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ALGUNS TEMAS CRIMINAIS
RELEVANTES DA LEI DE IMPRENSA

ROBERTO DELMANTO
ROBERTO DELMANTO JUNIOR

 

Com o desaparecimento de Raimundo Pascoal Barbosa perdeu a advocacia criminal uma de suas reservas morais

 

 

César Salgado, notável Promotor Público paulista da primeira metade do século passado, disse, certa vez, que a palavra é tão importante que Deus, antes de criar o mundo, ao dizer “faça-te mundo”, a havia criado.

 

E sobre o ato responder, com outra palavra, à palavra dita, afirmou o Padre Antonio Vieira: “É cousa tão natural o responder, que até os penhascos duros respondem e para as vozes têm ecos. Pelo contrário, é tão grande violência não responder, que aos que nasceram mudos fez a natureza também surdos, porque se ouvissem, e não pudessem responder, rebentariam de dor” (Cartas, ed. 1971, t. III, p. 680).

 

Nunca, entretanto, a palavra ganha tanta dimensão quando dita através da imprensa escrita, falada ou televisionada.

 

Einstein disse temer três grandes bombas para a humanidade: a atômica, a demográfica e a da informação. Com o advento da informática, Paul Virilio, filósofo francês, adverte para o perigo não só da padronização das opiniões, mas, sobretudo, da padronização das emoções.

 

Ibsen escreveu que dois pilares sustentam a sociedade: a liberdade e a verdade. O mesmo, diríamos nós, deveria suceder com a imprensa, o que, infelizmente, nem sempre ocorre, sendo ela capaz de gerar grandes benefícios sociais, mas podendo também causar grandes males.

 

 

1.  LIBERDADE E RESPONSABILIDADE

 

1a. PRECEITOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS

 

 

Dispõe o art. 1º da Lei de Imprensa:

 

“Art. 1º. É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer”.

 

A liberdade de imprensa é fundamental à existência de todo Estado Democrático de Direito, onde é dado ao cidadão plena liberdade para se manifestar. Com efeito, a Carta Magna, em seu art. 5º, IV, estipula, entre os direitos e garantias individuais, ser “livre a manifestação do pensamento”, vedando, todavia, “o anonimato”. No inciso IX deste artigo estatui ser “livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura e licença”. E no inciso XIV do mesmo dispositivo estabelece ser “assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

 

Por outro lado, o Legislador Constituinte se preocupou em expressamente tutelar outros direitos, não menos fundamentais à Democracia, atinentes à inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, consoante reza o inciso X do art. 5º, prevendo neste mesmo inciso “o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Aliás, os direitos garantidos no inciso X decorrem do próprio valor da dignidade do ser humano, assegurado no art. 1º, III, da Magna Carta. A justa preocupação com o resguardo desses valores é tamanha, que a mencionada ressalva, constante do inciso X do art. 5º, já havia sido referida no inciso V deste mesmo artigo, que assegura a todos o “direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

 

Buscando, na prática, realizar a árdua tarefa de balancear esses valores, a Lei de Imprensa, recepcionada em sua maior parte pela nova ordem constitucional, estabelece critérios para punir abusos decorrentes da liberdade de imprensa, já que, em qualquer Estado Democrático de Direito, liberdade e responsabilidade são valores indissociáveis.

 

 

1.b.  LIBERDADE DE IMPRENSA

 

 

Como ponderou José Paulo Cavalcanti Filho, “uma imprensa verdadeiramente democrática deve ter não apenas a mais ampla liberdade de informar, como também a mais ampla responsabilidade no exercício dessa liberdade” (“Os meios (de comunicação) justificam os fins?”, in Folha de São Paulo, edição de 26 de setembro de 1997). A propósito, afirmou Blackstone, lembrado pelo Juiz Renato Nalini ao relatar acórdão proferido pelo TACrSP: “‘A liberdade de imprensa é na verdade essencial à natureza de um Estado livre; mas ela consiste em não impor restrições prévias às publicações, não na isenção de censura por fatos criminosos depois de feita a publicação. Todo homem livre tem um indiscutível direito a expor o que sente ante o público; proibi-lo equivaleria a suprimir a liberdade de imprensa, mas se alguém publica o que é inapropriado, maligno ou ilegal, deve sofrer as conseqüências de sua própria temeridade’ (Blackstone, Livro IV, cap. 11, in Arthur E. Sutherland, De La Carta Magna a la Constitución Norteamericana – Ideas Fundamentales sobre Constitucionalismo, Buenos Aires, TEA – Tipográfica Editora Argentina, 1972, p. 158)” (RT 746/601-606).

 

 

Discorrendo sobre a importância da liberdade de imprensa, Rui Barbosa escreveu: “A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe mal fazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que sonegam ou roubam, percebe onde alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça” (A Imprensa e o Dever da Verdade, apud Juiz Walter Guilherme, ao relatar acórdão do TACrSP, publicado na RT 729/581). E, quanto ao papel do jornalista, aduziu o grande Rui: “Cada jornalista é, para o comum do povo, ao mesmo tempo, um mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia em ação, um advogado e um censor, um familiar e um magistrado. Bebidas com o primeiro pão do dia, as suas lições penetram até o fundo das consciências inespertas, onde vão elaborar a moral usual, os sentimentos e os impulsos, de que depende a sorte dos governos e das nações” (apud Guido Fidelis, Crimes de Imprensa, São Paulo, Sugestões Literárias, 1977, p. 9).

 

Mas, a respeito do prestígio da imprensa, Joaquim Nabuco já advertia: “Uma das maiores burlas de nossos tempos terá sido o prestígio da imprensa. Atrás do jornal, não vemos os escritores compondo a sós seu artigo. Vemos as massas que o vão ler e que, por compartilhar dessa ilusão, o repetirão como se fosse o seu próprio oráculo” (Pensées Détarchés at Souvenirs, v. II, tradução de Carolina Nabuco, apud Juiz Walter Guilherme, idem).

 

 

1c.  RELATIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

 

Como salienta Alexandre de Moraes, “os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas”; “os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação do Poder Judiciário com a conseqüente responsabilidade civil e penal de seus autores (RF 176/147), decorrentes, inclusive, de publicação injuriosa na imprensa, que deve exercer vigilância e controle da matéria que divulga (RT 659/143)” (Direitos Humanos Fundamentais, São Paulo, Atlas, 1998, v., III, pp. 46 e 118).

 

Mas quem melhor definiu, a nosso ver, o limite da liberdade de imprensa, foi o Juiz SILVA RICO, hoje Desembargador, ao relatar acórdão do TACrSP: “A liberdade de imprensa termina quando começa outro direito, a saber, a honra alheia, conceito que abrange a reputação e a dignidade” (RT 611/363).

 

1d.  RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE IMPRENSA

 

Preceitua o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.250/67:

 

“§ 1º. Não será tolerada a propaganda de guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou classe”.

 

O art. 5º, XLIV, da CR/88 estabelece que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares,contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Os crimes contra a Segurança Nacional estão definidos na Lei nº 7.170/83, cujo art. 22 pune com detenção de um a quatro anos, a conduta de “fazer, em público, propaganda: I. de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem pública ou social; II. de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa; III. de guerra; IV. de qualquer dos crimes previstos nesta Lei”, estabelecendo o § 1º desse artigo que “a pena é aumentada de um terço quando a propaganda for feita em local de trabalho ou por meio de rádio ou televisão”.

 

O art. 5º, XLII, da CR/88 dispõe que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor estão definidos na Lei nº 7.716/89, cujo art. 20 pune com reclusão de um a três anos, e multa, o ato de “praticar, induzir, ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, estabelecendo seu § 2º que a pena será de reclusão de dois a cinco anos, e multa, “se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza”.

 

Prevê, por sua vez, o § 2º do art. 1º da Lei de Imprensa:

 

“§ 2º. O disposto neste artigo não se aplica a espetáculos e diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem na vigência do estado de sítio, quando o Governo poderá exercer a censura sobre os jornais ou periódicos e empresas de radiodifusão e agências noticiosas nas matérias atinentes aos motivos que o determinaram, como também em relação aos executores daquela medida”.

 

A primeira parte deste § 2º é inaplicável em face da CR/88.

 

Com efeito, o art. 220, caput, da  Magna Carta, estatui que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. O seu § 1º, outrossim, estabelece que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”, ao passo que o § 2º do art. 220 determina ser “vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. O § 6º deste artigo reza, ainda, que “a publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade”. Na verdade, a única censura admitida pela nossa Constituição da República é a prevista no § 3º, inciso I, do referido art. 220, que preceitua competir à lei federal “regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada”.

 

A mesma inaplicabilidade em face da Carta Magna não ocorre, todavia, com a segunda parte do referido § 2º.

 

Preceitua, a propósito, o art. 137 da CR/88 que “o Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I. comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa. O art. 139 da Magna Carta dispõe, a seu turno, que na vigência do estado de sítio, decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: (...) III. restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da Lei”. O parágrafo único do art. 139 estabelece, ainda, que não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela respectiva mesa”.

 

Do exposto, verifica-se que a única exceção à liberdade de imprensa ocorre por ocasião do estado de sítio.

 

Contudo, as restrições à liberdade de imprensa durante esse estado excepcional devem ser feitas “na forma da lei” (CR/88, art. 139, III), ou seja, “nas matérias atinentes aos motivos que o determinaram” (Lei de Imprensa, § 2º do art. 1º, última parte), bem como não incluem os “pronunciamentos parlamentares” feitos nas Casas Legislativas, quando liberados pelas respectivas mesas (CR/88, art. 139, parágrafo único).

 

 

2.  SIGILO DA FONTE

 

 

Dispõe o art. 7º da Lei de Imprensa:

“Art. 7º. No exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação não é permitido o anonimato. Será, no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes de origem de informações recebidas ou recolhidas por jornalistas, rádio-repórteres ou comentaristas”.

 

Estabelece, a seu turno, o art. 71 da mesma lei:

 

“Art. 71. Nenhum jornalista ou radialista, ou em geral, as pessoas referidas no art. 25, poderão ser compelidos ou coagidos a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações, não podendo seu silêncio, a respeito, sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, nem qualquer espécie de penalidade”.

 

Registre-se, primeiramente, que, por evidente lapso, este art. 71 se refere ao art. 25, que cuida do pedido de explicações, quando quis se referir ao art. 28, que trata da responsabilidade sucessiva.

 

Como anota, com acuidade, DARCY ARRUDA MIRANDA, “o que não sofre sanção civil, administrativa ou penal, é o silêncio do divulgador, não a publicação ou transmissão incriminada” (Comentários à Lei de Imprensa, 1ª ed., Revista dos Tribunais, v. II, pp. 846-847).

 

Assim, embora respeitado o direito do jornalista de se negar a revelar o nome da pessoa que lhe forneceu os dados para a publicação ou transmissão, ou ainda a identidade da pessoa entrevistada por rádio ou televisão, muitas vezes com imagem e/ou voz alteradas, responderá ele pelas ofensas que a matéria contiver.

 

Entendimento contrário levaria ao verdadeiro non sense de se permitir ao mau profissional de imprensa denegrir a honra de terceiros, sob a alegação de uma fonte que nunca existiu, ou mesmo de um falso entrevistado; o sigilo da fonte, portanto, não se confunde com uma carta branca” para cometer crimes contra a honra através da imprensa.

 

A nosso ver, o profissional de jornalismo que publicar matérias ofensivas a outrem sem indicar a sua alegada fonte ou revelar o nome do entrevistado, responderá pelas ofensas, mesmo porque o art. 5º, inciso IV, da Magna Carta e a primeira parte do art. 7º da Lei de Imprensa, expressamente vedam o anonimato.

 

Anote-se, por fim, que o sigilo da fonte só se aplica a jornalista e não a terceiros, pois o inciso XIV do art. 5º, da CR/88 só resguarda esse sigilo “quando necessário ao exercício profissional”.

 

 

3.  SEGREDO DE ESTADO E NOTÍCIA SIGILOSA

 

 

Preceitua o art. 15 da Lei nº 5.250/67:

 

“Art. 15. Publicar ou divulgar:

 

a. segredo de Estado, notícia ou informação relativa à preparação da defesa interna ou externa do país, desde que o sigilo seja justificado como necessário, mediante norma ou recomendação prévia determinando segredo, confidência ou reserva;

 

b. notícia ou informação sigilosa, de interesse da segurança nacional, desde que exista, igualmente, norma ou recomendação prévia determinando segredo, confidência ou reserva:

 

Pena: de 1 (um) a 4 (quatro) anos de detenção”.

 

O objeto jurídico deste delito é a Segurança Nacional, notadamente as defesas interna e externa do País. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, enquanto que o sujeito passivo é o Estado.

Quanto ao tipo objetivo, este art. 15, em sua alínea a, incrimina as condutas de publicar (tornar público, anunciar) ou divulgar (publicar, propagar), que na realidade se equivalem, através da imprensa, segredo de Estado, notícia ou informação relativa à preparação da defesa interna ou externa do País, acrescidos do elemento normativo do tipo: desde que o sigilo seja justificado como necessário, mediante norma ou recomendação prévia, determinando segredo, confidência ou reserva.

 

A expressão segredo de Estado é, a nosso ver, não só absolutamente vaga e imprecisa, constituindo tipo penal aberto que viola o princípio da legalidade, como também incompatível com o Estado Democrático de Direito, não tendo sido recepcionada, em nosso entendimento, pela CR/88, em face do seu art. 5º, XIV.

 

Como anota DARCY ARRUDA MIRANDA, já por ocasião da discussão da Lei de Imprensa do Senado, recebeu essa expressão repulsa do Senador IRINEU MACHADO, que indagou: “Que é um segredo de Estado? ... Quem é que pode afirmar que tal ou qual fato constitui um segredo de Estado? Se ele é um segredo de Estado, pode ser comunicado pelo Ministro ao Juiz? Se esse processo é público, pode esse segredo de Estado ser divulgado?” (in Comentários à Lei de Imprensa, cit., v. I, p. 182). O mesmo não sucede, todavia, com tutela do sigilo de notícia ou informação relativa à preparação da defesa interna ou externa do País, que se mostra justificável, mesmo em uma Democracia.

 

Já em sua alínea b, o mesmo art. 15 pune a publicação ou divulgação de notícia ou informação sigilosa, de interesse da segurança nacional, acrescido do elemento normativo do tipo: desde que exista, igualmente, norma ou recomendação prévia determinando segredo, confidência ou reserva.

 

Obviamente, os conceitos de notícia ou informação relativa à preparação da defesa interna ou externa do País (alínea a, 2ª parte) e de notícia ou informação sigilosa de interesse da segurança nacional (alínea b), deverão ser avaliados com cautela pelo magistrado para decidir se houve ou não efetiva lesão ao bem juridicamente tutelado, tendo sempre como parâmetro a CR/88 e, não, necessariamente, a decisão administrativa que assim a tenha classificado com base no Decreto nº 2.910, de 29.12.1998.

 

O tipo subjetivo é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar as condutas incriminadas, sabendo que havia norma ou recomendação prévia determinando o sigilo. Para a doutrina tradicional, é o dolo genérico.

 

A consumação se dá com a efetiva publicação ou divulgação através da imprensa, enquanto que a tentativa não é possível, em face das próprias expressões empregadas no tipo, ou seja, publicar ou divulgar, que não podem ser fracionadas.

 

 

4.  MORAL PÚBLICA E BONS COSTUMES

 

 

Dispõe o art. 17, caput, da Lei de Imprensa:

 

“Art. 17. Ofender a moral pública e os bons costumes:

 

Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários mínimos da região.

................................................................................

 

O objeto jurídico deste crime é o pudor público. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, sendo sujeito passivo a coletividade.

 

Quanto ao tipo objetivo, incrimina o caput do art. 17 a ofensa, através da imprensa, da moral pública e dos bons costumes. Para CHASSAN, “o ultraje aos costumes ou aos bons costumes exprime a mesma idéia que o ultraje à moral pública, porque os bons costumes são uma parte essencial da moral pública” (apud DARCY ARRUDA MIRANDA, ob. e vol. cits., p. 215). SEABRA JÚNIOR, citando BARBIER, explica que “o que constitui ofensa aos bons costumes ... é a publicação obscena”, sendo que LITRÉ diferencia licencioso de obsceno, definindo o primeiro como “o que ofende o pudor”e o segundo como “o que ofende, abertamente o pudor” (idem, p. 216). Assim, o que o caput deste artigo pune é a publicação ou transmissão obscena (indecente, torpe), e não apenas licenciosa (sensual, libidinosa).

 

Como ocorre com as obras artísticas e literárias, é sempre discutível o caráter de obscenidade de um artigo publicado na imprensa escrita ou de um programa transmitido pelo rádio ou pela televisão, sendo necessário a apreciação do seu conjunto, não de alguma ou algumas palavras ou frases, ou ainda de determinada cena.

 

Com a abolição da censura prévia pela CR/88 (art. 5º, IX), a repressão a esse tipo de delito, como sucede com aquele assemelhado do art. 234 do CP, vem diminuindo ainda mais, bastando lembrar, por exemplo, as revistas pornográficas vendidas em bancas de jornais com invólucro plástico opaco, ou programas de televisão exibidos altas horas da noite, com advertência de não serem recomendáveis a menores.

 

Embora o art. 17, caput, da Lei de Imprensa encontre-se em vigor, as condutas acima exemplificadas não devem ser punidas, não só porque o sentimento comum de pudor público, bem tutelado, vem se modificando, mas também em face do princípio da adequação social, que é uma das causas supralegais de exclusão da tipicidade (SANTIAGO MIR PUIG, Derecho Penal, Barcelona, PPU, 1990, pp. 567-570). Esse entendimento, contudo, não afastará a incidência do crime em tela, em situações distintas, como, por exemplo, a transmissão de programa televisivo de canal aberto, ou seja, acessível a qualquer telespectador, contendo cenas de sexo explícito em plena tarde.

 

O tipo subjetivo deste delito é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de ofender a moral pública e os bons costumes. Para a doutrina tradicional, é o dolo genérico. Inexiste forma culposa.

 

A consumação se dá com a efetiva publicação ou transmissão da matéria ofensiva, não sendo possível a tentativa.

 

 

5.  A RESPONSABILIDADE SUCESSIVA

 

 

A responsabilidade sucessiva da Lei de Imprensa está prevista nos arts. 28 e 37.

 

Ambos estabelecem a responsabilidade sucessiva de pessoas ligadas aos órgãos de mídia, nas hipóteses do autor da matéria ser desconhecido, ou, embora conhecido, não ter idoneidade moral ou financeira, ou ainda não residir no País ou estar ausente dele.

 

 

5a.  A SUCESSÃO DO ART. 28

 

 

Prevê este dispositivo:

 

“Art. 28. O escrito publicado em jornais ou periódicos sem indicação de seu autor considera-se redigido:

 

I. pelo redator da seção em que é publicado, se o jornal ou periódico mantém seções distintas sob a responsabilidade de certos e determinados redatores, cujos nomes nelas figuram permanente-mente;

 

II. pelo diretor ou redator-chefe, se publicado na parte editorial;

 

III. pelo gerente ou pelo proprietário das oficinas impressoras, se publicado na parte ineditorial.

 

§ 1º. Nas emissões de radiodifusão, se não há indicação do autor das expressões faladas ou das imagens transmitidas, é tido como seu autor:

 

a. o editor ou produtor do programa, se declarado na transmissão;

 

b. o diretor ou redator registrado de acordo com o art. 9º, inciso III, letra b, no caso de programas de notícias, reportagens, comentários, debates ou entrevistas;

 

c. o diretor ou proprietário da estação emissora, em relação aos demais programas.

 

§ 2º. A notícia transmitida por agência noticiosa presume-se enviada pelo gerente da agência de onde se origine, ou pelo diretor da empresa”.

 

Este art. 28 indica, portanto, as pessoas que considera responsáveis pela publicação em jornais ou periódicos (caput) ou pela emissão de radiodifusão (§ 1º), quando não haja indicação de seu autor, bem como presume (§ 2º) quem enviou notícia transmitida por agência noticiosa.

 

Segundo FREITAS NOBRE, com essa “transferência da autoria... a lei quis impedir que o anonimato viesse a constituir-se numa forma de impunidade e num expediente reprovável de fraude à aplicação da lei” (Lei da Informação, São Paulo, Saraiva, ed. 1968, p. 90).

 

Não obstante a jurisprudência pátria venha admitido, tradicionalmente, a responsabilidade sucessiva na Lei de Imprensa, entendemos que essa orientação merece ser repensada, sobretudo em face da tônica que o ordenamento constitucional de 1988 deu à dignidade do ser humano, considerando o seu respeito um dos fundamentos de nosso Estado Democrático (art. 1º, III).

 

Em consonância com esse postulado, para que haja condenação é imprescindível haver prova cabal, produzida durante a ação penal e sob o crivo do contraditório, de que a pessoa acusada tinha, à época dos fatos, efetiva ciência da publicação ou transmissão anônima ofensiva a terceiro. Presumir-se essa ciência e impor-lhe, com base nessa ficção jurídica, punição criminal, significa admitir nefasta responsabilidade penal objetiva, vedada por nosso ordenamento jurídico (nulla poena sine culpa, Código Penal, art. 59, primeira parte), cuja proibição também se depreende de outros dispositivos constitucionais que dispõem ser a responsabilidade penal sempre pessoal (arts. 5º, XLV e XLVI, e 93, IX).

 

Desse modo, a presunção legal de autoria, com a  conseqüente responsabilidade penal, acima referida, há que ser entendida, quando muito, como relativa (juris tantum), incumbindo à acusação o ônus da prova de que o imputado teve prévio conhecimento do teor ofensivo da publicação ou transmissão, aquiescendo com a sua veiculação de forma anônima, ou seja, com efetivo animus injuriandi vel diffamandi; mesmo porque inexiste crime contra a honra punível a título de culpa, isto é, com fundamento em eventual inobservância do dever de cuidado do editor ou do redator-chefe, por exemplo. Sem essa prova, não há a certeza que exige o direito penal para que se possa condenar alguém. A propósito, cf., também, os sempre pertinentes comentários de ALBERTO SILVA FRANCO e outros aos art. 28 e 37 da Lei de Imprensa (Legislação Complementar Interpretada, 7ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, 2º v., p. 2317-2319).

 

 

5b.  A SUCESSÃO DO ART. 37

 

 

Dispõe o “caput” deste artigo e o seu § 2º:

 

“Art. 37. São responsáveis pelos crimes cometidos através da imprensa e das emissoras de radiodifusão, sucessivamente:

 

I. o autor do escrito ou transmissão incriminada (art. 28 e § 1º), sendo pessoa idônea e residente no País, salvo tratando-se de reprodução feita sem o seu consentimento, caso em que responderá como seu autor quem a tiver reproduzido;

 

II. quando o autor estiver ausente do País, ou não tiver idoneidade para responder pelo crime:

 

a. o diretor ou redator-chefe do jornal ou periódico; ou

 

b. o diretor ou redator registrado de acordo com o art. 9º, inciso III, letra b, no caso de programa de notícias, reportagens, comentários, debates ou entrevistas, transmitidos por emissoras de radiodifusão;

 

III. se o responsável, nos termos do inciso anterior, estiver ausente do País ou não tiver idoneidade para responder pelo crime:

 

a. o gerente ou proprietário das oficinas impressoras no caso de jornais ou periódicos; ou

 

b. o diretor ou o proprietário da estação emissora de serviços de radiodifusão;

 

IV. os distribuidores ou vendedores da publicação ilícita ou clandestina, ou da qual não constar a indicação do autor, editor, ou oficina onde tiver sido feita a impressão.

................................................................................

 

§ 2º. O disposto neste artigo se aplica:

 

a. nas empresas de radiodifusão;

 

b. nas agências noticiosas”.

 

 

Este art. 37 indica, por conseguinte, quem são, de forma sucessiva, as pessoas físicas responsáveis pelos crimes cometidos por meio da imprensa escrita, falada e televisionada.

 

 

5b.I.         INCONSTITUCIONALIDADE    DA

                RESPONSABILIDADE  PENAL  OBJETIVA

 

 

Com a responsabilidade sucessiva, visou o legislador evitar que os verdadeiros autores das notícias ofensivas se servissem dos chamados testas de ferro  ou  uomini di paglia, para os italianos, pessoas sem escrúpulos e que julgam nada ter a perder com uma eventual condenação penal, agindo em geral mediante paga, ou seja, segundo a lei, sem idoneidade moral e financeira, para atingir a honra de terceiros.

 

Embora fosse louvável a intenção do legislador, o sistema do art. 37 constitui verdadeira responsabilização penal objetiva, vedada em nosso ordenamento jurídico, posto que presume a culpa do “responsável sucessivo”, não exigindo prova desse conluio que, se demonstrado, configuraria, na verdade, uma co-autoria. Ao contrário, dispensa-se esta prova, isenta-se de responsabilidade o testa de ferro ou uomo di paglia, e presume-se a culpa de terceiro.

 

De acordo com o inciso I do art. 37, a responsabilidade penal será, primeiramente, do autor do escrito ou transmissão incriminada, “sendo pessoa idônea e residente no País”, a não ser que se trate de reprodução feita sem o seu consentimento, hipótese em que responderá como autor aquele que a tiver reproduzido.

 

Sem prejuízo das críticas a este art. 37, que implica responsabilidade objetiva, já mencionadas nos comentários ao art. 28 da Lei de Imprensa, a presente disposição afigura-se, também, totalmente incompatível com os postulados do direito penal pátrio.

 

 

Com efeito, a idoneidade a que alude este inciso I é, em face da sua exegese com o art. 39, caput, da Lei de Imprensa, tanto a moral quanto a financeira, o que gera situações inusitadas e absurdas. A inidoneidade moral só pode referir-se à capacidade para responder pelo crime, ou seja, maioridade penal e imputabilidade (CP, arts. 26 e 27). Entendimento diverso levaria à incongruência de se excluir a responsabilidade do autor moralmente inidôneo e manter a do autor moralmente idôneo. Em outras palavras, o autor de crime contra a honra com maus antecedentes e reincidente, ou seja, moralmente inidôneo, não seria responsabilizado penalmente; já o autor sem quaisquer antecedentes e primário seria penalizado, em manifesto contra-senso. No que tange à inidoneidade financeira, é evidente que a precária situação econômica daquele que perpetra crime contra a honra de outrem, jamais poderia retirar-lhe a capacidade de responder pelo crime.

 

A não-responsabilização penal do autor que resida no exterior ou esteja ausente do País, a nosso ver, também não se justifica, embora se reconheça as dificuldades para citá-lo no curto prazo prescricional da Lei de Imprensa, mesmo porque, com as alterações instituídas pela Lei nº 9.271/96 aos arts. 366 a 370 do CPP, a citação será por carta rogatória também nos processos por delito apenado com detenção.

 

Sem dúvida, afigura-se inconcebível, em um Estado Democrático de Direito que tem como fundamento a igualdade de todos perante a lei (CR/88, art. 5º, caput), a dignidade do ser humano (art. 1º, III, da Magna Carta) e o direito penal da culpa (arts. 5º, XLV e XLVI da Lei Maior c/c art. 59 do CP), punir criminalmente uma pessoa (o editor ou redator-chefe, o gerente ou proprietário das oficinas ou da emissora etc.), somente porque o verdadeiro autor do delito reside no exterior.

 

Para DARCY ARRUDA MIRANDA, “a lei brasileira não poderia alcançar o autor de uma ofensa escrita ou transmitida que estivesse residindo no estrangeiro”, pois “a lei territorial brasileira não o alcançaria” (Comentários à Lei de Imprensa, cit., v. II, p. 680). Com o devido respeito pelo mestre, pensamos que se o crime de imprensa se consuma com a publicação ou transmissão da notícia (e não no local em que ela foi escrita ou gravada), e se ela se deu em nosso País, por meio de veículo de mídia, a jurisdição pátria é indiscutível, alcançando o autor das ofensas independentemente da sua nacionalidade, de residir no estrangeiro, ou mesmo de estar temporariamente ausente do País.

 

 

6.  A PRISÃO DE JORNALISTAS

 

 

Estipula o art. 66 da Lei de Imprensa:

 

“O jornalista profissional não poderá ser detido nem recolhido preso antes da sentença transitada em julgado; em qualquer caso, somente em sala decente, arejada e onde encontre todas as comodidades.

 

Parágrafo único. A pena de prisão de jornalistas será cumprida em estabelecimento distinto dos que são destinados a réus de crime comum e sem sujeição a qualquer regime penitenciário ou carcerário”.

 

Este dispositivo estabelece uma série de garantias ao profissional de imprensa, a exemplo do que ocorre com magistrados, membros do Ministério Público e advogados, que, a nosso ver, não constituem tratamento privilegiado a determinadas classes sociais, o que seria odioso, e tampouco ferem o princípio de que todos são iguais perante a lei, uma das vigas mestras de nosso Estado Democrático de Direito (art. 5º, caput).

 

Essas garantias, ao contrário, se impõem exclusivamente em função da necessidade de resguardo da própria Democracia, já que as atividades dos magistrados, promotores, advogados e, in casu, jornalistas, são, além de fundamentais, extremamente visadas e, por isso, sensíveis quando do primeiro lampejo de qualquer movimento ditatorial, tanto de esquerda quanto de direita, o qual se utiliza – e isto a história já demonstrou –  justamente do processo penal para impor seu regime de exceção.

 

 

6a.  SALA  DECENTE

 

 

A Lei nº 10.258, de 11.07.2001, que instituiu alterações ao art. 295 do CPP, passando a definir e disciplinar, nos seus novos §§ 1º a 5º, a chamada prisão especial, não revogou, em nosso entendimento, leis especiais que garantem o direito a recolhimento em sala de Estado-Maior e/ou sala decente, a certas categorias profissionais, como a dos jornalistas.

 

Com efeito, não obstante os novos parágrafos disponham que “a prisão especial, prevista neste código ou em outras leis” (§ 1º), consiste basicamente em transporte separado dos outros presos (§ 4º) e prisão em estabelecimento específico, ou, pelo menos, em cela distinta do mesmo estabelecimento da prisão comum (§§ 1º a 3º) , é fundamental observar que a nova redação do art. 295 do CPP tem aplicação restrita às hipóteses dos seus incisos I a XI, como a de policiais, por exemplo, bem como às leis especiais que expressamente se referem à prisão especial, quais sejam: Comerciantes matriculados – Decreto nº 2.592, de 12 de agosto de 1915 (art. 71); Vigilantes Municipais do antigo Distrito Federal – Decreto-lei nº 8.209, de 23 de novembro de 1945; Oficiais da Marinha Mercante Nacional que já tiverem efetivamente exercido posição de comando –  Lei nº 799, de 1º de setembro de 1949; Dirigentes e Administradores Sindicais – Lei nº 2.860, de 31 de agosto de 1956 (arts. 1º e 2º); Servidores do Departamento Federal de Segurança Pública – Lei nº 3.313, de 14 de novembro de 1957 (art. 1º, inc. I e § 1º); Pilotos de Aeronaves Mercantes Nacionais – Lei nº 3.988, de 24 de novembro de 1962 (art. 1º); Policiais Civis do Distrito Federal e da União – Lei nº 4.878, de 3 de dezembro de 1965); Funcionários da Polícia Civil dos Estados e Territórios – Lei nº 5.350, de 6 de novembro de 1967 (art. 1º); e Professores de 1º e 2º Graus – Lei nº 7.172, de 14 de dezembro de 1983 (art. 1º).

Isto porque a prisão especial, que pressupõe cela, ou seja, “cárcere ... gaiola, grades, jejé, presídio, pote, prisão, xadrez, xilindró” (Novo Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, Nova Fronteira, 2ª ed., 1986, vocábulo “cadeia”, pág. 309), referida nos §§ do art. 295 do CPP, não se confunde com o recolhimento em sala de Estado-Maior prevista em diplomas especiais e posteriores à promulgação do CPP (magistrados: art. 33 da Lei Complementar nº 35, de 14.03.79 – Lei Orgânica da Magistratura; membros do M. Público; art. 40 da Lei nº 8.625, de 12.02.83 – Lei Orgânica Nacional do M. Público; membros do Ministério Público da União: art. 18 da Lei Complementar nº 75, de 20.05.93; advogados: art. 7º, V, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 – Estatuto da Advocacia), ou em sala decente (garantida a jornalistas pelo art. 66 da Lei nº 5.250, de 09.02.67), cuja característica é não possuir grades ou ferros.

 

Em outras palavras, diante dos termos do art. 295 e seus parágrafos, a expressão prisão especial não se traduz em gênero, do qual o recolhimento a quartéis em sala de Estado-Maior e o recolhimento em sala decente seriam simples espécies. Com efeito, o próprio caput do art. 295 do Código de Processo Penal faz a distinção entre quartéis e prisão especial, deixando claras duas hipóteses distintas: “serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial”. A locução “ou”, aqui, indica alternância e, não, sinonímia; caso contrário, não haveria necessidade do emprego da locução “a” antes da expressão “prisão especial”.

 

Nesse sentido, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão da lavra do Desembargador ÁLVARO CURY, que  “a ‘cela especial’ separada dos demais detentos, embora possua maior dignidade que as prisões comuns, não supre, evidentemente, a exigência expressa contida no art. 89, V, da Lei 4.215/63” (atual art. 7º, V, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994), “que confere ao advogado preso preventivamente o recolhimento em sala especial de Estado-Maior. Não existindo tal acomodação na comarca e tendo a sentença condenatória deferido o regime prisional aberto, tudo recomenda a concessão de habeas corpus para que o causídico aguarde em liberdade o julgamento de eventual recurso” (HC 89.277-3, RT 655/289).

 

Indubitável, portanto, que a nova disciplina estabelecida pelos parágrafos acrescentados ao art. 295 do CPP não se aplica à prisão em sala decente ou em sala de Estado-Maior de quartéis, expressamente estabelecida para categorias restritas, unicamente em função de atividades que, pelas suas características, a justificam, bem como não impede a prisão domiciliar, caso inexista a referida sala. Se a intenção fosse findar com as prerrogativas dos magistrados, promotores, advogados e jornalistas, deveria o legislador, através da Lei nº 10.258/01, ter alterado o caput do art. 295 do diploma processual penal, retirando a expressão “recolhidos a quartéis”, bem como revogado expressamente os mencionados dispositivos da Lei Orgânica da Magistratura, da Lei Orgânica Nacional do M. Público, da Lei Orgânica do Ministério Público da União, do Estatuto da Advocacia e da Lei de Imprensa, as quais, sendo posteriores à promulgação do CPP, deram o devido sentido e complementaram os termos acima referidos (“recolhidos a quartéis”).

 

 

7.  CONCLUSÃO

 

 

Das questões abordadas neste artigo, a mais importante é, sem dúvida, a primeira delas, relativa à busca do indispensável balanceamento entre valores constitucionalmente garantidos: de um lado, o direito à liberdade de imprensa; de outro, o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da imagem, e, sobretudo, da honra das pessoas.

 

Sobre a liberdade, disse a jusfilósofa Hannah Arendt que “ser humano e ser livre são uma única e mesma coisa”. Ousando parodiá-la, diríamos que ser humano e ter respeitada a sua dignidade também são uma única e mesma coisa...

 

A respeito da honra, escreveu Shakespeare que “o bom nome é a primeira jóia do coração do homem”; e, a propósito da calúnia, o mais grave dos crimes contra ela cometidos, aduziu o imortal dramaturgo: “O caluniador é pior do que o ladrão, pois quem rouba minha bolsa, rouba algo que me empobrece, mas que lhe é útil e que posso repor; porém, aquele que me calunia, tira-me a honra, que de nada lhe serve e que não mais consigo repor”.

 

Confúcio, à pergunta de um discípulo que desejava reparar uma calúnia contra um homem honrado, sugeriu que subisse uma montanha e do seu cume espalhasse as penas de um travesseiro; se conseguisse depois recolhê-las todas, teria recomposto a honra do caluniado.

 

A prevalência, em cada caso concreto, do direito à liberdade de imprensa ou do direito à inviolabilidade da honra, nem sempre é tarefa fácil.

 

Por vezes, tais valores se equiparam, não podendo o magistrado, a quem cabe sempre decidir, fazer como aquele rei que, ante a eloqüência de dois advogados defendendo teses opostas, proclamou: “os dois têm razão”...

 

Na difícil opção, quando as bandejas da balança se equilibrarem, a nosso ver, deverá prevalecer o bem maior, a que o criminalista Américo Marco Antonio assim se referiu: “a liberdade, esse bem supremo, tudo merece, tudo desculpa”...

 

O mesmo bem a respeito do qual, certo coronel francês, inimigo de Napoleão, disse ao jovem e futuro escritor Victor Hugo: “meu filho, durante toda a sua vida, não se esqueça jamais: acima de tudo, a liberdade...”.

 

 

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