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A prática da defesa
prévia na nova Lei de Tóxicos
Dário José Soares
Junior
INTRODUÇÃO
Poucos
diplomas legais trouxeram tanta insegurança ao nosso Sistema Penal quanto a Lei
10.409/2002, a Nova Lei de Tóxicos. Se entendermos que "a lei não
representa a origem, mas o resultado da atividade legislativa"(1), é fácil
concluir que esta não foi desenvolvida a contento, pelos poderes Legislativo e Executivo.
O
grande teórico mineiro Edgar da Mata Machado, identifica o fenômeno que é comum
aos países de jus scriptum:
"Em
nossa época, não é menor a preocupação de legislar. Os movimentos
revolucionários, a instauração de regimes totalitários legalistas,
fazem-se acompanhar de uma pletora de leis ou de decretos-leis que, já agora,
em vez de facilitar e tornar mais estáveis as relações sociais, talvez
contribua para complicá-las, criando, então, certo ceticismo jurídico, que é um
dos aspectos da crise do Direito, nos dias atuais."(2)
O
que se viu com o advento da lei em comento foram manifestações uníssonas da
doutrina no sentido de analisar suas notáveis imperfeições. Dentre os adjetivos
mais comuns, a Nova Lei de Tóxicos foi chamada de "frankenstein
jurídico" e "colcha de retalhos". Tal fato ocorreu em razão do
veto presidencial a diversos de seus dispositivos, em especial o capítulo III,
cujo artigo 21, dispunha sobre uma série de medidas alternativas à prisão,
aplicáveis ao usuário de drogas apanhado com pequena quantidade, o que
significava verdadeira despenalização da conduta.
O
veto presidencial, foi alvo de autorizadas críticas no seio da comunidade
jurídica:
"O
Capítulo III, da lei nova, que trata dos Crimes e das Penas foi inteiramente
vetado, alegando-se o vício da inconstitucionalidade do art. 21, o que, segundo
as razões do mencionado veto, estaria a contaminar a íntegra de vários outros
artigos do capítulo em questão.
Com
a devida vênia, não nos parece procedente tal raciocínio. Ao contrário, quer
parecer-nos que faltou resolução política para que o Executivo enfrentasse a
problemática da despenalização do uso de drogas no Brasil, encampando uma lei
que, malgrado o grande número de imprecisões, tinha o mérito de, pela primeira
vez, adequar ao usuário ou ao dependente o tratamento legal por ele merecido,
sabendo fazer a sua perfeita distinção do traficante ou do comerciante de
drogas.
O
caminho do veto foi o meio mais fácil para não enfrentar o problema, como a
lembrar a história do avestruz que esconde o pescoço num buraco."(3)
A POLÊMICA QUANTO À APLICABILIDADE OU NÃO
DA NOVA LEI
Com
o veto, os aplicadores do direito penal se depararam com a intrigante questão
da aplicabilidade ou não da parte processual desta lei, pois pela dicção de seu
art. 27, o procedimento relativo aos crimes nela definidos reger-se-ia pelo
disposto no capítulo seguinte. O que se questionou então, foi o fato da Nova
Lei de Tóxicos não definir nenhuma conduta criminosa, vez que os tipos penais
nela inseridos haviam sido alvo de veto pelo Presidente da República.
Começaram
a surgir opiniões sobre o que fazer. Renato Flávio Marcão(4) posicionou-se pela
inaplicabilidade do procedimento penal, aplicando-se tão somente com relação à
fase inquisitiva. Damásio Evangelista de Jesus, também compartilha deste
entendimento, aduzindo porém que, duas interpretações são válidas, a da ineficácia
total e a da eficácia parcial do dispositivo conforme acima demonstrado(5).
Quanto aos delitos dos arts. 15, 16 e 17, por serem de menor potencial
ofensivo, aplica-se o procedimento da Lei 9.099/95, com o que concorda Luiz
Flávio Gomes(6).
No
entanto, outras vozes se posicionaram quanto a plena aplicabilidade do
procedimento penal criado pela Nova Lei de Tóxicos. O próprio Luiz Flávio Gomes
nos diz que a conclusão só pode ser no sentido de que, o procedimento da nova
lei será aplicado aos tipos penais da Lei 6.360/76, que não se enquadram como
de menor potencial ofensivo(7). Neste sentido, nos lembra Vicente Greco Filho:
"Coerentemente, o Poder Executivo vetou também o art. 59 do projeto que
disporia sobre a revogação da Lei nº 6.368/76. Isso quer dizer que esse diploma
continua em vigor no que não for incompatível com a nova lei. E a definição de
crimes e penas não tem incompatibilidade"(8).
Chegou-se
assim, à conclusão de que o procedimento deve ser aplicado e que, sendo norma
de natureza processual, é, portanto, de Ordem Pública, não se admitindo
qualquer transigência a este respeito, pois segundo Rosemiro Pereira Leal(9):
"A
norma processual compreende comandos de disciplinação da jurisdição, e do
procedimento como estrutura e instrumento jurídico de exame e debate dos
direitos materiais e até processuais. As normas processuais estabelecem
critérios de proceder para todos e especialmente para os que exerçam a
jurisdição em nome do Estado. Quanto cometem equívocos de atuação por estas
normas, configura-se o ERROR IN PROCEDENDO."
Deste
modo, prevaleceu o entendimento de que a parte processual da Nova Lei de
Tóxicos possuía validade e eficácia jurídica, e que a sua inobservância importa
em violação do direito ao devido processo legal e à ampla defesa. Neste
sentido, decidiu o Tribunal de Alçada do Paraná, instado a se manifestar em
sede de Habeas Corpus:
HC
nº 206.389-4 - Entorpecente – Denúncia recebida – Inobservância do disposto no
artigo 38, caput, da Lei nº 10.409/2002 – Nulidade – Infringência ao princípio
da ampla defesa – Ordem parcialmente concedida, para anular o processo criminal
ab initio, impondo-se observar o rito especial da lei em vigência. A
inobservância da regra prevista no art. 38 da Lei n° 10.409/2002, que alterou
disposições da Lei n° 6.368/76, impõe seja declarado nulo ex radice o
procedimento, por importar óbvia violação do Direito Constitucional à ampla
defesa".
A DEFESA PRÉVIA ANTES DO RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA
Vencida
esta etapa, o que se observou foi a disseminação do novo (e complicado) rito na
prática judiciária. Aos defensores, coube debruçar-se sobre as novas
disposições em especial os artigos 38 a 41, os quais dizem respeito ao
procedimento em juízo. Em síntese, pose-se dizer que a Nova Lei de Tóxicos
instituiu um peculiar procedimento contraditório em fase que precede o despacho
de recebimento da denúncia.
Pelo
art. 38, oferecida a denúncia, o juiz deverá ordenar a citação do acusado em 24
horas para que responda em 10 dias. Nesta resposta (consistente de defesa
prévia e exceções - § 1º) o acusado, evidente que por meio de defensor
(constituído ou nomeado - § 3º) "poderá argüir preliminares e invocar
todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as
provas que pretende produzir e arrolar testemunhas".
Em
seguida, terá vista o Ministério Público por 5 dias (§ 4º), devendo decidir em
igual prazo ou baixar em diligência pelo prazo máximo de 10 dias (§ 5º). A
decisão referida no § 4º, diz respeito ao recebimento ou não da inicial penal,
devendo o juiz rejeitar a denúncia nas hipótese previstas no art. 43 do CPP, e
ainda em caso de inépcia, ausência de pressuposto processual, condição da ação
e justa causa para a acusação.
Renato
de Oliveira Furtado, em artigo transcrito por Renato Flávio Marcão(10) e Luiz
Flávio Gomes(11), saldou as novas regras afirmando:
"...Vale
registrar a verdadeira evolução que este artigo imprime no procedimento criminal
que balizará a nova Lei de Tóxicos, em sentido claramente garantístico. Ao
instituir a resposta escrita à acusação, antes do recebimento da denúncia,
está-se, em última análise, a criar garantias de refutação, de possibilidades
de enfrentamento do articulado na peça acusatória antes que esta deságüe,
inquestionada e em vôo solo, em tormentosa ação penal que, em alguns casos,
desde o início se mostra desarrazoada, por ausente o fumus commissi delicti,
transformando-se em verdadeiras matrizes de erros judiciários."
O DESPACHO DE RECEBIMENTO OU REJEIÇÃO DA
DENÚNCIA
Sobre
a necessidade de fundamentação da decisão que recebe ou rejeita a denúncia,
surgiram também algumas dúvidas. Afinal, bastaria o mero e burocrático carimbo
"recebo a denúncia", ou seria necessário um maior aprofundamento por
parte do julgador? Renato Flávio Marcão(12), afirma "ser imprescindível
uma fundamentação adequada ao momento processual, sem análise profunda de
mérito, devendo a apreciação restringir-se à constatação da existência do
delito imputado, indícios suficientes da autoria e condições da ação". O
mesmo entendimento é compartilhado por Paulo Rangel(13), que defende a
fundamentação do despacho que recebe a denúncia mesmo nos demais procedimentos,
escrevendo o seguinte:
"De
nada adiantaria a Constituição Federal assegurar a motivação das decisões
judiciais se o magistrado pudesse receber a denúncia sem motivar sua decisão.
Ou se garante ao cidadão a ciência dos motivos pelos quais o
Estado-administração o está processando ou de nada vale a garantia da motivação
das decisões judiciais"
No
entanto, a tendência dos tribunais tem sido, a exemplo do que se verificava
quanto a este mesmo despacho nos demais procedimentos comuns, entender que o
juiz não precisar demonstrar as motivações que o levaram a receber a peça
acusatória, haja vista o fato de tal despacho não trazer consigo qualquer
"carga decisória". Em recente decisão, apreciando Habeas Coprus em
que se pedia a anulação de processo de tóxicos em que, simplesmente inexistia o
despacho de recebimento da denúncia, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
desconsiderou a vigência da Nova Lei de Tóxicos e assim se manifestou:
HABEAS
CORPUS Nº 1.0000.03.403297-9/000 - COMARCA DE CARATINGA - RELATOR: EXMO. SR.
DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES EMENTA: "HABEAS CORPUS" - RECEBIMENTO
DA DENÚNCIA - FUNDAMENTAÇÃO - AUSÊNCIA - NULIDADE - NÃO OCORRÊNCIA - ORDEM
DENEGADA. A falta de fundamentação na decisão de recebimento da denúncia não torna
nulo o feito.
ACÓRDÃO
Vistos
etc., acorda a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata
dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DENEGAR A
ORDEM.
Belo
Horizonte, 27 de novembro de 2003.
O
SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:
VOTO
Trata-se
de habeas corpus impetrado em favor de denunciado e condenado pela prática do
crime descrito no art. 12 da Lei nº 6.368/76.
Sustentam
os impetrantes nulidade do feito por ausência de despacho de recebimento da
denúncia.
Indeferi
o pedido de concessão de liminar (fl. 39).
Informações
foram apresentadas pelo MM. Juiz (fls. 42/46 e documentos de fls. 47/91).
A
d. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pela denegação da ordem (fls.
93/96).
Decido.
A
alegação de nulidade do feito em razão de ausência de despacho de recebimento
da denúncia não merece prosperar.
Do
exame dos autos verifica-se que o despacho que designou dia e hora para a
audiência de instrução e julgamento, nos termos da Lei nº 10.409/2002, também
decidiu pelo recebimento da denúncia, embora não tenha nele ficado consignado
expressamente este ato. É que não haveria, por óbvio, a audiência de instrução
e julgamento, se não houvesse sido recebida a denúncia, ainda que tacitamente.
Além
disso, a esta altura, já havia o réu sido intimado para apresentar resposta
escrita na forma da Lei nº 10.409/2002.
A
ausência de fundamentação do despacho de recebimento da denúncia não é
suficiente para eivar de nulidade o feito, de acordo com a jurisprudência já
sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal.
Diante
do exposto, acolho o parecer a d. Procuradoria de Justiça e denego a ordem.
O
SR. DES. SÉRGIO RESENDE:
VOTO
De
acordo.
O
SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:
VOTO
De
acordo.
SÚMULA
: DENEGARAM A ORDEM.
O CONTEÚDO DA DEFESA PRÉVIA
Em
meio a todos este aspectos, surge um dilema para os defensores. O que alegar na
Defesa Prévia? (termo aliás, empregado largamente pela doutrina e na praxe
forense, mas que porém, antes da Nova Lei de Tóxicos somente era empregado pela
Lei de Imprensa - 5.250/76. O CPP e a Lei 6.368/76 falam somente em alegações -
escritas no caso do código - preliminares no caso da lei). Tradicionalmente,
talvez por estratégia dos defensores, não se formulam extensas alegações na
Defesa Prévia. Segundo Guilherme de Souza Nucci(14) "Na defesa prévia, não
costumam os defensores adiantar suas teses, limitando-se a alegar que a
inocência do réu será demonstrada ao final da instrução. É o momento, no
entanto, de arrolar testemunhas". Gilson Fonseca(15), lembra que "É,
também, o tríduo legal (*referência ao prazo de 3 dias conferido pelo CPP), a
fase própria para o requerimento de diligências. Nessa oportunidade podem-se
pedir esclarecimentos aos peritos, requerer a realização de exames
complementares, exames periciais, etc.".
O
fato é que, sendo a "primeira peça de defesa escrita, produzida pela
defesa técnica"(16), no procedimento da Nova Lei de Tóxicos e diante da
gravidade da decisão que virá a seguir (recebimento ou não da denúncia), fica o
defensor inclinado a produzir uma peça mais bem elaborada questionando os
diversos aspectos da peça exordial. No entanto, é preciso dimensionar bem, quais
matérias serão passíveis de argüição nesta fase, evitando aprofundar-se nas
alegações de mérito, o que muitas vezes ocorre, por exemplo, quando se quer
articular a ausência de justa causa, prevista no inciso II do art. 39, como
sendo causa de rejeição da denúncia.
É
no momento da Defesa Prévia que a defesa articulará questões importantes que
poderão evitar a instauração da Ação Penal, com a rejeição da denúncia. Nesta
fase é preciso haver um pleno domínio de determinadas questões processuais por
parte do defensor, principalmente no que tange ao conhecimento do que é matéria
preliminar em processo penal (arts. 43 do CPP e 39 da Nova Lei de Tóxicos - não
se confundem com as prejudiciais de mérito previstas nos arts. 92 e seguintes
do CPP): Inépcia da inicial, ocorrência de extinção da punibilidade,
ilegitimidade de parte, ausência de pressuposto processual, ausência de
condição para o exercício da ação penal e ausência de justa causa (ou o fato
narrado evidentemente não constituir crime).
AS PRELIMINARES
Estudemos
cada uma destas preliminares:
-
Inépcia da inicial: Ocorre quando a denúncia ou queixa não atende ao disposto
no art. 41 do CPC, principalmente quando apresenta deficiência na exposição do
fato criminoso e todas as suas circunstâncias. Neste sentido: "Denúncia. É
inepta a que não especifica, nem descreve, ainda que sucintamente, os fatos
criminosos atribuídos a dois acusados, limitando-se à referência a outra peça
dos autos" (RTJ 57/389). STF: "Denúncia apresentada de forma sumária,
em caráter genérico, sem respaldo no inquérito policial. O STF abona a concisão
desde que fundamentada com suficiência a denúncia" (RT 642/358). TACRSP:
"A denúncia obscura, omissa e confusa é reconhecidamente inepta, pois faz com
que o acusado fique sem saber o real conteúdo da incriminação, impedindo-o de
articular sua defesa satisfatoriamente" (RJDTACRIM 25/106).
-
Extinção da punibilidade: Quando se verificar qualquer das circunstâncias do
art. 107 do CP. Nos crimes de tóxicos, as causas possíveis de extinção da
punibilidade, são a morte do agente e a prescrição.
-
Ilegitimidade de parte: Pode ser ativa ou passiva. A ilegitimidade ativa no
crimes de tóxicos estaria configurada na absurda hipótese de ação penal ser
proposta por pessoa não integrante dos quadros do Ministério Público, vez que
são delitos de ação penal pública incondicionada. Quanto à legitimidade
passiva, ressaltamos que, nos crimes de tóxicos somente a pessoa física pode
ser parte legítima para figurar no pólo passivo. Paulo Rangel(17), no entanto,
demonstra que, havendo erro quanto ao verdadeiro réu, configura-se a
ilegitimidade passiva e explica: "...Se no inquérito policial houvesse
proa idônea de que o fato foi praticado por Tício e o promotor de justiça
oferecesse denúncia em face de uma das testemunhas. Neste caso, a denúncia não
deveria ser recebida, pois manifesta a ilegitimidade de parte. Ausência de uma
das condições para o regular exercício do direito de agir". Diferentemente
ocorre quando se alega e se prova que o indiciado e denunciado não foi o autor
do fato a ele imputado. Neste caso, haverá sentença absolutória de mérito.
-
Ausência de pressuposto processual: Mesmo no Direito Processual Civil, onde há
uma preocupação maior com a correta sistematização dos institutos jurídicos,
não houve uma adequada sistematização dos chamados pressupostos processuais,
segundo Alexandre Freitas Câmara(18). Este autor aponta, em consonância com a
doutrina de Cintra/Grinnover/Dinamarco três pressupostos: a) Um órgão estatal
investido de jurisdição; b) partes capazes e c) uma demanda regularmente
formulada(19). Humberto Theodoro Júnior(20), por sua vez divide os pressupostos
processuais em pressupostos de existência válida e pressupostos de desenvolvimento,
subdividindo-os em subjetivos (competência do juiz, capacidade civil das
partes, representação por advogado) e objetivos (observância de forma
processual adequada, existência de mandato, inexistência de litispendência,
coisa julgada, compromisso, inépcia da inicial e inexistência de nulidades).
-
Ausência de condição para o exercício da ação penal: Segundo Paulo Rangel(21),
são condições para o regular exercício do direito de agir. Este autor as
classifica como sendo a legitimidade de parte, o interesse de agir, a
possibilidade jurídica do pedido e a justa causa. Com já analisamos a primeira
em separado, observemos as demais. Segundo Alexandre Freitas Câmara(22), é um
requisito do provimento final que se configura havendo a necessidade da tutela
jurisdicional pleiteada e a adequação do provimento pleiteado. Humberto
Theodoro Júnior(23), completa, afirmando que "localiza-se o interesse
processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade
do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto,
pois a tutela jurisdicional não é mais outorgada sem uma necessidade".
Quanto à possibilidade jurídica do pedido, Paulo Rangel(24) traz à colação o
ensinamento do mestre Hélio Tornaghi, segundo o qual na avaliação da
possibilidade jurídica do pedido não se trata de verificar se o autor tem ou
não ou direito (matéria de mérito) mas "de saber se os fatos que enuncia
em seu pedido são típicos, isto é, adequados à descrição legal de um
direito" e completa afirmando que mesmo o fato sendo descrito como crime,
o pedido será impossível se o autor penal requerer, por exemplo, a pena de
morte ou a prisão perpétua. Sobre a justa causa analisaremos em tópico
distinto.
De
qualquer forma, o legislador não conseguiu abranger todas as possibilidades de
rejeição da denúncia, pois como anota Renato Flávio Marcão(25):
"Ao
acrescentar outras causas de rejeição da inicial acusatória, até com certa
precisão técnica, o novo Diploma parece querer esgotar as hipóteses de
rejeição, suprindo eventual lacuna da legislação processual penal; entretanto,
a questão permanece em aberto, pois outras tantas causas não elencadas de
rejeição existem, e nem por isso a inicial acusatória, em se tratando de crimes
previstos na legislação antitóxicos, será recebida quando evidenciada uma
delas".
JUSTA CAUSA
Outra
questão que começa a ser suscitada com freqüência na Defesa Prévia é a possível
ausência de justa causa, tendo em vista o disposto no ar. 39, II da Nova Lei de
Tóxicos. A expressão "justa causa" desde que foi inserida no art.
648, I do CPP (o qual considera ilegal a coação, sanável por habeas corpus,
quando não houver justa causa), vem gerando algumas dificuldades de
interpretação. É preciso muita acuidade no exame do caso concreto para que não
se resvale no mérito da causa ao concluir pela ausência de justa causa.
Quanto
à justa causa para a prisão, em certos casos, a sua verificação não é das mais
difíceis. Pontes de Miranda(26) exemplificava da seguinte forma:
"Se
não houve acusação por fato que constitua crime, ou contravenção, ou, se houve,
a pena não é coercitiva de liberdade física, justa causa não há para a coação.
Sempre que o crime ou a contravenção é daqueles em que,, acontecendo e havendo
processo, o réu se livra solto, independente de fiança, a coação é ilegal, pela
falta de justa causa. Também não há justa causa, se houve indulto, ou
anistia."
O
problema se torna mais complexo, quando se trata de definir a justa causa para
a propositura da ação penal. Afrânio Silva Jardim, citado por Paulo Rangel(27)
define a justa causa como "um lastro probatório mínimo que ter a ação
penal relacionando-se com indícios de autoria, existência material de uma
conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade".
Mirabete(28), por seu turno, afirma para o reconhecimento da justa causa, a
ilegalidade deve ser evidente, demonstrando-se de plano a atipicidade da
conduta, bem como a "ausência de qualquer elemento indiciário que
fundamente a acusação".
É
pacífico o entendimento doutrinário e pretoriano no sentido de considerar que,
pela via estreita do writ, não se conhece de matéria que desafia
revolvimento do contexto probatório. O mesmo ocorre nesta fase do processo de
tóxicos em que o juiz, só reconhecerá a ausência de justa causa se for evidente
a total ausência de "um lastro probatório mínimo" a incriminar o
acusado.
São
comuns as alegações neste sentido caírem no vazio. Nas raras vezes em que se
preocupam em fundamentar o despacho de recebimento da denúncia, os juízes
enveredam pelo caminho mais cômodo, limitando-se a dizer que tais alegações se
confundem com o mérito da causa e que serão devidamente apreciadas por ocasião
da sentença.
O DILEMA: ANTECIPAR OU NÃO AS ALEGAÇÕES
DE MÉRITO?
Outra
característica do procedimento de tóxicos é a audiência una, visando o
interrogatório, a produção de provas testemunhais e debates orais entre as
partes, sendo estes últimos uma herança da lei anterior (art. 23, § 2º da Lei
6.368/76). Por ser prevista a forma oral para a apresentação das alegações
finais, sempre se deu importância à Defesa Prévia no processo dos crimes de
tóxicos, vez que seria, em tese a única oportunidade de manifestação escrita e
precisa da defesa. Como ensina José Luiz Filó(29):
"A Defesa Prévia deverá ser
elaborada da forma mais completa possível, fazendo-se uma breve análise de todo
o feito, devendo-se desenvolver todas as teses de defesa.
Deve-se
hostilizar nesta fase:
a)A
Busca e Apreensão.
b)O
Laudo Provisório.
c)A
prisão em flagrante.
d)Os
depoimentos testemunhais desfavoráveis.
O
laudo provisório deve ser contrariado, alegando-se (se for o caso):
a)Dúvida
com relação à identidade da substância apreendida.
b)A
perda do efeito toxicológico da droga.
c)Divergência
entre a quantidade mencionada no autos de apreensão e aquela declarada no laudo
provisório.
d)Que
a droga apreendida encontra-se misturada a outras substâncias, tornando difícil
precisar a sua quantidade e a eficácia do seu princípio ativo.
...É
nesta fase que deve-se requerer a submissão do Réu a exame de dependência (se
for o caso), sob pena de preclusão."
O
fato é que, desde a antiga lei prevalecia o entendimento de que, apesar de
prever alegações finais orais, o diploma não vedava a apresentação de memoriais
escritos. O que se verifica na prática é o fato de juízes assoberbados, com
agenda carregada, remeterem os debates finais para a forma escrita,
ordinarizando o procedimento, mesmo porquê, a maioria prefere não sentenciar em
audiência.
Tal
prática conduz ao esvaziamento do momento processual da Defesa Prévia, o qual,
na prática tem servido, mesmo na Nova Lei de Tóxicos, como momento apropriado
tão somente para o arrolamento de testemunhas e para o requerimento de exame de
dependência, com apresentação dos quesitos. Quanto ao mérito, adota-se a
negativa geral e se reserva para as alegações finais uma argumentação mais
detalhada e fundamentada acerca da conduta imputada ao acusado e a prova
produzida pelas partes.
CONCLUSÃO
O
tema abordado neste estudo, o qual não teve a pretensão de esgotá-lo, é apenas
um dos muitos que provocam questionamento na Nova Lei de Tóxicos. O que dizer,
por exemplo, do disposto no § 2º do art. 22: Tem direito público-subjetivo ao
sobrestamento do processo o indiciado que delatar a existência de organização
criminosa, ou tal acordo depende da discricionariedade do MP? Mesmo com a
revogação da parte criminal, a conduta do art. 16 da Lei 6.368/76 não estaria
descriminalizada em razão do vigente art. 11 da Nova Lei de Tóxicos, que
prioriza o tratamento dos dependentes, sendo este o verdadeiro
"espírito" da nova lei?
São
questões de altíssima indagação e que provocam perplexidade na maioria dos
operadores do direito criminal. Sobre elas se debruçam os doutos no assunto e
ficamos no aguardo de uma construção pretoriana do novo direito com relação à
questão das drogas, o que não é o recomendável numa ordem democrática onde a
lei deveria ser a fonte primeira da segurança jurídica.
Nós,
pobres defensores, que nos exaurimos nas batalhas travadas diariamente nos
foros criminais, ficamos mais uma vez reféns do entendimento personalíssimo dos
juízes, o que faz de nossa atividade uma verdadeira roleta russa. E isto tudo,
ou talvez por isso, apesar do corrilho de normas jurídicas que nos toma de assalto
quase que diariamente, confundindo a todos, os invés de promover o
esclarecimento e o bem estar de todos nós, súditos da incipiente democracia
brasileira.
NOTAS:
1
- MAYNEZ, Garcia, apud MACHADO, Edgar da Mata. Teoria Geral do Direito.
UFMG, Belo Horizonte: 1995, pág. 255
2
- Op. cit., págs. 256 e 257
3
- HABIB, Sérgio. A NOVA LEI DE TÓXICOS - A Despenalização do Uso de Drogas.
Revisa Consulex, nº 139. Brasília: Setembro de 2002.
4
- MARCÃO, Renato Flávio. TÓXICOS - Leis n. 6.368/1976 e 10.409/76 anotadas e
interpretadas. Saraiva, São Paulo: 2004, pág. 405.
5
- JESUS, Damásio Evangelista. Nova Lei Antitóxicos (Lei n. 10.409/02 - mais
confusão legislativa. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, fev.
2002. www.damasio.com.br
6
- GOMES, Luiz Flávio. NOVA LEI DE TÓXICOS (Lei n. 10.409/02): nulidade do
processo por inobservância da defesa preliminar. Revista Jurídica Consulex
nº 139. Brasília: Setembro de 2002.
7
- Idem
8
- FILHO, Vicente Greco. TÓXICOS: DESCRIMINALIZAÇÃO. Revista Jurídica
Consulex nº 139. Brasília: Setembro de 2002.
9
- LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo - Primeiros Estudos.
Síntese. 4ª edição. Porto Alegre: 2001, pág. 119.
10
- Idem
11
- Idem
12
- Op. cit., pág. 556
13
- RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 8ª edição. Lumens Juris. Rio
de Janeiro: 2004págs. 466/467
14
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. RT. 3ª
edição. São Paulo: 2004, pág. 639
15
- FONSECA, Gilson. Noções Práticas de Processo Penal. Aide. 1ª edção.
Rio de Janeiro: 1993, pág. 86.
16
- NUCCI, Guilherme de Souza, idem.
17
- Op. cit., pág. 259
18
- CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Lumen
Juris. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: 2003, pág. 225
19
- Op. cit., pág. 227
20
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Forense.
14ª edição. Rio de Janeiro: 1995, pág. 59
21
- Op. cit., pág. 258
22
- Op. cit., pág. 124
23
- Op. cit., pág. 56
24
- Op. cit. pág. 262
25
- Op. cit. pág. 555
26
- MIRANDA, Pontes de. História
e Prática do Habeas Corpus.
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