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Autor: LÉLIO BRAGA CALHAU. Promotor de Justiça (MG). Pós-graduado
em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha). Mestre em Direito do
Estado e Cidadania pela UGF-RJ..
LÉLIO BRAGA CALHAU
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de
Minas Gerais.
Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de
Salamanca (Espanha)
Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade
Gama Filho (RJ).
Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio
Doce.
O Supremo Tribunal Federal está avaliando uma ação que
envolve o destino dos fetos anencefálicos (e de suas mães e famílias) em nosso
país. Um dos últimos movimentos ocorreu na última quarta-feira (20.10), quando
o plenário do tribunal analisou a discussão sobre a legitimidade constitucional
da antecipação de parto de feto anencefálico (sem cérebro), com o julgamento da
Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, proposta pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Os ministros, em
votação por maioria, decidiram revogar a liminar concedida em julho de 2004
pelo ministro Marco Aurélio.
Na referida ação, a CNTS pede que seja dada interpretação
conforme a Constituição Federal aos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código
Penal Brasileiro. Estes artigos penais tratam do crime de aborto, e a ação visa
permitir a interrupção de gravidez de filhos anencéfalos. O pedido é feito com
base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da
legalidade, liberdade e autonomia da vontade, bem como o direito à saúde. Ou
seja: o Poder Judiciário não está sendo chamado para criar nenhuma regra
jurídica, mas, em verdade, estabelecer um critério de interpretação para as
normas penais que tratam do crime de aborto.
O Poder Judiciário demonstrou grande sensibilidade quando o
Ministro Marco Aurélio, em decisão do último dia 28 de setembro, entendeu por
bem convocar uma audiência pública para ouvir representantes da sociedade civil
sobre o assunto da ação. Tal iniciativa merece todos os méritos. Nem o
Ministério Público e nem o Poder Judiciário lançam mão desse instrumento
democrático com maior freqüência.
Ouvir as diversas teses apresentadas, participar de
debates, apresentação de propostas, sugestões e reclamações deveria ser um
procedimento mais constante nas discussões das causas de grande interesse
social que tramitam no Supremo Tribunal Federal.
Tal preocupação no presente caso se faz necessária por
diversos motivos, porquanto a questão do aborto está vinculada diretamente com
a da anencefalia. Nem uma e nem outra foram discutidas de forma profunda e com
maturidade pela sociedade. Os problemas são claros, entre eles: o aborto é um
crime praticado sem testemunhas e raramente chega ao conhecimento do poder
público, sendo que muitas vezes o risco de morte da gestante é real; existe uma
discussão política-jurídica sobre se o aborto é caso de saúde pública ou caso
de delegacia de polícia; na prática, as condenações (quando existentes) são
mínimas. O crime de aborto é julgado pelo Tribunal do Júri, não por um juiz de
direito. É rara a condenação pelos jurados de uma mãe em caso de um aborto
simples, a de uma situação concreta onde haja ocorrido a anencefalia é bastante
improvável.
Li ontem um texto onde se critica a posição da Igreja
Católica no caso. Ora, a Igreja Católica, bem como todas outras entidades
religiosas ou não têm o direito de se manifestar. O que não pode ocorrer é se
confundir na questão o direito com religião. Não está em jogo se o caso é
pecado ou não. Talvez essa confusão (que tem ocorrido com freqüência na
política) seja responsável por muitos erros que ainda vamos ter que assistir.
A discussão do caso deveria passar também por um amplo
debate pela sociedade civil, estendendo-se, a análise se a sociedade deseja,
ainda, que o aborto continue a ser considerado crime pela lei penal brasileira.
http://www.direitopenal.adv.br/artigos.asp?pagina=45&id=1160