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A (ir)responsabilidade penal da
pessoa jurídica. |
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Sumário: 1.
Considerações iniciais 2. Teorias sobre natureza jurídica das pessoas
coletivas 2.1. Teorias da ficção 2.2 Teorias da realidade 3. Responsabilidade
penal da pessoa jurídica em diversos países – enfoque legislativo 3.1.
Inglaterra 3.2. Estados Unidos 3.3. França 3.4. Japão 3.5. América Latina
3.6. Alemanha 3.7. Suíça 3.8. Itália 3.9. Espanha 4. Incompatibilidades
dogmáticas da responsabilidade penal da pessoa jurídica frente à teoria do
delito 4.1. A incapacidade de ação 4.2. A incapacidade de culpabilidade 4.3.
Princípio da personalidade da pena 5. A (ir)responsabilidade penal da pessoa
jurídica na Constituição Federal de 1988 6. A (in)validade da Lei n. 9.605,
de 12/02/98 (lei ambiental), no que concerne à responsabilidade penal da
pessoa jurídica 7. Considerações finais 8. Bibliografia. 1. Considerações iniciais A
possibilidade da pessoa jurídica ser sujeito ativo no campo penal tem
suscitado, ao longo de todo o século XX, inúmeros e acirrados debates.
Basicamente, duas correntes antagônicas, e uma terceira via em formação,
debatem a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Nos
países filiados ao sistema romano-germânico, que representam a esmagadora
maioria, vige o princípio societas delinquere non potest, segundo o
qual, é inadmissível a punibilidade penal dos entes coletivos,
aplicando-se-lhes somente a punibilidade administrativa ou civil. De
outro lado, nos países anglo-saxões e naqueles que receberam suas
influências, vige o princípio da common law, que admite a
responsabilidade penal da pessoa jurídica. É bem verdade que esta orientação
começa a conquistar espaço entre os países que adotam o sistema
romano-germânico, como, por exemplo, a Holanda e, mais recentemente a França
e a Dinamarca. Essa tendência se fortaleceu depois da Primeira Guerra Mundial
por duas razões: o Estado passou a ser mais intervencionista, regulando a
produção e distribuição de vários produtos e serviços; as empresas passaram a
ser, em face do seu poderio resultante da formação de monopólios e
oligopólios, as principais violadoras das normas estatais. Uma
terceira posição, hoje dominante na Alemanha e em outros países, adota
posicionamento intermediário. Às pessoas jurídicas podem ser impostas sanções
pela via do chamado direito penal administrativo ou contravenção à ordem.
Estas se constituem em infrações de menor gravidade. Sua sanção não é uma
multa penal (Geldstrafe), mas sim uma multa administrativa (Geldbusse);
por essa via são punidas as infrações econômicas. Nestes casos não se indaga
sobre a culpabilidade das empresas, utiliza-se, ao revés, de uma punição com
um espírito mais pragmático. Em
1988 a legislação brasileira passou por um período de transição
constitucional inovando sob muitos aspectos, dentre eles pela incorporação
das normas insertas nos arts. 173, § 5º e 225, § 3º, que para alguns juristas
representou a consagração da responsabilidade da empresa em nosso ordenamento
jurídico, inclusive com fundamento constitucional. Para
uma grande parte da doutrina, entretanto, a qual me filio, a questão da
responsabilidade penal da pessoa jurídica encarta um série de obstáculos. Estes
repousam, essencialmente, nos textos constitucionais e legais, bem como nos
princípios da culpabilidade e individualização da pena. Nestas
sucintas anotações, abordaremos as teorias sobre a natureza jurídica das
pessoas coletivas, o estágio atual da legislação de diversos países acerca da
responsabilidade penal das mesmas, as incompatibilidades dogmáticas de tal
responsabilidade frente à teoria do delito, a previsão da Constituição de
1988 sobre a (ir)responsabilidade penal do ente coletivo, bem como a
(in)validade da Lei nº. 9.605/98. 2. Teorias sobre a natureza jurídica das pessoas coletivas A
indagação sobre os fundamentos que justificam a (ir)responsabilidade da
pessoa jurídica obriga-nos ao retorno de uma discussão, em grande parte
travada no século passado, que diz respeito à natureza jurídica das pessoas
coletivas. Os
autores enumeram uma longa série de teorias que podem ser agrupadas em duas
tendências: teorias da ficção da pessoa jurídica e teorias da realidade. 2.1.
Teorias da ficção As
teorias de ficção consideram as pessoas jurídicas uma criação artificial da
lei, carecendo de realidade; sua existência teria por escopo apenas facilitar
determinadas funções. Desenvolvida
na Alemanha, essa teoria perdurou por certo tempo, sendo, para a maioria dos
juristas do século XIX, o fundamento da noção de personalidade jurídica. A
concepção geral da ficção estabelecida por Savigny considera que cada direito
supõe essencialmente um ser ao qual ele pertence. Segundo ele, somente o
homem, por sua natureza, possui aptidão de ser sujeito de direito. Desta
forma, ao lado do homem, único sujeito de direito, o legislador aceita a
criação de uma outra pessoa jurídica, constituída em um grupamento de pessoas
e bens. Esta
técnica da ficção atribui um meio jurídico para realizar um interesse geral
e, para tanto, passou-se a aceitar que uma pessoa ficta fosse tratada como
sendo uma pessoa real. Por
não exprimir a realidade das coisas, esta teoria foi bastante contestada,
haja vista que de um lado requeria para o reconhecimento de um direito a
exigência de um sujeito, e, de outro, reconhecia às pessoas jurídicas a
possibilidade de possuírem certos direitos. Sendo assim, os homens seriam os
verdadeiros sujeitos, sempre. A
teoria da ficção suscitou inúmeras críticas. Duguit, por exemplo, considerava
que a personalidade de um grupamento é uma idéia abstrata sem qualquer
utilidade prática. A existência do ente coletivo, para ele, decorre apenas da
técnica jurídica de adequar um conjunto de vontades de um grupo de indivíduos
a uma regra de direito. 2.2
Teorias da realidade As
teorias da realidade, cujos defensores mais conhecidos são Otto Gierke e
Zitelman, admitem as pessoas jurídicas como entidades de existência
indiscutível, distintas dos indivíduos que as compõem e caracterizadas por
finalidades específicas. Os
objetivos destas teorias é afirmar e demonstrar a real existência de um ente
coletivo, embora não signifique o reconhecimento de um grupamento com
existência exatamente igual a uma pessoa física. Conceberam-se
cinco razões que vieram lastrear a existência das pessoas jurídicas. São
elas: biológica, fisiológica, sociológica, institucional e técnica. Para
a primeira concepção, estabeleceu-se a idéia de que não é somente o homem o
sujeito de direito. A pessoa jurídica forma uma realidade natural, resultante
da existência de vários membros. Como uma pessoa física, a coletividade
possui um conjunto de órgãos, cada qual com uma função própria, e, embora não
sejam constituídas dos mesmos órgãos dos seres humanos, alguns de seus
membros - pessoas físicas e independentes - representam seus órgãos. Para
Fausto Martin de Sanctis(1), "a comparação entre o grupamento e o
corpo humano careceu de suficientes elementos a justificar o fenômeno da
pessoa jurídica. Ao contrário dos seres humanos, os órgãos que integram as
pessoas jurídicas possuem vida distinta, socialmente reconhecida." Para
a teoria fisiológica os indivíduos, ao se associarem, criam um novo ser, real
e vivo, resultado da reunião de vários elementos, os quais resultam na
formação de uma vontade una. Os
defensores da teoria sociológica, por sua vez, justificam a existência da
personalidade jurídica das pessoas coletivas, tendo em vista sua existência
objetiva. O grupamento possui suas bases a partir de sua origem e se revela,
com isso, capaz de ter direitos e contrair obrigações. A noção de responsabilidade
jurídica, para eles, repousa numa realidade social. Já
a teoria da instituição, desenvolvida por Harriou - uma das mais aceitas por
nossos juristas, dentre eles a Professora Maria Helena Diniz - defende que
"a personalidade jurídica constitui um atributo que a ordem jurídica
estatal confere a entes que o merecem. Esta teoria desconsidera, contudo, o
fato de que as pessoas de direito público ou os grupos naturais não se forma
da vontade pura do grupamento, e a teoria da instituição faz da vontade geral
a base da personalidade jurídica."(2) Por
fim, a concepção da realidade técnica, que também conta com vários seguidores
no Brasil, sublinha que a idéia da vontade comum não se coloca no plano
filosófico, mas, simplesmente, no plano jurídico. Afirma, ainda, Fausto
Martin de Sanctis(3), citando Jellinek e Richier "que os atos que
emprestamos aos grupamentos são, em realidade, os atos de vontade dos
indivíduos e juridicamente os atos de vontade da coletividade. Uma pessoa
jurídica pode adquirir a sua personalidade quando seus interesses distintos
são assumidos pela organização, de molde a possibilitar a formação de uma
vontade coletiva." 3. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas em diversos
países – enfoque legislativo 3.1.
Inglaterra A
velha doutrina inglesa, influenciada pela doutrina da ficção, recusava a
responsabilidade criminal das pessoas coletivas. A partir da Revolução
Industrial e do crescente número de crimes cometidos através das grandes
empresas, a jurisprudência passou a mudar sua orientação começando a aplicar
sanções coletivas, primeiramente em virtude de infrações omissivas e, mais
tarde, também, por atos comissivos. Alguns
fatores concorreram para tal mudança. Primeiramente uma razão de ordem
processual: através do Sumary Jurisdiction Act de 1879,
superou-se a exigência da presença pessoal do acusado para se fazer
representar em juízo. Além disso, fez-se necessário impor uma regulamentação
à atividade societária, também no aspecto penalístico, para coibir,
pragmaticamente, algumas atividades ilícitas das corporações. O
quadro evolutivo somente se completou a partir de 1948 com o advento do Criminal
Justice Act, responsável pelo estabelecimento da possibilidade de
conversão das penas privativas de liberdade em penas pecuniárias. Atualmente,
no direito inglês, as pessoas coletivas podem ser punidas por infrações mais
leves (misdemeanours) ou por infrações mais graves (felonies),
exceto por aqueles fatos que, pela própria natureza, não possam ser cometidos
por uma corporação. As penas aplicáveis são pecuniárias, dissolução,
apreensão e limitação de atividades. 3.2.
Estados Unidos No
direito norte-americano, o princípio da responsabilidade criminal das
corporações é ainda mais amplo do que na Inglaterra. Em
face do sistema federado americano, alguns Estados não adotam a orientação
dominante no país, como é o caso do Estado de Indiana. Não obstante tal fato,
a regra é a responsabilidade penal das corporações. O
direito americano admite a imputação das empresas nas infrações culposas,
quando cometidas por um empregado no exercício de suas funções, mesmo que a
empresa não tenha obtido proveito com o fato delituoso. Além disso, a
corporação também será responsável quando o fato criminoso for cometido a
título de dolo e se praticado por um executivo de nível médio. A
responsabilidade corporativa é tão ampla que atinge até mesmo os sindicatos,
conforme já decidiu a Corte Suprema dos Estados Unidos, em 05.06.1922(4). O
Código Criminal Federal de 1988, nos parágrafos 1962 e 1963, também
estabelece penas de multa para os agentes coletivos que, ao lado dos
individuais, participarem direta ou indiretamente de atividades econômicas
consideradas lesivas ao patrimônio público ou associadas ao crime organizado.
Multa e inabilitações são as penas aplicadas pelo cometimento do delito. Conforme
Sérgio Salomão Shecaria(5), a tendência atual, no entanto, é de restringir a
aplicação das penas a pessoas coletivas, partindo-se da idéia de que se
trata, certamente, de uma reprovação penal duvidosa sob a ótica da realização
da justiça, segundo exposição de motivos do próprio Código Penal Tipo. 3.3.
França Desde
1o de março de 1994, com a entrada em vigor do atual Código Penal,
a França juntou-se ao rol dos países que expressamente admitem a
responsabilidade penal das pessoas morais, sempre que o crime for cometido
"par leur compte, par les organes ou représentants"(art.
121,2). O
supra citado dispositivo legal acolheu amplamente a responsabilidade penas
das corporações, só excluindo de seu alcance as infrações cometidas por
coletividades territoriais (comunas, departamentos, regiões, quando no
exercício de atividades inerentes às funções entendidas como próprias do
poder público) e o próprio Estado. Em contrapartida, todas as pessoas
jurídicas são atingidas, incluindo sindicatos e associações, as sociedades
civis e comerciais, os agrupamentos de interesses econômicos, as fundações
clássicas e de empresas. A
idéia da sociedade coletiva com uma vontade própria, não sendo apenas um mito
e se distinguindo da vontade individual de seus membros foi acolhida no plano
teórico e está disposto no Código Civil. Essa vontade coletiva, concretizada
pela vontade de sua assembléia geral ou de seu conselho de administração,
gerência ou direção, é capaz de cometer ilícitos tanto quanto a pessoa
individual. Ainda
de acordo com os ensinamentos de Sérgio Salomão Shecaira6(6), duas
condições são necessárias para que se reconheça a responsabilidades das
empresas: "que a infração seja cometida por um órgão ou representante
da pessoa moral; que seja cometida por ‘sua conta’, entendida tal expressão
como agir em seu interesse." 3.4.
Japão Em
artigo titulado Societas delinquere potest – Revisão da legislação
comparada e estado atual da doutrina, o Professor João Marcello de Araújo
Júnior7(7) informa que até 1932, o Japão, por influência do
direito europeu, que de regra entendia que a empresa não podia cometer
crimes, consagrou uma espécie de responsabilidade vicariante, pois os
diretores, representantes e gerentes eram punidos pelos atos ilícitos das
empresas. Pelo
novo sistema, introduzido àquela época, o Act Preventing Escape of Capital
to Foreign Countries, conhecido como Ryobatsu-Kitei, passou-se a
punir tanto o autor, pessoa natural, quanto a própria empresa. 3.5.
América Latina Na
América Latina a regra é a incriminação exclusiva da pessoa natural,
abrindo-se exceção para o México e Cuba. Este
último país, "tem experiência peculiar com o Código de Defesa Social
de 1936 que, partindo das teorias positivistas de Ferri e estabelecendo como
pressuposto da pena a periculosidade e não a culpabilidade, impunha medidas
de segurança às empresas. O art. 16 desse diploma normativo prevê que ‘as pessoas
jurídicas poderão ser consideradas criminalmente responsáveis nos casos
determinados neste código, ou em lei especiais, em razão das infrações
cometidas dentro da própria esfera de ação das ditas pessoas jurídicas,
quando forem levadas a cabo por sua representação, ou por acordo de seus
associados, sem prejuízo da responsabilidade individual em que houverem
incorrido os autores dos fatos puníveis.’"(8) Por
sua vez, o México, em seu Código Penal, no art. 11, prevê a possibilidade de,
em caso de crime cometido por algum membro ou representante de pessoa
jurídica, desde que sob amparo da representação social da empresa ou em seu
benefício, decretar-se na sentença a suspensão do agrupamento ou sua
dissolução, quando necessário para a segurança pública. Tal medida, pode ser
entendida, de acordo com os ensinamentos de Shecaria, "como uma
medida de caráter administrativo complementar, e não como uma plena
responsabilidade da pessoa coletiva."(9) 3.6.
Alemanha Pela
influência do direito alemão na moderna dogmática penal, mister se faz tecer
maiores comentários acerca deste ordenamento jurídico. Na
Alemanha, as pessoas coletivas não podem ser objeto de sanções do tipo penal.
Nem o Código Penal vigente, tampouco o Direito Penal Alemão como um todo
conhecem penas que possam ser aplicadas às empresas. Vigora, pois, a regra societas
delinquere non potest. As pessoas jurídicas, entretanto, podem ser
atingidas pelo confisco especial dos ganhos obtidos com o delito, assim como
pela perda dos producta et instrumenta sceleris (§§ 73 e 74, do Código
Penal). Como,
para eles, as pessoas jurídicas atuam exclusivamente por intermédio de seus
órgãos, às mesmas podem somente ser impostas sanções pela via do chamado
direito penal administrativo ou contravenção à ordem. Estas são infrações de
menor gravidade. Sua sanção não é a multa penal (Geldstrafe), mas sim
uma multa administrativa (Geldbusse), aplicada para as infrações de
trânsito e as econômicas. O
insigne penalista Luiz Regis Prado(10) noticia que o art. 30, da OWIG (Gesetz
über Ordenungswidrigkeiten), de 1975, prevê a imposição de multa
contravencional como sanção acessória à pessoa jurídica quando o autor,
dotado de certa representatividade, praticar uma contravenção ou um delito,
sempre e quando tenha conexão com a atividade da empresa. Ainda
conforme o mencionado Professor, o art. 130, da mesma lei, prescreve: "Quem,
como proprietário ou titular de uma empresa, dolosa ou culposamente, omite-se
em adotar as medidas de vigilância necessárias para evitar a realização de
infrações cominadas com pena ou multa administrativa e vinculadas à atividade
da empresa, será punível por contravenção, quando se praticar uma
contravenção ou delito, no caso me que o exercício da vigilância devida
pudesse evitar a contravenção ou delito". Essa disposição legal cria
um dever de vigilância que dá origem a tipos de omissão pura. Para
Shecaria(11), a justificativa para adoção de tal sistema se firma na idéia
segundo a qual não se pode aplicar uma sanção de natureza penal às empresas
em face da inexistência de reprovação ético-social de uma coletividade. As
multas, em tais casos, são desprovidas do significado social de reprovação e,
portanto, valorativamente neutras. Além
das penas pecuniárias, os arts. 8o e 10, da lei sobre delinquência
econômica, prevêem o confisco à pessoa jurídica de seus bens, dentre outras
medidas. Apreensão de bens, restituição das vantagens e encerramento das
empresas também são medidas encontradas para reprovação das empresas no
direito alemão. No
processo vigora o princípio da oportunidade e não o da legalidade. A acusação
é exercida pela autoridade administrativa e não pelo Ministério Público. Da
decisão da autoridade administrativa cabe recurso para o tribunal
administrativo regional. 3.7.
Suíça O
Código Penal suíço de 1942, em seus arts. 172 e 326, nega a responsabilidade
coletiva, afirmando que somente os representantes das empresas é que podem
ser culpados por um fato delituoso. No
entanto, as soluções são diversas na órbita do direito de polícia, econômico
e administrativo. Seguindo a orientação alemã, segundo a qual nesse campo a
natureza da multa não corresponde a uma censura ética, mas meramente social,
o direito suíço prevê a aplicação de multas ou sanções funcionais às
empresas. A
jurisprudência e a doutrina sustentam a mesma visão, qual seja, a
responsabilidade é somente pessoal. O Tribunal Federal, de acordo com
informação colacionada por João Castro e Silva(12), segue a orientação
conforme a qual, nesse domínio da responsabilidade, o interesse maior é a
prevenção e não a repressão, motivo porque só se admitem sanções no plano do
direito penal administrativo ou mera ordenação social. 3.8.
Itália A
evolução da responsabilidade penal das pessoas coletivas na Itália tem sido
delimitada pelo princípio constitucional da personalidade da responsabilidade
penal, contido no art. 27 da Constituição, e sobejamente consagrado pela
Corte Constitucional. Entretanto, o art. 197 do Código Penal prevê a
responsabilidade subsidiária da empresa em relação à sanção pecuniária,
porém, tal responsabilidade é de natureza civil. Foi
introduzido, neste país, em 1981, o Direito Penal Administrativo. E, a partir
de 1990, foram criadas sanções administrativas, quase-penais, contra as
empresas no campo da concorrência, do mercado de valores mobiliários e de
audiovisuais. 3.9.
Espanha No
Código Penal espanhol de 1995, a responsabilidade individual continua sendo a
única fonte, tanto da pena, quanto da medida de segurança. De
um modo geral, o Título VI, do Livro I, no art. 129, define medidas que
afetam as pessoas jurídicas, qualificando-as, porém, como consequências
acessórias de ações individuais de pessoas naturais que integram a pessoa
jurídica. A
repulsa, nas palavras de João Marcello de Araújo Júnior(13), que alguns
juristas espanhóis sentem pela idéia de uma responsabilidade penal das empresas
levou o legislador de 1995 a criar, no art. 31, do Código Penal, uma figura
tortuosa de responsabilidade por fato de outrem, assim redigida: "El
que actúe como administrador de hecho o de derecho de una persona jurídica, o
en nombre o representación legal o voluntaria de outro, responderá
personalemte, aunque non concurran en el las condiciones, cualidades o
relaciones que la correspondiente figura de delito o falta requiera para
poder ser sujeto activo del misto, si tales circunstancias se dan en la empresa
o persona en cuyo nombre o representación obre." Ainda
segundo o supra citado autor, esse dispositivo legal não passa de um
subterfúgio para excluir a responsabilidade penal da empresa, revelando o
caráter pessoal da responsabilidade penal na Espanha. Para ele, o Código
Penal espanhol preferiu consagrar uma forma de responsabilidade objetiva a
admitir a responsabilidade da empresa. 4. Incompatibilidades dogmáticas da responsabilidade penal da
pessoa jurídica frente à teoria do delito A
responsabilidade penal das pessoas jurídicas, do ponto de vista dogmático,
apresenta, prima facie, inúmeros problemas, dentre os quais pode-se
destacar, a falta de capacidade de ação no sentido estrito do Direito Penal,
a incapacidade de culpabilidade e o princípio da personalidade da pena. A
seguir, analisaremos, neste limitado ensaio, alguns enfoques daquelas
questões consideradas fundamentais no presente contexto. 4.1
A incapacidade de ação O
Direito penal contemporâneo estabelece que o único sujeito com capacidade de
ação é o indivíduo. Pode-se dizer "que, no mundo social, só os seres
humanos são capazes de ouvir e de entender as normas, portanto, só eles podem
cometer crimes."(14) A
ação, como primeiro elemento estrutural do crime, é o comportamento
voluntário conscientemente dirigido a um fim. Compõe-se de um comportamento
exterior, de conteúdo psicológico, da representação ou antecipação mental do
resultado pretendido, da escolha dos meios e a consideração dos efeitos
concomitantes ou necessários e do movimento corporal dirigido a um fim
proposto. Cezar
Roberto Bitencourt(15), em trabalho sobre o tema, lança a seguinte indagação:
"Como sustentar-se que a pessoa jurídica, um ente abstrato, uma
ficção normativa, destituída de sentidos e impulsos possa ter vontade e
consciência? Como poderia uma abstração jurídica ter ‘representação’ ou
‘antecipação mental’ das conseqüências de sua ‘ação’?." E
arremata: "... a conduta (ação ou omissão) é produto exclusivo do
homem. Juarez Tavares, seguindo essa linha, afirma que ‘a vontade eleva-se,
pois, à condição de espinha dorsal da ação. Sem vontade não há ação, pois o
homem não é capaz de cogitar de seus objetivos, se não se lhe reconhece o
poder concreto de prever os limites de sua atuação. René Ariel Dotti destaca,
com muita propriedade, que ‘o conceito de ação como atividade humana
conscientemente dirigida a um fim vem sendo tranqüilamente aceito pela
doutrina brasileira, o que implica no poder de decisão pessoal entre fazer ou
não fazer alguma coisa, ou seja, num atributo inerente às pessoas naturais’.
Com efeito, a capacidade de ação e de culpabilidade exige a presença de uma
vontade, entendida como faculdade psíquica da pessoa individual, que somente
o ser humano pode ter." Assim,
ressalta a evidência de que a pessoa coletiva não possui consciência e
vontade – em sentido psicológico – exclusivos da pessoa física. Isto vale
dizer: não é capaz de ser sujeito ativo do delito, pois sem estes dois
elementos – consciência e vontade – é impossível falar-se, tecnicamente, em
ação, que é o primeiro elemento estrutural do crime, ao menos, que se
pretenda destruir o Direito Penal e partir, assumidamente, para a
responsabilidade objetiva. 4.2.
A incapacidade de culpabilidade Com
a adoção da teoria normativa pura, operou-se a exclusão do dolo e da culpa da
culpabilidade, sua posição original, para ingressar na tipicidade. O
princípio da culpabilidade passou-se, desde então, a ser examinado em dois
níveis: um na tipicidade e outro na culpabilidade. Em
nível de tipicidade, o princípio significa, nos dias atuais, que não existe
conduta típica sem que se apresente o dolo, ou, ao menos, a culpa. Como vimos
anteriormente, o resultado decorrente da conduta deve ingressar na vontade
realizadora do agente para que seja penalmente relevante. Tratando-se
de culpabilidade, o princípio enuncia a impossibilidade de ser irrogada uma
pena ao agente se não estão presentes seus três elementos constitutivos,
quais sejam, imputabilidade, potencial consciência de ilicitude e
exigibilidade de conduta diversa, posto que nullum crimen nulla poena sine
culpabilidade. A
culpabilidade – como fundamento e limite da pena – é a reprovabilidade do
fato antijurídico individual. Como juízo de censura pessoal pela realização
do injusto típico, somente pode ser endereçada a uma pessoa humana
(culpabilidade de vontade). A
imputabilidade – um dos elementos da culpabilidade - é a aptidão para ser
culpável, é a capacidade de culpabilidade. "Pode-se afirmar, de uma
forma genérica, que estará presente a culpabilidade, segundo o Direito Penal
brasileiro, toda vez que o agente apresentar condições de normalidade e
maturidade psíquica. Maturidade e alterações psíquicas são atributos
exclusivos da pessoa natural e, por conseqüência, impossível de serem
transladados para a pessoa fictícia. Enfim, a pessoa jurídica carece de
maturidade e higidez mental, logo, é inimputável."(16) Quanto
ao segundo elemento da culpabilidade, não se pode exigir, por óbvio, que um
empresa possa formar a "consciência da ilicitude" da atividade
desenvolvida através de seus diretores ou prepostos. Escapa a moderna teoria
do delito, consequentemente, um juízo de reprovabilidade em razão da conduta
da referida empresa que, por exemplo, contarie a ordem jurídica. Por
fim, o terceiro elemento da culpabilidade – exigibilidade de conduta diversa
ou de obediência ao direito - embora, em tese, possa ser exigido da pessoa
jurídica, esbarra no caráter seqüencial desses elementos, posto que a
exigibilidade de conduta diversa pressupõe tratar-se de agente imputável e de
estar configurada a potencial consciência de ilicitude, impossível no caso do
ente coletivo. Demonstramos,
portanto, a incapacidade de culpabilidade da pessoa jurídica, haja vista que
a noção aceita é a da culpabilidade pelo fato individual, atribuída somente
ao ser humano, importando num chamado Direito Penal do fato ou da culpa,
evitando-se a chamada responsabilidade objetiva ou pelo evento. 4.3.
Princípio da personalidade da pena A
Constituição de 1988, em seu artigo 5o, inciso XLX, dispõe que
nenhuma pena passará da pessoa do condenado, consagrando o princípio da personalidade
da pena e, como corolário lógico, o princípio da individualização da mesma.
Os citados princípios determinam que a sanção penal recaia exclusivamente
sobre os autores materiais do delito. A
condenação do ente coletivo pressupõe a penalização de todos os membros da
corporação, autores materiais do delito e membros inocentes do grupo
jurídico, representando, pois, uma flagrante violação aos princípios da
personalidade e da individualização da pena. Na
verdade, o importante é a punição efetiva das pessoas naturais que se
escondem através das pessoas coletivas e se utilizam de seu poder como
instrumento para a prática delitiva. Já dizia Manoel Pedro Pimentel(17) que
"raramente a pessoa jurídica tem um único responsável pela sua
administração. E aquelas que se organizam para a prática do delito econômico
obviamente nunca têm um só. Assim, a responsabilidade pela conduta da pessoa
jurídica deve se projetar sobre as pessoas físicas que compões seus órgãos de
administração." Além
do que, as idéias de retribuição, intimidação e reeducação – referentes à
pena – não teriam sentido em relação às pessoas morais, bem como os fins de
prevenção especial, por ser a empresa incapaz de sentir tais efeitos. Como
sabiamente afirmou Francisco Muñoz Conde(18), "a pena não pode ser
dirigida, em sentido estrito, às pessoas jurídicas no lugar das pessoas
físicas que atrás delas se encontram, porque conceitualmente implica uma
ameaça psicológica de imposição de um mal para o caso de quem delinqüe e não
se pode imaginar que a pessoa jurídica possa sentir o efeito de cominação
psicológica alguma." 5. A (ir)responsabilidade penal da pessoa jurídica na
Constituição Federal de 1988 Exista
muita controvérsia na doutrina nacional sobre a questão no âmbito
constitucional. Alguns entendem que continua em vigor o princípio societas
delinquere non potest, não revogado, mas ratificado pela Carta de 1988.
Outros, ao contrário, sustentam que efetivamente a mais recente Constituição
brasileira desejou inovar e se adequar à tendência universal no sentido de
responsabilizar penalmente a pessoa jurídica. A
Constituição de 1988, sobre o tema, declara: "A lei, sem prejuízo
da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica,
estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis
com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e
contra a economia popular" (art. 173, § 5o). "As condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados"(art. 225, §
3o). Como
adeptos da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, podemos citar: Paulo
Affonso Leme Machado, Gilberto Passos de Freitas, Ivette Senise Ferreira,
Sérgio Salomão Shecaria, Antônio Evaristo de Morais Filho, Fausto Martin de
Sanctis, Walter Claudis Rothenburg(19), dentre outros ilustres. Fausto
Martin de Sanctis(20), ao defender seu ponto de vista, expõe que: "O
legislador constitucional, atento às novas e complexas formas de
manifestações sociais, mormente no que toca à criminalidade praticada sob o
escudo das pessoas jurídicas, foi ao encontro da tendência universal de
responsabilização criminal. Previu, nos dispositivos citados, a
responsabilidade penal dos entes coletivos nos delitos praticados contra
ordem econômica e financeira e contra a economia popular, bem como contra o
meio ambiente." Gilberto
Passos de Freitas, ao comentar o art. 225, § 3o, afirma: "Diante
desse dispositivo, tem-se que não há mais o que se discutir a respeito da
viabilidade de tal responsabilização. No dizer da Professora Ivette Senise
Ferreira, ‘designando como infratores ecológicos as pessoas físicas ou
jurídicas o legislador,... abriu caminho para um novo posicionamento do
direito penal do futuro, com a abolição do princípio ora vigente o qual
societas delinquere non potest’".(21) Além
dos penalistas, grande parte dos constitucionalistas, também, reconhece a
responsabilidade da empresa na Carta Política de 1988. José
Afonso da Silva defende que o disposto no art. 173, § 3o, prevê a
possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas, independentemente
de seus dirigentes, sujeitando-os às punições compatíveis com sua natureza,
nos atos praticados contra a ordem econômica, tendo como um dos seus
princípios a defesa do meio ambiente. Tanto
para o citado autor, como para Shecaria(22), os dois dispositivos da Carta
Magna invocados no início deste capítulo têm entre si uma articulação
orgânica, que impedem possam ser examinados separadamente, por estarem no
âmbito do mesmo contexto. Diversa
não é a opinião de Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra Martins e Pinto
Ferreira(23). De
outro lado, como adeptos da irresponsabilidade penal das pessoas jurídicas,
temos: René Ariel Dotti24(24), Luiz Vicente Cernicchiaro(25),
Cezar Roberto Bitencourt(26), Antônio Claúdio Mariz de Oliveira (27),
Luiz Regis Prado(28), José Carlos de Oliveira Robaldo(29), William Terra de
Oliveira(30), dentre vários. Para
eles, a Constituição de forma alguma consagrou a responsabilidade penal da
pessoa jurídica. Os argumentos são vários, oscilando da interpretação literal
do texto constitucional à de ordem teleológico-sistemática. Luiz
Regis Prado(31), ao analisar o art. 225, § 3o, da Constituição
Federal, aduz que o dispositivo em tela refere-se, claramente, a conduta/atividade,
e, em seqüência, a pessoas físicas ou jurídicas. Dessa forma,
vislumbra-se que o próprio legislador procurou fazer a devida distinção,
através da correlação significativa mencionada. E, continua, afirmando que
"nada obstante, mesmo que – ad argumentandum – o dizer constitucional
fosse em outro sentido – numa interpretação gramatical (a menos recomendada)
diversa -, não poderia ser aceito. Não há dúvida que a idéia deve
prevalecer sobre o invólucro verbal." Para
José Carlos de Oliveira Robaldo(32), a responsabilidade penal das pessoas
coletivas peca por dois motivos: primeiro porque fere o Direito Penal mínimo,
posto que está se atribuindo ao Direito Penal uma tarefa que não é sua; segundo
porque o Direito Penal se fundamenta na culpabilidade, cuja conduta, pedra
angular da teoria geral do delito, somente é atribuível ao homem. Luiz
Vicente Cernicchiaro(33), por seu turno, entende que os arts. 173, § 5o
e 225, § 3o, devem ser interpretados teleologicamente e
considerados dentre de um contexto sistêmico maior, sob pena de se perder a
congruência e visão de conjunto em relação a outros dispositivos
constitucionais. Para ele, ao menos dois princípios básicos do direito penal,
insertos na Constituição, seriam atingidos se houvesse a responsabilidade
penal da empresa, quais sejam, o princípio da culpabilidade e o da
responsabilidade pessoal; "haveria, pois, ofensa à idéia de que sem
culpabilidade não existe pena, dogma de segurança individual, garantido pelo
sistema penal brasileiro e haurido do Iluminismo; além disso, a pena passaria
da pessoa do condenado, atingindo terceiros que não houvessem praticado
qualquer conduta delituosa, ou que nem mesmo tivesse dado alguma contribuição
nesse sentido." Com
efeito, pensamos que uma sociedade comercial e um homem são entes distintos
em sua estrutura, haja vista que a conduta humana não tem seu equivalente no
ato jurídico da pessoa jurídica, sendo a imputabilidade jurídico-penal uma
qualidade inerente aos seres humanos. Ora,
a capacidade de ação, de culpabilidade e de pena, que analisamos en
passant, exige a presença de uma vontade, entendida como faculdade
psíquica da pessoa individual, inexistente na pessoa jurídica, mero ente ao
qual o direito atribui capacidade para outros fins distintos dos penais. Além
do mais, a pessoa jurídica não é intimidável pela certeza da aplicação de
penas, e não pode ser ressocializada através da sanção. Reforçando
a tese que a Carta Magna de 1988 não adotou o princípio societas
delinquere potest, encontramos nos Comentários à Constituição, na questão
criminal dos grupamentos, a revelação de Antônio Evaristo Moraes Filho(34)
que, ao proceder uma pesquisa sobre a origem do dispositivo 173, § 5o,
na Comissão de Sistematização, descobriu que a sua redação original previa o
seguinte: "lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos
integrantes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade criminal
desta." Não
resta dúvida, pois, que a mudança de texto do legislador significou a
exclusão da responsabilidade criminal dos entes jurídicos. Tendo
em vista os entendimentos esposados, chegamos à conclusão que, no tocante a
responsabilidade penal da pessoa jurídica à luz da Constituição Federal de
1988: a. a
responsabilidade pessoal dos dirigentes não se confunde com a
responsabilidade da pessoa coletiva; b. a
Carta Magna não dotou o ente moral de responsabilidade penal; ao contrário,
condicionou a sua responsabilidade à aplicação de sanções compatíveis com a
sua natureza; c. a
responsabilidade penal continua a ser pessoal (art. 5o, inciso
XLX). 6. A (in)validade da Lei n. 9.605, de 12/02/98 (lei ambiental), Como
dito acima, entendemos que a Constituição de 1988 não consagrou a
possibilidade de ser imputada às empresas a prática de condutas tipificadas
como crimes. Sendo assim, tal texto legal encontra-se eivado de
inconstitucionalidade. No entanto, iremos analisar, de forma objetiva, as
disposições contidas na Lei n. 9.605, de 12/02/98 (lei ambiental), no que
concerne à responsabilidade penal da pessoa jurídica. O
caput do art. 3o, do diploma legal em apreço, diz: "As
pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente
conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por
decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado,
no interesse ou benefício da sua entidade." Segundo
o texto legal, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas não exclui das
pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, o que,
segundo Shecaria(35), demonstra a adoção de dupla imputação. |
O legislador ambiental adotou
três modalidades de pena. Consagrou a pena de multa, as restritivas de direitos
e a prestação de serviços à comunidade. Nestas duas últimas criou diferentes
espécies.
Fazendo
nossas as palavras de Cezar Roberto Bitencourt(36), merece uma análise especial
a desajeitada, inadequada e equivocada Lei n. 9.605/98.
Para
o supracitado Professor, "a simples introdução no ordenamento jurídico
de uma norma prevendo a responsabilidade penal da pessoa jurídica não será
solução, enquanto não se determinar previamente os pressupostos de dita
responsabilidade.
O
reconhecimento da pessoa jurídica como destinatária da norma penal supõe, antes
de tudo, a aceitação dos princípios de imputação penal, como fez, por exemplo,
o atual Código Penal francês de 1992, em seu art. 121, ao introduzir a
responsabilidade penal da pessoa jurídica. Com efeito, a recepção legal deve
ser a culminação de todo um processo, onde devem estar muito claros os
pressupostos de aceitação da pessoa jurídica como sujeito de direito penal e os
respectivos pressupostos dessa imputação, para não se consagrara uma
indesejável responsabilidade objetiva. Desafortunadamente, não houve, no nosso
ordenamento jurídico, aquela prévia preparação que, como acabamos de afirmar,
fez o ordenamento jurídico francês."
De
fato, na França tomou-se o cuidado de adaptar-se de modo expresso essa espécie
de responsabilidade no âmbito do sistema tradicional. A denominada Lei de
Adaptação (Lei 92-1336/92) alterou inúmeros textos legais para torná-los
coerentes com o novo Código Penal, contendo, inclusive, normas de cunho
processual, no intuito de um harmonização sistêmica.
Ademais,
a lei francesa proclama o princípio da especialidade, o que somente torna
possível a deflagração de processo penal contra a pessoa jurídica quando
estiver tal responsabilidade prevista explicitamente no tipo legal de delito.
Definem-se, assim, de modo taxativo, quais as infrações penais passíveis de
serem imputadas à pessoa coletiva.
Embora
inspirado pelo modelo adotado pelo Código Penal francês de 1994, que acabamos
de comentar, o legislador pátrio de 1998 fez exatamente o oposto, pois de forma
simplista, limitou-se a enunciar a responsabilidade penal da pessoa jurídica,
cominando-lhe penas, sem lograr, contudo, instituí-la completamente.
Luiz
Regis Prado(37), comentando o tema, afirma que a Lei n. 9.605/98 não é passível
de aplicação concreta e imediata, "pois falta-lhe instrumentos hábeis e
indispensáveis para consecução de tal desiderato. Não há como, em termos
lógico-jurídicos, romper princípio fundamental como o da irresponsabilidade
criminal da pessoa jurídica, ancorado solidamente no sistema de
responsabilidade penal, restrito e especial, inclusive com regras processuais
próprias.
E
continua o autor, agora em artigo publicado no Boletim do Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais – IBCrim, n. 70, de setembro de 1998: "Com
efeito, o legislador de 1998 é pródigo no emprego de conceitos amplos e
indeterminados – permeados, em grande parte, por impropriedades lingüísticas,
técnicas e lógicas -, o que contrasta com o imperativo inafastável de clareza,
precisão e certeza na descrição das condutas típicas. Nessa trilha, é de
acentuar-se que a previsão de modalidade culposa para a conduta ancorada no
art. 40 – causar dano direto ou indireto a unidade de conservação – denota
sensível enfraquecimento da função de garantia do tipo penal, já que a noção de
dano indireto culposo é altamente nebulosa. De semelhante, a incriminação
prevista no art. 68 vale-se de termos imprecisos, conferindo ao intérprete
vasta margem de discricionariedade (o que se entende por ‘obrigação de
relevante interesse ambiental’?)."
Portanto,
no nosso entendimento, a Lei n. 9.605, de 12/02/98 (lei ambiental), em relação
à responsabilidade penal da pessoa jurídica, está eivada por vícios materiais
de inconstitucionalidade, pelas violações às mais elementares diretrizes
constitucionais, quais sejam:
a. princípios
da legalidade dos delitos e das penas (art. 5o, inciso XXXIX, da CF
e art. 1o, do CP), sobretudo na sua vertente
taxatividade/determinação, em vários tipos penais albergados no diploma legal
em comento;
b. a
disposição contida no caput do art. 3o, desta lei, constitui
exemplo claro de responsabilidade penal objetiva, incompatível com os rígidos
ditames dos princípios constitucionais da personalidade das penas, da
culpabilidade, da intervenção mínima, entre outros, que regem o ordenamento
jurídico pátrio.
7.
Considerações finais
Na
realidade dos nossos dias, grande parte dos delitos da chamada
macro-criminalidade ou macro-delinqüência – infrações contra as relações de
consumo, ordem tributária, ordem econômica e financeira, meio ambiente, entre
outras – são cometidos através de pessoas jurídicas.
Tendo
em vista esse dado crescente, afora os países da Common Law que
tradicionalmente adotam a responsabilidade da empresa, vimos que muitos países,
de filiação romano-germânica, vêm admitindo à incorporação em seus ordenamentos
jurídicos de princípios excepcionais à regra geral da responsabilidade
individual, como é o caso da Holanda e, mais recentemente, da França.
Em
face daquilo que se discutiu no corpo deste trabalho, chegamos a algumas
conclusões, já formuladas anteriormente, quais sejam:
a. a
pessoa coletiva não possui consciência e vontade – em sentido psicológico –
exclusivos da pessoa física. Isto vale dizer: não é capaz de ser sujeito ativo
do delito, pois sem estes dois elementos – consciência e vontade – é impossível
se falar, tecnicamente, em ação, que é o primeiro elemento estrutural do crime;
b. a
incapacidade de culpabilidade da pessoa jurídica, haja vista que a noção aceita
é a da culpabilidade pelo fato individual, atribuída somente ao ser humano,
importa num chamado Direito Penal do fato ou da culpa, evitando-se a chamada
responsabilidade objetiva ou pelo evento;
c. a
condenação do ente coletivo pressupõe a penalização de todos os membros da
corporação, autores materiais do delito e membros inocentes do grupo jurídico,
representando, pois, uma flagrante violação aos princípios da personalidade e
da individualização da pena;
d. no
que toca à pena, as idéias de retribuição, intimidação e reeducação não teriam
sentido em relação às pessoas morais, bem como os fins de prevenção especial,
uma vez que a empresa é incapaz de sentir tais efeitos;
e. a
responsabilidade pessoal dos dirigentes não se confunde com a responsabilidade
da pessoa coletiva;
f. a
Carta Magna não dotou o ente moral de responsabilidade penal; ao contrário,
condicionou a sua responsabilidade à aplicação de sanções compatíveis com a sua
natureza;
g. a
responsabilidade penal continua a ser pessoal (art. 5o, inciso XLX);
h. a
Lei n. 9.605/98 (lei ambiental) está eivada por vícios materiais de
insconstitucionalidade, pelas violações às mais elementares diretrizes
constitucionais, como os princípios da legalidade dos delitos e das penas (art.
5o, inciso XXXIX, da CF e art. 1o, do CP), sobretudo na
sua vertente taxatividade/determinação, em vários tipos penais albergados no
diploma legal em comento;
i.
a disposição contida no caput do art. 3o,
desta lei, constitui exemplo claro de responsabilidade penal objetiva,
incompatível com os rígidos ditames dos princípios constitucionais da personalidade
das penas, da culpabilidade, da intervenção mínima, entre outros, que regem o
ordenamento jurídico pátrio.
Além
dessas conclusões, parece-nos inegável que a admissão da responsabilidade penal
das pessoas jurídicas guarda "uma função meramente simbólica, pois ela
atua sobre os imaginário dos atores que fazem parte do sistema (ao Estado fica
a satisfação de haver feito algo e ao povo a impressão que os problemas estão
sob controle). Essa tendência pode ser traduzida pela criação de novos tipos
penais, o aumento das penas existentes, assim como a derrogação de
princípios gerais ou a proposta de derrogação de dogmas, como o da pessoa
jurídica."(38) (grifos nossos)
Reconhecemos
a necessidade de um combate mais eficaz em relação à criminalidade moderna, por
isso, adotamos a sugestão de Winfried Hassemer(39) de criar um novo Direito, ao
qual denomina de Direito de intervenção - meio termo entre o Direito Penal e
Direito Administrativo - que não aplique as pesadas sanções de Direito Penal,
mas que seja eficaz e possa ter, ao mesmo tempo, garantias menores que as do
Direito Penal tradicional.
Enquanto
no plano legislativo não é implantada a teoria de Hassemer, a vigência do
princípio societas delinquere non potest, de valor político relevante,
não obsta ou inviabiliza a necessária aplicação de medidas sancionatórias
extra-penais (administrativas ou civis) às pessoas jurídicas, notoriamente em
um Direito Penal de ultima ratio e de natureza fragmentária.
Por
fim, rematando o assunto, devemos sempre ter em mente que o Direito Penal não
pode, a nenhum título e sob nenhum pretexto, abrir mão das conquistas
históricas consubstanciadas nas suas garantias fundamentais, razão maior para o
nosso posicionamento contrário à responsabilização penal da pessoa jurídica.
8.
Nota
1. Sanctis,
Fausto Martin de - Responsabilidade penal da pessoa jurídica, São Paulo:
Saraiva, 1999, p.09.
2. Idem,
p. 10.
3. Ib
idem, p. 10.
4. Valeur,
Robert, La responsabilité pénale des personnes morales dans les droit
français et anglo-américains, Paris: Marcel Giardi, 1931, p. 231, apud
Shecaira, Sérgio Salomão, op. cit., p. 50.
5.
Op. cit., p.
51.
6.
p. cit.,
p. 57.
7. n
Gomes, Luiz Flávio – Coordenação, Responsabilidade penal da pessoa jurídica
e medidas provisórias e direito penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,
p. 85.
8. hecaria,
Sérgio Salomão, op. cit., p. 59.
9. p.
cit., p. 61.
10. In
Direito penal ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 88 e 89.
11.
Op. cit., p.
61.
12. Apud
Shecaria, Sérgio Salomão, op. cit., p. 63.
13. Op.
cit., p. 86.
14. Toledo,
Francisco de Assis, Princípios básicos de Direito Penal, 4 ed., São Paulo:
Saraiva, 1990, p. 91.
15.
Op. cit., p.
60.
16.
Bitencourt,
Cezar Roberto, op. cit., p. 63.
17. Apud
Prado, Luiz Regis, op. cit., p. 146.
18. Apud
idem, p. 145.
19. A
pessoa jurídica criminosa, Revista dos Tribunais n. 717, p. 362.
20.
15 Op.
cit., p. 64.
21. A
tutela penal do meio ambiente, in Dano ambiental, prevenção, reparação e
repressão, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 314 apud Shecaria,
Sérgio Salomão, op. cit., p. 116.
22.
Op. cit., p.
115.
23. Ib
idem, p. 115.
24. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, n. 11, p. 187-190.
25. Boletim
do IBCrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais n. 65.
26. Reflexões
sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, in Gomes, Luiz Flávio
– Coordenação, Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias
e direito penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 51-71.
27. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, n. 11, p. 97-98.
28. Curso
de direito penal brasileiro, parte geral, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 142-151.
29. A
responsabilidade da pessoa jurídica: Direito Penal na contramão da história, in
Gomes, Luiz Flávio – Coordenação, Responsabilidade penal da pessoa jurídica
e medidas provisórias e direito penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,
p. 95-103.
30. Responsabilidade
penal da pessoa jurídica e sistemas de imputação, in Gomes, Luiz Flávio,
op. cit., p. 160-173.
31.
Op. cit., p.
147.
32.
Op. cit.,
p.100.
33.
Op.cit.
34.
Apud
Sanctis, Fausto Martin, op. cit., p. 60.
35.
Op. cit., p.
127.
36.
Op. cit., p.
70.
37.
Op. cit., p.
149.
38.
Oliveira,
William Terra, in op. cit., p. 170.
39. Apud Bitencourt, Cezar Roberto, in op. cit.,
p. 71.
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