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A reforma da Parte Geral do Código Penal e os acusados portadores de doença mental
Tratamos aqui de um breve estudo relacionado à reforma da
parte geral do CP, mais especificamente, quanto aos acusados ou condenados
portadores de doença mental.
O projeto prevê algumas alterações fundamentais no tocante
ao prazo da internação (art. 98 PL), que não será superior ao da pena máxima
cominada ao tipo legal de crime. Entretanto, choca-se o próprio PL, com o §
único, do art. 40, que estabelece que o tratamento não ultrapassará o limite da
pena aplicada.
Esses dois dispositivos criarão grandes discussões
acadêmicas, doutrinárias e jurisprudenciais, na medida em que, na hipótese de
incidência de mais de um crime ou, de um crime com aumento especial, irá se
discutir se o prazo diz respeito a apenas um dos crimes e, se assim o for, o
com penalização maior ou o menor e, ainda, se irá ser ou não computada a causa
de aumento especial.
De toda sorte, com a regra estatuída no art. 41, § único,
PL, as dúvidas serão maiores ainda, no sentido de se seguir essa regra, o tempo
da condenação, ou a do art. 98, o da pena máxima para o tipo.
Tais normas atinentes ao doente mental, no processo
criminal, violam, em alguns aspectos, a Lei 10.216, de 06/04/2001, que dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas portadores de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Essa Lei, especial para os
doentes mentais, prescreve as três formas de internação:
1.Voluntária: aquela que se dá com o consentimento do
usuário
2.involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do
usuário e A PEDIDO DE TERCEIRO
3.COMPULSÓRIA: aquela determinada pela Justiça.
Inicia-se aqui um sério obstáculo às regras de medida de
segurança, prescritas no PL da reforma da parte geral do CP.
É absolutamente necessário que o Código Penal regule as
medidas a serem adotadas aos condenados portadores de transtornos mentais.
Porém, S.M.J., por se tratar de normas atinentes mais à saúde pública do que ao
direito criminal, deve o Código se submeter às regras de saúde pública, como
uma verdadeira norma penal em branco. Isto é, respeitadas as regras penais
básicas, tais como a aplicação da medida de segurança, restaria à legislação
especial o seu regramento. O art. 9º, da Lei 10.216, estabelece que a
internação estará terminada ou, por solicitação escrita do familiar ou, quando
estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento. Assim, o que se
verifica nessa legislação especial é, como não poderia deixar de ser, uma
preocupação com a saúde mental do paciente e, portanto, com a saúde pública.
Ora, se esse é o tratamento especial deferido ao doente
mental, não há razões para que a lei penal não o reconheça, deixando para a
legislação especial as regras de saúde pública. Assim, Tomando-se em conta o
estabelecimento de prazo máximo para a subsistência da medida de segurança,
pressupondo-se permanente a doença mental, quando de seu encerramento haverá a
internação de deixar de ser compulsória, passando a involuntária e, por isso,
findável ou com a intervenção da família (o que irá contrariar o interesse
público da medida de segurança) ou com a perícia pelo especialista responsável
pelo tratamento. Nesse último aspecto, haverá confronto entre a Lei 10.216/01 e
o PL. É que o PL prescreve, em seu art. 98, § 1º, que declarada extinta a
medida de segurança (em face do prazo limitado à pena máximo do tipo legal) o
juiz da execução (§ 2º, art. 98) transferirá o internado para tratamento comum
em estabelecimentos médicos da rede pública, se não for suficiente o tratamento
ambulatorial. Contudo, se julgada extinta a medida de segurança, não haverá
mais a responsabilidade da Justiça pelo tratamento do paciente. Na verdade, não
haverá mais competência do judiciário para intervir no tratamento daquele
cidadão. A competência será, daí em diante, da saúde pública. Mas, como irá o
"condenado" ser transferido para o sistema público de saúde: através
de ordem judicial, nos termos do art. 98 e parágrafos, PL. E como a
administração dos nosocômios especializados deverão tomar a internação, nova ou
em continuidade: como uma internação involuntária ou compulsória? Se
involuntária, deverá haver pedido de terceiro. Se compulsória, continuarão sob
as regras do Direito Penal, pelo Juízo das Execuções.
Outrossim, é de se registrar que a Lei 10.216/01, em seu
art. 9º, estabelece que o juiz, para determinar a internação compulsória, de
acordo com a legislação vigente, levará em conta as condições de segurança do
estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e
funcionários. Obviamente tal contexto levará a uma certa dificuldade de
aplicação, até que o sistema esteja devidamente adaptado.
No tocante ao § 3º, do art. 96, do PL, segundo o qual,
extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que
tenha sido imposta, resta antagônico ao art. 3º, da Lei 10.216/01, que prevê
ser obrigação do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a
assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos
mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será
prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições
ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos
mentais. E isso porque, quer a legislação penal, quer o judiciário, também são
o Estado e, por isso, também têm a responsabilidade prescrita pelo art. 3º,
citado.
Esses são alguns aspectos que reputo relevantes, em breve
estudos realizados. Em conclusão, grande parte das controvérsias poderão ser
dirimidas com a inclusão em alguns arts. Do PL, da expressão "observado o
disposto na legislação especial dos direitos e proteção aos portadores de
doença mental".
Retirado: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3238