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Flávio
Augusto Maretti Siqueira
Advogado criminal (SP)
Sumário: I-) Introdução II-) Conceito: III-) Natureza Jurídica: IV-)
Pressupostos de Aplicabilidade da medida; 4.1-) Prazo Máximo de Condenação e
Período de Prova: 4.2-) Requisitos Objetivos de Concessão; a-) Reincidência em
Tipo Penal doloso: b-) Circunstâncias Judiciais favoráveis ao Agente: c-) Prazo
de Condenação e Impossibilidade da Substituição por Pena Alternativa: V-) O
Sursis, o concurso de crimes e condenações sucessivas: VI-) Sursis Etário,
Profilático, Simples e Especial: VII-) Revogação Obrigatória e Facultativa do
Sursis: VIII-) O Sursis e a sua Inconstitucionalidade configurar dupla punição:
IX-) Referências Bibliográficas.
I-) Introdução:
O sursis é uma novidade no direito penal, sendo introduzida
no atual sistema penal por influência do direito francês e belga. Hodiernamente,
verificamos nos direitos penais do mundo a tendência ao desapenamento com
aplicação de medidas substitutivas ao regime fechado, como a multa, as penas
alternativas, revelando ser um meio apto para punição dos réus, a menos no
caráter ressocializador da pena, que não apresenta ser martirizante e
traumatizante ao condenado.
A falência do sistema carcerário ocorre por razões
diversas, que para Cezar Roberto Bittencourt são: “1º) falta de orçamento; 2º)
pessoal técnico despreparado; 3º) ociosidade e ausência de programa de
tratamento” (BITTENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão. 11ª Ed.
RT. São Paulo. 1993. p. 209), aliado a uma inoperância e desinteresse estatal
manifesta-se em todos os objetivos da pena, não funcionando como meio de
ressocialização, finalidade terapêutica da pena.
Com vistas, a aplicar formas que evitem o encarceramento do
indivíduo insurgem tais medidas, como manifestação do liberalismo penal. A
tendência liberal influencia a todo o ordenamento penal, dando azo a criação de
métodos de punição que evitem a reincidência e não abarrote ainda mais o
cárcere, são criadas novas medidas que visam afastar a restrição da liberdade,
como é o caso do sursis, a suspensão condicional da pena, que é a base desse
estudo.
Luís Augusto Freire Teotônio elucida: “O que mais importa
ao Estado não é punir, mas reeducar o delinqüente e conduzi-lo à sociedade como
parte integrante daqueles que respeitam o direito de liberdade alheia em seu
mais amplo entendimento, que é o limite do outro direito. Toda vez que essa
recuperação pode ser obtida, mesmo fora das grades de um cárcere, recomendam a
lógica e a melhor política criminal o sursis” (TEOTÔNIO, Luis Augusto Freire. Suspensão
Condicional da Pena e Livramento Condicional: Dupla Punição no Direito
brasileiro. RT 662 – Dezembro 1990. RT. São Paulo. 1990. p. 259).
II-) Conceito:
A idealização desse instituto foi para que os condenados a
penas pequenas ficassem livres da condenação não indo a prisão, evitando a
incidência dos martírios que a condenação aflige aos réus. Ela permite ao
condenado o direito de não cumprir a pena, caso estejam reunidos todos os
critérios legais. E. Magalhães Noronha conceitua o sursis como uma medida
jurisdicional que dita o sobrestamento da pena, mediante o atendimento de
condições arbitradas pelo juiz. Sendo um incidente de execução da pena que
privativa de liberdade, que iria ser executada e é suspensa condicionalmente.
O sursis é a suspensão condicional da pena, onde o juiz verifica
existir os requisitos que configuram o crime, os pressupostos de punibilidade,
com o reconhecimento da pretensão punitiva estatal descrita na denúncia ou
queixa, mas deixa de promover a execução da pena cominada, por reconhecer estar
o réu dentro da alçada de incidência dos elementos autorizadores do sursis,
suspendendo a pena mediante o cumprimento de condições, que ao serem
devidamente cumpridas, conduzem a extinção da punibilidade do réu.
Julio Fabbrini Mirabete leciona: “Permite a lei que não se
execute a pena privativa de liberdade ao condenado que preencha os requisitos
exigidos, ficando o condenado sujeito a algumas condições impostas na lei ou
pelo juiz, durante prazo determinado, e que, se não cumpridas, podem dar causa
à revogação do benefício” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado.
10ª Ed. Atlas. São Paulo. 2003. p. 425).
Damásio Evangelista de Jesus, com clareza expõe: “Sursis
quer dizer suspensão, derivado de surseoir, que significa suspender. Permite
que o condenado não se sujeite à execução da pena privativa de liberdade de
pequena duração” (JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol I - Parte
Geral. 22a Ed. Saraiva. São Paulo. 1999. p. 613).
III-) Natureza Jurídica:
A essência da suspensão condicional da pena é controversa
no direito penal. Alguns doutrinadores a entendem como sendo efetivo
cumprimento de pena, tendo os efeitos da sentença condenatória como real
cumprimento da pena cominada no édito condenatório. René Ariel Dotti et alii
comentam: “o sursis encerra uma autêntica pena restritiva de direitos, não se
tratando, assim, de mero benefício ou mesmo de um direito do réu. A essência,
claramente sancionatória, da suspensão condicional, como manifesta e evidente
restrição de direitos, vem indicada pela Lei de Execução Penal, que a retirou
dos incidentes de execução e a incluiu na parte referente à execução das penas
em espécie” (DOTTI, René Ariel et alli. Penas e Medidas de Segurança no Novo
Código. Forense. Rio de Janeiro. 1985. p. 211). Outros entendem ser um direito
público subjetivo do réu, como Celso Delmanto, não podendo o magistrado
denegá-la quando presentes os pressupostos autorizadores da medida (Vide art.
157, Lei de Execução Penal, que eiva de nulidade a sentença onde o magistrado
deixa de conceder sursis, quando reunidos os elementos que facultam sua
autorização).
O sursis é um direito público subjetivo do réu (facultas
agendi), dependendo de motivação por parte do magistrado para negar o mesmo ao
réu. Em tese, todo o sentenciado tem esse direito e o magistrado deverá
fundamentar a rejeição do instituto ao réu. Entendemos ser o sursis um acordo
judicial, com escopo de substituir a pena corporal cominada, por
impossibilidade de concessão da restritiva de direitos ao réu, operando como
forma de cumprimento da pena, mas sem a imposição de regimes, em liberdade, com
algumas restrições feitas pelo juiz.
Onde o juiz aplicará o sursis, suspendendo a pena e
concedendo um benefício ao réu, extinguindo a pena e não o levando para o
efetivo cumprimento da pena, quando cumprido o período de prova fixado na
sentença sem qualquer violação as proibições ali estatuídas. O sursis somente
poderá ser concedido quando tivermos um delito com grave ameaça ou violência.
IV-) Pressupostos de Aplicabilidade da medida:
4.1-) Prazo Máximo de Condenação e Período de Prova:
O requisito legal temporal é de 2 (dois) anos de
condenação, onde a pena ficará suspensa e o sentenciado deverá cumprir algumas
condições, que serão arbitradas pelo juiz na sentença em conformidade com o
diploma penal. Esse período de condenação será convertido em período de prova,
onde após seu devido cumprimento, será extinta a pena, com o magistrado
liberando o réu da imposição da pena corporal e da responsabilidade penal. Esse
prazo de condenação de dois anos limita-se a quase todas as contravenções
penais e a maioria dos crimes punidos com detenção, que revelam menor
periculosidade, lesividade e o desvalor da conduta.
O termo pena privativa de liberdade inserida no artigo 77 e
repetida no artigo 80, ambos do Código Penal, logicamente, afastam a sua
incidência em delitos onde fora cominado pena restritiva de direitos ou multa
penal, justamente pela não privação da liberdade do indivíduo, caráter
incompatível com a suspensão de execução, pois, a liberdade não está sofrendo
qualquer proibição, mas quando depararmos com prisão simples, não persiste a
vedação penal.
Esse período de prova é de 2 a 4 anos e se ocorrer algum
fato delituoso imputado ao réu, esse período de prova será revogado e o
sentenciado deverá cumprir efetivamente a pena.
4.2-) Requisitos Objetivos de Concessão:
a-) Reincidência em Tipo Penal doloso:
O artigo 77, I, Código Penal restringe a concessão, quando
o agente for reincidente em crime doloso, independentemente de qual for o tipo
penal, afastando a reincidência específica. Caso o réu, pratique um novo crime
no período de 5 anos após o cumprimento da pena, será para efeitos penais
considerado tecnicamente primário (artigo 64, I, Código Penal). Ainda,
entendemos conforme o ensinamento de Luiz Régis Prado, que entende que o sursis
não pode ser obstado pela prática de crime culposo prévio a condenação por
crime doloso e vice-versa. Igualmente poderá ser concedido sucessivamente em
crimes culposos, pois, o tipo restringe a reincidência específica em crimes
dolosos, ainda, permitindo a concessão em delitos preterdolosos, o que permite
a concessão em sendo aplicada medida de segurança e em reincidência por
contravenção penal. No sentido colacionamos decisão do TACrimSP:
“A concessão do sursis a réu reincidente era vedada pela
lei anterior; com o advento da Lei 7.209/84, a reincidência em crime culposo
não é mais óbice à sua concessão. Retroação da lois plus douce” (TACRIM – SP –
AC – Rel. Juiz Segurado Braz – JUTACRIM 82/314).
Ainda é possível, a concessão onde haja a prática de crimes
dolosos, mas dentre a sentença condenatória e a data do novo fato, devemos ter
um lapso que afaste a reincidência, ou seja, mais que cinco anos. Dessa sorte,
mencionamos a lição de Julio Fabbrini Mirabete: “Nada impede que uma pessoa
possa obter duas ou mais vezes a suspensão condicional da pena. Diante da
adoção do critério da temporariedade para o efeito da reincidência, decorridos
mais de cinco anos entre o cumprimento ou a extinção da pena (que pode ocorrer
pelo decurso do prazo do sursis sem revogação), volta o autor de novo ilícito à
categoria de não reincidente (art. 64, inciso I) podendo ser beneficiado
novamente com a suspensão condicional da pena” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual
de Direito Penal, vol. I, Parte Geral. 17a Ed. Atlas. São Paulo. 2001. p. 325).
Heleno Cláudio Fragoso explica: “A anterior condenação por
crime culposo não impede a concessão do benefício. Por igual, a anterior
condenação à pena de multa, também não impedirá que o juiz conceda o sursis
(art. 77, parágrafo único, do CP). A condenação à pena privativa da liberdade,
se decorreram mais de cinco anos desde que declarada a extinção da pena, será
irrelevante, pois não impedirá a concessão da medida. A condenação anterior,
para obstar a concessão do sursis deve ser definitiva, e deve referir-se a um
crime. A anterior condenação por contravenção penal, mesmo que tenha sido
imposta pena privativa de liberdade, não significa “reincidência em crime
doloso”, mas pode ser relevante, pois deve ser considerada nos antecedentes do
agente. A condenação por crime doloso no estrangeiro também impede a concessão
do sursis. Nesse caso, não se exige a homologação da sentença em nosso país”
(FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: A nova parte geral. 8ª Ed.
Forense. Rio Janeiro. 1985. p. 381/382).
Uma hipótese interessante é aquela que se encontra na
condenação anterior por pena de multa. Nesse assunto, nos situamos com a
maioria da doutrina e com a vasta jurisprudência no sentido de não ser possível
a recusa a concessão desse benefício legal ao réu. Nesse sentido se
pronunciaram o STF e o TJSC:
“Não se pode negar sursis ao argumento da reincidência se a
condenação anterior foi meramente pecuniária”(RT 639/387)
“As condenações anteriores à pena de multa não obstam seja
concedida a suspensão condicional da pena ao réu que cometeu nova infração
penal, a teor do 77, parágrafo único, CP” (JCAT 59/283).
O teor da jurisprudência supra, nos revela que nos casos de
pena de multa, criminosos de pouca ofensividade social são condenados, por
isso, a reincidência aqui não pode ser negada, para que ao invés, apliquemos
uma condenação a uma privativa de liberdade, contrariando as políticas
criminais e remanejando esse réu ao ambiente inóspito da penitenciária e ao
convívio com réus de maior potencial criminológico, que poderão levá-lo ao
crime de maior gravame/impacto social.
Convém, elucidarmos que nada impede a concessão simultânea
de sursis, que terão validade, mas, contudo não deverá ser esta sentença
condenatória, pois, caso seja, afastada estará o sursis, justamente pela
incompatibilidade da medida com a pena privativa.
b-) Circunstâncias Judiciais favoráveis ao Agente:
O mérito pessoal do agente é levado em consideração (artigo
77, II, Código Penal: “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e
personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a
concessão do benefício”), onde o juiz deve proceder à analise dos valores
pessoais do agente. O juiz vai fazer um juízo de necessidade e suficiência da
medida apenatória que irá verificar se o condenado faz jus ao benefício,
ponderando a eficiência da suprimissão da condenação em conjunto com o teor de
eficiência da suspensão, em grau de recuperação do condenado. O condenado
deverá ter características suficientes que o façam merecer o sursis e de acordo
com esses o juiz fixa os benefícios.
A abstração do juiz quando do juízo de admissibilidade da
concessão deverá estar fulcrado nos méritos subjetivos do réu, que deverá
reunir condições para que o juiz conceda a benesse. Interessante é a lição de
Cezar Roberto Bitencourt: “Esses elementos têm a delicada função de subsidiar a
previsão da conduta futura do condenado, que se for favorável, isto é, de que
provavelmente não voltará a delinqüir, autorizará a suspensão da execução da
pena imposta, mediante o cumprimento de determinadas condições. Se, ao
contrário, essas condições demonstrarem que provavelmente voltará a praticar
infrações penais, a execução da pena não deverá ser suspensa” (BITENCOURT,
César Roberto. Manual de Direito Penal, vol. I - parte geral. 6ª Ed. Saraiva.
São Paulo. 2002. p. 588).
c-) Prazo de Condenação e Impossibilidade da Substituição
por Pena Alternativa:
O pressuposto de aplicação do sursis é o temporal, onde a
condenação deve ser por no máximo dois anos a pena privativa de liberdade,
portanto, se a condenação for a pena restritiva ou multa penal exclusivamente,
obstada estará a medida. Essa substituição da pena é por quatro anos e somente
sendo cabível quando não for possível a substituição da pena por uma restritiva
de direitos. Então, se o réu não reunir os elementos do artigo 44 e incisos,
Código Penal, que indiquem a substituição da pena, autorizado estará o
magistrado a conceder o sursis.
O sursis poderá ser possível quando não for cometido o
crime com grave ameaça ou violência, assim, o criminoso que valeu-se dos
elementos supra - indicados poderiam ter o benefício, mas ficam vedados quando
o juiz fazer o juízo de avaliação da prescindibilidade da medida alternativa do
inciso II, art. 77, Código Penal.
V-) O Sursis, o concurso de crimes e condenações
sucessivas:
Julio Fabbrini Mirabete entende: “Para a concessão do
sursis, em caso de concurso de crimes, é de se levar em consideração à soma das
penas aplicadas. Excedendo de dois anos as penas cumuladamente aplicadas, não
pode o sentenciado ser beneficiado com a suspensão condicional da pena, pouco
importando que qualquer delas, isoladamente considerada, não exceda o limite a
que se refere o art. 77 do CP” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Op.
cit. p. 324).
Outra hipótese interessante é a da
compatibilidade da aplicação de dois sursis em concurso de crimes,
simultâneamente. Alguns doutrinadores entendem que será possível o cumprimento
de dois benefícios em conjunto. A execução ficaria, portanto, condicionada ao
limite legal de dois a quatro anos. Se o magistrado ao efetuar a somatória das
penas verificar que ela atravessar o patamar máximo da previsão legal, teremos
a proibição na aplicação desse benefício. Caso não supere, será possível, desde
que haja a compatibilidade entre as sentenças condenatórias permitindo,
portanto o período de prova, com uma não excluíndo a outra. Com o aresto do
TACrim merecendo transcrição:
Se o réu for sucessivamente julgado e condenado em dois
processos que admitem sursis e se acharem preenchidos os requisitos legais,
deverá o benefício ser repetidamente outorgado. Será cassado se as duas
condenações transitarem em julgado. Será mantido se uma só das condenações tiver
sido confirmada” (TACRIM – SP – HC – Rel. Juiz Cid Vieira – RT 545/352 e
JUTACRIM 69/67).
VI-) Sursis Etário, Profilático, Simples e Especial:
O sursis possui diversas modalidades previstas todas na lei
penal. O sursis pode ser: etário, profilático, simples e especial.
O sursis etário visa a concessão do benefício a pessoas com
idade superior a 70 anos, sendo possível a aplicação do mesmo, sob o fundamento
por questões da falta de saúde que a pessoa enfrenta. Nesse sursis, o tempo de
condenação deverá ser de até quatro anos e uma condição imperiosa será a
existência de um problema que cause abalo na saúde, estando o estado
fisiológico do sentenciado fragilizado, debilitado, para fazer jus ao disposto
nos termos do art. 77, § 2º, Código Penal. O sofrimento do réu ou a avançada
idade fazem com que o juiz verifique que a imposição de uma pena irá causar
efeitos gravosos ao réu, isto porque, ele já está sofrendo com a elevada idade
e suas complicações naturais ou pelo estado de saúde grave que importa em elevada
dor e proximidade com a morte, por isso o sursis tem seus limites estendidos,
com vistas a humanizar o direito penal e respeitar a dignidade humana.
No sentido, Mirabete explica a criação do instituto:
“Inovação da Lei nº 7209, porém, foi à inclusão de exceção à regra geral,
permitindo-se a concessão de sursis ao condenado à pena não superior a quatro
anos quando maior de 70 anos de idade – sursis etário. Trata-se, novamente, de
se levar em conta a decadência ou degenerescência provocada pela senilidade e a
menor periculosidade dos anciãos” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Op.
cit. p. 324).
As razões de saúde que motivam o
sursis profilático ou humanitário estão para um estado precário, deficiente de
saúde por parte do réu que sofre com alguma insuficiência que afeta diretamente
sua imunologia, estando o mesmo tendente a sofrer em decorrência a problemas de
saúde que poderão ser agravados caso se operasse a condenação. César Roberto
Bitencourt nos ensina que: “A nova redação do § 2º do art. 77 deixa claro que
“razões de saúde” podem justificar a concessão de sursis, também para pena não
superior a quatro anos, independentemente de idade. Cuida-se, na verdade, de
uma nova espécie de sursis e não simplesmente de um novo requisito do “sursis”
etário. Por outro lado, representa uma nova alternativa de sursis para penas de
até quatro anos, sendo alternativo e não simultâneo ou concomitante à
maioridade de setenta anos. Em outros termos, para ter direito ao sursis, por
razões de saúde, não precisa ser maior de setenta anos de idade” (BITENCOURT,
César Roberto. Op. cit. p. 590).
O sursis simples ocorre quando o
juiz faculta ao réu a suspensão do cumprimento da pena, mas ficando a mesma
condicionada ao cumprimento de alguns pressupostos normativos, estabelecidos pelo
magistrado na sentença pelo prazo de um ano, que são algumas das restritivas de
direitos. O período de provas é o tempo de suspensão onde o sentenciado ficará
sujeito as restrições comportamentais. Durante o primeiro ano o réu estará
sujeito a prestação de serviços a com unidade ou a limitação de fim de semana,
ficando a critério subjetivo do juiz a escolha (v.g. 78, § 1o, Código Penal). Essas
penas restritivas de direito são impostas ao sentenciado como uma condição para
a aplicação do sursis, devendo seguir as regras dos artigos correspondentes aos
artigos 46 e 48, Código Penal.
Miguel Reale Júnior apresenta aspectos interessantes sobre
o sursis simples: “O sursis simples, apesar da denominação de suspensão
condicional da pena, implica verdadeira execução de sanção penal, já que o
sentenciado deverá cumprir por um período as reprimendas estabelecidas pelo
art. 46 ou pelo art. 48. Ciente da finalidade retributiva e de prevenção
especial da sanção penal, entendeu o legislador modificar a suspensão da pena,
de molde a tornar mais eficaz o instituto, nele encartando condições que
correspondem às penas restritivas de direitos mencionadas” (REALE JÚNIOR,
Miguel. Novos Rumos do sistema criminal. Forense. Rio de Janeiro. 1983. p. 55
Apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 327).
O sursis especial está expresso no
artigo 78, § 2o, CP, sendo menos gravosa que a anterior. Se o condenado reparar
o dano e as circunstâncias judiciais do artigo 59 forem favoráveis, ficará o
réu somente adstrito a freqüentar determinados ambientes, tais como,
lupanários, boates, bares, lugares que possam de alguma maneira incitar ou
estimular o réu a levar nova atividade delituosa a cabo. Essa restrição veda o
condenado a requerer autorização judicial para sair da comarca e deve ainda o
réu se apresentar periodicamente frente ao juízo das execuções criminais para
justificar seus atos em sociedade.
O instituto do sursis traz consigo algumas incongruências,
não só adstritas a esse instituto, mas assim como a toda a esfera jurídica penal
face a mazelas administrativas e orçamentárias que inviabilizam sua efetiva
fiscalização. O Direito Penal fica entre o pragmatismo e a utopia, onde deve-se
ter uma readequação preventiva e dos estabelecimentos de cumprimento de pena. O
juiz impõe as condições ao réu, em atendimento aos preceitos normativos penais,
mas o sistema penal fica carente, pois, não tem condições de fiscalizar o
cumprimento de todas as condições feitas ao réu, ficando esse insitituto sendo
um teatro. Por isso, o Ordenamento repressivo pátrio necessita de políticas
criminais antes de mais nada, possíveis na sua amplitude, não deixando nosso
estatuto repressivo inócuo e ineficaz.
Ao magistrado fica livre o direito de poder fixar novas
condições, porque a lei lhe faculta essa possibilidade, vez que fica em aberto
ao mesmo a determinação dessas imposições legais, sendo tal medida salutar ante
a necessária adequação da medida as condições do sujeito. Nesse sentido
esclarece Mirabete que: “Além dessa condição alternativa obrigatória, de prestação
de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana, o juiz pode impor
outras, que devem sempre ter relação com o fato criminoso ou a pessoa do
condenado. Citam-se, como exemplos, a obrigatoriedade de freqüentar curso de
habilitação profissional ou de instrução escolar, atender aos encargos de
família, submeter-se a tratamento de desintoxicação quando envolvido o
condenado como, e.g. bebidas, drogas. Não tendo qualquer condição imposta
qualquer relação com a prática delituosa, deve ser ela cancelada” (MIRABETE,
Julio Fabbrini. Op. cit. p. 331. e TACRIM – SP – AC – Rel. Juiz Silva Franco – JUTACRIM 54/193).
O importante é a existir a compatibilidade entre o delito
praticado e a condição a ser obedecida pelo réu, com o tipo penal praticado
pelo sentenciado, além do respeito pelos direitos individuais e constitucionais
do réu, com fulcro no artigo 5º, II, Constituição da República.
VII-) Revogação Obrigatória e Facultativa do Sursis:
A revogação do sursis consiste no desaparecimento da
suspensão, passando a pena a ser cumprida normalmente, nos termos em que o juiz
havia fixado antes de verificar a possibilidade de aplicação do insituto, sendo
destituído o sursis concedido. A revogação poderá ser facultativa nos termos do
artigo 81, § 1o, CP ou obrigatória por força do artigo 81 do CP.
O período de prova não se confunde com o tempo de
cumprimento efetivo de pena, não sendo computado como tempo decrescido da
condenação. Independentemente da injustiça nítida, a pena será cumprida
integralmente não sendo possível a aplicação desse lapso temporal como
fundamento para a detração penal.
A suspensão será obrigatoriamente revogada em algumas
hipóteses previstas no disposto no artigo 81, Código Penal, onde:
“A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o
beneficiário:
I - é condenado, em sentença irrecorrível, por crime
doloso;
II - frustra, embora solvente, a execução de pena de multa
ou não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano;
III-descumpre a condição do § 1º do art. 78 deste Código”.
No inciso primeiro quando for o réu condenado por crime
tipificado como doloso e tiver sua sentença transitada em julgado, não
possibilitando a interposição em grau recursal visando à modificação da decisão
proferida em primeira instância. Para Mirabete: “Tratando-se, portanto, de
crime doloso, a revogação é de rigor, tenha sido o delito praticado antes ou
depois daquele que originou o sursis ou ainda durante o prazo de suspensão
condicional da pena. Basta que haja nos autos a comprovação de que a sentença
condenatória transitou em julgado antes de escoado o prazo da suspensão para
que se revogue o benefício” (MIRABETE, Op. cit. 332).
O segundo inciso revela a ligação com a possibilidade
economica do condenado. Sendo ele solvente, e não cumprindo o pagamento da pena
de multa ou reparando o dano advindo do delito, o benefício será revogado. Antes
da revogação do instituto, deverá o juiz proceder em conformidade com o artigo
164 e ss, Lei de Execução Penal, ou seja, efetuando a prévia notificação do réu
para efetuar o pagamento no prazo legal, afim de que o mesmo quite o débito,
mas em não o fazendo, o juiz obrigatoriamente efetuará a revogação do benefício
sendo o réu reconduzido ao cumprimento da pena a que fora condenado.
O terceiro apresenta o descumprimento da prestação de
serviços à comunidade ou a limitação de final de semana, injustificadamente
pelo réu. O mesmo deverá apresentar ao juiz seus motivos no tempo concedido
pela lei, caso não o faça, deverá obrigatoriamente o juiz suspender o
benefício. O réu ao injustificadamente faltar ao cumprimento da restrição
condicional da norma, deverá se apresentar ao magistrado e fazer uma exposição
fática e probatória, carreando ao juiz os elementos que justifiquem o
desrespeito a condição restritiva imposta pelo magistrado. O juiz ao se
convencer nas justificativas do réu manterá o benefício legal, se o mesmo não
apurar a veracidade nos depoimentos do réu, revogado estará o benefício e, o
mesmo será reconduzido ao cumprimento do restante do tempo de condenação.
Ao revés, a revogação será facultativa quando o magistrado
se deparar com a situação prevista no artigo 81, § 2o do Código Penal: “A
suspensão poderá ser revogada se o condenado descumpre qualquer outra condição
imposta ou é irrecorrivelmente condenado, por crime culposo ou por
contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos”. O ato
de revogar o benefício, deverá vir fundamentado e justificado pelo magistrado,
a falta de motivação ao revogar o sursis levará a interposição de recurso e
eventual reformatio in mellius do decreto condenatório.
Se o réu descumprir alguma das outras condições impostas
pelo magistrado ou se foi irrecorrivelmente condenado por crime culposo ou
contravenção penal, o benefício será revogado. A essas condições fixadas pelo
magistrado, são as condições judiciais.
A prorrogação do período de prova é o aumento do mesmo,
sendo indefinido o período probatório. O limite determinado pelo juiz será
inobservado, sendo automático e obrigatório quando o réu estiver sendo processado
por outro delito culposo ou contravenção, sendo o prazo dilatado até a
conclusão da nova ação penal contra ele, ficando, pois, no aguardo da sentença
definitiva do processo (v.g. 81, § 2o, Código Penal).
Quando a revogação for facultativa poderá o magistrado ao
invés de revogar o benefício prorrogar, postergar a duração do mesmo,
aumentando-o até o limite de quatro anos, o máximo definido no artigo 77,
caput, do Código Penal, em subsituição a revogação, medida mais drástica. (v.g.
artigo 81 § 3o, Código Penal).
Se decorrido o período de prova sem a violação de qualquer
condição extinta estará a pena (v.g. artigo 82, Código Penal) subsistindo os
demais efeitos da condenação, tais como, a reincidência.
VIII-) O Sursis e a sua Inconstitucionalidade configurar
dupla punição:
Alguns doutrinadores levantam que esse instituto guarda
incompatibilidade horizontal (entre a revogação e a execução da pena) com a
norma constitucional, estando, pois, inconstitucional, se configurando num bis
in idem. A maioria não vê incompatibilidade porque não é pena, mas sim uma
condição porque o sursis não é obrigatório, é facultado ao réu, que tem a opção
de escolher entre cumprir a pena normalmente ou se sujeitar a esse requisito
normativo, o que fundamenta o disposto no início quando demos ao sursis caráter
de acordo judicial também. Assim, o cômputo do período de prova estaria vedado,
pela disposição expressa de que a detração é caracterizada pela imposição de
pena e não de uma condição, que não tem o condão real de pena.
O TACRIM em suas decisões fundamenta a nossa posição e em
conformidade com a segunda corrente:
“Inocorre bis in idem na fixação da prestação de serviços à
comunidade como condição do sursis, vez que a Lei Penal estabelece tal medida
como pena autônoma e substitutiva da privativa de liberdade, e também a comina
a título de condição obrigatória da benesse” (RJDTACRIM 25/383)
“A fixação da prestação de serviços à comunidade como
condição do sursis, prevista no art. 78 § 1o, CP, não constitui ilegalidade ou
bis in idem, vez que este consiste na suspensão da execução da pena privativa
de liberdade e aquela, por ser sanção restritiva de direitos, possui natureza
diversa” (RJDTACRIM 29/173).
Luis Augusto Freire Teotônio argumenta pela
inconstitucionalidade do período de prova do sursis revogado tornar-se pena a
ser cumprida e aduz: “Mas, pela sistemática atual do instituto, se durante o
período de prova houver revogação do sursis o condenado cumprirá por inteiro a
pena que se achava suspensa, ou seja, com a execução suspensa, não se abatendo
o período de prova já cumprido. Ora, sendo dessa forma, há possibilidade de
dupla punição do condenado. Tal não se justifica. Ninguém pode ser punido mais
de uma vez pelo mesmo delito (regra – non bis in idem). Aliás, a nossa Lei
Maior a proíbe (arts. 1º e 5º, XXXIX). Assim, pensamos que, se durante o
período de prova ocorrer revogação do sursis o condenado não pode cumprir por
inteiro a pena que se achava com a execução suspensa, sem que haja abatimento
do período de prova já cumprido. Dessa maneira, revogado o sursis, o condenado
tem direito a abater o período de prova anteriormente cumprido, pois que se
trata de “pena” já cumprida” (TEOTÔNIO, Luis Augusto Freire. Op. cit. 259/260).
No entanto e para concluir, entendemos ter razão, o insigne
magistrado paulista, pois, apesar de não ser pena, suas características a
elevam ao patamar de pena, impondo verdadeira restrição de direitos ao réu, que
ficará sujeito as condições arbitradas pelo magistrado na pena, que são na
verdade algumas das penas alternativas inseridas com a Lei 9714/98.
IX-) Referências Bibliográficas:
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- parte geral. 6ª Ed. Saraiva. SÃO PAULO. 2002.
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_____________________. Código Penal Interpretado. 10ª Ed.
Atlas. São Paulo. 2002.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte
Geral; 3ª Ed. RT. São Paulo. 1999.
REALE JÚNIOR, Miguel. Novos Rumos do sistema criminal. Forense.
Rio Janeiro. 1983.
TEOTÔNIO, Luis Augusto Freire. Suspensão Condicional da
Pena e Livramento Condicional: Dupla Punição no Direito brasileiro. RT 662 –
Dezembro 1990. RT. São Paulo. 1990
RETIRADO DE: http://www.direitopenal.adv.br/artigos.asp?id=1155