vale ressaltar que o assistente litisconsorcial não é parte: "nada
pede e em face dele nada se pede: não é autor nem réu e, conseqüentemente,
litisconsorte não é. Na locução assistente litisconsorcial prevalesce o
substantivo (assistente) sobre o adjetivo que o qualifica (litisconsorcial)"
(Cândido Dinamarco, Intervenção de terceiros, cit., n.13).
.........................
A
distinção entre a assistência meramente adesiva e a litisconsorcial reflete-se
no âmbito dos poderes processuais concedidos ao assistente.
..............................
Nos
casos de assistência litisconsorcial, o assistente atua processualmente
"como se" fosse um litisconsórcio do assistido, aplicando-se-lhe
de regra o disposto no art. 48 do Código de Processo Civil: "salvo
disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações
com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não
prejudicarão nem beneficiarão os outros".
....................................
Assim,
o assistente não é parte, mas o direito do assistente litisconsorcial
está na causa. Por tal motivo, pode o assistente litisconsorcial agir no
processo, e conduzir sua atividade, sem subordinar-se à orientação tomada pelo
assistido: pode contraditar a testemunha que o assistido teve por idônea; pode
requerer o julgamento antecipado da lide, embora o assitido pretenda a produção
de provas em audiência; pode impugnar a sentença, não obstante o
assistido haja renunciado à faculdade de recorrer. (grifei) [37]
Finalmente,
no que concerne à atuação do assistente no inquérito policial, a jurisprudência
tem firmado o entendimento de que as normas processuais ou regimentais não o
autorizam (STF – Tribunal Pleno – IP n. 381-DF – Rel. Min. Célio Borja –
18.11.88).
Todavia
o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contrariamente, entendeu
admissível a assistência antes do oferecimento da denúncia:
Ministério
Público. Assistente. Intervenção nos autos antes do recebimento da denúncia.
Admissibilidade, embora rejeitada aquela peça. Voto vencido. Inteligência dos
arts. 268, 269 e 29 do CPP. O interesse do ofendido na apuração do fato e
punição do responsável nasce desde o momento em que, pela lesão sofrida, surge
o direito subjetivo, que mais tarde se transmuda no jus persequendi in
juditio, cuja titularidade, em face de razões sociais, pertence ao Estado
quando se trata de ação pública. Não pode, portanto, seu ingresso nos autos
como assistente ficar condicionado ao recebimento da denúncia, quando se
instaura a instância. [38]
4– OS
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
4.1
– CONSIDERAÇÕES GERAIS
Primeiramente,
é de bom alvitre lembrar que o Capítulo I do Título XI do Código Penal (Dos
Crimes Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em Geral), não
esgota, naturalmente, todos os crimes que podem ser praticados por funcionário
público no exercício de suas funções (crimes funcionais: próprios ou
impróprios).
Aliás,
é extenso o número de tipos penais que podem ser por estes praticados, nesta
condição, ou seja, na condição de servidor ou funcionário público, tais
como aqueles definidos nos artigos 150, § 2º, 296, § 2º, ambos do Código Penal;
na Lei 8666/93, etc.
É
interessante ressaltar, também, que, para os efeitos penais, funcionário
público, nos termos do artigo 327 do Código Penal, é todo aquele que "embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função
pública".
4.2
– SUJEITO PASSIVO – ESTADO ADMINISTRAÇÃO
Não
se pode negar que o Estado-Administração (Fazenda Pública ou Ente Público)
especificamente, e não o Estado em sentido amplo, figura como sujeito
passivo imediato nos crimes que são praticados por funcionários públicos
(crimes funcionais), mesmo na hipótese em que não ocorra lesão ao seu
patrimônio físico, eis que, a despeito disso, é o ofendido na ação delituosa,
pela caracterizada violação do dever de integridade funcional, bem jurídico de
que é titular.
Por
esse motivo, aliás, o ente público (e não o Ministério Público) instaura
imediatamente, processo administrativo disciplinar, quando da prática de crime
funcional.
No
crime de corrupção passiva (CP, art. 317), por exemplo, malgrado não ser
necessária para a sua consumação a ocorrência de dano ao erário, o
Estado-Administração é o sujeito passivo imediato ou direto.
Neste
sentido é o entendimento doutrinário, ao referir-se acerca da condição de
sujeito passivo do ente público no crime supracitado:
"1.02
– Sujeito passivo (Estado – Administração Pública).
Sujeito
passivo é o Estado, ou, particularmente, a Administração Pública, pois ele é o
titular do bem jurídico ou do interesse penalmente tutelado. É bem de ver que o
Estado é sempre o sujeito passivo primário de todos os crimes, pois o direito
penal é direito público, que somente tutela interesses particulares, pelo
reflexo que sua violação acarreta no corpo social. A lei penal tutela, em
primeiro lugar, o interesse da ordem jurídica legal, de que é titular o Estado.
Todavia, o que na doutrina se considera sujeito passivo é o titular do
interesse imediatamente ofendido pela ação delituosa ou do bem jurídico
particularmente protegido pela norma penal, ou seja o sujeito passivo
particular ou secundário. Há crimes, porém, como o que ora estudamos, em que
o próprio Estado aparece como sujeito passivo particular, pois a ele pertence o
bem jurídico diretamente ofendido pela ação incriminada". [39].
4.3.
– A INTERVENÇÃO DO ENTE PÚBLICO, TAMBÉM NAS PERSECUÇÕES RELACIONADAS AOS CRIMES
PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO QUE NÃO CAUSAM LESÃO AO SEU PATRIMÔNIO
MATERIAL.
Conforme
visto acima, nos crimes praticados por funcionário público, no exercício de
suas atribuições (crimes funcionais), o ente público figura como sujeito
passivo direto ou imediato, a despeito de não ter ocorrido ofensa ao seu
patrimônio material, como ocorre, repita-se, na figura típica descrita no art.
317 do CP (Corrupção Passiva).
Assim,
em princípio, não obstante esta condição (sujeito passivo) do
Estado-Administração, poderia se pensar que não teria interesse que
justificasse sua intervenção na persecução penal, eis que não haveria danos
materiais a serem reparados.
É
evidente que referida assertiva seria totalmente equivocada, tendo em vista a
plena e categórica legitimidade tanto para a propositura da ação penal
subsidiária como para a atuação como assistente, à luz da Carta Magna; do
Código Penal e do Código de Processo Penal (CF, art. 5º, inc. LIX; CP, art. 100, § 3º e CPP, arts. 29;
31 e 268), em face da condição do ente público em tais crimes, de ofendido;
vítima ou sujeito passivo imediato, conforme já mencionado nos tópicos
anteriores.
Além
disso, é evidente o interesse jurídico da Fazenda em atuar como assistente da
acusação, pois os crimes praticados por servidor ou funcionário público, que
geram prejuízos materiais ou morais à terceiros (não para a administração), via
de regra provocam a propositura de ação de reparação de danos em desfavor da
Fazenda Pública, à vista da responsabilidade objetiva do Estado, prevista no §
6º do art. 37 da Carta Política: "as pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão
pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros, assegurado
o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
A
respeito da mencionada responsabilidade objetiva, as lições de Hely Lopes Meirelles,
ao comentar sobre o citado dispositivo constitucional:
"O
exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as
entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de
indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da
prova de culpa do cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade
sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados."
[40]
Não
se pode negar, então, o interesse do ente público em acompanhar o processo, em
face dos efeitos que exsurgem da sentença penal no processo cível de
indenização, conforme ressalvado no item 3.2 deste trabalho.
Ademais,
quando se afirma que a sentença penal condenatória ou absolutória, em algumas
situações, prevalece sobre as decisões proferidas no cível, está se afirmando,
também, que esta mesma sentença prevalece sobre o processo administrativo
disciplinar instaurado em face do cometimento de crime por funcionário público.
A
respeito da influência decisiva da sentença penal absolutória, por exemplo, nos
citados processos administrativos, trazemos à baila o esquema muito bem
elaborado por João Kleiber Ésper:
ABSOLVIÇÃO
JUDICIAL
(Art.
386 e seus incisos, do CPP: hipóteses em que repercute ou não na esfera
administraiva
1)
Estar provada a inexistência do fato (art. 386, I, CPP)
Ex:
Servidor acusado de peculato. O juiz absolve (art. 386, I, do CPP), posto que o
bem tido como desviado, estava em outro setor da repartição (J. CRETELLA,
Prática do Processo Administrativo, Ed. RT, SP, 1988, pág. 122)
Obs:
A decisão judicial, pelos mesmos fatos, repercute na instância administrativa
(STF – RDA 94/86 – J. CRETELLA, obra citada, pág. 130; STJ RMS 2.611-5 SP, DJU
23.08.93.
2)
Não haver prova da existência do fato (art. 386, II, CPP)
Ex:
Bibliotecário acusado de peculato (subtração de livros). Nenhum livro,
entretanto, é encontrado com o funcionário. Não há prova contra o servidor. O
acusado é absolvido pelo juiz (art. 386, II, CPP).
Obs:
A decisão judicial, pelos mesmos fatos, repercute na instância
administrativa (STF – RDA 97/113 – J. CRETELLA, obra citada, pág. 131)
..............................
4)
Não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (art.
386, IV, CPP).
Ex:
Servidor é acusado de deixar a porta da repartição aberta, propociando a
subtração de bens. Absolvido (art. 386, IV, CPP).
Obs:
A decisão judicial, pelos mesmos fatos, repercute na instância
administrativa (RF 141/141; RF 94/281; J. CRETELLA, obra citada, pág. 131)
5.a)
Exclusão de crime: (de ilicitude ou de antijuridicidade) – art. 23, CP
(estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, e
exercício regular de direito).
Obs:
Servidor absolvido nessas hipóteses, no processo penal instaurado em torno dos
mesmos fatos. A sentença penal repercute (prevalesce) na
esfera administrativa (Cf. J. CRETELLA, obra citada, págs. 128 e 134).
Cumpre
destacar, a propósito, que o citado autor adverte: Em outras palavras, as
autoridades administrativas que instauram o processo administrativo, não
poderão divergir do juiz do crime, afirmando que o fato não se deu em legítima
defesa ou em estado de necessidade........
5.b)..........
6).............[41]
No
que concerne aos efeitos definitivos no processo administrativo disciplinar
decorrentes da sentença penal condenatória, as lições do saudoso Hely
Lopes Meirelles:
"...essas
três responsabilidades são independentes e podem ser apuradas conjunta ou
separadamente. A condenação criminal implica, entretanto, reconhecimento
automático das duas outras, porque o ilícito penal é mais que o ilícito
administrativo e o ilícito civil. Assim sendo, a condenação criminal por um
delito funcional importa o reconhecimento, também, de culpa administrativa e
civil, mas a absolvição no crime nem sempre isenta o funcionário destas
responsabilidades, porque pode não haver ilícito penal e existirem ilícitos
administrativo e civil". (grifei) [42]
Importante
discorrer, ainda, sobre os reflexos das sentenças penais no que diz respeito à
exoneração de servidores estáveis.
Consoante
é sabido, as hipóteses de perda de cargo público estão previstas na
Constituição Federal, no bojo do artigo 41, que prevê no inciso I do parágrafo
primeiro, que o servidor público estável perderá o cargo "em virtude de
sentença judicial transitada em julgado".
Assim,
perderá o cargo o servidor público por meio do efeito da sentença penal
condenatória, sempre que caracterizada a hipótese prevista na letra
"a" do inciso I do art. 92 do Código Penal, adiante transcrito:
Art.
92: São também efeitos da condenação:
I
– a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo:
a-
quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um
ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a
Administração Pública;
Como
se vê, é fora de dúvidas que as sentenças penais geram importantíssimos efeitos
junto à Administração Pública, o que, a par da sua condição de vítima ou
ofendida, demonstra a presença dos pressupostos necessários à assistência
qualificada ou litisconsorcial no processo criminal, conforme visto no tópico
anterior, quais sejam:
a)Interesse
Jurídico – existência de uma relação jurídica entre o terceiro e uma das
partes;
b)Possibilidade
da sentença influir na referida relação;
c)A
existência de uma ação.
Comentando
sobre esses pressupostos, o Professor Athos Gusmão Carneiro afirma que "Defendendo
o interesse alheio, o assistente também defende o seu próprio interesse, pois
sua situação jurídica é suscetível de ser influenciada, para melhor ou
para pior, pelo decisão. [43]
Além
do que, é de se lembrar que o Decreto-Lei n. 201/67, que dispõe sobre a
responsabilidade dos prefeitos e vereadores, prevê, no § 1º do seu art. 2º que
"Os órgãos federais, estaduais ou municipais, interessados na apuração
da responsabilidade do prefeito, podem requerer a abertura de inquérito
policial ou a instauração da ação penal pelo Ministério Público, bem como
intervir, em qualquer fase do processo, como assistente da acusação".(grifo
nosso).
Ora,
nem todas as figuras delitivas descritas no citado Decreto-Lei geram danos ao
erário ou ao patrimônio das pessoas jurídicas de direito público. Não obstante,
o aludido Diploma Legal autoriza a intervenção do ente público como assistente
da acusação.
Assim,
pode-se afirmar que o disposto no artigo 3º do Código de Processo Penal,
combinado com o Decreto-Lei supracitado, também legitima a aludida pessoa
jurídica a atuar como assistente de acusação, mesmo nos crimes dos quais não
lhe resulta o efetivo dano material.
Têm-se,
pois, forçoso admitir que o Estado-Administração poderá propor ação penal
subsidiária, bem como atuar como assistente, não só na persecução relacionada
aos crimes nos quais é sujeito passivo direto, em face dos decorrentes
prejuízos ao seu erário ou patrimônio físico, como também nos tipos penais
praticados por funcionário público, no exercício de suas atribuições, a
despeito de não lhe causarem os citados prejuízos materiais.
5 – A
FORMA DE ATUAÇÃO DO AGENTE PÚBLICO NO DESEMPENHO DE SUAS ATRIBUIÇÕES
5.1
– O PODER-DEVER DE AGIR
O
agente público, naturalmente, independentemente da natureza de suas
atribuições, sempre as exerce visando, ao final, o atendimento do interesse
público.
Desta
feita, por não estar zelando por seus bens particulares, mas sim, por bens ou
interesses públicos, é inconcebível a omissão, diante de uma situação em que
haja necessidade de agir, tendo ele poderes para tanto.
Tal
omissão, aliás, poderá ensejar sanções de ordem administrativa e penal, tais
como aquelas previstas nos artigos 316 (concussão) e 319 (prevaricação), ambos
do Código Penal.
O
Professor Diógenes Gasparini, ao comentar acerca do poder-dever de agir,
invocando Hely Lopes Meirelles, ensina que:
"As
competências do cargo, função ou emprego público devem ser exercidas na sua
plenitude e no momento legal. Não se satisfaz o direito com o desempenho
incompleto ou a destempo da competência e, puor ainda, com a omissão da
autoridade. Não se compreende que o agente público pratique intempestivamente
atos de sua competência, desde que ocorra a oportunidade para agir, como não se
entende que só se desincumba de parte de sua obrigação ou se abstenha em
relação a essa obrigação. A esse respeito ensina Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo,
cit., p. 85) que, "se para o particular o poder de agir é uma faculdade,
para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o
ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade." [44]
5.2
– O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Como
o próprio nome está a indicar, nada mais é do que princípio pelo qual se exige
do agente público, no exercício de sua atividade, não apenas a observância da
legalidade dos atos, mas, além disso, um resultado que efetivamente possa
atender aos interesses da administração pública ou da coletividade.
A
esse respeito, ensina o Professor Hely Lopes Meirelles:
"O
princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida
com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da
função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com
legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório
atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros." [45].
5.3
– O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE
O
princípio da indisponibilidade estabelece, em síntese, que os agentes públicos
tem a incumbência de apenas administrar ou zelar pelos bens ou interesse
públicos, tendo em vista que não são, obviamente, seus proprietários. Assim,
inadmissível qualquer ato tendente à sua disposição, salvo se autorizado pelo
próprio Estado, através de lei.
A
propósito, assevera o Professor Diógenes Gasparini:
Não
se acham, segundo esse princípio, direitos, interesse e serviços públicos à
livre disposição dos órgãos públicos, a quem apenas cabe curá-los, ou do agente
público, mero gestor da coisa pública. Aqueles e este não são seus senhores ou
seus donos, cabendo-lhes por isso tão-só o dever de guardá-los e aprimorá-los
para a finalidade a que estão vinculados. O detentor dessa disponibilidade é o
Estado. Por essa razão, há necessidade de lei para alienar bens, para outorgar
concessão de serviço público, para transigir, para renunciar, para confessar,
para relevar a prescrição (RDA, 107:278) e para tantas outras atividades a
cargo dos órgãos e agentes da Administração Pública. [46].
5.4
- A OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO DOS ENTES PÚBLICOS NOS PROCESSOS CRIMINAIS
Conforme
já exaustivamente colocado acima, tem a vítima legitimidade tanto para propor a
ação penal privada subsidiária da pública, como para intervir nos processos
criminais como assistente.
Todavia,
é de se considerar que tais providências são meras faculdades concedidas
pela lei às pessoas físicas e jurídicas de direito privado.
A
propósito, Júlio Fabrini Mirabete afirma que: "...Além disso, o art.
268 lhe concede o direito de, facultativamente, auxiliar o Ministério
Público na acusação referente aos crimes que se apuram mediante ação pública,
incondicionada ou condicionada, dando-lhe, então, a denominação de assistente.(grifei)
[47]
Não
se pode, porém, falar o mesmo, especialmente, com relação às pessoas jurídicas
de direito público, em face dos princípios que norteiam a Administração.
Assim,
o representante legal do Poder Público, que tem o dever de zelar pelo interesse
da Administração Pública, representando-a tanto judicial como
extrajudicialmente, bem como lhe prestando consultoria jurídica, não tem o
livre arbítrio de, frente a um processo criminal instaurado em face de condutas
que lesionaram o erário, por exemplo, manter-se inerte, diante de uma
legislação que lhe autoriza a agir, quer propondo a ação penal subsidiária,
quer intervindo como assistente no citado processo, visando, pelo menos, futura
reparação de danos.
É
que o representante do ente público, na verdade, encarna o próprio
Estado-Administração judicial e extrajudicialmente. Assim, não está obrigado a
apenas defendê-lo em situações de conflito. Tem também o dever de agir, tomando
a iniciativa de promover ataques judiciais para a defesa do patrimônio público,
tendo em vista os princípios constitucionais que norteiam este mesmo
Estado-Administração que ele representa, dentre os quais, por exemplo, o da
indisponibilidade.
Sobre
este tema, trazemos à lume a manifestação da Dra. Fides Angélica Ommati, que
ressalta, dentre outras questões, a aplicação do princípio da indisponibilidade
no exercício da advocacia pública:
A
advocacia tem um compromisso social, e tem uma função que extrapola a sua
condição profissional e de defesa de interesses particulares, porque, além de
indispensável à administração da Justiça (art. 133, CF), é o advogado
"defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade
pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade de seu ministério
à elevada função pública que exerce (Código de Ética, art 2º ).
Ainda
tenha fundamento e compromisso com a comunidade, daí a consideração de
"função pública", a advocacia pública propriamente é denominação que
se contrapõe a advocacia privada, sendo parâmetros para sua distinção os
interesses aconselhados ou patrocinados e os requisitos exigidos para seu
exercício.
Diz-se
advocacia pública aquela que aconselha ou patrocina interesses de pessoas
jurídicas de direito público, interesses em que prevalece não a vontade do
agente, mas a da coletividade consagrada no ordenamento constitucional ou
legal. (conf. SESTA, Mário Bernardo – A Advocacia de Estado. Posição
Institucional. Revista de Informação Legislativa, n. 117, p. 191). Por tal
circunstância, são esses interesses superiores aos dos particulares e
indisponíveis pelos respectivos gestores, configurando regime jurídico que
extrapola dos limites administrativos para impregnar o regramento
processual..."
...........................................
O
princípio da indisponibilidade dos interesses públicos consiste na
impossibilidade de o administrador agir segundo sua vontade, mas, ao contrário,
restringir-se ao regulado no ordenamento jurídico, daí decorrendo os princípios
da legalidade, da moralidade, da publicidade, da impessoalidade, e
tantos outros em que se evidencie o principio democrático de atendimento
segundo critérios e normas uniformes e impessoais, não favorecendo nem
perseguindo grupos ou pessoas, mas atendendo ao que o legislador, no exercício
de sua competência, interpretou como o abstrato interesse da coletividade.
A
defesa do Estado consiste exatamente na defesa dos interesses que a pessoa
pública encarna e é vocacionada a realizar. E defesa, igualmente Estado, aí tem
conotação de amplitude obrigatória, vez que se não pode restringir a patrocínio
judicial ou extrajudicial em situações conflitivas. Ao contrário, significa
toda a atividade tendente (direcionada) a propiciar as condições jurídicas
necessárias à implementação dos interesses ao encargo dos órgãos e entes
públicos. (grifei) [48].
Essa
postura do Procurador do ente público torna-se ainda mais evidente, ao
considerarmos que o seu papel é o de presentar a pessoa jurídica e não
de representá-la, conforme razões já esposadas no item 1.2.
Neste
sentido é o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:
Os
Procuradores de Estado não são, em rigor, advogados. Assim como o juiz é o órgão
da função jurisdicional os são órgãos estatais, encarregados da defesa e do
ataque judiciais. No dizer de Pontes de Miranda, eles presentam, não
representam a pessoa jurídica estatal...[49]
Vale
repetir, neste momento, as lições de Athos Gusmão Carneiro:
A
substituição processual mostra-se inconfundível com a representação.
O
substituto processual é parte, age em juízo em nome próprio, defende
em nome próprio o interesse do substituído.
Já
o representante defende "em nome alheio o interesse alheio".
Nos
casos de representação, parte em juízo é o representado, não o
representante. Assim, o pai ou o tutor representa em juízo o filho ou o
tutelado, mas parte na ação é o representado.......
Também
inconfundíveis substituição processual e presentação. O órgão
mediante o qual a pessoa jurídica se faz presente e expressa sua vontade não é
substituto processual e nem representante legal: "A pessoa jurídica não é
incapaz. O poder de presentação, que ela tem, provém da capacidade mesma da
pessoa jurídica.......
..................................
A
presentação é extrajudicial e judicial (art. 17); processualmente, a pessoa
jurídica não é incapaz. Nem o é, materialmente...(...)...O que a
vida nos apresenta é exatamente a atividade das pessoas jurídicas através de
seus órgãos: os atos são seus, praticados por pessoas físicas".
(Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t., 1, § 97, n. 1).
(grifo nosso) [50]
Realce-se
que além do princípio da indisponibilidade, o da eficiência, atrelado, aliás,
ao poder-dever de agir do agente público, também conduz à obrigatoriedade do
representante da pessoa jurídica de direito público atuar nos aludidos
processos penais.
A
Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando Hely Lopes Meirelles,
comenta que:
A
Emenda Constitucional n. 19, de 4-6-98, inseriu o princípio da eficiência entre
os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no art. 37, caput.
Hely
Lopes Meirelles (1996:90-91) fala na eficiência como um dos deveres da
Administração Pública, definindo-o como "o que se impõe a todo agente
público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento
funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não
se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados
positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da
comunidade e de seus membros".
.........................
O
princípio da eficiência impõe ao agente público um modo de atuar que produza
resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar
(grifei) [51].
Outro
princípio previsto na Carta Federal que determina o dever do Procurador do ente
público de intervir nos mencionados processos, é o da legalidade, eis que, como
já visto acima, é possuidor da relevante atribuição legal de representar o
Estado judicial e extrajudicialmente, bem como de prestar-lhe consultoria
jurídica.
É
evidente que representar não significa, pois, manter-se numa conduta inibida,
apenas defendendo o Estado em situações de conflito, e sim, também, agir quando
se fizer necessário para se preservar o patrimônio público.
O
Professor Hely Lopes Meirelles, ao comentar o citado princípio, deduz
afirmativas que se aplicam ao tema em apreço:
"Na
Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração
particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública
só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa
"pode fazer assim"; para o administrador público significa "deve
fazer assim".
As
leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos
não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade comjunta de seus
aplicadores e destinatários, uma vez que contém verdadeiros poderes-deveres,
irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza
da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de
exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais
poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício
da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador
sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação
administrativa". (grifo nosso) [52]
CONCLUSÃO
1-
A Constituição Federal, no Título que trata dos Direitos e Garantias
Fundamentais, assegura ao Estado-Administração, a legitimidade para a
propositura da ação penal privada subsidiária da pública, nos crimes dos quais
decorram lesão ao seu patrimônio ou interesse jurídico, em havendo
caracterizada a omissão do Parquet;
2-
É também detentor de legitimidade para a atuar como assistente nos processos
instaurados em face da prática de crime que lhe tenha causado os danos
supracitados à luz, inclusive, dos princípios constitucionais da isonomia e do
livre acesso à justiça;
3-
O ente público deve atuar como assistente nos processos acima, não de uma forma
limitada, visando tão-somente futura indenização, mas de forma ampla, na
condição de colaborador da acusação pública ou, até mesmo, como controlador
externo do Ministério Público;
4-
O Estado-Administração, com esteio nos Princípios Constitucionais da
Eficiência; Legalidade e da Indisponibilidade tem não só a legitimidade para
propor a ação subsidiária e para figurar como assistente da acusação, mas,
também o dever de assim fazê-lo;
5-
A intervenção do ente público na persecução penal é obrigatória não só com
relação aos crimes que lesam o seu patrimônio, como também nos demais em que
figura como sujeito passivo direto, especialmente quando praticados por
funcionário público (crimes funcionais).
BIBLIOGRAFIA:
(01)
Meirelles, Hely Lopes, 2002, pág. 64/65.
(02)
Grande Júnior, Cláudio, www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5580, acesso em
18.03.2005.
(03)
Meirelles, Hely Lopes, 2002, p. 691, Malheiros, Direito Administrativo
Brasileiro, 27ª Edição.
(04)
Athos Gusmão Carneiro – Saraiva – Intervenção de Terceiros – 10ª Edição – Porto
Alegra – pág. 36
(05)
Julio Fabrini Mirabete – Processo Penal – São Paulo - Atlas – 1ª Edição - pág.
101 - 1991).
(06)
Julio Fabrini Mirabete – Atlas – 10ª Edição – São Paulo – pág. 102 – 2000 – São
Paulo.
(07)
Julio Fabrini Mirabete – Atlas – 10ª Edição – São Paulo – pág. – 2000 – São
Paulo; pág. 109/110.
(08)
Julio Fabrini Mirabete – Processo Penal – São Paulo - Atlas – 1ª Edição – 1991
– pág. 119/120.
(09)
Julio Fabrini Mirabete – Processo Penal – São Paulo - Atlas – 1ª Edição – 1991
– pág. pág. 120.
(10)
Julio Fabrini Mirabete – Processo Penal – São Paulo - Atlas – 1ª Edição – 1991
– pág. pág. 120/121.
(11) HC – Rel. Sydney Sanches – RT –
609/420.
(12)
Julio Fabrini Mirabete – Processo Penal – São Paulo - Atlas – 1ª Edição – 1991
– pág. pág. 120.
(13)Anastácio,
Tahim Júnior – Processo Penal Constitucional – A Ação Penal Privada Subsidiária
nos Crimes Vagos – Disponível em: www.prgo.mpf.gov.br/doutrina/ANASTACIO-50.htm.
(14)
BECHARA, Fábio Ramazzini. "Da Assistência no Processo Penal – São Paulo –
Disponível: www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm
- Aceso em 24.10.2004.
(14ª)
Jessé Torres Pereira Júnior, Comentário à Lei de Licitações e Contratações da
Administração Pública – Rio de Janeiro – Renovar – 2002 – 5ª Edição – p.
833/834).
(15)
Anastácio, Tahim Júnior – Processo Penal Constitucional – A ação penal privada
subsidiária nos crimes vagos – Disponível em: www.prgo.mpf.gov.br/doutrina/ANASTACIO-50.htm.
(16)
Rodolfo de Camargo Mancuso – Ação Civil Pública – 6ª Edição – Revista dos
Tribunais – São Paulo – pág. 54.
(17)
Jessé Torres Pereira Júnior – Renovar – 2002 – 5a Edição – Rio de Janeiro – pág.
873/874.
(18)
Anastácio, Tahim Júnior – Processo Penal Constitucional – A Ação Penal Privada
Subsidiária nos Crimes Vagos – Disponível em: www.prgo.mpf.gov.br/doutrina/ANASTACIO-50.htm.
(19)
Vicente Greco Filho - Manual de Processo Penal – São Paulo – 1993 – Saraiva
pág. 224.
(20)
Júlio Fabrini Mirabete - Processo Penal – São Paulo – Atlas – 1993 – 2ª edição
– pág 332.
(21)
RÔMULO de Andrade Moreira – Promotor de Justiça – disponível: www.ampeb.org.br/trabj4.htm - Acesso
em 28.10.2004
(22)
Mancuso, Rodolfo de Camargo, 1999, p. 176/177, Ação Civil Pública, Revista dos
Tribunais, 6ª Edição.
(23)
Pedro Roberto – Promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina: disponível www.tre-sc.gov.br/sj/cjd/doutrinas/decomain6.htm.
(24)
Rômulo – Obra citada.
(25)
Yussef Said Cahali – Malheiros – 2ª Edição – São Paulo – 1996 - pág. 239.
(26)
Nóbrega, Airton Rocha, Obra citada.
(27)
Jessé – Obra citada pág. 874/875.
(28)
Tourinho Filho, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado – V.1
(arts. 1º a 393). 5ª Ed. São Paulo – 1999 – p. 498.
(29)
Fábio Ramazzini Bechara – Obra citada.
(30)
Greco Filho, Vicente. Manual de Processo Penal.2. ed. São Paulo – Saraiva –
1993, p. 223.
(31)
Espínola Filho, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. 5ª Ed. V. III. Comentários
aos arts. 185-372. pág. 269. Rio de Janeiro – 1976. disponível www.tre-sc.gov.br/sj/cjd - citado
por Pedro Roberto no Texto: A assistência no processo penal eleitoral.
(32)
Recursos no Processo Penal – 2ª Ed. 2ª Tir., SP, RT, 1998, m p. 88).
(33)
STJ – RESP 135549/RJ – 6ª Turma – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU de
26.10.98 – p. 168; no mesmo sentido: RESP 31881/DF – 6ª Turma – Rel. Min.
Adhemar Maciel – DJU de 08.11.93 – p. 23586.
(34)
Diniz, Maria Helena, 2002, p. 65/66, Direito Civil Brasileiro, Saraiva, 1º
Volume, 19ª Edição.
(35)
Mirabete, Julio Fabbrini, 2000, p. 71, Atlas, Processo Penal, 10ª Edição.
(36)
Diniz, Maria Helena, 2002, p. 66, Saraiva, Direito Civil Brasileiro, 1º Volume,
19º Edição.
(36-a)
Hamilton, Sérgio Demoro – disponível em: www.humbertodalla.pro.br/colaboradores/artigo_36.htm
- acesso em 18.04.2005).
(36
– b) Fragoso, Christiano – disponível em www.direito
penal.adv.br/artigos.asp?pagina=40&id=975 – acesso em 31.10.2004.
(37)
Athos Gusmão obra citada – pág. 128/129 e 130.
(38) TJSP – Rec. n. 141.210 –
16.11.81 – Rel. Rezende Junqueira.
(39)
Franco, Alberto Silva, 1993, p.1647, Código Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial, Revista dos Tribunais, 4ª Edição.
(40)
Meirelles, Hely Lopes, 2002, p. 622, Direito Administrativo Brasileiro,
Malheiros, 27ª Edição.
(41)
João Kleiber Ésper - disponível: www.condepol. Com.br – pesquisado em 01 de
novembro 2004.
(42)
Direito Administrativo Brasileiro – 14ª Ed. São Paulo – Revista dos Tribunais –
p. 414.
(43)
Athos Gusmão Carneiro – Intervenção de Terceiros – 10 Edição – Saraiva – 1998 –
São Paulo – p. 127.
(44)
Gasparini, Diógenes, 1992, p. 52, Direito Administrativo, Saraiva, 2ª Edição.
(45)
Meirelles, Hely Lopes, 2002, p. 94, Direito Administrativo Brasileiro,
Malheiros, 27ª Edição.
(46)
Gasparini, Diógenes, 1992, p. 13, Direito Administrativo, Saraiva, 2ª Edição.
(47)
Julio Fabrini Mirabete – Processo Penal – São Paulo - Atlas – 1ª Edição - 1991
- pág. 329.
(48)
Fides Angélica Ommati – Advocacia Pública – Algumas Reflexões – disponível em
www1.jus.com.br/doutrina/texto – Aceso em 28.10.2004.
(49)
STJ – Resp 401390/PR – Recurso Especial n. 2001/0196958-5 - Min. Humberto Gomes
de Barros – 1ª Turma – 17.10.2002 – DJ 25.11.2002 – pág. 200.
(50)
Athos Gusmão Carneiro – Saraiva – Intervenção de Terceiros – 10ª Edição – Porto
Alegra – pág. 36.
(51)
Maria Sylvia Zanella Di Pietro – Atlas – 10ª Edição – São Paulo – Direito
Administrativo – p. 73.
(52)
Hely Lopes Meirelles – Direito Administrativo Brasileiro – Malheiros – 27ª
Edição – São Paulo – 2002 - pág. 86/87.
RETIRADO DE: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6880