® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
A extinção da punibilidade e o perdão judicial na apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, CP)
Átila Da Rold Roesler
procurador federal em
Criciúma (SC), professor de Direito Processual Civil na Universidade do Extremo
Sul Catarinense (UNESC), pós-graduando em Processo Civil pela UNISUL/IBDP, professor
em cursos preparatórios para concursos públicos
O art.
168-A, introduzido pela Lei n.º 9.983/00, trouxe a definição legal do crime de
apropriação indébita previdenciária (caput) e figuras assemelhadas
(§1.º), revogando os crimes antes definidos no art. 95, alíneas d, e, e f
da Lei n.º 8.212/91. A lei também revogou tacitamente o art. 2.º, II, da Lei
n.º 8.137/90, no que se refere às contribuições sociais previdenciárias. Dessa
forma, antes da mudança legislativa ocorrida com a introdução do art. 168-A no
Código Penal, a extinção da punibilidade da sonegação de contribuição social
previdenciária era regulada pelo art. 34 da Lei n.º 9.249/95 que se referia aos
tributos em geral. Esse entendimento era corroborado pela jurisprudência da
época apesar do dispositivo fazer referência somente aos crimes previstos nas
Leis n.ºs 8.137/90 e 4.729/65. Assim, era extinta a punibilidade daquele que
promovia o pagamento da contribuição social antes do recebimento da denúncia.
Isso ocorria em razão do entendimento já consolidado que as contribuições
sociais possuem natureza tributária. Entretanto, com a promulgação da Lei n.º
9.983/00 a situação mudou e a questão envolveu regras diferentes. Alguns
autores de prestígio têm argumentando que o tratamento diferenciado da extinção
da punibilidade em relação às contribuições sociais é inconstitucional,
uma vez que o bem jurídico protegido é o mesmo: o interesse arrecadatório do
Estado. Entretanto, esse entendimento não vêm sendo acolhido pelos tribunais
superiores e, considerando que existe hipótese específica para o crime
previdenciário em análise, não há razão para se cogitar da causa de extinção da
punibilidade genérica. Nesse sentido é a doutrina de Guilherme de Souza Nucci.
Extinção
da punibilidade
O
§2.º do art. 168-A prevê que se extingue a punibilidade do agente se este
espontaneamente declara, confessa e efetua o pagamento de contribuições,
importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social,
na forma definida em lei, antes do início da ação fiscal. Trata-se do
desaparecimento da pretensão punitiva ou executória do Estado em razão de
hipótese prevista em lei.
Em
relação à legislação anterior, houve modificação no momento em que se admitia o
pagamento como causa extintiva da punibilidade. Pelo art. 34 da Lei n.º
9.249/95, era preciso pagar a dívida antes do oferecimento da denúncia. Com a
nova regra, o pagamento deve ser promovido antes do início da ação fiscal. Esse
momento tem sido entendido como anterior ao início da ação de execução fiscal
promovida pela Procuradoria do INSS. Entretanto, para Hugo de Brito Machado, a
ação fiscal iniciaria com a lavratura do Termo de Início da Ação Fiscal – TIAF
(conforme "Curso de Direito Tributário", 13ª. edição, SP, Malheiros,
1998, pág. 337). Ousamos discordar desse entendimento, pois nessa fase ainda há
tempo para a confissão da dívida de forma espontânea, uma vez que o débito não
foi formalizado. Além do mais, a expressão ação fiscal deve ser
entendida como paralela à ação penal.
Guilherme
de Souza Nucci nos aponta uma situação inusitada: "Imagine-se a hipótese
de o agente ser denunciado, mas não ter havido, ainda, ação de execução, seja
porque o INSS andou mais lentamente, seja porque foi inepto". Nesse caso,
afirma o consagrado jurista, mesmo que o devedor efetue o pagamento "não
cabe a extinção da punibilidade, pois seria o maior dos contra-sensos
exterminar a pretensão punitiva do Estado quando ele agiu a tempo, na esfera
penal, sem ter havido boa vontade do devedor para saldar o devido à
previdência, além do que o §3.º, I, veda a aplicação do perdão e do privilégio
– favores legais menores em comparação à extinção da punibilidade – quando a
ação penal já foi iniciada" (in "Código Penal Comentado",
2A. edição, SP, RT, 2002, pág. 554/555). Também compartilhamos dessa
solução.
A
questão do parcelamento também é bastante polêmica. O STJ já havia decidido que
o acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do recebimento
da denúncia, enseja a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei n.º
9.249/95. Entretanto, é importante ressaltar que a legislação atual fala em efetivar
o pagamento, substituindo a expressão anterior que trazia apenas promover
o pagamento. Essa mudança acaba por afastar a possibilidade do parcelamento
para fins de extinção de punibilidade. Dessa maneira, não restam dúvidas de que
a lei atual exige o pagamento integral do débito previdenciário (inclusive
acessórios). No entanto, a Lei n.º 10.684/03, no art. 9.º, prevê que fica
suspensa da pretensão punitiva do Estado durante o período em que a pessoa
jurídica relacionada com o agente do crime previdenciário estiver incluída no
regime de parcelamento. Somente após o pagamento integral dos débitos é que
extingue-se a punibilidade.
Perdão
judicial ou aplicação exclusiva da pena de multa
De
outra forma, prevê o §3.º do art. 168-A que o juiz poderá deixar de aplicar a
pena ou aplicar somente a pena de multa desde que: tenha sido promovido o
pagamento após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia,
inclusive dos acessórios; ou o valor das contribuições devidas,
inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela
previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento
de suas execuções fiscais. Nesse caso, portanto, não se trata da extinção da
punibilidade do parágrafo anterior, mas de espécie de perdão judicial ou
fixação única da pena pecuniária. De acordo com o STJ, a sentença que concede o
perdão judicial não vale como antecedente e não gera reincidência (Súmula 18).
Para se beneficiar dos favores legais, o agente deve ser primário e de bons
antecedentes. Primário é quem não é reincidente. Nos termos da lei penal
brasileira, é reincidente aquele que comete novo delito nos cinco anos depois
da extinção da sua última pena. Para prova da reincidência é necessário juntar
aos autos a certidão judicial comprovando a condenação anterior. Antecedentes
– para os fins da lei penal – é tudo aquilo que aconteceu ao agente antes
da prática do fato criminoso, como condenações porventura existentes, processos
arquivados, registros policiais, relacionamentos na família e no trabalho e até
mesmo aspectos de sua conduta social. Dessa forma, conclui-se que possui bons
antecedentes aquele que não os ostenta em caráter negativo.
A
expressão inicial "o juiz poderá" nos leva a indagar: trata-se de
faculdade do magistrado ou direito do réu? O perdão judicial é um direito penal
subjetivo do acusado e, presente as circunstâncias exigidas na lei, não pode o
juiz negar a aplicação do privilégio. Nesse sentido é a doutrina de Celso
Delmanto et al: "uma vez preenchidos os requisitos legais, deverá o
juiz justificar a eventual não-concessão de perdão judicial ou a não-aplicação
exclusiva da pena de multa, bem como a opção por esta última, ao invés da
primeira, mais benéfica ao condenado, sob pena de nulidade" (in Código
Penal Comentado, 6A. edição, Editora Renovar, RJ, 2002, pág. 388).
Para chegar a uma decisão justa (perdão ou privilégio) deve o juiz levar em
consideração as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal.
Quanto
à fixação de valor mínimo para a ação fiscal previdenciária, prevalece o
estabelecido na MP n.º 1.973-63, de 29.6.00, na Portaria/MF n.º 248/00 (DOU
7.8.00) e especialmente em decisões do TRF da 4ª Região, considerando como
mínimo o valor de R$ 2.500,00. Entretanto, a recente Portaria/MPS n.º 1.013, de
30 de julho de 2003, estabeleceu o valor de R$ 5.000,00. Por outro lado, no
delito de descaminho (art. 344, Código Penal), a jurisprudência tem adotado o
princípio da insignificância no sentido de que o interesse arrecadador do
Estado não chega a ser afetado pela pouca expressão econômica da dívida, uma
vez que sequer é o bastante para o ajuizamento da competente execução fiscal.
Assim, o fato seria atípico. Entretanto, nesse caso, tal entendimento não
é válido, uma vez que há dispositivo legal expresso no sentido de aplicar-se tão
somente o perdão judicial ou a pena de multa e não o princípio da
insignificância que ainda não passa de mera construção jurisprudencial. Noutro
sentido, alguns autores sustentam que o referido princípio também teria
aplicação nesse crime previdenciário quando a dívida for bem inferior ao
estabelecido como mínimo necessário para o ajuizamento da ação fiscal.
Confronto
com o art. 337-A
O
§1.º do art. 337-A que trata da sonegação de contribuição previdenciária traz
hipótese de extinção da punibilidade semelhante à do art. 168-A. Ocorre que, no
caso de sonegação, não há a obrigação do réu efetuar o pagamento das
contribuições sociais devidas à Previdência. Basta que o agente,
espontaneamente, declare e confesse as importâncias e valores devidos antes do
início da ação fiscal. A lei diferencia onde deveria haver igualdade. É por
esse motivo que alguns autores defendem a inconstitucionalidade do §2.º do art.
168-A em face do art. 337-A, §1.º "já que o tratamento desigual afronta o
princípio da isonomia" (Heloísa Estellita Salomão, "Novos
crimes previdenciários – Lei n.º 9.983, de 14 de julho de 2000: primeiras
impressões", in Revista Dialética de Direito Tributário 64/71). É
evidente que na hipótese do §1.º do art. 337-A houve grave falha legislativa
que acabou por beneficiar o sonegador. Para ser extinta a punibilidade, basta
que o devedor declare e confesse o montante devido. Não precisa pagar nada. Já
na hipótese do perdão judicial ou aplicação exclusiva da pena de multa, tal
dispositivo só terá cabimento quando o valor devido for igual ou inferior ao
mínimo estabelecido administrativamente para ajuizamento das ações fiscais.
Isso porque o inciso I do §2.º que tratava do pagamento efetuado após o início
da ação fiscal perdeu o sentido e foi vetado em razão da omissão no parágrafo
anterior.
RETIRADO DE: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6778