Autor: Renato Flávio Marcão. Promotor de Justiça do Ministério
Público do Estado de São Paulo.
Sumário: 1. Tendências penais; 2. Realidade legislativa
evidenciada; 3. Ligeiras considerações sobre a atuação do Poder Executivo; 4.
Medidas adotadas e reflexos legislativos; 5. Considerações finais.
1. Tendências penais
O Direito Penal moderno nos apresenta um rol de tendências.
Adotada uma delas pelo Legislador, é intuitivo concluir que
o reflexo será manifesto no ordenamento jurídico.
Bastante combatido, muito mais no passado recente do que
nos dias atuais, o "Movimento de lei e ordem", numa visão simplista,
busca o endurecimento no trato das questões penais, indo desde a penalização
severa de diversas condutas, com o agravamento das reprimendas, até a execução
em sistemas mais rígidos.
O "Direito penal mínimo" (ou de intervenção
mínima), por outro vértice, enxergando o Direito Penal como ultima ratio,
defende acertadamente a intervenção penal tão-só onde outros ramos do Direito
não apresentam soluções eficazes para os problemas que lhes são afetos. Somente
quando a resolução não for possível de ser alcançada dentro da própria área de
Direito, com as medidas a ela pertinentes, é que a questão ingressaria no campo
do Direito Penal em busca de solução através da imposição de pena criminal,
obviamente pressupondo o devido processo legal com todas as garantias
constitucionais.
Em outro extremo temos o "Abolicionismo", que
defende, notadamente com base nos ensinamentos de Louk Hulsman, a extinção do
Direito Penal, por entender que a pena criminal não tem alcançado seus
objetivos, não havendo nenhum mal em seu desaparecimento.
Apesar do acima exposto, conforme iremos concluir, o
legislador penal brasileiro não segue qualquer tendência. Ora pende-se para o
Direito Penal Mínimo, ora para o Movimento de Lei e ordem.
A atuação do Poder Executivo, por sua vez, num ou noutro
caminho, também não revela qualquer tendência.
2. Realidade legislativa evidenciada
Como já advertia Cesare Beccaria (1) "uma boa
legislação não é mais do que a arte de propiciar aos homens a maior soma de
bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar,
conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência". E arrematava o ilustre
filósofo: "Desejais prevenir os crimes? Fazei leis simples e
evidentes".
Inobstante a clareza e evidência dos ensinamentos acima, a
legislação penal brasileira dos últimos tempos deles destoa totalmente.
Não é de hoje que estamos a alertar sobre as incongruências
legislativas observadas em nosso Direito Penal, notadamente na última década.
Conforme asseveramos em outra oportunidade (2), "como
marco inicial da última década, no tocante aos ‘equívocos’ legislativos que
provocaram incontáveis discussões e recursos criminais evitáveis, utilizo mais
uma vez as palavras do Magistrado Jorge Henrique Schaefer Martins (3), que
assim se expressa: ‘Dentre inúmeros exemplos, destaca-se a redação do Estatuto
da Criança e do Adolescente que, buscando resguardar o objeto de suas
deliberações, criou parágrafos únicos aos arts. 213 (estupro) e 214 (atentado
violento ao pudor), nos quais estipulava formas qualificadas quando tais tipos
de delitos fossem praticados contra crianças. Ocorre que o ECA só passou a viger
seis meses após sua publicação e, nesse ínterim, entrou em vigor a Lei dos
Crimes Hediondos, que redesenhou as penas previstas pelo caput dos dois artigos
do Código Penal mencionados, tornando-as muito mais gravosas. Esqueceu-se o
legislador, no entanto, de mencionar expressamente a revogação dos parágrafos
únicos, os quais, de forma paradoxal, tratando de condutas qualificadas,
continham penas inferiores aos crimes praticados em sua forma simples. Isso
provocou manifestações doutrinárias divergentes, julgados díspares, por
entenderem alguns ter havido a derrogação da norma inserida pelo ECA, enquanto
outros diziam da imprescindibilidade da disposição expressa. A correção ocorreu
somente anos após’.
Mas não é só. Num breve rol de imperfeições técnicas, inadmissíveis
ao legislador sábio e prudente, poderíamos citar (4) a questão da aplicação, ou
não, do artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos; as inúmeras discussões que se
estabeleceram sobre regras dúbias de alguns institutos da Lei 9.099/95; a Lei
9.268/96, que aniquilou a pena de multa e criou discussões as mais variadas
quanto a legitimação ativa para a execução, o juízo competente, a própria
natureza jurídica do instituto, etc.; a Lei 9.271/96, com a discussão que se
instalou sobre sua retroatividade total ou parcial, ou sua irretroatividade, a
natureza de suas regras (processuais, penais, ou mistas); a ‘Lei de Tortura’
(5), que permitiu a progressão de regime nos crimes que elenca, mesmo sendo
hediondos, quando há vedação na Lei dos Crimes Hediondos, estabelecendo
discussão também quanto a sua extensão, que não foi explicitada pelo
legislador, que nos parece ter agido de forma desatenta quando da permissão, na
contramão do momento; a ‘Lei dos Remédios’ punindo a adulteração/falsificação
de cosméticos, na mesma intensidade que os remédios propriamente ditos; a ‘Lei
de Armas de Fogo’ (6), que apenas em relação a data de sua entrada em vigor
permitiu a formação de quatro correntes jurisprudenciais. É preciso citar,
ainda, a Lei 9.714/98, conhecida como ‘Lei das Penas Alternativas’, cujo rol de
impropriedades e ausência de rigor técnico é maior do que a própria lei".
Certas impropriedades do Código de Trânsito brasileiro (7)
(até no nome) são aberrantes. Por exemplo, o atropelamento culposo de uma
pessoa que em decorrência do sinistro suporta lesões corporais é punido com
detenção, de seis meses a dois anos, e suspensão ou proibição da permissão para
dirigir veículos (8). O crime de lesão corporal dolosa, entretanto, é punido
com detenção, de três meses a um ano, sem conseqüências administrativas (9). A
conduta culposa tem maior apenação que a dolosa, e assim, em caso de
atropelamento culposo é melhor dizer que houve dolo, que se pretendia mesmo
atropelar, para causar lesões corporais, e a punição será mais branda.
A injúria manifestada com a utilização de elementos
referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem é punida com reclusão, de 1
(um) a 3 (três) anos, e multa (10). O homicídio culposo é punido com detenção,
de 1 (um) a 3 (três) anos (11).
Praticar receptação sabendo que a coisa é produto de crime
acarreta pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, e multa (12). Se o autor
não sabia a origem da coisa adquirida, mas deveria saber, a punição prevista é
de reclusão, 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, se praticar o crime no
exercício de atividade comercial ou industrial.
A Lei Ambiental de nº 9.605/98, em seu art. 30, caput, pune
a conduta de exportar para o exterior os produtos que elenca.
Obviamente os limites do presente trabalho não permitem
enumerar tantos outros exemplos, muitos deles já detectados e conhecidos por
todos.
Como se vê, algo não vai bem na legislação brasileira.
É preciso ressaltar que a valoração dos bens jurídicos
tutelados padece de mácula. Na redação dos textos legais é possível constatar
impropriedades técnicas as mais variadas.
3. Ligeiras considerações sobre a atuação do Poder
Executivo
Quando a Lei é boa o Poder Executivo inviabiliza sua
aplicação.
Com efeito. Sem vasculharmos o passado distante, e
utilizando-nos mais uma vez do Estatuto da Criança e do Adolescente (13), é
correto afirmar que em grande parte trata-se de legislação avançada, sueca como
diria o Sábio Jurista e Desembargador Paulista, o Excelentíssimo Dr. Marcelo
Fortes Barbosa. Entretanto alguns questionamentos são inevitáveis, e as
respostas são comezinhas: O Poder Executivo, em todos os níveis, proporcionou
estrutura e mecanismos para a completa aplicação do referido Diploma Legal?
Não. Qual o resultado da omissão? O descrédito popular e até dos juristas. A legislação
é completamente ruim? Não. Qual o problema então? A omissão do Poder Executivo.
E mais. A Lei de Execução Penal também pode ser considerada
um avançado Diploma Legal sob diversos aspectos, complexo é verdade, porém, de
inegáveis virtudes. Entretanto as mesmas questões são inevitáveis, e não há
como fugir das mesmas respostas: O Poder Executivo, em todos os níveis,
proporcionou estrutura e mecanismos para a completa aplicação do referido
Diploma Legal? Não. Qual o resultado da omissão? O descrédito popular e até dos
juristas. A legislação é completamente ruim? Não. Qual o problema então? A
omissão do Poder Executivo.
E quanto a Lei de Proteção de Testemunhas (14). Nada de
concreto foi feito até agora para a sua implantação, e conforme lembra Damásio
E. de Jesus (15), "no Rio de Janeiro, uma casa foi alugada para esse fim e
na frente dela afixaram uma tabuleta: ‘Casa de Proteção de Testemunhas’".
Sem comentários!!!
Para evitar o enfaro da repetição recomendamos algumas
reflexões sobre a Lei que instituiu os Juizados Especiais Criminais no âmbito
Estadual (16); sobre a Lei de "Penas Alternativas" (17) e, dentre
outras tantas, por fim, a Lei Antitóxicos (18). Se repetidos os questionamentos
anteriormente formulados, as respostas serão sempre as mesmas.
Nos entristece e preocupa ocuparmos tempo e páginas para
refletir e escrever sobre o que seria melhor não existir, todavia, não há outra
alternativa quando nos defrontamos com as inquietudes e com a incensatez do
Legislador Penal brasileiro, e o que é pior, com a reinante omissão do Poder
Executivo, ou suas aberrantes formas de manifestação no que tange ao tema em
testilha, impedindo e/ou atrapalhando a eficácia quando a Lei é boa.
4. Medidas adotadas e reflexos legislativos
As observações acima são de todos conhecidas, e a realidade
mencionada é incontestável.
Por assim dizer, não é possível acreditar que a lástima não
seja do conhecimento do Legislador, tampouco do Poder Executivo. Embora estes
se apresentem completamente impermeáveis, estamos certos de que o conhecimento
é inequívoco.
E quais as medidas adotadas? Afinal, as soluções devem
partir do Estado Legislador e do Estado Administrador. Não tem sentido
responsabilizar e compromissar diretamente a população ordeira e pagadora de
impostos com a solução de problemas de tal magnitude.
Entretanto, o que se evidencia é a constante mudança da
Lei, antes mesmo da implantação da estrutura por ela reclamada, como se a culpa
fosse "apenas" da Lei, e mudando-a o problema se resolvesse.
A título de exemplo, nota-se que o aumento das estatísticas
envolvendo atos infracionais alarma a população e a comunidade jurídica. Ao
invés de se procurar dar eficácia aos dispositivos do ECA, a solução em
discussão é a diminuição da idade penal de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis)
anos, conforme proposta do Deputado Luiz Antônio Fleury (19).
Reduzida a idade penal, em tese teríamos "uma
diminuição nas estatísticas de atos infracionais". Sem, ingressar em
outros questionamentos, inclusive de ordem ética, pergunto: Os estabelecimentos
penais estão em condições de receber a "nova clientela"? Nem é
preciso responder!!!
Sabendo que os estabelecimentos penais estão carentes de
vagas e que é séria a questão da superlotação no sistema fechado, pergunto:
Qual a razão da superlotação no regime mais severo? Uma das respostas pode ser
a falta de vagas no regime semi-aberto. Outra resposta também pertinente, e até
complementadora da anterior, seria a total ausência de estabelecimentos
adequados ao cumprimento de pena em regime aberto. Está fechado o círculo.
A população brasileira aumenta a cada instante. Os
problemas sociais se avolumam na mesma proporção da crescente populacional. A
legislação penal é confusa e, por conseqüência, leva ao descrédito. O
descrédito acarreta a sensação de impunidade. Tal sensação coopera na elevação
dos índices de criminalidade, inclusive e notadamente a reincidente. O sistema
fechado está superlotado especialmente em razão da ausência de vagas no sistema
semi-aberto. O aberto não existe na prática. A redução da idade penal fará
aumentar os índices de criminalidade imputável.
A questão mudará apenas de enfoque, passará do campo da
delinqüência juvenil para o campo da criminalidade imputável e para a questão
penitenciária, que já tem problemas de sobra.
Mas também já se avizinham mudanças na Lei de Execução
Penal (20), como se o problema da questão carcerária decorresse da referida
Lei. E mais uma vez é preciso deitar reflexões sobre a atuação do Poder
Executivo e a questão se impõe: Foram implantados os mecanismos e
disponibilizadas as estruturas necessárias à aplicação dos dispositivos
constantes na Lei de Execução Penal? Obviamente não.
Então vejamos. Antes de se implantar o necessário para a
efetivação das Leis, muda-se o texto legal que está a exigir estrutura
administrativa, protelando-se para nunca os investimentos indispensáveis à
efetivação das disposições normativas.
Anos e anos depois, sem estrutura básica, hábil a
proporcionar a aplicação da Lei, condena-se o Diploma, total ou parcialmente, justificando-se
que ele "não tem alcançado seus objetivos". Ora, é pretender que um
automóvel último modelo, da mais avançada tecnologia, funcione e atinja seu
desiderato sem combustível.
No Brasil havia até pouco tempo atrás um problema grave
decorrente dos "índices" que apontavam um elevado número de crianças
não matriculadas nas escolas. Veio a "solução": o Programa
Governamental "Toda Criança na Escola". E todas as crianças foram
matriculadas. Todavia, as escolas não estavam estruturadas para a nova
clientela e outros problemas surgiram, dentre eles o da repetência. Qual a
solução imposta? Simples. Não é mais possível "repetir de ano" na
rede pública. E assim o Governo "solucionou" a questão da repetência.
Caminhamos assim.
O problema do excesso de processos criminais tramitando nas
Varas e Tribunais, e também a elevação dos índices de reincidência receberam,
em parte, a "solução" advinda da Lei que instituiu os Juizados
Especiais Criminais no âmbito da Justiça Comum Estadual. (21) A questão
carcerária contou com os reflexos da mesma Lei e com a Lei que instituiu as
denominadas "Penas Alternativas". (22)
Temos agora a Lei que instituiu os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal (23), que suscita novas
discussões e que diante de uma visualizada imprecisão técnica, pois para muitos
não delimitou exatamente seu alcance, quando poderia, já fez levantar a voz de
juristas de nomeada, como Damásio E. de Jesus, Luiz Flávio Gomes, Fernando da
Costa Tourinho Filho e Julio Fabbrini Mirabete, entre outros, que passaram a
defender posição no sentido de que em razão do princípio da isonomia, entre
outros argumentos, ampliou-se o rol das infrações de pequeno potencial ofensivo
conforme anteriormente estabelecido no art. 61 da Lei 9.099/95, isso em razão
do disposto no art. 2º da referida Lei (10.259/01), que assim menciona:
"Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos
desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos,
ou multa".
A aceitação da incidência da Lei 10.259/2001 no âmbito da
Justiça Comum Estadual, com o novo parâmetro para a aferição dos crimes de
pequeno potencial ofensivo, sujeitos ao Juizado Especial Criminal, reduzirá o
número de processos criminais em curso no Juízo Comum, desafogando a Justiça,
porém, a prática tem comprovado a total impunidade reinante nos Juizados
Especiais Criminais, sob a égide e nos limites da Lei 9.099/95.
Sob vários aspectos, o projeto de reforma da Parte Geral do
Código Penal é o exemplo mais gritante da prática legislativa casada com a
inércia da Administração Pública no âmbito do Direito Penal.
É sabido que um dos graves problemas pertinentes à execução
penal é a ausência de estrutura, não disponibilizada pela Administração, a
inviabilizar a realização de exame criminológico, conforme determinam os arts.
8º da LEP e 33 do Código Penal. A solução legislativa está caminhando.
Pelo projeto de reforma não haverá mais necessidade de
realização do exame. Ou seja, o legislador foi sábio ao instituir no Código
Penal e na Lei de Execução Penal o exame criminológico, conforme regulado; o
Poder Executivo, entretanto, não viabilizou a estrutura necessária; os índices
de criminalidade aumentam; entende-se que é preciso mudar a Lei de Execução
Penal; o Código Penal, e então, aquilo que demanda investimentos deve ser
retirado da Lei...
Ora, passados mais de 15 (quinze) anos de vigência das Leis
7.209/84 (Nova Parte Geral do Código Penal) e 7.210/84 (Lei de Execução Penal),
o Poder Executivo ainda não proporcionou eficácia à grande maioria dos
dispositivos desta última, e ao invés de se buscá-la, o que demanda
estruturação e investimentos, incentiva e busca a mudança da Lei. Vale dizer, a
Lei será mudada antes mesmo de ter demonstrado para que veio, inobstante o
tempo já decorrido.
Por fim, é preciso dizer que o mesmo ocorreu com a Lei
10.409/2002, a Nova Lei Antitóxicos, que dispõe sobre a prevenção, o
tratamento, a fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao uso e ao
tráfico ilícitos de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem
dependência física ou psíquica, assim elencados pelo Ministério da Saúde.
Antes de se dar eficácia plena à Lei 6.368/76, mudou-se o
seu texto, e pra pior, muito pior.
A Lei 10.409/2002 representa, sem sobra de dúvida, o pior
exemplo da produção desordenada e caótica do Poder Legislativo brasileiro, bem
como a desorientação do Poder Executivo, que não vetou completamente o Projeto
que a ela deu origem, quando deveria.
A realidade é tão escandalosamente evidente que depois de
11 (onze) anos de "estudos e debates" no Congresso Nacional, a Lei
10.409/2002 entrou em vigor no dia 28 de fevereiro de 2002, e já tramita no
Congresso Nacional novo Projeto de Lei (24)para sua modificação, e também da
Lei 6.368/76.
Como tem sustentado o Advogado e Jurista Mineiro Renato de
Oliveira Furtado, parafraseando Monteiro Lobato: "a lei não pode
assemelhar-se com novelo que gato brincou".
5. Considerações finais
O legislador penal brasileiro não adotou nenhuma das
tendências do Direito Penal moderno.
A legislação penal brasileira ora tende para o Direito
Penal Mínimo, ora para o "Movimento de Lei e Ordem", nesta hipótese,
somente por casuísmo, como vem acontecendo a partir dos assassinatos de dois
políticos no Estado de São Paulo. Foi assim, por exemplo, com a inclusão do
crime de homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos, por intermédio da
Lei 8.930/94 (25), após o assassinato de uma atriz contratada por conhecida
emissora de televisão brasileira.
Não é possível conviver harmonicamente em um Sistema Penal
indefinido, sem rumo, perdido, casuísta. As conseqüências estão sendo sentidas
por todos.
Mesmo diante de uma boa legislação, o que a rigor não se
tem produzido na última década, há o problema da inércia do Poder Executivo na
estruturação dos mecanismos que envolvem a Segurança Pública em sentido amplo,
e que passam pela desestruturação das Polícias; do Poder Judiciário e seus
órgãos técnicos; do Ministério Público; do Sistema Carcerário a reclamar estabelecimentos
penais adequados para o cumprimento das penas nos 03 (três) regimes, já que o
fechado e o semi-aberto apresentam sérios problemas decorrentes da ausência de
vagas, e o aberto inexiste na prática (não conta com estabelecimentos); a falta
de pessoal técnico especializado etc, etc. etc.
Assim, alguns problemas de há muito estão a reclamar maior
atenção.
O Poder Legislativo deve preocupar-se com a sua voracidade
legiferante, a gerar uma verdadeira inflação legislativa, e com a reiterada
ausência de técnica demonstrada na elaboração das Leis penais mais recentes,
aprimorando-se em sua função precípua.
O Poder Executivo deve preocupar-se com a eficácia das
Leis, não apenas a eficácia jurídica. Deve implantar mecanismos de efetivação
das normas.
Melhorando a legislação penal brasileira e dando eficácia a
seus dispositivos, a Administração Penal em sentido amplo estará colaborando
significativamente com o combate à criminalidade, com a Justiça, e cumprindo
com responsabilidades que a outrem não pertencem.
Notas
1. Dos delitos e das penas. Trad. Torrieri Guimarães. São
Paulo : Hemus, 1983. p. 92.
2. RT 781/484
3. Artigo citado, RT 773/477.
4. Sem preocupação com a ordem cronológica.
5. Lei 9.455/97.
6. Lei 9.437/97.
7. Lei 9.503/97.
8. Art. 303 do Código de Trânsito.
9. Art. 129, caput, do Código Penal.
10. Art. 140, § 3º, do Código Penal.
11. Art. 121, § 3º, do Código Penal.
12. Redação em conformidade com a Lei 9.426/96.
13. Lei 8.069/90.
14. Lei 9.807/99.
15. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária, vol.1, n. 14, jul/00 a dez/00, p. 105.
16. Lei 9.099/95.
17. Lei 9.714/98.
18. Lei 6.368/76.
19. O Exmo. Dr. Eduardo Reale Ferrari, na condição de
Membro do CNPCP deu parecer desfavorável à proposta legislativa (Processo MJ/GM
08001.003557/00-22). Referido parecer foi aprovado na 266ª Reunião do CNPCP,
realizado em setembro/2000.
20. Lei 7.210/84.
21. Lei 9.099/95.
22. Lei 9.714/98.
23. Lei 10.259/2001.
24. Projeto de Lei 6.108/2002, que altera a Lei 10.409/2002
(Nova Lei de Tóxicos).
25. Também houve imprecisão técnica na Lei, que nada
esclareceu sobre o homicídio qualificado-privilegiado, cumprindo à
jurisprudência tal mister.
Renato Flávio Marcão é sócio-fundador da AREJ (Academia
Riopretense de Estudos Jurídicos), coordenador Cultural da Escola Superior do
Ministério Público do Estado de São Paulo – Núcleo de São José do Rio Preto
(SP), membro da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP), autor dos
livros: Lei de Execução Penal Anotada (São Paulo, Saraiva, 2001), Lei
Antitóxicos Anotada e Interpretada (no prelo).
E-mail: rmarcao@terra.com.br