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A Suspensão Condicional da Pena no Direito Penal pátrio: Noções Gerais e a ocorrência de “bis in idem” na revogação do período de prova e não detração

Flávio Augusto Maretti Siqueira

 Advogado criminal (SP)

 

Sumário: I-) Introdução II-) Conceito: III-) Natureza Jurídica: IV-) Pressupostos de Aplicabilidade da medida; 4.1-) Prazo Máximo de Condenação e Período de Prova: 4.2-) Requisitos Objetivos de Concessão; a-) Reincidência em Tipo Penal doloso: b-) Circunstâncias Judiciais favoráveis ao Agente: c-) Prazo de Condenação e Impossibilidade da Substituição por Pena Alternativa: V-) O Sursis, o concurso de crimes e condenações sucessivas: VI-) Sursis Etário, Profilático, Simples e Especial: VII-) Revogação Obrigatória e Facultativa do Sursis: VIII-) O Sursis e a sua Inconstitucionalidade configurar dupla punição: IX-) Referências Bibliográficas.


I-) Introdução:

O sursis é uma novidade no direito penal, sendo introduzida no atual sistema penal por influência do direito francês e belga. Hodiernamente, verificamos nos direitos penais do mundo a tendência ao desapenamento com aplicação de medidas substitutivas ao regime fechado, como a multa, as penas alternativas, revelando ser um meio apto para punição dos réus, a menos no caráter ressocializador da pena, que não apresenta ser martirizante e traumatizante ao condenado.

A falência do sistema carcerário ocorre por razões diversas, que para Cezar Roberto Bittencourt são: “1º) falta de orçamento; 2º) pessoal técnico despreparado; 3º) ociosidade e ausência de programa de tratamento” (BITTENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão. 11ª Ed. RT. São Paulo. 1993. p. 209), aliado a uma inoperância e desinteresse estatal manifesta-se em todos os objetivos da pena, não funcionando como meio de ressocialização, finalidade terapêutica da pena.

Com vistas, a aplicar formas que evitem o encarceramento do indivíduo insurgem tais medidas, como manifestação do liberalismo penal. A tendência liberal influencia a todo o ordenamento penal, dando azo a criação de métodos de punição que evitem a reincidência e não abarrote ainda mais o cárcere, são criadas novas medidas que visam afastar a restrição da liberdade, como é o caso do sursis, a suspensão condicional da pena, que é a base desse estudo.

Luís Augusto Freire Teotônio elucida: “O que mais importa ao Estado não é punir, mas reeducar o delinqüente e conduzi-lo à sociedade como parte integrante daqueles que respeitam o direito de liberdade alheia em seu mais amplo entendimento, que é o limite do outro direito. Toda vez que essa recuperação pode ser obtida, mesmo fora das grades de um cárcere, recomendam a lógica e a melhor política criminal o sursis” (TEOTÔNIO, Luis Augusto Freire. Suspensão Condicional da Pena e Livramento Condicional: Dupla Punição no Direito brasileiro. RT 662 – Dezembro 1990. RT. São Paulo. 1990. p. 259).

II-) Conceito:

A idealização desse instituto foi para que os condenados a penas pequenas ficassem livres da condenação não indo a prisão, evitando a incidência dos martírios que a condenação aflige aos réus. Ela permite ao condenado o direito de não cumprir a pena, caso estejam reunidos todos os critérios legais. E. Magalhães Noronha conceitua o sursis como uma medida jurisdicional que dita o sobrestamento da pena, mediante o atendimento de condições arbitradas pelo juiz. Sendo um incidente de execução da pena que privativa de liberdade, que iria ser executada e é suspensa condicionalmente.

O sursis é a suspensão condicional da pena, onde o juiz verifica existir os requisitos que configuram o crime, os pressupostos de punibilidade, com o reconhecimento da pretensão punitiva estatal descrita na denúncia ou queixa, mas deixa de promover a execução da pena cominada, por reconhecer estar o réu dentro da alçada de incidência dos elementos autorizadores do sursis, suspendendo a pena mediante o cumprimento de condições, que ao serem devidamente cumpridas, conduzem a extinção da punibilidade do réu.

Julio Fabbrini Mirabete leciona: “Permite a lei que não se execute a pena privativa de liberdade ao condenado que preencha os requisitos exigidos, ficando o condenado sujeito a algumas condições impostas na lei ou pelo juiz, durante prazo determinado, e que, se não cumpridas, podem dar causa à revogação do benefício” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 10ª Ed. Atlas. São Paulo. 2003. p. 425).

Damásio Evangelista de Jesus, com clareza expõe: “Sursis quer dizer suspensão, derivado de surseoir, que significa suspender. Permite que o condenado não se sujeite à execução da pena privativa de liberdade de pequena duração” (JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol I - Parte Geral. 22a Ed. Saraiva. São Paulo. 1999. p. 613).

III-) Natureza Jurídica:

A essência da suspensão condicional da pena é controversa no direito penal. Alguns doutrinadores a entendem como sendo efetivo cumprimento de pena, tendo os efeitos da sentença condenatória como real cumprimento da pena cominada no édito condenatório. René Ariel Dotti et alii comentam: “o sursis encerra uma autêntica pena restritiva de direitos, não se tratando, assim, de mero benefício ou mesmo de um direito do réu. A essência, claramente sancionatória, da suspensão condicional, como manifesta e evidente restrição de direitos, vem indicada pela Lei de Execução Penal, que a retirou dos incidentes de execução e a incluiu na parte referente à execução das penas em espécie” (DOTTI, René Ariel et alli. Penas e Medidas de Segurança no Novo Código. Forense. Rio de Janeiro. 1985. p. 211). Outros entendem ser um direito público subjetivo do réu, como Celso Delmanto, não podendo o magistrado denegá-la quando presentes os pressupostos autorizadores da medida (Vide art. 157, Lei de Execução Penal, que eiva de nulidade a sentença onde o magistrado deixa de conceder sursis, quando reunidos os elementos que facultam sua autorização).

O sursis é um direito público subjetivo do réu (facultas agendi), dependendo de motivação por parte do magistrado para negar o mesmo ao réu. Em tese, todo o sentenciado tem esse direito e o magistrado deverá fundamentar a rejeição do instituto ao réu. Entendemos ser o sursis um acordo judicial, com escopo de substituir a pena corporal cominada, por impossibilidade de concessão da restritiva de direitos ao réu, operando como forma de cumprimento da pena, mas sem a imposição de regimes, em liberdade, com algumas restrições feitas pelo juiz.

Onde o juiz aplicará o sursis, suspendendo a pena e concedendo um benefício ao réu, extinguindo a pena e não o levando para o efetivo cumprimento da pena, quando cumprido o período de prova fixado na sentença sem qualquer violação as proibições ali estatuídas. O sursis somente poderá ser concedido quando tivermos um delito com grave ameaça ou violência.

IV-) Pressupostos de Aplicabilidade da medida:

4.1-) Prazo Máximo de Condenação e Período de Prova:

O requisito legal temporal é de 2 (dois) anos de condenação, onde a pena ficará suspensa e o sentenciado deverá cumprir algumas condições, que serão arbitradas pelo juiz na sentença em conformidade com o diploma penal. Esse período de condenação será convertido em período de prova, onde após seu devido cumprimento, será extinta a pena, com o magistrado liberando o réu da imposição da pena corporal e da responsabilidade penal. Esse prazo de condenação de dois anos limita-se a quase todas as contravenções penais e a maioria dos crimes punidos com detenção, que revelam menor periculosidade, lesividade e o desvalor da conduta.

O termo pena privativa de liberdade inserida no artigo 77 e repetida no artigo 80, ambos do Código Penal, logicamente, afastam a sua incidência em delitos onde fora cominado pena restritiva de direitos ou multa penal, justamente pela não privação da liberdade do indivíduo, caráter incompatível com a suspensão de execução, pois, a liberdade não está sofrendo qualquer proibição, mas quando depararmos com prisão simples, não persiste a vedação penal.

Esse período de prova é de 2 a 4 anos e se ocorrer algum fato delituoso imputado ao réu, esse período de prova será revogado e o sentenciado deverá cumprir efetivamente a pena.

4.2-) Requisitos Objetivos de Concessão:

a-) Reincidência em Tipo Penal doloso:

O artigo 77, I, Código Penal restringe a concessão, quando o agente for reincidente em crime doloso, independentemente de qual for o tipo penal, afastando a reincidência específica. Caso o réu, pratique um novo crime no período de 5 anos após o cumprimento da pena, será para efeitos penais considerado tecnicamente primário (artigo 64, I, Código Penal). Ainda, entendemos conforme o ensinamento de Luiz Régis Prado, que entende que o sursis não pode ser obstado pela prática de crime culposo prévio a condenação por crime doloso e vice-versa. Igualmente poderá ser concedido sucessivamente em crimes culposos, pois, o tipo restringe a reincidência específica em crimes dolosos, ainda, permitindo a concessão em delitos preterdolosos, o que permite a concessão em sendo aplicada medida de segurança e em reincidência por contravenção penal. No sentido colacionamos decisão do TACrimSP:

“A concessão do sursis a réu reincidente era vedada pela lei anterior; com o advento da Lei 7.209/84, a reincidência em crime culposo não é mais óbice à sua concessão. Retroação da lois plus douce” (TACRIM – SP – AC – Rel. Juiz Segurado Braz – JUTACRIM 82/314).

Ainda é possível, a concessão onde haja a prática de crimes dolosos, mas dentre a sentença condenatória e a data do novo fato, devemos ter um lapso que afaste a reincidência, ou seja, mais que cinco anos. Dessa sorte, mencionamos a lição de Julio Fabbrini Mirabete: “Nada impede que uma pessoa possa obter duas ou mais vezes a suspensão condicional da pena. Diante da adoção do critério da temporariedade para o efeito da reincidência, decorridos mais de cinco anos entre o cumprimento ou a extinção da pena (que pode ocorrer pelo decurso do prazo do sursis sem revogação), volta o autor de novo ilícito à categoria de não reincidente (art. 64, inciso I) podendo ser beneficiado novamente com a suspensão condicional da pena” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. I, Parte Geral.
17a Ed. Atlas. São Paulo. 2001. p. 325).

Heleno Cláudio Fragoso explica: “A anterior condenação por crime culposo não impede a concessão do benefício. Por igual, a anterior condenação à pena de multa, também não impedirá que o juiz conceda o sursis (art. 77, parágrafo único, do CP). A condenação à pena privativa da liberdade, se decorreram mais de cinco anos desde que declarada a extinção da pena, será irrelevante, pois não impedirá a concessão da medida. A condenação anterior, para obstar a concessão do sursis deve ser definitiva, e deve referir-se a um crime. A anterior condenação por contravenção penal, mesmo que tenha sido imposta pena privativa de liberdade, não significa “reincidência em crime doloso”, mas pode ser relevante, pois deve ser considerada nos antecedentes do agente. A condenação por crime doloso no estrangeiro também impede a concessão do sursis. Nesse caso, não se exige a homologação da sentença em nosso país” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: A nova parte geral. 8ª Ed. Forense. Rio Janeiro. 1985. p. 381/382).

Uma hipótese interessante é aquela que se encontra na condenação anterior por pena de multa. Nesse assunto, nos situamos com a maioria da doutrina e com a vasta jurisprudência no sentido de não ser possível a recusa a concessão desse benefício legal ao réu. Nesse sentido se pronunciaram o STF e o TJSC:

“Não se pode negar sursis ao argumento da reincidência se a condenação anterior foi meramente pecuniária”(RT 639/387)

“As condenações anteriores à pena de multa não obstam seja concedida a suspensão condicional da pena ao réu que cometeu nova infração penal, a teor do 77, parágrafo único, CP” (JCAT 59/283).

O teor da jurisprudência supra, nos revela que nos casos de pena de multa, criminosos de pouca ofensividade social são condenados, por isso, a reincidência aqui não pode ser negada, para que ao invés, apliquemos uma condenação a uma privativa de liberdade, contrariando as políticas criminais e remanejando esse réu ao ambiente inóspito da penitenciária e ao convívio com réus de maior potencial criminológico, que poderão levá-lo ao crime de maior gravame/impacto social.

Convém, elucidarmos que nada impede a concessão simultânea de sursis, que terão validade, mas, contudo não deverá ser esta sentença condenatória, pois, caso seja, afastada estará o sursis, justamente pela incompatibilidade da medida com a pena privativa.


b-) Circunstâncias Judiciais favoráveis ao Agente:

O mérito pessoal do agente é levado em consideração (artigo 77, II, Código Penal: “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício”), onde o juiz deve proceder à analise dos valores pessoais do agente. O juiz vai fazer um juízo de necessidade e suficiência da medida apenatória que irá verificar se o condenado faz jus ao benefício, ponderando a eficiência da suprimissão da condenação em conjunto com o teor de eficiência da suspensão, em grau de recuperação do condenado. O condenado deverá ter características suficientes que o façam merecer o sursis e de acordo com esses o juiz fixa os benefícios.

A abstração do juiz quando do juízo de admissibilidade da concessão deverá estar fulcrado nos méritos subjetivos do réu, que deverá reunir condições para que o juiz conceda a benesse. Interessante é a lição de Cezar Roberto Bitencourt: “Esses elementos têm a delicada função de subsidiar a previsão da conduta futura do condenado, que se for favorável, isto é, de que provavelmente não voltará a delinqüir, autorizará a suspensão da execução da pena imposta, mediante o cumprimento de determinadas condições. Se, ao contrário, essas condições demonstrarem que provavelmente voltará a praticar infrações penais, a execução da pena não deverá ser suspensa” (BITENCOURT, César Roberto. Manual de Direito Penal, vol. I - parte geral. 6ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2002. p. 588).

c-) Prazo de Condenação e Impossibilidade da Substituição por Pena Alternativa:

O pressuposto de aplicação do sursis é o temporal, onde a condenação deve ser por no máximo dois anos a pena privativa de liberdade, portanto, se a condenação for a pena restritiva ou multa penal exclusivamente, obstada estará a medida. Essa substituição da pena é por quatro anos e somente sendo cabível quando não for possível a substituição da pena por uma restritiva de direitos. Então, se o réu não reunir os elementos do artigo 44 e incisos, Código Penal, que indiquem a substituição da pena, autorizado estará o magistrado a conceder o sursis.

O sursis poderá ser possível quando não for cometido o crime com grave ameaça ou violência, assim, o criminoso que valeu-se dos elementos supra - indicados poderiam ter o benefício, mas ficam vedados quando o juiz fazer o juízo de avaliação da prescindibilidade da medida alternativa do inciso II, art. 77, Código Penal.

V-) O Sursis, o concurso de crimes e condenações sucessivas:

Julio Fabbrini Mirabete entende: “Para a concessão do sursis, em caso de concurso de crimes, é de se levar em consideração à soma das penas aplicadas. Excedendo de dois anos as penas cumuladamente aplicadas, não pode o sentenciado ser beneficiado com a suspensão condicional da pena, pouco importando que qualquer delas, isoladamente considerada, não exceda o limite a que se refere o art. 77 do CP” (MIRABETE, Julio Fabbrini.
Op. cit. p. 324).

Outra hipótese interessante é a da compatibilidade da aplicação de dois sursis em concurso de crimes, simultâneamente. Alguns doutrinadores entendem que será possível o cumprimento de dois benefícios em conjunto. A execução ficaria, portanto, condicionada ao limite legal de dois a quatro anos. Se o magistrado ao efetuar a somatória das penas verificar que ela atravessar o patamar máximo da previsão legal, teremos a proibição na aplicação desse benefício. Caso não supere, será possível, desde que haja a compatibilidade entre as sentenças condenatórias permitindo, portanto o período de prova, com uma não excluíndo a outra. Com o aresto do TACrim merecendo transcrição:

Se o réu for sucessivamente julgado e condenado em dois processos que admitem sursis e se acharem preenchidos os requisitos legais, deverá o benefício ser repetidamente outorgado. Será cassado se as duas condenações transitarem em julgado. Será mantido se uma só das condenações tiver sido confirmada” (TACRIM – SP – HC – Rel. Juiz Cid Vieira – RT 545/352 e JUTACRIM 69/67).

VI-) Sursis Etário, Profilático, Simples e Especial:

O sursis possui diversas modalidades previstas todas na lei penal. O sursis pode ser: etário, profilático, simples e especial.

O sursis etário visa a concessão do benefício a pessoas com idade superior a 70 anos, sendo possível a aplicação do mesmo, sob o fundamento por questões da falta de saúde que a pessoa enfrenta. Nesse sursis, o tempo de condenação deverá ser de até quatro anos e uma condição imperiosa será a existência de um problema que cause abalo na saúde, estando o estado fisiológico do sentenciado fragilizado, debilitado, para fazer jus ao disposto nos termos do art. 77, § 2º, Código Penal. O sofrimento do réu ou a avançada idade fazem com que o juiz verifique que a imposição de uma pena irá causar efeitos gravosos ao réu, isto porque, ele já está sofrendo com a elevada idade e suas complicações naturais ou pelo estado de saúde grave que importa em elevada dor e proximidade com a morte, por isso o sursis tem seus limites estendidos, com vistas a humanizar o direito penal e respeitar a dignidade humana.

No sentido, Mirabete explica a criação do instituto: “Inovação da Lei nº 7209, porém, foi à inclusão de exceção à regra geral, permitindo-se a concessão de sursis ao condenado à pena não superior a quatro anos quando maior de 70 anos de idade – sursis etário. Trata-se, novamente, de se levar em conta a decadência ou degenerescência provocada pela senilidade e a menor periculosidade dos anciãos” (MIRABETE, Julio Fabbrini.
Op. cit. p. 324).

As razões de saúde que motivam o sursis profilático ou humanitário estão para um estado precário, deficiente de saúde por parte do réu que sofre com alguma insuficiência que afeta diretamente sua imunologia, estando o mesmo tendente a sofrer em decorrência a problemas de saúde que poderão ser agravados caso se operasse a condenação. César Roberto Bitencourt nos ensina que: “A nova redação do § 2º do art. 77 deixa claro que “razões de saúde” podem justificar a concessão de sursis, também para pena não superior a quatro anos, independentemente de idade. Cuida-se, na verdade, de uma nova espécie de sursis e não simplesmente de um novo requisito do “sursis” etário. Por outro lado, representa uma nova alternativa de sursis para penas de até quatro anos, sendo alternativo e não simultâneo ou concomitante à maioridade de setenta anos. Em outros termos, para ter direito ao sursis, por razões de saúde, não precisa ser maior de setenta anos de idade” (BITENCOURT, César Roberto. Op. cit. p. 590).

O sursis simples ocorre quando o juiz faculta ao réu a suspensão do cumprimento da pena, mas ficando a mesma condicionada ao cumprimento de alguns pressupostos normativos, estabelecidos pelo magistrado na sentença pelo prazo de um ano, que são algumas das restritivas de direitos. O período de provas é o tempo de suspensão onde o sentenciado ficará sujeito as restrições comportamentais. Durante o primeiro ano o réu estará sujeito a prestação de serviços a com unidade ou a limitação de fim de semana, ficando a critério subjetivo do juiz a escolha (v.g. 78, § 1o, Código Penal). Essas penas restritivas de direito são impostas ao sentenciado como uma condição para a aplicação do sursis, devendo seguir as regras dos artigos correspondentes aos artigos 46 e 48, Código Penal.

Miguel Reale Júnior apresenta aspectos interessantes sobre o sursis simples: “O sursis simples, apesar da denominação de suspensão condicional da pena, implica verdadeira execução de sanção penal, já que o sentenciado deverá cumprir por um período as reprimendas estabelecidas pelo art. 46 ou pelo art. 48. Ciente da finalidade retributiva e de prevenção especial da sanção penal, entendeu o legislador modificar a suspensão da pena, de molde a tornar mais eficaz o instituto, nele encartando condições que correspondem às penas restritivas de direitos mencionadas” (REALE JÚNIOR, Miguel. Novos Rumos do sistema criminal. Forense. Rio de Janeiro. 1983. p. 55 Apud MIRABETE, Julio Fabbrini.
Op. cit. p. 327).

O sursis especial está expresso no artigo 78, § 2o, CP, sendo menos gravosa que a anterior. Se o condenado reparar o dano e as circunstâncias judiciais do artigo 59 forem favoráveis, ficará o réu somente adstrito a freqüentar determinados ambientes, tais como, lupanários, boates, bares, lugares que possam de alguma maneira incitar ou estimular o réu a levar nova atividade delituosa a cabo. Essa restrição veda o condenado a requerer autorização judicial para sair da comarca e deve ainda o réu se apresentar periodicamente frente ao juízo das execuções criminais para justificar seus atos em sociedade.

O instituto do sursis traz consigo algumas incongruências, não só adstritas a esse instituto, mas assim como a toda a esfera jurídica penal face a mazelas administrativas e orçamentárias que inviabilizam sua efetiva fiscalização. O Direito Penal fica entre o pragmatismo e a utopia, onde deve-se ter uma readequação preventiva e dos estabelecimentos de cumprimento de pena. O juiz impõe as condições ao réu, em atendimento aos preceitos normativos penais, mas o sistema penal fica carente, pois, não tem condições de fiscalizar o cumprimento de todas as condições feitas ao réu, ficando esse insitituto sendo um teatro. Por isso, o Ordenamento repressivo pátrio necessita de políticas criminais antes de mais nada, possíveis na sua amplitude, não deixando nosso estatuto repressivo inócuo e ineficaz.

Ao magistrado fica livre o direito de poder fixar novas condições, porque a lei lhe faculta essa possibilidade, vez que fica em aberto ao mesmo a determinação dessas imposições legais, sendo tal medida salutar ante a necessária adequação da medida as condições do sujeito. Nesse sentido esclarece Mirabete que: “Além dessa condição alternativa obrigatória, de prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana, o juiz pode impor outras, que devem sempre ter relação com o fato criminoso ou a pessoa do condenado. Citam-se, como exemplos, a obrigatoriedade de freqüentar curso de habilitação profissional ou de instrução escolar, atender aos encargos de família, submeter-se a tratamento de desintoxicação quando envolvido o condenado como, e.g. bebidas, drogas. Não tendo qualquer condição imposta qualquer relação com a prática delituosa, deve ser ela cancelada” (MIRABETE, Julio Fabbrini.
Op. cit. p. 331. e TACRIM – SP – AC – Rel. Juiz Silva Franco – JUTACRIM 54/193).

O importante é a existir a compatibilidade entre o delito praticado e a condição a ser obedecida pelo réu, com o tipo penal praticado pelo sentenciado, além do respeito pelos direitos individuais e constitucionais do réu, com fulcro no artigo 5º, II, Constituição da República.

VII-) Revogação Obrigatória e Facultativa do Sursis:

A revogação do sursis consiste no desaparecimento da suspensão, passando a pena a ser cumprida normalmente, nos termos em que o juiz havia fixado antes de verificar a possibilidade de aplicação do insituto, sendo destituído o sursis concedido. A revogação poderá ser facultativa nos termos do artigo 81, § 1o, CP ou obrigatória por força do artigo 81 do CP.

O período de prova não se confunde com o tempo de cumprimento efetivo de pena, não sendo computado como tempo decrescido da condenação. Independentemente da injustiça nítida, a pena será cumprida integralmente não sendo possível a aplicação desse lapso temporal como fundamento para a detração penal.

A suspensão será obrigatoriamente revogada em algumas hipóteses previstas no disposto no artigo 81, Código Penal, onde:
“A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário:
I - é condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso;
II - frustra, embora solvente, a execução de pena de multa ou não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano;
III-descumpre a condição do § 1º do art. 78 deste Código”.

No inciso primeiro quando for o réu condenado por crime tipificado como doloso e tiver sua sentença transitada em julgado, não possibilitando a interposição em grau recursal visando à modificação da decisão proferida em primeira instância. Para Mirabete: “Tratando-se, portanto, de crime doloso, a revogação é de rigor, tenha sido o delito praticado antes ou depois daquele que originou o sursis ou ainda durante o prazo de suspensão condicional da pena. Basta que haja nos autos a comprovação de que a sentença condenatória transitou em julgado antes de escoado o prazo da suspensão para que se revogue o benefício” (MIRABETE, Op. cit. 332).

O segundo inciso revela a ligação com a possibilidade economica do condenado. Sendo ele solvente, e não cumprindo o pagamento da pena de multa ou reparando o dano advindo do delito, o benefício será revogado. Antes da revogação do instituto, deverá o juiz proceder em conformidade com o artigo 164 e ss, Lei de Execução Penal, ou seja, efetuando a prévia notificação do réu para efetuar o pagamento no prazo legal, afim de que o mesmo quite o débito, mas em não o fazendo, o juiz obrigatoriamente efetuará a revogação do benefício sendo o réu reconduzido ao cumprimento da pena a que fora condenado.

O terceiro apresenta o descumprimento da prestação de serviços à comunidade ou a limitação de final de semana, injustificadamente pelo réu. O mesmo deverá apresentar ao juiz seus motivos no tempo concedido pela lei, caso não o faça, deverá obrigatoriamente o juiz suspender o benefício. O réu ao injustificadamente faltar ao cumprimento da restrição condicional da norma, deverá se apresentar ao magistrado e fazer uma exposição fática e probatória, carreando ao juiz os elementos que justifiquem o desrespeito a condição restritiva imposta pelo magistrado. O juiz ao se convencer nas justificativas do réu manterá o benefício legal, se o mesmo não apurar a veracidade nos depoimentos do réu, revogado estará o benefício e, o mesmo será reconduzido ao cumprimento do restante do tempo de condenação.

Ao revés, a revogação será facultativa quando o magistrado se deparar com a situação prevista no artigo 81, § 2o do Código Penal: “A suspensão poderá ser revogada se o condenado descumpre qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado, por crime culposo ou por contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos”. O ato de revogar o benefício, deverá vir fundamentado e justificado pelo magistrado, a falta de motivação ao revogar o sursis levará a interposição de recurso e eventual reformatio in mellius do decreto condenatório.

Se o réu descumprir alguma das outras condições impostas pelo magistrado ou se foi irrecorrivelmente condenado por crime culposo ou contravenção penal, o benefício será revogado. A essas condições fixadas pelo magistrado, são as condições judiciais.

A prorrogação do período de prova é o aumento do mesmo, sendo indefinido o período probatório. O limite determinado pelo juiz será inobservado, sendo automático e obrigatório quando o réu estiver sendo processado por outro delito culposo ou contravenção, sendo o prazo dilatado até a conclusão da nova ação penal contra ele, ficando, pois, no aguardo da sentença definitiva do processo (v.g. 81, § 2o, Código Penal).

Quando a revogação for facultativa poderá o magistrado ao invés de revogar o benefício prorrogar, postergar a duração do mesmo, aumentando-o até o limite de quatro anos, o máximo definido no artigo 77, caput, do Código Penal, em subsituição a revogação, medida mais drástica. (v.g. artigo 81 § 3o, Código Penal).

Se decorrido o período de prova sem a violação de qualquer condição extinta estará a pena (v.g. artigo 82, Código Penal) subsistindo os demais efeitos da condenação, tais como, a reincidência.

VIII-) O Sursis e a sua Inconstitucionalidade configurar dupla punição:

Alguns doutrinadores levantam que esse instituto guarda incompatibilidade horizontal (entre a revogação e a execução da pena) com a norma constitucional, estando, pois, inconstitucional, se configurando num bis in idem. A maioria não vê incompatibilidade porque não é pena, mas sim uma condição porque o sursis não é obrigatório, é facultado ao réu, que tem a opção de escolher entre cumprir a pena normalmente ou se sujeitar a esse requisito normativo, o que fundamenta o disposto no início quando demos ao sursis caráter de acordo judicial também. Assim, o cômputo do período de prova estaria vedado, pela disposição expressa de que a detração é caracterizada pela imposição de pena e não de uma condição, que não tem o condão real de pena.

O TACRIM em suas decisões fundamenta a nossa posição e em conformidade com a segunda corrente:

“Inocorre bis in idem na fixação da prestação de serviços à comunidade como condição do sursis, vez que a Lei Penal estabelece tal medida como pena autônoma e substitutiva da privativa de liberdade, e também a comina a título de condição obrigatória da benesse” (RJDTACRIM 25/383)

“A fixação da prestação de serviços à comunidade como condição do sursis, prevista no art. 78 § 1o, CP, não constitui ilegalidade ou bis in idem, vez que este consiste na suspensão da execução da pena privativa de liberdade e aquela, por ser sanção restritiva de direitos, possui natureza diversa” (RJDTACRIM 29/173).

Luis Augusto Freire Teotônio argumenta pela inconstitucionalidade do período de prova do sursis revogado tornar-se pena a ser cumprida e aduz: “Mas, pela sistemática atual do instituto, se durante o período de prova houver revogação do sursis o condenado cumprirá por inteiro a pena que se achava suspensa, ou seja, com a execução suspensa, não se abatendo o período de prova já cumprido. Ora, sendo dessa forma, há possibilidade de dupla punição do condenado. Tal não se justifica. Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo delito (regra – non bis in idem). Aliás, a nossa Lei Maior a proíbe (arts. 1º e 5º, XXXIX). Assim, pensamos que, se durante o período de prova ocorrer revogação do sursis o condenado não pode cumprir por inteiro a pena que se achava com a execução suspensa, sem que haja abatimento do período de prova já cumprido. Dessa maneira, revogado o sursis, o condenado tem direito a abater o período de prova anteriormente cumprido, pois que se trata de “pena” já cumprida” (TEOTÔNIO, Luis Augusto Freire. Op. cit. 259/260).

No entanto e para concluir, entendemos ter razão, o insigne magistrado paulista, pois, apesar de não ser pena, suas características a elevam ao patamar de pena, impondo verdadeira restrição de direitos ao réu, que ficará sujeito as condições arbitradas pelo magistrado na pena, que são na verdade algumas das penas alternativas inseridas com a Lei 9714/98.

IX-) Referências Bibliográficas:

BITENCOURT, César Roberto. Manual de Direito Penal, vol. I - parte geral. 6ª Ed. Saraiva. SÃO PAULO.
2002.
DOTTI, René Ariel et alli.
Penas e Medidas de Segurança no Novo Código. Forense. RJ/RJ. 1985.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: A nova parte geral; 8ª Ed. Forense. Rio de Janeiro. 1985.
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol I - Parte Geral. 22a Ed. Saraiva. São Paulo. 1999.
MAGALHÃES NORONHA. Edgard. Direito Penal, vol. I. 17ª Ed. Saraiva. São Paulo.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. I, Parte Geral.
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