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A remição da pena pelo estudo – uma interpretação extensiva e sensata
João Vieira Neto
(advogado criminalista, associado do IBCCRIM, associado do IBEP – Instituto
Brasileiro de Execuções Penais, pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal
pela Escola da Magistratura de Pernambuco) e
Hélcio França
(Advogado Criminalista e pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pela
Escola da Magistratura de Pernambuco).Email para contatos:
joaovieira_advcriminal@yahoo.com.br
<mailto:joaovieira_advcriminal@yahoo.com.br>
A remição disposta no art. 126, §1º, da Lei nº 7.210/84, ressalta o efeito de quitação, ou seja, readquirir os dias apenados por meio de esforço laboral, na proporção de cada três dias trabalhados a diminuição de um da pena, contudo, vislumbra-se, com essa ação, não apenas a quebra da ociosidade do condenado, mas, principalmente, a sua ressocialização, fazendo com que disponha de meios suficientes de aprendizado e instrução, com o objetivo de reinserí-lo à sociedade, e qual outro meio de tamanha eficácia senão o estudo para a consecução de tal finalidade.
Ademais, o Estado tem por obrigação a disponibilidade de meios necessários para
obter a ressocialização do aprisionado ou egresso, colocando o reeducando no
caminho da busca do seu reencontro com o convívio comum social, pois a pena não
tem o fim único de punir, mas, sobretudo, e aí se infere o artigo 1º da Lei
7.210/84, fazer com que aquele praticante do delito seja trazido novamente a
sociedade, reintegrando-o de forma harmoniosa e capacitada, evitando que ele
retorne ao cenário marginal e criminoso.
A Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, também explicitando a
necessária e importante reinsersão social, em seu capítulo “Do Objeto e da
Aplicação da Lei de Execução Penal”, assim é redigida:
“Contém o art. 1º duas ordens de
finalidades: a correta efetivação dos mandamentos existentes nas sentenças ou
outras decisões, destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de
meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a
ter participação construtiva na comunhão social.
Sem questionar profundamente a grande temática das finalidades de pena,
curva-se o Projeto, na esteira das concepções menos sujeitas à polêmica
doutrinária, ao princípio de que as penas e medidas de segurança devem realizar
a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade”.
Sabe-se, e isto
é de cunho até mundial, que uma das principais formas de se combater a
violência e a criminalidade é na realização de bom trabalho voltado para a
instrução do preso, seja através de uma capacitação técnico-profissional, seja
pelo aprendizado escolar, proporcionado condições jamais auferidas pelo delinqüente,
tornando-o capaz de, quando de sua saída do encarceramento, poder deixar o
mundo do crime e se inserir numa vida digna e honesta.
Assim sendo, um dos meios mais benéficos e capazes de realmente produzir a
ressocialização do condenado é a educação, através do estudo, onde se garante a
possibilidade de inseri-lo posteriormente no mercado de trabalho, desta forma
mais capacitado e, portanto, com compatibilidade de competitividade, além de
produzir no indivíduo aprisionado a consciência da sua importância no seio da
sociedade, não mais como à margem da lei, mas agora como trabalhador, técnico
ou estudante preparado para os desafios da vida.
A doutrina tem se mostrado condizente a esta interpretação analógica e
extensiva, quanto à remição da pena pelo estudo, como demonstra o insigne
Renato Flávio Marcão1 , a saber:
“Com efeito, a melhor interpretação
que se deve dar à lei é aquela que mais favoreça a sociedade e o preso, e por
aqui não é possível negar que a dedicação rotineira deste aprimoramento de sua
cultura por meio do estudo contribui decisivamente para os destinos da
execução, influenciando de forma positiva em sua (re)adaptação ao convívio
social. Aliás, não raras vezes o estudo acarretará melhores e mais sensíveis
efeitos no presente o no futuro do preso, vale dizer, durante o período de
encarceramento e quando da reinserção social, do que o trabalho propriamente
dito, e a alegada taxatividade da lei não pode constituir óbices a tais
objetivos, notadamente diante da possibilidade de interpretação extensiva que
se pode emprestar ao disposto no art. 126 da LEP.
Tanto quanto possível, em razão de seus inegáveis benefícios, o aprimoramento
cultural por meio do estudo deve ser um objetivo a ser alcançado na execução
penal, e um grande estímulo na busca de tal ideal é a possibilidade de remir a
pena privativa de liberdade pelo estudo.”
Esse objetivo
primordial da Lei de Execução Penal, qual seja a reinsersão do aprisionado no
meio social onde vivia e foi retirado, tem, ao longo do tempo, adquirido cada vez
mais força, sendo tratado, por alguns, com a importância que realmente
prescinde, apesar de caminhar a passos ainda curtos e moderados, todavia dando
esperança que um dia o intuito da Lei 7.210/84 seja efetivamente cumprido, com
a conseqüente e eficaz reintegração do encarcerado criminoso na sociedade.
A tendência dos julgamentos nos diversos Tribunais de Justiça deste país tem
inclinado na projeção da consecução deste anseio da LEP, restando majoritária,
ou até mesmo pacífica, a posição de que se deve a todo custo engendrar esforços
para se obter a ressocialização do preso, sob pena de se retroceder ao
selvagerismo pleno, transformando homens em verdadeiros animais vorazes e sem
qualquer perspectiva de futuro.
O próprio Superior Tribunal de Justiça e até a Suprema Corte já entendem, e
assim vêm decidindo, que, até mesmo em crime hediondo, faz-se mister a
autorização de saída de preso para estudo e capacitação fora do estabelecimento
penal, quando obviamente o seu mérito assim permitir.
É público e notório que o imediatismo do resultado da nova integração do
aprisionado na comunidade é, sobretudo, demasiadamente moroso, o que talvez
passe despercebido e não alimente vontades de se investir nesse campo, pois o
que se busca de pronto é a retirada do desordeiro da convivência social,
impondo-lhe o castigo, sem a preocupação com o depois, com a posterior saída do
mesmo da cadeia e volta à sociedade.
Como uma forma de controle e limite ao exercício do jus puniendi, surgiu
a preocupação dos penalistas, sobretudo críticos, em estabelecer e criar
teorias capazes de, ao mesmo tempo, fixar e disseminar pensamentos concretos e
objetivos de limitação do exercício desse poder e instrumento de controle
social, através de meios coativos, de que dispõe o Estado.
Nessa ótica, surgiram algumas teorias que, dentre elas, destacam-se: 1) A
Teoria Absolutista ou de Retribuição, onde o castigo era a única idéia central;
2) A Teoria Relativa ou também chamada Utilitarista, na qual se pregava apenas
o objetivo prático ou, como o nome mesmo identifica, a própria utilidade da
pena; 3) A Teoria Mista ou Eclética, ou ainda conhecida como Intermediária,
onde já se percebia e se aflorava o dinamismo atual da execução penal, restando
evidenciado o castigo e também a educação do ser aprisionado, e por fim; 4) A
Teoria da Criminologia Crítica ou Radical, onde se combatia o resultado prático
da pena, atentando-se ao objetivo propriamente dito, ou seja, será que há
reeducação, ressocialização e reinserção de um indivíduo enclausurado como
animal? Enfim, criticava-se radicalmente essa condição.
Partindo da interpretação dessas teorias, percebe-se que há muito tempo atrás
já existia a preocupação não apenas com o castigo, mas também com a
reintegração social do preso, como bem massificado pelas Teorias Mista e
Radical.
Com absoluta certeza e convicção, se o trabalho braçal é capaz de reverter e
transformar a ociosidade do encarcerado numa possibilidade de mudança de vida,
o que dizer da educação através dos estudos, da formação educacional em um
centro de estudo.
A educação é comprovadamente a melhor forma de alterar o estado de
subdesenvolvimento de uma nação, com a mediata obtenção da igualdade e harmonia
social, através de medidas governamentais de acesso ao ensino médio e fundamental
gratuito, única forma de se acabar ou, ao menos, reduzir a criminalidade tão
crescente nos dias atuais.
Para o saudoso Julio Fabbrini Mirabete2 , em comento ao art. 126 da
LEP, ressaltando indiretamente a possibilidade da remição pelo estudo, demonstra
que a lei não distingue qual a natureza do trabalho, a saber:
“Não distingue a lei quanto à
natureza do trabalho desenvolvido pelo condenado. Assim, a remição é obtida
pelo trabalho interno ou externo, manual ou intelectual, agrícola ou
industrial, não se excluindo o artesanal, desde que autorizado pela
administração do estabelecimento penal.”
Ou seja, a
readaptação ao meio social do criminoso, quer seja ele nato, habitual, de
momento, ou, condenado à pena privativa de liberdade em regime fechado ou semi-aberto,
deve dispor de meios sensatos de remição de pena, restando como mais
aproveitável e de maior segurança, in latu senso, o estudo, dentro do
estabelecimento prisional ou fora dele, tudo em busca de uma melhor aplicação
punitiva estatal, e porque não do princípio do in dubio pro societa e do in
dubio pro réu.
Neste sentido tem entendido o Superior Tribunal de Justiça, abaixo:
“CRIMINAL RESP. REMIÇÃO.
FREQUÊNCIA EM AULAS DE ALFABETIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇAO EXTENSIVA DO
ART. 126 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. RECURSO DESPROVIDO.
I. A Lei de Execuções Penais previu a remição como maneira de abreviar, pelo
trabalho, parte do tempo de condenação.
II. A interpretação extensiva ou analógica do vocábulo “trabalho”, para abarcar
também o estudo, longe de afrontar o caput do art. 126 da Lei de Execução
Penal, lhe deu, antes, correta aplicação, considerando-se a necessidade de se
ampliar, no presente caso, o sentido ou alcance da lei, uma vez que a atividade
estudantil, tanto ou mais que a própria atividade laborativa, se adequa
perfeitamente á finalidade do instituto.
III. Sendo um dos objetivos da lei, ao instituir a remição, incentivar o bom
comportamento do sentenciado e a sua readaptação ao convívio social, a
interpretação extensiva se impõe in casu, se considerarmos que a educação
formal é a mais eficaz forma de integração do indivíduo a sociedade.
IV. Recurso desprovido” (RESP nº 455.942/RS;25/08/2003)
“Remição. Freqüência em aulas de alfabetização. Possibilidade. Interpretação
extensiva do art. 126 da Lei de Execução Penal. Recurso desprovido
A Lei de Execuções Penais previu a remição como maneira de abreviar, pelo
trabalho, parte do tempo de condenação.
A interpretação extensiva ou analógica do vocábulo ‘trabalho’, para abarcar
também o estudo, longe de afrontar o caput do art. 126 da Lei de Execução
Penal, lhe deu, antes, correta aplicação, considerando-se a necessidade de se
ampliar, no presente caso, o sentido ou alcance da lei, uma vez que a atividade
estudantil, tanto ou mais que a própria atividade laborativa, se adequa
perfeitamente à finalidade do instituto.
Sendo um dos objetos da lei, ao instituir a remição, incentivar o bom
comportamento do sentenciado e sua readaptação ao convívio social, a
interpretação extensiva se impõe in casu, se considerarmos que a educação
formal é a mais eficaz forma de integração do indivíduo à sociedade.
Recurso desprovido.
(Resp. nº 445/942/RS, 5ª Turma, rel. min. Gilson Dipp, j. 10.06.03,
v.u., DJU 25.08.03, P. 352).”
3Sendo assim, é de se admitir que a remição pelo estudo demonstra o quão é benéfica ao preso, no regime fechado ou semi-aberto, e principalmente à sociedade, a sua aplicação, readaptando-o ao habitat social, numa plena e harmônica interação de convívio e permanência.
Notas de
rodapé convetidas
1. MARCÃO, Renato Flávio, Curso de execução penal, de acordo com as Leis n.
10.763/2003 e 10.792/2003, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 126/127.
2. MIRABETE, Julio Fabbrini, Execução Penal, revisada e atualizada, 11ª Ed.,
São Paulo: Atlas, 2004, p. 519.
3. Boletim de publicação oficial do IBCCRIM, ano 11, nº 133, Dezembro/2003, p.
757.
Fonte: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/2619