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A identificação criminal no
inquérito policial |
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I - Introdução A
Constituição Federal no seu Título II – "Dos Direitos e Garantias
Fundamentais", artigo 5º, inciso LVIII, estabelece que: "o
civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo
nas hipóteses previstas em lei". Muito se discutiu quanto à
possibilidade do indiciado no Inquérito Policial ser identificado
criminalmente, mesmo estando identificado civilmente. A
carta magna, aniquilando a discussão surgida, estabeleceu que com a
identificação civil, não estariam as pessoas sujeitas à identificação
criminal, tendo em vista que o dispositivo constitucional é auto-executável.
Entretanto, alguns doutrinadores defendiam, em posição minoritária, da
possibilidade da identificação criminal, mesmo com a civil, levando-se em
conta a expressão "salvo nas hipóteses previstas em lei". Nesse
sentido o renomado Fernando Capez [ 1] em sua obra Curso de Processo Penal,
entendendo que o civilmente identificado será submetido à identificação
criminal nas hipóteses previstas em lei. Afirma que a exceção já existe, ou
seja, a prevista no artigo 6º, VIII do C.P.P., quando a Autoridade Policial
deverá proceder à identificação do indiciado. Assim, no caso de indiciado,
estivesse ou não identificado civilmente, deveria haver a identificação
criminal. Esta posição, como já dissemos é minoritária. Outras
exceções legais surgiram, em especial face ao aumento da criminalidade. Estas
acabaram por surgir inicialmente no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
nº 8.069/90 – artigo 109), na Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95 –
artigo 5º) e, posteriormente, na Lei nº 10.054/00 que regula a Identificação
Criminal. II - Estatuto da Criança e do Adolescente O
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) em seu artigo 109
estabelece que: "O adolescente civilmente identificado não será
submetido à identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e
judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada"
(grifo nosso). A matéria é tratada dentro do capítulo dos Direitos
Individuais. Primeiramente
a lei fala em "adolescente". Nada mais correto haja vista estar a
matéria disciplinada no título correspondente "Da Prática de Ato
Infracional" e, portanto, óbvio a legislação referir-se apenas a "adolescente". Assim,
poderá ser submetido a identificação o adolescente (aquele entre doze
e dezoito anos de idade), mesmo identificado civilmente, para efeito de
confrontação, havendo dúvida fundada. Essa confrontação em caso de dúvida
deve ser utilizada especialmente àqueles adolescentes com práticas reiteradas
de atos infracionais e que, porventura, possam se utilizar de documentação
falsa. III - Lei do Crime Organizado A
Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95) em seu artigo 5º estabelece que:
"A identificação criminal das pessoas envolvidas com a ação praticada
por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação
civil". Portanto,
as pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas serão
identificadas criminalmente, mesmo estando civilmente identificadas. Assim,
no decorrer do inquérito policial devem obrigatoriamente ser
identificadas criminalmente. A Autoridade Policial (Delegado de Polícia) deve
atentar-se para a determinação da legislação. Questão
bastante interessante, entretanto, foi levantada no Curso sobre a Nova Lei de
Tóxicos [ 2] quando, com extrema perspicácia,
observou-se que no ordenamento jurídico brasileiro não se sabe o que se
entende por organização criminosa. Assim sendo, referido dispositivo
legal teria perdido eficácia jurídica. E, desta forma, impossível seria se
proceder a identificação criminal nessas hipóteses. Apesar
desse entendimento quanto a perda de eficácia jurídica, o Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, em julgamento do Habeas Corpus nº
2002.01.00.001390-6/DF (DJU 26.04.02-Seção 2, P. 90, J.19.03.02), admitiu a
identificação decidindo da seguinte forma: Ementa Processual Penal. Habeas
Corpus. Identificação Criminal. Crime Resultante de Quadrilha ou Bando.
Identificação Civil. Regime Legal. 1.A identificação criminal
de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será
realizada independentemente da identificação civil, nos termos da previsão do
artigo 5º da Lei nº 9.034, de 03/05/95, que representa mais uma exceção ao
lado das arroladas no artigo 3º da Lei nº 10.054, de 07/12/00 (artigo 2º,
parágrafo 2º - LICC). 2.Denegação da ordem de
habeas corpus. IV - Lei de Identificação Criminal (Lei nº 10.054/00) Finalmente,
excepcionando a Carta Magna, surgiu em 07 de dezembro de 2000, a Lei nº
10.054, que regula a identificação criminal. O
artigo 1º da lei citada preceitua: "O preso em flagrante delito, o
indiciado em inquérito policial, aquele que pratica infração penal de menor
gravidade (art. 61, caput e parágrafo único do art. 69 da Lei nº 9.099, de 26
de setembro de 1995), assim como aqueles contra os quais tenha sido expedido
mandado de prisão judicial, desde que não identificados civilmente, serão
submetidos à identificação criminal, inclusive pelo processo datiloscópico e
fotográfico". Na
verdade o artigo em questão simplesmente disciplinou aquilo que a
Constituição Federal já estabelecia, ou seja, os não identificados
civilmente, serão submetidos à identificação criminal. Disciplinou a lei essa
identificação criminal (em não havendo identificação civil), ao preso em
flagrante delito, ao indiciado em inquérito policial, ao que praticar
infração penal de menor potencial ofensivo (a expressão "gravidade"
utilizada na lei é imprópria) e ainda, àqueles contra os quais tenha sido
expedido mandado de prisão judicial (apenas "mandado de prisão"
seria suficiente). Ponto
extremamente importante na legislação e disciplinado no artigo citado é que a
Autoridade Policial poderá, não só efetuar a identificação criminal através
do processo datiloscópico, como também efetuar a identificação fotográfica
(veja a parte final do dispositivo legal). Portanto, em não havendo a
identificação civil, o preso em flagrante delito, o indiciado em inquérito
policial, aquele que pratica infração penal de menor potencial ofensivo e os
que tiverem contra si expedido mandado de prisão, não só poderão ser
identificados datiloscopicamente como também fotograficamente. Assim, não
haverá abuso de poder ou até mesmo constrangimento ilegal a prática nas
delegacias de polícia da identificação fotográfica, nos casos mencionados. Frise-se
ainda que a Lei nº 10.409/01 ampliou o conceito de infração penal de menor
potencial ofensivo, estando incluídas agora nesse conceito, as infrações cuja
pena máxima não exceda a dois anos. O
parágrafo único do artigo 1º estabelece que a autoridade policial
providenciará a juntada dos materiais datiloscópico e fotográfico nos autos
da comunicação da prisão em flagrante ou nos do inquérito policial. Finalmente,
o artigo 3º da lei mencionada disciplina as hipóteses em que, mesmo havendo a
identificação civil, deverá a Autoridade Policial proceder a identificação
criminal. Aqui sim, de maneira ampla, encontramos as exceções legais a que se
refere a Constituição Federal. A
identificação criminal prevista nesses casos abrange, conforme dispositivo
legal, tanto a datiloscópica como a fotográfica. Abaixo
analisamos brevemente as exceções legais: a)
O primeiro caso em que deverá ocorrer a identificação criminal,
independentemente da civil será quando alguém "estiver indiciado ou
acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio
praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação
qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de
documento público". O
legislador foi extremamente infeliz quando elencou os crimes citados. Nenhum
critério lógico foi utilizado para a relação de crimes em que deve ocorrer a
identificação criminal. Nos parece que o legislador quis apenas elencar
aqueles que considerava graves, entretanto, inúmeros outros crimes, também
graves, foram deixados de lado. A elencação dos crimes acima, sem qualquer
critério, levou Luiz Flávio Gomes [ 3] a defender a inconstitucionalidade do
presente inciso, uma vez que violaria os princípios da proporcionalidade e
razoabilidade. Ousamos,
com a devida venia, discordar da opinião mencionada. Ora, se a própria
Constituição Federal estabelece que o civilmente identificado somente será
submetido a identificação criminal nas hipóteses previstas em lei, não
podemos negar que o elenco estabelecido pelo legislador encontra-se entre as
exceções. Que o critério utilizado é ilógico (no sentido de não incluir
outros crimes também graves), não discordamos, mas os crimes citados são
exceções legais, portanto, constitucionais. Os benefícios da identificação
são enormes levando-se em conta métodos avançados de investigação em especial
quanto a papiloscopia e a utilização da computação. Portanto, não nos parece
desproporcional a identificação, face os benefícios que se apresentam. Deixando
essa questão e passando a analisar o inciso, devemos esclarecer que no
decorrer do inquérito policial ou do processo penal, sendo a pessoa indiciada
pela prática dos crimes mencionados deverá ser identificada criminalmente,
frise-se, identificação datiloscópica e fotográfica. Os
crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça são
o roubo (artigo 157, "caput", parágrafos 1º, 2º e 3º), extorsão
(artigo 158 "caput", parágrafos 1º e 2º) e extorsão mediante
seqüestro (artigo 159 "caput" e seus parágrafos). Receptação
Qualificada é o crime previsto no artigo 180, parágrafo 1º do Código Penal.
Crimes contra a liberdade sexual são o estupro (artigo 213), atentado violento
ao pudor (artigo 214), posse sexual mediante fraude (artigo 215), atentado ao
pudor mediante fraude (artigo 216), assédio sexual (artigo 216-A), todos do
Código Penal. Crime de Falsificação de Documento Público é o previsto no
artigo 297 e parágrafos do Código Penal. A relação elencada é taxativa, não
admitindo ampliação. Questão
interessante surgida em relação ao crime de Assédio Sexual é a seguinte: A
lei de identificação criminal manda proceder a identificação criminal
(datiloscópica e fotográfica) quando alguém estiver indiciado ou acusado pela
prática de Crimes contra a Liberdade Sexual. Entre eles, incluiu-se o Assédio
Sexual (Artigo 216-A do C.P), em virtude da Lei nº 10.224/01. A pena prevista
para este crime (diferente dos demais crimes contra a liberdade sexual), é de
detenção de 01 a 02 anos. Portanto, o crime de Assédio Sexual é de
menor potencial ofensivo, aliás, o único dos elencados. Tal fato se justifica
pois a Lei nº 10.054/00 é anterior à Lei nº 10.224/01, que incluiu o crime de
Assédio Sexual. Assim, quando o legislador citou na lei de identificação
criminal os Crimes contra a Liberdade Sexual, o crime de Assédio Sexual ainda
não constava no capítulo correspondente, sendo ali incluído posteriormente. Assim,
preenchidos os requisitos legais (no caso de Assédio Sexual) deverá a
Autoridade Policial elaborar Termo Cicunstanciado de Ocorrência Policial. Pergunta-se:
Como deve proceder a Autoridade Policial diante da Lei nº 10.054/00 que
determina a identificação criminal do autor, mesmo estando identificado
civilmente? Entendemos que além da elaboração do Termo Circunstanciado que
ocorre normalmente, deve a Autoridade Policial determinar a identificação
criminal, datiloscópica e fotográfica, nos casos de Assédio Sexual,
diferentemente do que ocorre nos demais crimes de menor potencial ofensivo,
estando o autor civilmente identificado. b)
O segundo caso em que deverá ocorrer a identificação criminal será quando
"houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento
de identidade". Também será admitida a identificação criminal
através do processo datiloscópico e fotográfico se durante a análise do
documento apresentado pela pessoa (diga-se, daquele preso em flagrante,
indiciado em inquérito policial, que praticou infração penal de menor
potencial ofensivo ou teve contra si expedido mandado de prisão), este
apresentar fundadas (inequívoca) suspeitas de falsificação ou adulteração. c)
O terceiro caso em que deverá ocorrer a identificação criminal será quando
"o estado de conservação ou a distância temporal da expedição do
documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres
essenciais". Nessa hipótese, o documento (identidade civil)
utilizado, apresenta um estado de conservação precário que impossibilita a
completa identificação dos caracteres essenciais. São aquelas identidades em
péssimo estado de conservação em que é impossível colher seus dados
essenciais. "Caracteres essencias", são o número de registro, nome
do portador, data de nascimento, filiação e naturalidade constantes da
identidade civil. A outra hipótese é quando a identidade foi expedida a um
bom tempo (de longa data) e também impossibilite a colheita dos dados
essencias. Nessas hipóteses, conforme anteriormente mencionamos, deve ocorrer
a identificação criminal. d)
O quarto caso previsto na lei, estipula que deverá ocorrer a identificação
criminal, independentemente da identificação civil, quando "constar
de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes
qualificações". O caso em tela, verifica-se quando a Autoridade
Policial, durante a prisão em flagrante, a tramitação do inquérito policial
ou termo circunstanciado, verificar constar nos registros policiais o uso de
outros nomes ou diversas qualificações pelo autor. Deverá também, nesses
casos, providenciar a identificação criminal. A verificação do uso de outros
nomes ou qualificações ocorre nas pesquisas criminais que as Delegacias de
Polícia fazem quando da elaboração dos Termos Circunstanciados, Autos de
Prisão em Flagrante Delito ou até mesmo durante a tramitação dos Inquéritos
Policiais. Campo específico existe nas pesquisas realizadas, onde pode ser
verificado se o autor, indiciado ou autuado apresenta outros nomes ou
qualificações. Isso ocorrendo, deverá haver a identificação criminal. Aliás,
nesse ponto, devemos esclarecer que no Estado de São Paulo a Portaria DGP-18
(D.G.P. - Delegacia Geral de Polícia), de 31 de agosto de 1992 e que fixa
normas para a elaboração do Boletim de Identificação Criminal, estabelece no
seu artigo 5º que, "ocorrendo fundadas dúvidas quanto à identidade do
portador ou legitimidade do documento apresentado, a Autoridade Policial
determinará a identificação datiloscópica, fundamentando a decisão". e)
O quinto caso, estabelece que a identificação criminal ocorrerá quando "houver
registro de extravio do documento de identidade". No Estado de São
Paulo, atualmente os furtos e extravios de identidade têm sido registrados
nas Delegacias de Polícia através dos Boletins de Ocorrência. Após o
registro, mensagem é encaminhada ao setor competente para que conste no
cadastro do cidadão o extravio ou furto do documento civil. Assim sendo,
verificando a Autoridade Policial a ocorrência de extravio de documento de
identidade, deverá também proceder a identificação criminal. Com
relação ao procedimento adotado no Estado de São Paulo, necessário atentar-se
à Portaria DGP-14, de 06 de outubro de 1998, que dispõe sobre os procedimentos
a serem seguidos quando houver subtração ou extravio de carteiras de
identidade. A portaria citada instituiu no Instituto de Identificação do
Estado de São Paulo (IIRGD) um sistema de cadastro e bloqueio de Carteiras de
Identidade. Assim,
os Delegados de Polícia, no Estado de São Paulo, deverão, tão logo sejam
comunicados sobre a ocorrência de carteiras de identidade subtraídas ou
extraviadas, registrar Boletim de Ocorrência e comunicar o fato ao Centro de
Comunicação e Operações da Polícia Civil – CEPOL, que repassará ao Instituto
de Identificação, e este se incumbirá de inserir a informação no seu
cadastro, bloqueando o documento (artigo 2º e 3º da Portaria). f)
O sexto e último caso previsto na legislação, estabelece que deverá ocorrer a
identificação criminal quando "o indiciado ou acusado não comprovar,
em quarenta e oito horas, sua identificação civil". Não estabelece a
lei, entretanto, a forma como essa comprovação deve ser efetuada. Em se
tratando de inquérito policial, deverá a Autoridade Policial notificar o
indiciado a comprovar sua identificação. É óbvio que isso deverá ocorrer se
houver suspeitas quanto a mesma, estabelecendo-se o prazo estipulado. Caso
não haja a comprovação, aí sim poderá a Autoridade, em despacho fundamentado,
providenciar a sua identificação criminal. V- Considerações Finais Após
a despretenciosa análise acima, podemos resumidamente e sem a intenção de
esgotar as hipóteses, elaborar o seguinte quadro quanto a identificação
criminal no tramitar do Inquérito Policial ou Termo Circunstanciado:
Notas [ 1]
Capez, Fernando – Curso de Processo Penal – 2. ed.: Saraiva 1998. [ 2]
Gomes, L.F., Bianchini, A. e Oliveira, W.T., Nova Lei de Tóxicos, Curso
pela Internet in www.estudos criminais.com.br, 20.01.02. [ 3]
GOMES, Luiz Flávio, Identificação criminal (lei n. 10.054, de 07.12.00):
Inconstitucionalidade parcial e como Lombroso ainda não começou a perder
atualidade, in www.direitocriminal.com.br, 17.12.2000 |