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Aplicação das penas restritivas aos
crimes de tráfico ilícito de entorpecentes |
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A
recente publicação da Lei nº 9.714, de 25/11/98, trouxe substanciais
alterações no cenário jurídico relativamente à aplicação das penas
restritivas de direitos e, como já era de se esperar, já está suscitando
entre os operadores do direito, dúvidas e controvérsias, as mais díspares
possíveis. Com
efeito, basicamente, algumas dessas dúvidas ou controvérsias, referem-se ao
âmbito de incidência dos dispositivos modificadores e às suas aplicações
legais supervenientes ante outras disposições de leis especiais ora
existentes que, sobre a aplicação das penas correspondentes, contém
disposições diversas, umas mais severas e outras mais benignas em relação a
lei ora em comento. Assim,
por exemplo, em relação à Lei nº 9.099/95 que prevê a aplicação de penas
restritivas de direitos ou multas à infrações consideradas de menor potencial
ofensivo ( ameaça, lesão corporal de natureza leve, etc.), a nova lei em
certos aspectos, é mais severa porque para os crimes cometidos com
"violência ou grave ameaça" não é permitida a alternatividade da
sanção a ser imposta e, por isso mesmo, num eventual confronto por parte do
julgador entre aplicar as disposições da lei mais branda (Lei nº 9099/95) e a
nova disposição, por certo deverá aplicar as disposições da primeira lei
antes citada em atenção ao princípio da não retroatividade da lei mais
gravosa. Por
outro lado, em relação à Lei nº 8.072/90 ( Lei dos Crimes Hediondos),
especificamente quanto aos delitos dos arts. 12, 13 e 14 da Lei nº 6368/76
(Lei Antitóxicos), a situação se passa de modo diferente, ou seja, a
possibilidade de aplicação da pena restritiva em substituição à privativa de
liberdade segundo a nova diretiva do art. 44, I, do Código Penal, tem sido
inadmitida por muitos sob os mais variados argumentos, mormente os
relacionados com a repugnância do crime e os seus conhecidos malefícios
causados à sociedade e, até, imputando-se aos seus autores a responsabilidade
pelo descaminho e crimes praticados por menores de todas as camadas sociais. Além
disso, ainda, os defensores dessa tese, sustentam a inaplicabilidade das
novas disposições aos delitos de tóxicos porque, estando eles disciplinados
em lei especial, mormente no que diz respeito ao cumprimento das penas, não
poderiam ser alvo de "disposições gerais" contidas em outra lei. Data
venia, ousamos discordar de tais argumentos. Primeiramente, com relação à
natureza dos delitos de tráfico, embora concorde em princípio com o seu
aspecto altamente nocivo à sociedade de modo geral e, não especificamente, a
um grupo em particular – seja de jovens ou velhos, seja de pobres ou ricos -,
entendo que ao intérprete não é justo e nem legal discriminar onde a própria
lei não o fez. Toda a discriminação na aplicação da norma legal, gera,
obviamente, a parcialidade do julgador, fragilizando e pondo em perigo, por
outro lado, o direito da parte que, muitas vezes, contra tal discriminação
não tem a menor defesa. Ademais, como meridianamente sabido, as normas que
restringem ou diminuem direitos devem ser interpretadas com máxima cautela
conforme a melhor orientação da hermenêutica jurídica. Sob
outro prisma, qual seja, o da impossibilidade da aplicação das novas
disposições aos delitos de tráficos em razão de estarem esses contidos e
disciplinados em lei especial, os argumentos trazidos a respeito são
despiciendos e sem consistência jurídica. Senão
vejamos: a)-
em primeiro lugar, cabe observar que as novas normas trazidas com a Lei nº
9.714/98, embora se refiram à disposições inseridas na parte geral do Código
Penal, alterando-as, representam, todavia, disposições de nítido caráter
especial porque vieram a regular de modo diferente ou diverso determinada
situação de direito material ou substantivo. Ou ainda, são normas de cunho
material que, por dizer respeito ao jus puniendi do Estado quanto ao
cumprimento da sanção imposta, revestem-se de caráter especial e, por isso,
passam a prevalecer sobre as anteriormente existentes, revogando-as de modo
implícito; b)-
prevalência do princípio da retroatividade benéfica insculpido no art. 5º,
XL, da Constituição Federal vigente consubstanciado no parágrafo único do
art. 2º, do Código Penal, ora em vigor. O
citado parágrafo único do art. 2º, ora citado, está assim redigido: "Parágrafo único: A
lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos
anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em
julgado". (destacamos). O
emérito Professor E. MAGALHÃES NORONHA, em sua já consagrada obra
"Direito Penal"(1), analisando o citado parágrafo único, assim se
manifestou: "A novidade
introduzida pela atual lei está na expressão "de qualquer modo".
Qual o seu significado? Abrange todas as hipóteses possí8veis de benefícios,
todas as situações que sejam mais benignas. Isto é, tudo o que seja favorável
ao réu ou ao condenado. Exemplificando: circunstâncias novas atenuantes,
causas extintivas de punibilidade até então desconhecidas, novos benefícios
como o sursis e o livramento condicional, causas de exclusão de
antijuridicidade introduzidas, penas menos rigorosas, etc."
(destacamos). No
mesmo sentido da aplicabilidade da ora estudada lei aos crimes de tráfico, é
o pronunciamento do preclaro Procurador de Justiça de São Paulo e Coordenador
do CAOPJECrim – Dr. MÁRIO DE MAGALHÃES PAPATERRA LIMONGI (2), que a respeito,
deixou clara sua posição: "Ouso divergir de tal
entendimento. Por mais que seja revoltante que um traficante possa cumprir
outra pena que não a privativa de liberdade, o fato é que a lei não distingue
e sendo a pena não superior a quatro anos, qualquer crime, em que não haja
violência ou grave ameaça, a substituição é possível". Nesta
conformidade, nosso entendimento é no sentido da possibilidade de aplicação
do benefício da substituição da pena privativa de liberdade até quatro (4)
anos nos delitos de tráfico, atendidas, por certo, outras peculiaridades
quando da aplicação da sanção pelo juiz (art. 59, C.P.) e, igualmente,
levando em conta outros aspectos eventualmente constantes do processo em
exame. A
questão ainda é recente e, não obstante os debates doutrinários a respeito,
suscitará nos Tribunais onde a matéria aportar a discussão jurídica que se
fizer mister para elucidação da questão que se afigura importantíssima, qual
seja, o status libertatis do condenado. NOTAS 1)
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal. Vol 1º.São Pau- lo:
Saraiva, 1997, pág.78. 2)
PAPATERRA LIMONGI, Mário de Magalhães. In Boletim IBCCrim, Ano 6, nº 75,
Fev./1999, Encarte Especial – II. |