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A prescrição da
pretensão punitiva nos crimes falimentares
José
Alexandre Ferreira Sanches
advogado em São Paulo (SP), associado a Manesco, Ramires, Perez, Azevedo
Marques Advocacia
Sumário: 1. Introdução. 2. Da prescrição,
das suas causas suspensivas e interruptivas. 3. Da prescrição da pretensão
punitiva nos crimes falimentares. 4. Do cabimento de habeas corpus na
hipótese do não reconhecimento pelo juízo da falência da prescrição da
pretensão punitiva. 5. Considerações finais. 6. Referências bibliográficas.
Introdução
Os crimes falimentares estão
disciplinados nos arts. 186, 187, 188, 189 e 190 da Lei de Falências
(Decreto-Lei 7.661/45); estando, portanto, a disciplina dos mesmos fora do
Código Penal.
Todavia, esta não é a única peculiaridade
de tais crimes, já que o prazo prescricional dos mesmos também não é regido
pela regra geral do art. 109 do Código Penal brasileiro, estando sua prescrição
igualmente disciplinada no bojo da Lei de Falências, muito embora a ela se
apliquem os dispositivos gerais do diploma penal, especificamente no que concerne
às causas suspensivas e interruptivas da prescrição em geral.
Assim, a própria Lei de Quebras dispõe o
prazo prescricional de tais delitos, cometidos no âmbito do processo
falimentar, por meio do mandamento insculpido em seu art. 199. Estabelece
referido dispositivo:
Art. 199. A prescrição extintiva da
punibilidade de crime falimentar opera-se em 2 (dois) anos.
Parágrafo único: O prazo prescricional
começa a correr da data em que transitar em julgado a sentença que encerrar a
falência ou que julgar cumprida a concordata.
Muito embora os processos de falência se
estendam, na maioria das vezes, por longos anos, os mesmos, por força do par.
1º do art. 132, da mesma Lei de Falências, devem encerrar-se no prazo de dois
anos de seu início, que se dá com a sentença declaratória da falência.
Conseqüentemente, outro não pode ser o
entendimento senão o de que a prescrição da pretensão punitiva nos crimes
falimentares opera-se, quando não encerrado o processo de falência, no prazo de
quatro anos da decretação da quebra.
O esclarecimento desta questão é o escopo
buscado neste trabalho, que fará uma análise, ainda que breve, da prescrição,
enquanto causa extintiva da punibilidade nos crimes, e sua ocorrência nos
delitos da falência; por meio da exposição da mais abalizada doutrina nacional,
além da referência ao posicionamento jurisprudencial dominante, aplicável ao
tema.
2. Da prescrição, das suas causas
suspensivas e interruptivas
A prescrição, consoante o disposto no
art. 107, IV do Código Penal, constitui-se em causa extintiva da punibilidade.
De acordo com os ensinamentos do
professor Christiano José de Andrade, o instituto da prescrição já era
conhecido no direito grego, todavia, é romano o documento legal mais antigo que
se conhece que dela trata.
Trata-se da Lex Julia de Adulteriis
(736 ou 737 A.C.), sendo que a prescrição dos delitos nela sancionados
(adultério, estupro e lenocínio) ocorria, geralmente, em cinco anos. É aventada
a hipótese de que o limite de cinco anos fora naturalmente preferido por ser
este o tempo estabelecido para as festas lustrais, denotando que os romanos já
associavam a prescrição à idéia de perdão, que as aparatosas cerimônias
qüinqüenais da lustração simbolizavam.
Sempre se buscou entre os estudiosos do
direito penal um fundamento para a prescrição dos crimes, ensejadora da
extinção da punibilidade de seus agentes.
Muitas foram as teorias sustentadas ao
longo dos séculos para o reconhecimento do instituto da prescrição, como a do
enfraquecimento das provas pelo decurso do tempo, que cercearia fatalmente os
meios de defesa do acusado; a da presumida emenda do delinqüente; a da
dispersão, pela qual o tempo demonstraria um desinteresse da sociedade em punir
o acusado, assim como a também defendida teoria do esquecimento, pela qual o
transcurso do tempo mitigaria gradativamente o mal-estar provocado pelo delito
no meio social, fazendo com que a sociedade perdesse o desejo de que o
criminoso fosse punido pelo crime que cometeu. E segundo esta ultima teoria, a
sociedade só deveria castigar quando perdurassem a intranqüilidade e a
inquietação causadas pelo fato delituoso.
Todavia, entre todas, a que está em
consonância com os fundamentos do direito penal da atualidade é a sustentada
pelo professor Christiano José de Andrade, pela qual o transcurso do tempo
aliado à inércia do Estado é a principal causa da prescrição, geradora das
causas por ele chamadas de secundárias, que nada mais são do que o conjunto de
todas aquelas defendidas em outras teorias.
Sustenta o insigne mestre, hoje professor
aposentado da Faculdade de Direito da UNESP:
"A
meu ver, a causa principal e primária da prescrição é o tempo, aliado à inércia
do Estado, que, através de seus órgãos competentes, não exercitou a pretensão
punitiva, ou deixou de executar a pena em tempo oportuno. Já disse
escorreitamente Basileu Garcia que a prescrição é uma questão de tempo. A
quantidade de tempo decorrido após o cometimento do delito, ou após a sentença
condenatória não executada, é que gera a dispersão ou dificuldade das provas, a
obliteração (esquecimento) dos fatos, a falta de exemplaridade da execução da
pena, a perda de interesse no castigo ou a inutilidade social da pena, a
desnecessidade de defesa social, o arrefecimento do clamor público contra o
delito e o delinqüente, os perigos de erros e injustiças, a dificuldade de
defesa do réu, a consolidação dos fatos, e, às vezes, a emenda e transformação
psíquica do criminoso. E tais efeitos, que derivam do tempo, atuando, por sua
vez, como causas secundárias, é que levam o Estado a abdicar e renunciar ao jus
puniendi." (1)
Comungam do mesmo entendimento penalistas
consagrados como Antônio José da Costa e Silva, Nélson Hungria e Aníbal Bruno.
Desta feita, a prescrição é a perda do
direito de punir ou jus puniendi, por parte do Estado, em virtude do
decurso do tempo.
Entretanto, referida pretensão de punir,
de que o Estado é titular absoluto, subdivide-se em pretensão punitiva e
pretensão executória. A primeira nada mais é do que a atividade persecutória do
Estado que surge com a prática do delito e se estende até a decisão
condenatória transitada em julgado; e a segunda, que á um prolongamento desta,
caracteriza-se pelo poder-dever do Estado de executar a sanção imposta no decisum
condenatório passado em julgado, dele emanado.
Damásio Evangelista de Jesus é bem
didático quando trata desta matéria:
"Praticada
a infração penal, surge para o Estado o direito de deduzir em juízo a pretensão
punitiva. E o faz por intermédio da acusação, promovida pelo próprio
Estado-Administração ou pelo particular, podendo valer-se do inquérito
policial, peça informativa da ação penal. Tem ele o direito de invocar o
Estado-Judiciário no sentido de aplicar o direito penal objetivo a um fato
considerado típico e antijurídico, cometido por um sujeito culpável. Adquire o
poder-dever de processar o delinqüente e, considerada procedente a pretensão
punitiva, de impor a sanção penal previamente cominada.
Transitando
em julgado a sentença condenatória, surge a pretensão executória, pelo que o
Estado adquire o direito de executar a sanção imposta pelo Poder Judiciário (2).
Assim, a doutrina denomina a prescrição
que extingue a punibilidade naquela primeira fase de prescrição da pretensão
punitiva, e a que ocorre na segunda etapa, de prescrição da pretensão
executória.
A respeito desta subdivisão, José
Frederico Marques leciona que "no primeiro caso, prescreve o direito de
punir no que diz respeito à pretensão de aplicar o preceito sancionador ainda
abstrato; no segundo caso, prescreve o direito de aplicar a sanção constante, in
concreto, no título penal executório" (3).
Há, todavia, causas que interrompem e
suspendem o curso tanto da prescrição da pretensão punitiva quanto da
executória. Quando interrompido, o prazo prescricional de determinado crime
será contado novamente por inteiro, e quando suspenso, conta-se pelo período
remanescente ou o que faltava para a completude do lapso prescricional quando
do advento da causa suspensiva.
As causas interruptivas da prescrição da
pretensão punitiva estão elencadas no art. 117 do Código Penal, sendo as
seguintes: I) recebimento da denúncia ou da queixa, II) pronúncia do réu, III)
decisão confirmatória da sentença de pronúncia, e IV) sentença condenatória
recorrível.
Cumpre salientar que na hipótese de o réu
ser absolvido em primeira instância, e por conta de recurso da acusação, o
mesmo vier a ser condenado, o prazo prescricional interromper-se-á do prolação
da decisão condenatória pelo Tribunal.
Já as causas suspensivas da prescrição da
pretensão punitiva estão elencadas no art. 116, I e II, do diploma penal
pátrio.
Dessarte, o art. 116, I, dispõe que se
suspende o curso da prescrição da pretensão punitiva enquanto não resolvida em
outro processo questão de que dependa o conhecimento da existência do crime.
Trazendo tal hipótese para o âmbito dos
crimes falimentares, imagine-se a hipótese de um falido ser processado por
infração do art. 189, III, da Lei de Falências, que estatui que será punido com
reclusão de um a três anos o devedor que reconhecer como verdadeiros créditos
falsos ou simulados. No caso de ser iniciado o processo criminal antes de
resolvida a questão da certeza e liquidez do crédito, outra não poderá ser a
atitude do juiz da causa, senão a de suspender o processo-crime enquanto se dirime
a questão da idoneidade do crédito no juízo cível, ou no trabalhista, se for o
caso. Durante tal período, portanto, o prazo prescricional também permanece
suspenso.
O art. 116, II, dispõe que se suspende o
lapso prescricional enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.
Já a prescrição da pretensão executória,
nos termos do art. 112 do Código Penal brasileiro, tem seu termo inicial: I) na
data em que transita em julgado a sentença para a acusação (na prescrição da
pretensão executória, o prazo prescricional contar-se-á pela pena cominada na
decisão condenatória, nos termos do art. 109 do Código Penal), II) na data em
que se revoga a suspensão condicional da pena (sursis) ou o livramento
condicional (contando-se o prazo prescricional nesta hipótese pelo período
restante da pena a ser cumprida, também nos termos do art. 109); e III) no dia
em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo de interrupção deva
computar-se na pena (como na hipótese de fuga do condenado, em que é
interrompida a execução da pena, contando-se a prescrição pelo período que
faltava para seu integral cumprimento, também de acordo com as regras do art.
109 do Código Penal).
Consoante dispõe o Código Penal, em seu
art. 117, V e VI, a prescrição da pretensão executória interrompe-se com o
início ou continuação do cumprimento da pena (como na hipótese de recaptura do
foragido), e com a prática de outro delito no curso do prazo prescricional.
Referida prescrição suspende-se quando o
condenado cumpre pena por outro motivo, nos termos do art. 116, parágrafo
único, da Lei Penal.
Por fim, cumpre ainda consignar que na
hipótese de ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, extingue-se a
punibilidade, afastando-se todos os efeitos, principais e secundários, penais e
extrapenais, da condenação.
Ao revés, ocorrendo prescrição da
pretensão executória, afasta-se somente a pena principal, subsistindo os demais
efeitos condenatórios. Desta feita, neste caso, se, no futuro, o beneficiado
pela prescrição vier a cometer novo crime, será considerado reincidente.
Entretanto, neste trabalho não será
analisada a ocorrência da prescrição da pretensão executória nos crimes
falimentares, mas tão-somente a prescrição da pretensão punitiva, por ser esta
última que suscitou e ainda suscita debates na doutrina e nos tribunais
pátrios.
3. Da prescrição da pretensão punitiva
nos crimes falimentares
Consoante dispõe o art. 199, caput,
da Lei de Falências, "a prescrição extintiva da punibilidade de crime
falimentar opera-se em dois anos". Referido biênio, nos termos do
parágrafo único do mesmo dispositivo, "começa a correr da data em que
transitar em julgado a sentença que encerrar a falência ou que julgar cumprida
a concordata." A concordata a que o dispositivo faz referência é a
concordata suspensiva da falência anteriormente decretada.
Como já salientado na introdução deste
trabalho, o prazo da prescrição nos delitos falimentares não é regido pelas
regras do art. 109 do Código Penal, mas segue o quanto disposto no próprio art.
199 da Lei Falitária. Assim, em tais crimes, o prazo prescricional da pretensão
punitiva e da executória, qualquer que seja a quantidade da pena abstrata ou
imposta na sentença condenatória, é sempre de dois anos.
No tocante à forma de contagem do prazo
da prescrição executória, não há dissensões doutrinárias e jurisprudenciais em
nosso país, sendo sempre de dois anos, contados a partir do trânsito em julgado
da sentença condenatória para a acusação, nos termos do art. 112, I, do Código
Penal, ou dos outros termos iniciais da contagem da prescrição executória,
mencionados quando da análise da mesma no item antecedente.
Contudo, a contagem do prazo da
prescrição da pretensão punitiva ou prescrição da ação penal, enseja embates na
doutrina e nos pretórios pátrios, muito embora tenham os mesmos sido
arrefecidos após a edição da Súmula 147 do Supremo Tribunal Federal, como se
mencionará.
Como produto de tais debates, surgiram
três posicionamentos no que pertine à matéria:
O primeiro deles é no sentido de que o
prazo prescricional dos crimes falimentares deve ser contado do trânsito em
julgado da sentença de encerramento da falência, conforme os ditames do art.
199 da Lei de Falências.
De acordo com os adeptos desta corrente,
é dever do falido realizar atividades no sentido do pronto término da falência,
buscando evitar prejuízos aos credores. Assim, somente transitando em julgado a
sentença de encerramento do processo falimentar iniciar-se-ia a contagem do
biênio prescricional, não sendo justo que com sua negligência conseguisse o
falido a extinção de sua punibilidade (4).
Todavia, tal posicionamento é errôneo e
desprovido de consistência, pois, na maioria das vezes, não é o falido o
causador do retardamento do término do processo falimentar, e sim o próprio
processo da falência, que se mostra bastante truncado, dado o extremo rigor da
lei que rege as suas diversas fases. Isso sem se levar em consideração uma não
rara negligência do síndico e inércia do Judiciário em sua condução.
Tal entendimento, entretanto, prevaleceu
durante muito tempo no STF e no Tribunal de Justiça de São Paulo. Mais
precisamente durou até o ano de 1963, quando foi editada pelo próprio Supremo a
Súmula 147, que estatui:
"A
prescrição do crime falimentar começa a correr da data em que deveria estar
encerrada a falência, ou do trânsito em julgado da sentença que a encerrar ou
que julgar cumprida a concordata".
Este é o segundo posicionamento, que se
mostra, sem sombra de dúvidas, mais justo e eqüitativo, sendo resultado de uma
interpretação sistemática do art. 199 e do par. primeiro do art. 132, ambos da
Lei de Falências.
O par. 1º do art. 132 da Lei de Quebras
dispõe que: "salvo caso de força maior, devidamente provado, o processo de
falência deverá estar encerrado dois anos depois do dia da declaração".
Assim, se o processo falimentar
encerra-se em dois anos, a prescrição deve ser contada a partir do trânsito em
julgado da sentença de encerramento. Todavia, se o mesmo perdura por período
superior a dois anos de seu início, que se dá com a sentença declaratória da
falência, o prazo prescricional deve ter como termo inicial a data em que o
processo deveria estar encerrado, ou seja, dois anos após seu início, de acordo
com a norma do par. 1º do art. 132 da Lei Falimentar.
Conclui-se, então, que se decorridos
quatro anos entre a declaração da falência e o recebimento da denúncia (causa
interruptiva da prescrição), ocorre a prescrição da pretensão punitiva dos
crimes falimentares, extinguindo-se, automaticamente, a punibilidade do falido
ou de qualquer outro que, em conluio com este, venha eventualmente a cometer os
crimes tipificados nos arts. 186 e seguintes da Lei de Falências.
A prescrição somente não observará a
regra sumular se o processo falimentar deixar de encerrar-se no prazo de dois
anos de seu início em virtude de um motivo de força maior.
Acreditamos que seria um motivo de força
maior, justificador de atraso no término da falência, o falecimento do síndico,
que, evidentemente, provocaria um retardamento do curso normal do processo até
a nomeação de outro pelo juízo universal da falência.
A mais aclamada doutrina brasileira
filia-se a esse posicionamento, como se nota da lição de Rubens Requião, tirada
de sua consagrada obra "Curso de Direito Falimentar":
"Assim,
se houver sentença de encerramento antes de dois anos da declaração da
falência, o prazo prescricional do crime falimentar inicia-se da data em que
aquela sentença passou em julgado; se decorrido o prazo de dois anos, sem que
haja sentença de encerramento da falência, a prescrição criminal tem o seu
início a contar do dia em que aquela sentença deveria ter sido proferida, isto
é, dois anos após a sentença declaratória da falência" (5).
O criminalista Luiz Carlos Betanho dá
verdadeira aula quando discorre sobre o tema, sustentando:
"Como
se sabe, a caracterização dos crimes falimentares depende da existência da
decisão judicial declaratória da falência. Podem eles ser anteriores ou
posteriores à quebra. No caso dos crimes antefalimentares, pouco importa o
momento em que a conduta foi praticada: antes da sentença que decretou a
falência, as condutas não constituíam crime falimentar. Daí porque no caso não
haveria como aplicar a regra comum, de contagem do prazo prescricional a partir
do dia da consumação do crime (art. 111, I, do CP). A partir da referida
sentença, corre um prazo de dois anos para o encerramento do processo
falimentar em si (art. 132, § 1º da LF). O art. 199, parágrafo único, determina
que o prazo prescricional começa a correr do trânsito em julgado dessa sentença
de encerramento, ou da que julgar cumprida a concordata (trata-se, na segunda
alternativa, de concordata suspensiva da falência antes decretada).
Como
o prazo prescricional também é de dois anos, segue-se que se entre a decretação
da falência e o recebimento da denúncia decorrerem mais de quatro anos, estará
extinta a punibilidade pela prescrição" (6).
O professor Christiano José de Andrade é
também adepto dessa corrente, afirmando que a defesa de outro entendimento nada
mais seria do que o voto pela consagração da imprescritibilidade dos crimes
falimentares, haja vista que, prevalecendo a tese da primeira corrente, que faz
uma interpretação gramatical ou lexicológica do art. 199 da Lei de Quebras, a
prescrição demoraria muito a se iniciar, visto que os processos de falência,
como já salientado, estendem-se por longos e infindáveis anos.
Aliás, nesse sentido, vale trazer à baila
os comentários do grande Magalhães Noronha:
"É
chocante pensar-se que um falido que cometeu o crime de gastos excessivos com
sua família em relação ao seu cabedal (art. 186, n. I, da Lei de Falências), e
cujo processo se arrastou por vinte anos, possa ainda ser processado por este
delito, ao passo que, se esse falido houver assassinado alguém, estará, no
mesmo lapso, livre de punição" (7).
Assim como a mais abalizada doutrina,
nossos tribunais da mesma forma têm se posicionado, estando este
posicionamento, como ressaltado, consignado na Súmula 147 do Egrégio Supremo
Tribunal Federal:
"A
prescrição de crime falimentar começa a correr da data em que deveria estar
encerrada a falência, ou do trânsito em julgado da sentença que a encerrar ou
que julgar cumprida a concordata" (Súmula 147 do STF).
Prescrição - Crimes Falimentares – "Nos crimes
falimentares, a prescrição ocorre em dois anos, quer se trate de prescrição da
ação, quer se trate de prescrição da condenação. O prazo, porém, começa a fluir
quando não tenha sido encerrada a falência, da data em que isso deveria ter
ocorrido, ou seja, depois de dois anos da decretação da quebra (arts. 132, §
1º, e 199 da Lei de Falências). Nesse sentido, a Súmula 147 do STF. Esse prazo
sofre a incidência das causas interruptivas do Código Penal (Súmula 592 do
STF)" (STJ - RHC 4.990 - Rel. Min. Assis Toledo - DJU
5.2.96, p. 1.409).
"Como
a LF prevê o prazo de dois anos para o encerramento da quebra, acrescentando-se
os dois anos previstos em seu art. 199, conclui-se que a prescrição, antes do
recebimento da denúncia, opera-se em quatro anos, contados da data da
decretação da quebra" (TJSP - AC – Rel. Des. Ângelo Gallucci - RT 602/332).
"Decorridos
mais de dois anos da data em que a falência deveria estar encerrada,
extingue-se a punibilidade do crime falimentar, ex vi do art. 199 da
LF" (TJSP - HC - Rel. Des. Gonçalves Sobrinho - RT 592/319).
"O
dies a quo da prescrição falimentar é de ser contado da data em que
deveria estar encerrada a falência ou a partir do trânsito em julgado da
sentença que a encerrar ou julgar cumprida a concordata" (TACRIM - SP - EI
- Rel. Juiz Rocha Lima - JUTACRIM 37/73). (8)
Existe, ainda, uma terceira corrente, que
defende que o prazo prescricional dos crimes falimentares inicia-se na data do
trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, se a mesma
encerrar-se no prazo legal de dois anos; ou, caso contrário, da data em que a
mesma deveria estar encerrada; acrescentando que se a denúncia for recebida
antes dos dois anos a partir da declaração da quebra (o prazo do art. 132), o
termo inicial do biênio recua à data de seu recebimento.
Trata-se de um desdobramento do
posicionamento da corrente anterior, sendo incongruente por admitir o recuo do
termo inicial da prescrição à data do recebimento da denúncia, na hipótese de
esta ser recebida antes dos dois anos contados da declaração da falência, ou
seja, antes do término do prazo legal de encerramento do processo falimentar,
previsto no par. primeiro do art. 132 da Lei de Falências.
A incongruência reside no fato de que, de
acordo com o esposado por esta corrente, é perfeitamente admissível ação penal
em andamento sem a fluência da prescrição da mesma, ou até mesmo, a condenação
de uma pessoa sem que a prescrição do crime a ela imputado tenha sequer se
iniciado.
Aliás, o Supremo Tribunal Federal já
entendeu que o recebimento da denúncia antes do prazo legal de encerramento da
falência deve ser desconsiderado, já que inadmissível é o início de ação penal
antes da fluência da prescrição (STF, 2ª T., HC 48.148 - SP, v.u., Rel. Min. Thompson Flores, DJU 3.11.1970).
4. Do cabimento de habeas corpus na
hipótese do não reconhecimento pelo juízo da falência da prescrição da
pretensão punitiva
Consoante o art. 61 do Código de Processo
Penal, em qualquer fase do processo penal, o juiz deve reconhecer extinta a
punibilidade do réu, pela prescrição ou por qualquer das outras causas
elencadas no art. 107 do Código Penal.
Assim, no caso específico dos crimes
falimentares, o juízo universal da falência (que no caso do Estado de São
Paulo, é o competente para a apuração dos crimes falimentares) ou o juízo
criminal, se diante da hipótese de ocorrência da prescrição da pretensão
punitiva, devem declarar extinta a punibilidade do denunciado logo que notem a
ocorrência da prescrição no caso concreto.
Porém, como deve proceder aquele que foi
denunciado por crime falimentar prescrito?
Primeiramente, deve ingressar com um
pedido de extinção de punibilidade na primeira instância.
Caso não seja reconhecida pelo juízo de
primeiro grau a ocorrência da prescrição, há duas vias a tomar: a interposição
de recurso em sentido estrito, com fulcro no art. 581, IX, do diploma
processual penal, ou a impetração do remédio constitucional do habeas corpus
no juízo ad quem.
A segunda via, indubitavelmente, se
mostra a mais eficaz, haja vista que o writ constitucional será julgado
com maior celeridade, já que segue rito sumaríssimo.
Estando o crime prescrito, é imperiosa a
necessidade de trancamento da ação penal, por esta representar um
constrangimento ilegal e uma ameaça indireta à liberdade do réu.
Heráclito Mossin é bastante incisivo ao defender
a impetração de habeas corpus nesta hipótese:
"...
se não obstante a causa extintiva da punibilidade, o juiz, através de decisão
interlocutória, receber a denúncia ou queixa, permitindo o ajuizamento da ação
penal, evidente será a coação ilegal, permitindo que a ação penal seja trancada
por intermédio do writ of mandamus. Cumpre notar que o processo como
forma de composição de litígio, sempre proporciona coação indireta, virtual
perigo à liberdade física do acusado" (9).
No mesmo sentido, assevera Hélio
Tornaghi:
"...
as causas de extinção de punibilidade são as previstas no art. 107 do Código
Penal. Se, em virtude de qualquer delas, desaparece a punibilidade antes de
instaurado o processo, esse perde a razão de existir e a eventual incoação dele
enseja o habeas corpus para trancá-lo. Se a extinção se dá no curso do
processo, o juiz deve declará-la de ofício (art. 61)" (10).
E nesse sentido também tem se inclinado a
Jurisprudência pátria, valendo transcrever ementa de brilhante acórdão
proferido pelo TJSP, cujo relator foi o Des. Ary Belfort:
"Inadmissível
o recebimento da denúncia por crime falimentar se ultrapassado o prazo de
quatro anos: dois desde a data em que deveria estar encerrada a falência, e
mais dois específicos prescricionais. Manifesto o constrangimento ilegal
derivado da movimentação da ação relativamente a crime prescrito, impõe-se a
concessão de habeas corpus para sua anulação" (TJSP - HC - Rel. Des. Ary
Belfort – RT 639/283). (11)
5. Considerações finais
Diante de todas as considerações
expendidas, conclui-se que outro não pode ser o entendimento, senão o de que a
prescrição da pretensão punitiva nos crimes falimentares se dá quatro anos após
a declaração da falência, quando não encerrado o processo falimentar no prazo
legal de dois anos.
Tal prazo é resultado de interpretação
sistemática dos dispositivos que tratam da prescrição de tais crimes, contidos
na própria Lei de Falências (Decreto-Lei 7.661/45), quais sejam, o artigo 199 e
o par. primeiro do art. 132.
A prescrição da pretensão punitiva, por
ser matéria de ordem pública, deve ser declarada logo que constatada pelo
magistrado, e em qualquer fase do processo, e, se eventualmente o mesmo, após
instado a declará-la, não o fizer, deve-se impetrar o remédio constitucional do
habeas corpus, para que cesse incontinenti a coação ilegal que tal
situação representa.
NOTAS
ANDRADE,
Christiano José de. Da Prescrição em Matéria Penal. 1º ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1979. p. 24.
JESUS, Damásio
Evangelista de. Prescrição Penal. 11ª ed. rev. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 1997. pp. 4/5.
MARQUES, José
Frederico. Tratado de direito penal. Vol. III. São Paulo: Saraiva, 1956.
pp. 412/414.
JESUS, Damásio
Evangelista de. Prescrição Penal. 11ª ed. rev. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 1997. p. 114.
REQUIÃO,
Rubens. Curso de direito falimentar. 2º v. São Paulo: Saraiva, 1992. p.
166.
In Leis
penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 1126.
MAGALHÃES
NORONHA, Edgard. Direito Penal. v. I. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1968.
p. 405.
Ementas
extraídas da obra Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial.
5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
MOSSIN, Heráclito. Habeas Corpus:
antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e
recursos, modelos de petição e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Atlas,
1996. p. 128.
TORNAGHI, Hélio. Curso de
Processo Penal. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 388.
Julgado
extraído da obra Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial.
5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
Referências bibliográficas
ANDRADE, Christiano José de. Da
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Retirado: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3427