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Aplicabilidade das penas alternativas a crimes
hediondos
Acórdão do TJ-SC decidindo pela prevalência da Lei
9714/98 sobre a Lei 8072/90, admitindo a possibilidade de substituição de pena
de reclusão do crime de tráfico de entorpecentes por pena restritiva de
direitos.
Elaborado por José Roberge e Nilton Macedo Machado. Colaboração enviada por: Adriana Figueiredo .
Apelação Criminal n. 99.002222-6, da Capital.
Relator: Des. Nilton Macedo Machado.
PROCESSO-CRIME — VINCULAÇÃO DO JUIZ — INEXISTÊNCIA DE
IMPEDIMENTO — SENTENÇA CRIMINAL — JUIZ SUBSTITUTO NÃO VITALÍCIO — VALIDADE.
Nossa lei processual penal não adota o princípio da identidade física do juiz,
nada impedindo que a decisão venha a ser proferida por magistrado diverso
daquele que presidir a instrução.
Os juízes substitutos, mesmo não vitalícios, quando substituindo, têm
"competência plena para praticar todos os atos reservados por lei ao juiz
vitalício" (Lei n. 5.624/76, art. 112).
CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA — NARCOTRAFICÂNCIA — (ART.
12, DA LEI N. 6.368/76) — COCAÍNA — GRANDE QUANTIDADE — PROVA — DEPOIMENTOS DE
POLICIAIS — RÉU VICIADO — CAPACIDADE DE ENTENDIMENTO — CIRCUNSTÂNCIAS DO ART.
37 DA LEI ANTITÓXICOS — CRIME CARACTERIZADO — DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PRÓPRIO
INVIÁVEL — CONDENAÇÃO MANTIDA — CONFISSÃO QUALIFICADA — DISTINÇÃO DA ESPONTÂNEA
— ATENUANTE NÃO RECONHECIDA — EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA
ASSOCIAÇÃO EVENTUAL PORQUE JÁ AFASTADA DO CO-RÉU — PENA ADEQUADA.
LEI PENAL ESPECIAL — REGRAS GERAIS — INTELIGÊNCIA E APLICAÇÃO DO ART. 12, DO
CÓDIGO PENAL.
As regras gerais do Código Penal aplicam-se aos fatos incriminados por lei
especial, salvo se esta dispuser de modo diferente; em caso contrário, quando a
lei especial não ditar regras gerais a respeito dos fatos que descreve, serão
aplicadas as do Código.
PENA CRIMINAL — TRÁFICO DE ENTORPECENTES — RECLUSÃO EM
REGIME INTEGRALMENTE FECHADO (LEI N. 8.072/90) — POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO
POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO (LEI N. 9.714/98) — REQUISITOS.
A Lei n. 8.072/90, que trata dos crimes hediondos e a eles equiparados, proíbe
progressão do regime, concessão de anistia, graça e indulto, assim como de
liberdade provisória, mas não contém comando proibitivo à substituição da pena
privativa de liberdade por restritivas de direitos, nem ao sursis.
Observado o princípio da reserva legal (CF, art. 5º, XXXIX e CP, art. 1º), na
falta de proibição expressa na norma incriminadora especial e diante da nova
sistemática penal advinda com a Lei n. 9.714/98, admite-se, em tese, a
substituição da pena privativa de liberdade aplicada não superior a 4 (quatro)
anos aplicada por crime denominado de tráfico de entorpecentes, por penas
restritivas de direito, chamadas "alternativas", tendo em vista que,
de regra, não são praticados com violência ou grave ameaça à pessoa.
O tratamento mais leve, entretanto, condiciona-se à presença das circunstâncias
objetivas e subjetivas, estas referentes à pessoa do agente e à gravidade do
crime, previstas nos incisos II e III do art. 44 do CP, pois a nova lei
"confia na prudência dos operadores jurídicos", porque cada caso é um
caso e "não se irá valorar do mesmo modo a conduta de um jovem que cede
gratuitamente a droga numa reunião de amigos a outro companheiro, com a conduta
de quem explora o tráfico com ânimo de lucro ou para aliciar menores"
(LUIZ FLÁVIO GOMES).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação
Criminal n. 99.002222-6, da comarca da Capital (1ª Vara Criminal), em que é
apelante Valdir Antônio de Moraes, sendo apelada a Justiça Pública, por seu
Promotor:
ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime,
conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, unicamente para afastar a
causa de especial aumento prevista no art. 18, III, da Lei n. 6.368/76,
adequando-se a pena privativa de liberdade para 3 (três) anos de reclusão em
regime integralmente fechado.
Custas na forma da lei.
Na comarca da Capital, VALDIR ANTÔNIO DE MORAES, ALDO
OTÁVIO DA SILVA, GILSON OTÁVIO DA SILVA E LUÍS GONZAGA LOCH, foram denunciados como
incursos nas sanções do art. 12 c/c art. 18, III, ambos da Lei n. 6.368/76,
porque:
Consta dos autos que em data de 07 de julho do ano em
curso (1998), por volta das 21:00 hs, através do telefone Disk Denúncia,
policiais federais desta Capital receberam informações sobre um descarregamento
de material entorpecente que ocorreria na localidade do Bairro Costeira do
Pirajubaé, nesta comarca, mais precisamente na Rua Jorge Lacerda, defronte a um
telefone público, nas proximidades de um bar, droga esta que chegaria dentro de
um veículo VW/voyage, tipo táxi.
Dirigindo-se para o local, aguardando nas proximidades,
acabaram os agentes policiais por constatarem a chegada do veículo de
características fornecidas, com dois ocupantes no seu interior, na verdade os denunciados
Luís Gonzaga Loch e Valdir Antônio de Moraes, sendo que este último, tão logo o
automóvel parou, entregou um pacote de cor parda a um elemento que saíra do
interior do mencionado bar, este o denunciado Gilson Otávio da Silva, acabou
por repassar o material para um quarto elemento, posteriormente identificado
como o também denunciado Aldo Otávio da Silva, sendo que os policiais após
efetuarem a abordagem dos mesmos acabaram por constatar no interior do referido
invólucro, acondicionada em dois sacos plásticos, uma quantidade total de
348,0g (trezentos e quarenta e oito gramas) de cocaína, droga entorpecente
capaz de causar dependência física e psicológica.
O processo foi desmembrado para que Valdir Antônio de
Moraes fosse submetido a exame de dependência toxicológica.
Processado regularmente (preso desde o flagrante) restou
condenado ao cumprimento da pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime
fechado e pagamento de 68 (sessenta e oito) dias-multa, cada dia no valor
mínimo legal, vigente à época dos fatos, por infração ao art. 12 c/c art. 18,
III, da Lei n. 6.368/76, sendo imposto, ainda, tratamento ambulatorial (art.
11, da mesma lei), haja vista o exame de dependência toxicológica ter
demonstrado ser ele dependente em grau leve ao uso de tóxicos; foi-lhe
concedido o direito de recorrer em liberdade.
Irresignado, apelou o condenado, argüindo,
preliminarmente, nulidade da sentença por inobservância do princípio da
identidade física do juiz; descumprimento do disposto no par. único do art.
248, do Código de Divisão e Organização Judiciária; ausência de fundamentação e
falta de apreciação de tese defensiva, verberando, ainda, contra a aplicação do
art. 11 da lei especial.
No mérito, pleiteou a absolvição, ao argumento da anemia
probatória, ou, alternativamente, a desclassificação do delito para o art. 16
da Lei de Tóxicos. Pugnou, ainda, pelo reconhecimento da atenuante da confissão
espontânea; afastamento da causa especial de aumento insculpida no artigo 18,
inciso III, da lei especial e aplicação da substituição de pena prevista na
nova Lei n. 9. 714/98.
Após as contra-razões, os autos ascenderam a esta
Instância, manifestando-se a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da
lavra do Dr. Anselmo Jerônimo de Oliveira, pelo conhecimento e não provimento
do recurso.
É o relatório.
1. As nulidades suscitadas não têm acolhida, porque:
1.1. O simples fato de um magistrado ter presidido a
instrução criminal e outro prolatado a sentença, não torna o julgamento nulo,
uma vez que é sabido que no processo penal não vigora o princípio da identidade
física do juiz.
Há correntes que sustentam aplicação deste princípio no
processo penal, como o ilustre magistrado e professor doutor MARCO ANTÔNIO
MARQUES DA SILVA, que entende ser necessária a observância ao princípio da
identidade física do juiz, não como mais uma regra processual, mas como um
instrumento na busca da verdade real, embora tanto em leis como em projetos de
lei, dita vinculação no campo penal, nunca vingou (A Vinculação do Juiz no Processo
Penal, SP: Saraiva, 1993).
É da jurisprudência:
"Nossa lei
processual penal não adota o princípio da identidade física do juiz. Assim,
nada impede que a decisão venha a ser proferida por magistrado diverso daquele
que presidir a instrução e audiência de julgamento" (JTACRrim/SP -
LEX, 51/263).
No Supremo Tribunal Federal, vide RTJ, vols. 53/652 e
79/326, dentre outros.
Nesta Corte já se decidiu, em acórdão deste Relator, na
Apelação Criminal n. 34.240, de São José:
"PROCESSO -
CRIME - VINCULAÇÃO DO JUIZ - INEXISTÊNCIA.
"Nossa lei
processual penal não adota o princípio da identidade física do juiz, nada
impedindo que a decisão venha a ser proferida por magistrado diverso daquele
que presidir a instrução".
Idem Ap. Crim. n. 30.341, de Imbituba, Rel. Des. Cláudio
Marques, j. em 4.10.93.
E, do corpo de acórdão desta Câmara:
"(...)
rejeita-se a alegada nulidade da sentença em razão da identidade física do
juiz, trazida por Reginaldo Antônio Sobrinho. É que o princípio é inaplicável
no processo penal eis que, não se tratando da aferição da periculosidade para
fins de imposição de medida de segurança, não há vinculação do juiz que
interrogou o réu e presidiu a instrução criminal, inclusive no sumário, porque,
no processo penal não introduziu a lei adjetiva, o princípio do juiz certo.
Neste sentido JUTACrim. 9/49; 10/108 e outras" (Ap. crim. n.
27.135, de São Francisco do Sul, Rel. Des. José Roberge, j. em 21 de junho de
1991).
A argüição de ofensa ao "princípio da
concentração" cai por terra diante do § 3º, do art. 23, da Lei n.
6.368/76, que, tivesse sido lido pelo apelante, evitaria alegações inúteis.
1.2. Igualmente improcede o argumento da incompetência do
magistrado por tratar-se de juiz substituto, pois este, ainda que não
vitaliciado, exerce a função jurisdicional em toda a sua extensão, não
existindo qualquer óbice legal que o impeça de prolatar sentenças em processos
criminais.
A lei é clara sobre o tema, determinando que os juízes de
direito, substitutos ou não, "mesmo que não hajam adquirido a vitaliciedade,
poderão praticar todos os atos reservados por lei aos juízes vitalícios"
(art. 22, da LOMAN ainda em vigor); ademais, o art. 112 da Lei 5.624/76, dispõe
que "o juiz de direito substituto não vitalício (..), tendo competência
plena para praticar todos os atos reservados por lei ao juiz vitalício".
De outra parte, a defesa não logrou trazer nenhuma prova
da alegação de que o ilustre magistrado a quo teria acumulado várias
varas simultaneamente, fato que, em tese, poderia contrariar ao disposto no
par. único do art. 248, da Lei n. 5.624/97, mas não o impedia de sentenciar.
1.3. Em confusas razões, pleiteia-se, também, nulidade da
sentença por ausência de fundamentação e falta de apreciação de tese defensiva.
Todavia, razão ainda não lhe assiste, pois o jovem e
ilustre magistrado fundamentou sua sentença com propriedade, cotejando os
elementos de convicção trazidos aos autos, examinando os escólios doutrinários
e entendimentos jurisprudenciais aplicáveis à espécie, demonstrando os
fundamentos, fáticos e jurídicos, de sua decisão; nenhum ponto ficou sem
apreciação.
Especificamente em relação à alegada falta de apreciação
da tese defensiva (da não caracterização do art. 14 da Lei de Entorpecentes),
tem-se tal pleito como despropositado, porquanto o magistrado, expressamente,
afastou este delito autônomo pelo fato de o réu não ter sido dado como incurso
na prática deste crime (fls. 198), não obstante tenha colacionado os
ensinamentos doutrinários que sustentam a não caracterização do referido tipo
diante da ausência do animus associativo estável, demonstrando, com
isto, que a conduta do apelante caracterizava, ao contrário, tão-só a causa de
especial aumento prevista no art. 18, inc. III da Lei 6.368/76 (e não o crime
autônomo previsto no art. 14 do mesmo diploma legal).
Assim, não procedem as preliminares argüidas pelo
apelante.
2. No concernente ao mérito da quaestio, a
materialidade está consubstanciada no laudo de constatação de fls. 17 e laudo
pericial de exame em substância de fls. 44/45, enquanto a autoria do delito
imputado ao apelante está lastreada em amplo acervo probatório, suficiente para
a formação da certeza necessária à prolação do decreto condenatório.
Vejamos.
No dia 07 de julho de 1998 as autoridades policiais
receberam denúncia anônima dando conta que seria realizada uma operação de
compra-e-venda de substâncias entorpecentes, e que o vendedor de drogas
dirigir-se-ia ao local de táxi, em veículo do tipo VW/Voyage branco.
Seguindo as orientações fornecidas pela denúncia, os
policiais federais vigiaram o local onde seria realizada a transação um bar
localizado na Rua Jorge Lacerda presenciando, então, a chegada do referido
automóvel táxi, quando seu passageiro, o apelante Valdir Antônio de Moraes,
dele desceu e entregou um pacote de cor parda a uma pessoa que estava no
estabelecimento comercial.
Ato contínuo, os agentes policiais abordaram os suspeitos
e constataram que, dentro do pacote conduzido por Valdir e lá entregue, estavam
acondicionados dois sacos plásticos contendo 348g (trezentos e quarenta e oito
gramas) de cocaína.
Embora nada tenha declarado na fase inquisitorial, pois
utilizou seu direito ao silêncio, o apelante confirmou, em juízo, que portava a
substância ilícita, afirmando, contudo, que o entorpecente destinava-se, unicamente,
a seu uso próprio: "que adquiriu a droga de um tal de Jorginho, na subida
do Morro do 25, na rua; que adquiriu a droga para consumo próprio já que o
interrogando é viciado" (fls. 93).
Submetido ao exame de dependência toxicológica,
concluiu-se por sua responsabilidade penal, afirmando-se que o examinado
possuía, ao tempo do fato, plena capacidade de entender a ilicitude de sua
conduta e de determinar-se de acordo com este entendimento (fls. 150).
O depoimento do policial Jorge Aírton Leão Ortiz confirmou
que Valdir Antônio de Moraes detinha o pacote da droga ilícita consigo,
passando-a ao terceiro (Gilson), conduta esta tipificada no art. 12 da Lei n.
6.368/76.
Sobre a validade dos testemunhos de policiais, o
entendimento pretoriano é reiterado que "o testemunho policial não pode
ser rejeitado pela só condição funcional do depoente, merecendo valor probante
se isento de má-fé ou suspeita" (JC 62/283).
Dessarte, tem-se como incontroversa a posse pelo réu da
substância estupefaciente (que a transportou e entregou ao co-réu), havendo
contestação apenas no que se refere à sua destinação = uso próprio ou não.
3. Neste tópico, desde logo tem-se que não procede a
pretensão de desclassificação do delito do art. 12, da Lei n. 6.368/76, para o
previsto no art. 16 do mesmo diploma legal, pois a destinação à terceiros
transparece clara nos autos, realçando-se da observação da norma contida no
art. 37, da repetida lei de tóxicos, no sentido de que a "caracterização
dos crimes definidos nesta Lei, a autoridade atenderá à natureza e à quantidade
da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação
criminosa, às circunstâncias da prisão, bem como à conduta e os antecedentes do
agente".
Assim, no tocante à natureza e quantidade da substância, os
autos revelam que o apelante detinha consigo 348g (trezentos e quarenta e oito
gramas) de cocaína, vale dizer, quantidade excessiva para admitir-se que a
destinava exclusivamente para seu próprio consumo, concluindo-se logicamente
que só poderia ter a finalidade do comércio ilegal.
Esta Câmara já decidiu:
"Narcotraficância
- Apreensão de grande quantidade de substância entorpecente - Confissão da
propriedade - Depósito e guarda do estupefaciente - Réu que se declarou viciado
- Exame toxicológico concluindo pela dependência do apelante em relação à
maconha em grau moderado - Circunstâncias do art. 37 da Lei n. 6.368/76 que
indicam a caracterização do delito descrito no art. 12 da Lei de Tóxicos -
Absolvição ou desclassificação para crime menos grave (art. 16) impossível -
Condenação mantida" (Ap. Crim. n. 98.010394-0, de Itajaí, Rel. Des.
Jorge Mussi, j. em 22 de setembro de 1998).
Da mesma forma, as condições de desenvolvimento da ação
criminosa também denotam que a posse da droga ilícita não visava a auto-satisfação,
mas sim à narcotraficância, pois o apelante não ficou com o pacote consigo,
entregando-o para o co-denunciado Gilson Otávio da Silva, que, por sua vez,
estava plenamente ciente do conteúdo ilícito daquele pacote, eis que tentou
livrar-se do mesmo quando foi abordado pelos policiais.
Destaque-se que por uma das versões apresentadas pela
defesa, aduzindo que o apelante seria apenas um laranja a serviço do real
traficante (fls. 216), por si só, já bastaria para determinar a
narcotraficância, pois incide nas penas previstas no art. 12 da Lei Antitóxicos
todo aquele que transporta ou traz consigo substância entorpecente para
terceiro, não sendo necessária prova da mercancia.
A propósito, vale colacionar, do Colendo Supremo Tribunal
Federal:
"Não é necessária,
para a consumação do tipo previsto no art. 12 da Lei n. 6.368-76, a consumação
da venda da substância entorpecente, bastando tê-la o agente em depósito, com
essa finalidade" (RTJ, 167/243).
Por outro lado, a outra afirmação (contraditória) também
apresentada pelo apelante, fundada no argumento de que a cocaína era sua e
"tinha a intenção de deixar o pacote com Gilson, por alguns instantes, já
que não queria chegar em casa com a droga" (fls. 93) não merece crédito
por tentar excluir o fato de que inevitavelmente ele teria que, em algum
momento, levar o pacote para sua residência, pois se realmente fosse viciado,
onde consumiria tanta droga? E porque não queria levá-la naquele instante?
Não bastasse, há outro indício veemente que comprova a
correta capitulação dada em primeira instância, decorrente das circunstâncias
da prisão do apelante, resultado da confirmação de denúncias anônimas que
indicaram a forma precisa de como a transação criminosa ocorreria, apontando o
local e o veículo utilizado para o transporte da droga.
Assim relatou Roberto Mário da Cunha: "através do
Disk Denúncia receberam a informação anônima de que em uma rua da Costeira,
haveria uma negociação de drogas envolvendo dois elementos que se encontravam
dentro de um táxi e mais dois que aguardavam no local" (fls. 177).
De outra parte, o fato de o apelante ser viciado não
afasta a sua qualidade de narcotraficante, sendo da lição do mestre VICENTE
GRECO FILHO que "a lei, ao contrário de confundir, distinguiu o vício, que
é o uso da droga que determinou dependência física ou psíquica (toxicomania),
da alteração que esse estado físico e mental causa em relação ao discernimento
intelectivo e volitivo, porquanto nem todo vício (= dependência = toxicomania)
provoca a supressão do entender ou do querer a prática delituosa: venda,
guarda, posse, compra etc. de entorpecentes. A pergunta que deve fazer o Juiz,
baseado em laudos médicos-legais, para absolver o réu é a seguinte: ele é
viciado (dependente) e além disso não tinha, in casu, a capacidade de
entender ser lícita a posse ou comércio de entorpecentes ou de determinar-se
segundo esse entendimento? Pode, perfeitamente, um viciado (dependente) manter
o entendimento de que a venda de entorpecente é lícita, podendo resistir à
vontade de vendê-lo" (Tóxicos, Prevenção - Repressão, 7ª ed., 1991, p.
137).
A jurisprudência desta Corte não destoa:
"Se a
dependência ao uso de tóxico não ocasiona supressão da capacidade de
entendimento e autodeterminação, comprovando sua capacidade intelectiva e
volitiva, vale dizer, o viciado (dependente) mantém o entendimento de que a
venda do entorpecente é ilícita, podendo resistir à vontade de vendê-lo, deverá
ser condenado como qualquer outro criminoso, porque o dependente pode ser
traficante" (Ap. Crim. n. 97.015114-4, de Biguaçu, deste relator,
j. em 10 de março de 1998).
Vê-se claramente que, embora seja dependente (conforme o
laudo respectivo) e não tenha sido colhido em ato mercantil (como reclamou), o
apelante detinha a substância ilícita com o propósito de comercializá-la, fato
demonstrado pelo conjunto de circunstâncias e indícios presentes nos autos,
todos firmes e convergentes apontando a real finalidade da droga apreendida.
Em casos como o dos autos, nesta Câmara já se fixou:
"Para a
tipificação do tráfico do artigo 12, da lei própria, não é exigido que o
infrator seja colhido no próprio ato de mercancia. A certeza que a condenação
exige pode emergir do conjunto de circunstâncias e indícios que cercam o
indivíduo" (Ap. Crim. n. 32.615, de Laguna, Rel. Des. José Roberge,
j. em 24 de fevereiro de 1995).
Por estes motivos, improcedem os pleitos de absolvição e
para desclassificação.
4. A defesa também se rebelou contra a aplicação do
tratamento previsto no art. 11 da Lei de Tóxicos, por entender que esta medida
implicaria em dupla punição ao condenado; entretanto, este raciocínio é
completamente infundado e decorrente de erro do causídico ao afirmar que o
tratamento ambulatorial implicaria em aplicação de medida de segurança prevista
no Digesto Penal.
Neste momento, faz-se necessário relembrar que referido
dispositivo prescreve que "ao dependente que, em razão da prática de
qualquer infração penal, for imposta pena privativa de liberdade ou medida de
segurança detentiva será dispensado tratamento em ambulatório interno do
sistema penitenciário onde estiver cumprindo a sanção respectiva".
Ora, o exame do texto legal indica, claramente, que o
tratamento ambulatorial deverá ser prestado tanto aos casos de imposição de
reprimenda privativa de liberdade quanto nas hipóteses de cumprimento de medida
de segurança, não existindo, portanto, diante da clareza do texto, qualquer
incompatibilidade ou dupla sanção com o tratamento imposto para tentar
excluí-lo do vício.
Constata-se, aqui, ser o pleito defensivo contrário aos
interesses do próprio apelante, pois o tratamento ambulatorial é medida
benéfica, pois visa não só minorar os efeitos da abstinência durante o período
em que o usuário dependente de entorpecentes cumpre pena privativa de
liberdade, como procurar livrá-lo do terrível mal.
5. A pretensão ao reconhecimento da atenuante da confissão
espontânea não pode ser acolhida, não só porque a pena-base foi fixada no
mínimo legal, estando impedida redução abaixo desse patamar, assim como embora
reconhecida a posse, o apelante negou que a substância estupefaciente fosse
destinada ao narcotráfico, afirmando que detinha o entorpecente para uso
próprio.
Não custa lembrar que preso em flagrante por diversos
policiais, seria impossível negar a posse da substância ilícita, e, portanto, a
admissão deste fato em nada indica que o apelante tinha a intenção real de
auxiliar na busca da verdade.
Ao revés, assim agindo, o apelante não confessou os fatos
incriminadores na extensão real dos acontecimentos e imputados na denúncia,
tentando, ao contrário, dar versão irreal para, com isto, afastar a reprimenda
penal iminente, com o que pode-se configurar, no caso, a chamada confissão
qualificada (ou limitada), assim conceituada por antiga e sólida doutrina:
"Confissão
qualificada é a que não compreende o crime em toda a sua extensão, ou não
assinala certos caracteres do fato incriminado, ou, ainda, a que contém certas
restrições, que impedem os seus efeitos quanto à aplicação da pena, ou tem por
fim provocá-la menos rigorosa. A apreciação desta confissão é coisa
particularmente delicada.
"Essa
definição comum, compreende-se, abrange uma multidão de casos. Tal é a
confissão em que o crime confessado é menos grave que o imputado; outras vezes
o acusado, reconhecendo a existência de certos fatos acessórios, nega outros,
cuja não existência destrói a possibilidade do crime, (grifei) ou lhe atenua a
natureza..." (C.J.A. MITTERMAIER, Tratado da Prova em Matéria
Criminal, 3ª ed., Bookseller, 1997, p. 216).
O Supremo Tribunal Federal, em caso semelhante ao dos
autos, já afirmou:
"Não
configura confissão espontânea procedimento que, visando demonstrar o simples
consumo de tóxico, apenas alcança a admissão do porte, não se estendendo à
quantidade encontrada na residência do réu. A confissão espontânea suficiente a
ensejar a observância da atenuante é aquela se revela quanto à imputação"
(STF HC 71334/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 19.5.95, p. 13994).
No mesmo rumo, esta Corte já decidiu:
"REVISÃO
CRIMINAL (...) ADMISSÃO DO FATO MAS SEM A CARACTERIZAÇÃO DO TIPO HIPÓTESE QUE
DESCONFIGURA A CONFISSÃO ESPONTÂNEA PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
"(...).
" Não deve
ser considerada na fixação da pena a atenuante da confissão espontânea prevista
no art. 65, III, d, do CP, se no interrogatório do réu este não assinala certos
caracteres do fato criminoso, ou seja, limita-se à confissão qualificada
(Ementa da Redação - RT 741/558 - STF - HC 74.148-7/GO - 2ª T. - j. 17.12.1996
- rel. Min. Carlos Velloso
- DJU 21.3.1997).
"Estupro em
que o réu admitiu a prática de relações sexuais, mas justificou-se negando a
grave ameaça (Rev. Crim. n. 97.007962-1, de Chapecó, Rel. Des. Amaral e
Silva, j. em 29 de outubro de 1997).
Assim, também não procede este pleito recursal.
6. No pertinente à causa de especial aumento insculpida no
art. 18, III, da Lei n. 6.368/76, o apelo deve vingar porquanto este aumento
legal foi afastado, por maioria de votos quando do julgamento da apelação dos
demais co-denunciados — Aldo Otávio da Silva, Gilson Otávio da Silva e Luís
Gonzaga Loch — sendo impossível a manutenção do reconhecimento de vínculo
associativo apenas para o apelante quando, para aqueles, já não existe tal
relação fática.
Com efeito, foram absolvidos Aldo Otávio da Silva (em
primeira instância) e Luiz Gonzaga Loch neste Tribunal (Ap. Crim. n.
98.017062-1) e, no tocante ao único co-denunciado efetivamente condenado,
Gilson Otávio da Silva, a causa de aumento especial prevista no art. 18, III,
da Lei 6.368/76 foi afastada (Ap. Crim. n. 98.017062-1), vencido este relator
que a mantinha.
Assim, não existindo associação eventual dos
co-denunciados com o apelante, é lógico e irrefutável que também não haverá
vínculo entre este e aqueles, e, por este motivo, afasta-se o aumento especial
previsto no art. 18, III, da Lei n. 6.368/76, adequando-se a pena irrogada em
primeira instância para o montante de 3 (três) anos de reclusão, em regime
integralmente fechado.
7. Por fim, no tocante ao pleito de substituição da pena
privativa de liberdade imposta, a ser cumprida em regime integralmente fechado,
por restritivas de direito nos moldes fixados pela Lei n. 9.714/98, tem-se que
tal providência é possível, em tese, porquanto a lei nova, posterior ao crime
imputado ao apelante, tem efeitos e conseqüências benéficas, especialmente
porque evita o encarceramento.
Discorrendo sobre quando a lei penal pode ser considerada
mais favorável, o Prof. RENÉ ARIEL DOTTI, citando MAGGIORE (Principii di
diritto penale. Bologna: Nicola Zanichelli Editore, 1961. Vol. I, Tomo 1º,
p. 152), afirma que isto ocorre quando, dentre outras disposições, tratar de
"diversa determinação da espécie e duração da pena e dos efeitos
penais" (A Retroatividade da Lex Mitior e o Critério da Combinação
de Leis, apud JUSTIÇA PENAL, v. 10, p. 344).
É o caso dos autos: lei nova, com diversa determinação da
espécie da pena.
Não há dúvida que a lei posterior que, de qualquer modo,
beneficiar o réu (lex mitior), deve ser aplicada imediatamente,
inclusive com efeito retroativo por ser direito e garantia individual
consagrado na Constituição (A lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu - CF, art. 5º, XL) e no Código Penal (art. 2º e par.
único), justificando-se a sua aplicação em qualquer circunstância ou estágio do
processo, assim como aos fatos já decididos com sentença condenatória
transitada em julgado.
Diante da importância do tema suscitado, deve ser bem
analisada a possibilidade da substituição pleiteada aos casos de crimes
hediondos e aos a eles equiparados, em especial de tráfico ilícito de
entorpecentes para, após, determinar-se se ela pode, ou não, ser operada no
caso dos autos.
O texto constitucional, norma fundamental e sustento de
validade de todo o ordenamento pátrio, deve ser analisado sistematicamente,
cotejando-se seus artigos e seus significados para, então, extrair-se as
conseqüências jurídicas dele advindas, garantindo-se, sempre, os valores
supremos que orientam o Estado Democrático de Direito: exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça (preâmbulo da CF).
A violação de "um princípio é muito mais grave que
transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não só
a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a
mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, por que representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço
lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendendo,
abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda estrutura nela esforçada"
(CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo, 5ª ed., p.
451).
Nesse vértice, o magistrado como membro de um Poder e,
como tal, representante do próprio Estado, deve observar e garantir,
primordialmente, os valores e princípios norteadores da Carta Magna, dela
destacando-se a garantia de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa se não em virtude de lei (art. 5º, II), e que não haverá
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art.
5º, XXXIX).
A pena, inserida nos dispositivos constitucionais citados,
é usada em sentido amplo, significando não só aquela sanção imposta pela
prática de conduta tipificada como crime, mas também reprimenda aplicada ao
indivíduo que descumpre qualquer outro preceito legal, seja civil,
administrativo, etc..
Quanto às penas decorrentes da prática de crimes, não
custa lembrar que a Carta elenca no art. 5º, XLVI, o rol daquelas que a lei
individualizará, dentre outras: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda
de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição
de direitos.
O Código Penal, por sua vez, como lei geral, em simetria
com o comando constitucional, dividiu-as em privativas de liberdade,
restritivas de direitos, e multa (art. 32), regulando a forma de imposição e
substituição, ditando também as regras básicas pelas quais deverão ser
executadas (a especificação da execução está na Lei de Execução Penal),
destacando-se que são reprimendas distintas, possuindo, cada qual,
características próprias e diferenciadas entre si.
A nova redação do art. 44, do Código Penal, advinda com a
Lei n. 9.714/98 (em complemento à reforma penal procedida com a Lei n. 7.209/84
- vide Exposição de Motivos da nova parte geral do Código Penal, ítem 29), fixa
requisitos objetivos e subjetivos para substituição da pena privativa de
liberdade pelas restritivas de direito (alcunhadas doutrinariamente de
"penas alternativas"), tendo-se como condições objetivas, que sempre
deverão ser cumpridas: a) pena inferior ou igual a 4 (quatro) anos, se o crime
for doloso; b) crime praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa; c) réu
não reincidente em crime doloso.
Cumpre observar no tocante à reincidência, que havendo
condenação anterior e não se tratando de réu reincidente específico, ainda
assim poderá obter a substituição desde que presente um elemento subjetivo
adicional: a medida seja socialmente recomendável (§ 3º, art. 44).
De outra banda, o requisito subjetivo que sempre deverá
ser observado para determinação da substituição é a suficiência desta operação,
verificada a partir da análise dos seguintes elementos: a) culpabilidade, b)
antecedentes, c) conduta social e a personalidade do condenado, d) motivos e as
circunstâncias e do crime.
Expressamente prevista no Código Penal (derivada do
comando constitucional), a substituição de pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos não se subordina ao cumprimento ou preenchimento de
quaisquer outros requisitos que não sejam aqueles já enumerados, sendo certo
que as normas fixadas neste diploma legal, como lei geral, são aplicáveis aos
fatos incriminados em leis especiais, se estas não regularem a matéria dispondo
de forma diversa (art. 12, do CP).
Este dispositivo (art. 12, CP) não suscita qualquer
dúvida, tendo a doutrina assentado, com firmeza:
"A essas
leis, a menos que disponham de forma diferente, aplicam-se as regras gerais do
Código Penal, não apenas as contidas em sua Parte Geral, como também as que se
encontram na Parte Especial, como a que conceitua funcionário público, por
exemplo (art. 327)" (EDMUNDO JOSÉ DE BASTOS JÚNIOR, Código Penal em
Exemplos Práticos, Florianópolis: Ed. Terceiro Milênio, 1998, p. 30).
DAMÁSIO E. DE JESUS já comentou, incisivamente, na mesma
linha:
"Regras
gerais do Código são as normas não incriminadoras, permissivas ou
complementares, previstas na Parte Geral ou Especial. Em regra, estão contidas
na Parte Geral, mas também podem estar descritas na Especial (ex: conceito de
funcionário público - art. 327). Por outro lado, a legislação especial,
conjunto de leis extravagantes, também pode conter regras gerais diversas das
do Código. Neste caso, prevalecem aquelas. Em caso contrário, quando a lei
especial não ditar regras gerais a respeito dos fatos que descreve, serão
aplicadas as do Código" (Direito Penal, 13ª ed., SP: Saraiva, 1988,
v. 1, p. 127-128).
Pois bem, a Lei n. 8.072/90, que é especial, definiu os
crimes hediondos e seus equiparados, dentre eles o tráfico ilícito de
entorpecentes, aumentou as sanções penais e proibiu expressamente a concessão
de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade provisória, acrescentando que o
cumprimento da pena privativa de liberdade imposta deverá se dar em regime
integralmente fechado (art. 2º, I, II e §1º), nada dispondo quando à
impossibilidade ou incompatibilidade tanto de suspensão condicional da execução
da pena (sursis), muito menos de substituição por penas restritivas de direito.
Desse modo, diante da omissão da lei especial (que
não pode ser entendida como "lacuna no processo de auto-integração da
lei", como lecionou WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, in Curso de
Direito Civil, Parte Geral, 17ª ed., SP: Saraiva, 1978, p. 38) as regras gerais
do Código Penal referentes à aplicação e dosimetria da pena, inclusive as
atinentes à substituição das penas privativas por restritivas de direito, são
aplicáveis aos crimes de que trata a Lei n. 8.072/90 (claro excluídos aqueles
cujas penas aplicadas excedam de 4 anos e aos praticados mediante violência ou
grave ameaça à pessoa), com as ressalvas explícitas contidas no art. 2º, I, II
e § 1º.
A previsão na lei especial de regime integralmente fechado
para cumprimento da pena de reclusão, em nada impede a possibilidade de sua
substituição por penas restritivas de direito, porquanto tratam-se de coisas
distintas e independentes entre si, de exame sucessivo no art. 59, do CP,
devendo a viabilidade de substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direito ser verificada obrigatória e subseqüentemente, de ofício
(inciso IV), somente após quantificada aquela e fixado seu regime (inciso III).
Sobre este tema leciona, com precisão, LUIZ FLÁVIO GOMES:
"As penas
substitutivas e particularmente as restritivas não admitem sursis, que
somente é cabível em relação à execução da pena privativa de liberdade, nos
termos do art. 77 do CP (v. TACrimSP, rel. Silva Pinto, in RT 631, p.
312 e ss.). Penas restritivas e sursis, aliás, são conceitos
excludentes, porque este somente pode ter incidência quando 'não seja indicada
ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código' (CP, art. 77, III).
Como se vê, a preferência deve ser dada à substituição da prisão por outra pena
alternativa. Não sendo 'indicada' ou 'cabível' essa substituição, então deve-se
averiguar a pertinência do sursis" (Penas e Medidas
Alternativas à Prisão, SP:RT, 1999, p. 106).
A propósito, decidiu-se, recentemente nesta Câmara, em
acórdão da lavra deste Relator:
"PENA
CRIMINAL. SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO OU CONCESSÃO DO SURSIS.
SEQÜÊNCIA LEGAL A SER OBSERVADA.
"Quando da
aplicação da pena privativa de liberdade, obedecida a seqüência prevista no
art. 59, do CP, ou seja, após quantificá-la observando as três fases exigidas
pelo art. 68, do CP, o juiz deve fixar o regime inicial de seu cumprimento
(inciso III c/c art. 111, da LEP) para, depois examinar obrigatoriamente,
conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, a
substituição "por outra espécie de pena, se cabível (inciso IV); o exame
sobre a possibilidade de concessão do sursis somente ocorre após verificar
não ser indicada ou não cabível a substituição anterior (CP, art. 77, inciso
III) (Ap. Criminal n. 99.002676.0, de Itajaí, j. em 13 de abril de
1999).
Bem por isto, de forma garantista e favorável ao agente,
anteriormente à Lei n. 9.714/98, diante da ausência de proibição expressa na
Lei n. 8.072/90, já se concedia a suspensão condicional da execução da pena (sursis)
aos condenados por crime hediondo mesmo que praticado com violência ou grave
ameaça à pessoa, como nos casos de estupro na modalidade tentada (quando a pena
ficava no patamar de dois anos de reclusão), valendo citar precedente mais
recente do colendo Superior Tribunal de Justiça:
"PENAL E
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.
ESTUPRO TENTADO. AUMENTO DO ART. 9º DA LEI N. 8.072/90. SURSIS.
"I - O acréscimo de pena
previsto no art. 9º da Lei n. 8.072/90 somente se aplica na eventualidade de
lesão corporal grave ou morte. Precedentes.
"II - Desde que preenchidos
os requisitos legais, a serem verificados via de cognição mais ampla, o sursis
pode ser concedido em caso de ilícito penal qualificado de hediondo.
Precedentes" (HC n. 7919/SP (98/0063715-0), rel. Min. Félix
Fischer, DJU 22.2.99, p. 00114).
Neste Tribunal de Justiça também já se decidia neste sentido, como se vê
das Apelações Criminais ns. 33.175, de São Carlos, rel. Des. Álvaro Wandelli
(j. em 28.8.95, in DJ n. 9.355, de 10.11.95, p. 12) e 97.003588-8, de
Mafra, rel. Des. Amaral e Silva, j. em 10.6.97, com a seguinte chamada na
ementa:
"Estupro. Tentativa. Vítima
menor de 14 anos. Presunção de violência. Prova. Declarações da ofendida e de
sua mãe. Admissibilidade. Condenação mantida. Precedentes jurisprudenciais.
Recurso parcialmente provido para a concessão do sursis".
Especificamente em crimes contra a saúde pública, na espécie tráfico
ilícito de entorpecentes, para que não se diga da inexistência de
precedente, não fossem os argumentos já expendidos, registra-se valioso julgado
concessivo de sursis em rara hipótese de reconhecimento de tentativa
(com o que a pena ficou em quantum que admitia a suspensão trazendo a obrigação
de ser examinada sua concessão ou não), da lavra do eminente Des. José Roberge,
com a seguinte ementa:
"CRIME CONTRA A SAÚDE
PÚBLICA. ARTIGO 12, PARTE FINAL (ADQUIRIR SEM AUTORIZAÇÃO OU EM DESACORDO COM A
DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR) DA LEI DE TÓXICOS. AUTORIA E MATERIALIDADE
COMPROVADAS.
"TENTATIVA. O réu exauriu os
atos de execução, e não meros atos preparatórios, não chegando ao seu final,
por circunstâncias alheias a sua vontade, haja vista que o destinatário que
seria mera peça no esquema, assustado com a quantidade do remédio e a
qualidade, comunicou à polícia.
"RECURSO PRETENDENDO A
ABSOLVIÇÃO, OU, ALTERNATIVAMENTE, A DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA ESTELIONATO
NA SUA FORMA TENTADA. IMPOSSIBILIDADE. Incabível a desclassificação pretendida,
pois a verdadeira intenção do agente, não era obter vantagem em prejuízo de
outrem, mas sim, o fornecimento, sem nota fiscal, dos medicamentos controlados
pelo ministério da saúde, evitando a fiscalização.
"CONCESSÃO DO SURSIS.
ADMISSIBILIDADE. A LEI QUE DEFINE O CRIME HEDIONDO NÃO INIBE A CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO. NÃO SE PODE DAR INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA, A REFLETIR ANALOGIA IN
MALAM PARTEM, DE FORMA A AFLIGIR A SITUAÇÃO DO CONDENADO. O QUE O
DISPOSITIVO EM ANÁLISE VEDA É A ANISTIA, A GRAÇA, O INDULTO E A PROGRESSÃO DE
REGIME, MAS NÃO O SURSIS. SE TAL FOSSE, ESTARIA EXPLÍCITO NA REDAÇÃO DO
TEXTO LEGAL, NÃO SE PODENDO DAR A ELE UMA INTERPRETAÇÃO VIRTUAL"
(Ap. Criminal n. 33.846, de São José, j. 16 de abril de 1996).
Do corpo do acórdão traz-se a fundamentação garantidora do benefício por
falta de proibição expressa na norma incriminadora, cuja argumentação é
aplicável como luva à hipótese em exame:
"No que pertine à concessão
do benefício do sursis, esclarece-se que o recorrente foi condenado por
infração ao artigo 12, porém na sua forma tentada. Conforme salienta o doutor
Maurílio Moreira Leite, em seu parecer 'embora exista corrente asseverando a
impossibilidade da tentativa nos crimes definidos no artigo 12, o contrário já
vem sendo afirmado, conforme Vicente Greco Filho: 'Consumação e tentativa. Como
vimos, consuma-se o delito com a prática de uma das ações previstas no tipo.
Alguns atos de execução, eventualmente caracterizadores da tentativa, são por
si mesmos, condutas igualmente puníveis, daí ser difícil a existência da forma
tentada. O conatus, porém, em princípio, não está nem lógica nem
juridicamente, excluído, dependendo da análise do caso concreto' (Tóxicos -
Prevenção - Repressão; Editora Saraiva 1993, p. 91). E o caso concreto diz bem
da possibilidade aventada, porquanto o réu exauriu os atos de execução que lhe
diziam respeito, somente não chegando ao seu final por circunstâncias alheias a
sua vontade, haja vista que o 'destinatário' que seria mera peça no esquema,
assustado com a quantidade de remédio e sua qualidade, comunicou o fato à
polícia.
"Por último, data venia ao
entendimento do ilustre Procurador de Justiça, o sursis é de ser
concedido. Satisfeitos os pressupostos subjetivos e objetivos do artigo 77 e
seus itens, do Código Penal, não é o disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei n.
8.072/90, óbice a sua concessão: 'A pena por crime previsto neste artigo será
cumprida integralmente em regime fechado'. Sem qualquer filiação, a alegada
inconstitucionalidade do dispositivo, devidamente improcedente, tantas vezes
proclamada pelas Cortes Superiores, a razão está simplesmente na não vedação da
concessão do sursis no dispositivo em questão.
"É que 'não existe qualquer
norma penal que defina a possibilidade da concessão ou não do benefício em
decorrência da classificação do crime cometido'. Assim, a lei que define o
crime hediondo não inibe a concessão do sursis. Não se pode dar, in
casu, interpretação extensiva, 'a refletir analogia in malam partem,
de forma a afligir a situação do condenado. Tal se mostra intolerável perante
um sistema que prestigiou sensivelmente a presunção de inocência e a plenitude
da defesa, razão pela qual, a teor do disposto no artigo 697, do Código de
Processo Penal, deve o juiz se pronunciar a respeito da concessão do sursis'
(Renato Nalini - RT 676/298). O que o dispositivo em análise veda é a
anistia, a graça, o indulto e a progressão de regime, mas não o sursis. Se tal
fosse, estaria explícito na redação do texto legal, não se podendo dar a ele
uma interpretação virtual. O regime, até que ultime a sentença, com seu
total cumprimento, é o fechado, o que significa dizer que se as condições que
forem impostas não restarem devidamente cumpridas, resultando rescindido o sursis,
o réu será recolhido ao regime fechado".
Neste ponto, considerando a argumentação contrária centrada no fato de a
lei especial prever expressamente que a pena privativa de liberdade deve ser
cumprida integralmente em regime fechado, sendo este absolutamente incompatível
com a substituição, invoca-se a doutrina de DAMÁSIO E. DE JESUS quando afirma,
diante da lei nova:
"As penas alternativas não
são absolutamente incompatíveis com os delitos previstos na Lei dos Crimes
Hediondos. São admissíveis em alguns casos. Cremos que não se apresenta como
obstáculo o disposto no art. 2°, § 1°, da Lei n. 8.072/90, que disciplinou os
delitos hediondos e deu outras providências, segundo o qual a pena deve ser
executada integralmente em regime fechado. De ver-se que as penas alternativas
constituem medidas sancionatórias de natureza alternativa, nada tendo que ver
com os regimes de execução. Estes são próprios do sistema progressivo. De
maneira que o juiz tem dois caminhos: se impõe pena privativa de liberdade por
crime hediondo, incide a Lei n. 8.072/90; se a substitui por pena alternativa,
não fala-se em regimes (fechado, semi-aberto e aberto). Nesse detalhe, a Lei de
Crimes Hediondos disciplina a 'execução da pena privativa de liberdade, não se
relacionando com os pressupostos de aplicação das penas alternativas.
Encontramos parâmetro no sursis, que também admite, em tese, sua
incidência nos delitos hediondos, como vem entendendo a jurisprudência, embora
não unânime. Como já dissemos, a execução da pena imposta em face do crime
hediondo, presentes seus pressupostos objetivos e subjetivos, não é
incompatível com o sursis. Ex.: tentativa de atentado violento ao pudor
com violência imprópria, imposta a pena mínima de dois anos de reclusão. Não
impede o disposto no art. 2°, § 1°, da Lei n. 8.072/90, segundo o qual a pena
deve ser executada integralmente em regime fechado. Ocorre que o sursis
constitui uma medida penal sancionatória de natureza alternativa, não se
relacionando com os regimes de execução. Nesse sentido: ANTÔNIO SCARANCE
FERNANDES, Considerações sobre a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, crimes
hediondos, RT, 660:266; CLÁUDIA VIANA GARCIA, A Lei n. 8.072/90 e o sursis:
possível a concessão?, Boletim do IBCCrim, São Paulo, maio 1997, 54:8; TJSP, HC
112.809, RT, 676:298; TJSP, ACrim 112.837, JTJ, 134:417 (tentativa de estupro);
TJSP ACrim 166.011, 3ª Câm. Crim., j. 27-6-1994, JTJ, 161:311; TJSP ACrim 153.487,
rel. Des.Canguçu de Almeida, RT,
719:391; STJ, REsp 91.851, 5ª T., RT, 739:572. Contra: STJ, REsp 60.733, 5ª T.,
DJU, 12 jun. 1995, p.17637; STJ, REsp 91.852, 6ª T., DJU, 5 maio 1997, p.
17197. A argumentação referente ao sursis é aplicável ao tema das penas
alternativas. Contra, no sentido de que, cuidando-se de crimes hediondos, é
inadmissível a aplicação do sistema vicariante: CÉZAR ROBERTO BITENCOURT e LUIZ
RÉGIS PRADO, Código Penal anotado, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais (no
prelo)" (Penas Alternativas. SP: Saraiva, 1999, p. 95/96).
LUIZ FLÁVIO GOMES também entende que "o regime fechado determinado
pela lei dos crimes hediondos somente é válido para a fase de execução da pena
de prisão. Se o juiz entende que a prisão imposta deve ser substituída por
outra sanção alternativa, não se chega à execução da pena de prisão (isto é,
não se chega a sua fase executiva). Logo, não é o caso de se aplicar a regra do
'regime fechado'. Só se pode falar em 'regime' na fase de execução da pena de
prisão" (ob. cit., p. 113).
Ademais, o fato de a pena privativa de liberdade ser cumprida
integralmente em regime fechado será um reforço adicional e estímulo para que o
condenado cumpra e observe o regramento da pena restritiva substitutiva com que
foi agraciado, pois esta será convertida naquela se houver o seu descumprimento
(art. 44, §4º, do CP).
Embora possa existir disparidade entre a situação do condenado a uma pena
privativa de liberdade cumprida integralmente em regime fechado e a condição
daquele que obtém substituição por "pena alternativa", tal distinção
é natural e facilmente justificável, posto que, na prática, diversas são as
situações individuais dos agentes as formas das ações criminosas, tendo, cada
uma delas, graus de reprovabilidade social diferenciadas e a sanção deve ser
aplicada com observância do princípio constitucionalizado da individualização
da pena.
Assim, o agente que, por uma única vez buscou, em situação que
caracteriza crime de tráfico de entorpecentes, uma forma talvez desesperada de
sustentar seu vício, merece reprimenda completamente diferente daquele que se
revela grande traficante e fornece quilos ou até toneladas de substâncias
estupefacientes a pessoas dependentes, pratica violência, alicia crianças para
o mundo das drogas e envolve outras pessoas ("mulas",
"olheiros", e etc...) para a prática de diversos ilícitos, com
intuito lucrativo e para manter sua impunidade.
Por outra, como lembra LUIZ FLÁVIO GOMES, "cada caso é um caso.
Nunca um magistrado irá valorar do mesmo modo a conduta de um jovem que cede
gratuitamente a droga numa reunião de amigos e outro companheiro, com a conduta
de quem explora o tráfico com ânimo de lucro ou para aliciar menores. A nova
lei confia na prudência dos operadores jurídicos, que existem precisamente para
construir a jurisprudência" (ob. cit., p. 112).
Torna-se evidente, portanto, que enquanto ao primeiro deve ser aplicada
pena que permita sua plena ressocialização e até tratamento, ao segundo,
narcotraficante repulsivo movido pelo lucro fácil, a sanção deve ser firme e
contundente, com cunho repressivo e preventivo, exemplarmente dissuadindo a
entrada de outras pessoas no mundo do crime.
Daí revelar-se como oportuna a aplicabilidade das novas sanções aos
crimes em comento (sem se pensar que a nova lei "foi longe demais"),
com rígida observância do requisito subjetivo incluído pelo legislador no
inciso III, do art. 44, do CP, cabendo ao sentenciante análise da suficiência
da substituição da prisão pelo cumprimento de pena "alternativa", com
o que poderão ser evitadas injustiças que derivaram da lei na forma anterior,
como por exemplo quando o pequeno e infeliz usuário, flagrado em situação de
tráfico, era apenado com a mesma sanção que seria devida ao grande traficante;
a lei, ao texto ainda vigente, não tem meio termo: a posse, por exemplo, se não
provar seja para uso próprio (art. 16), será tida como conduta tipificada no
art. 12, da Lei n. 6.368/76, com todas as suas circunstâncias e derivações
negativas.
Neste tópico, mais uma vez importante trazer a opinião atualíssima do
mestre DAMÁSIO E. DE JESUS, em comentários à nova lei geral:
"Tráfico de drogas. Admite,
em tese, a imposição de penas alternativas, tendo em vista que a pena mínima
cominada nos arts. 12, 13 e 14 da Lei n. 6.368/76 é de três anos de reclusão.
Nesse sentido, pronunciamento do Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo, Dr. Luiz Antônio Guimarães Marrey, criticando a lei nova por se aplicar
à hipótese (Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo, edição de 25 de
novembro de 1998). O tratamento mais leve, entretanto, condiciona-se à presença
das circunstâncias pessoais e objetivas, estas referentes à gravidade do crime,
previstas nos incisos II e III do art. 44 do CP" (Penas
Alternativas, SP: RT, 1999, p. 89-90).
De outra parte, com a devida vênia, não se sustenta o argumento expendido
contrário à aplicabilidade das penas restritivas de direito especificamente
para os crimes de tráfico de entorpecentes, pelo fundamento de, por serem
equiparados a hediondos, não podem ser considerados de menor gravidade e que
somente estes mereceriam a aplicação de penas "alternativas", diante
da mens legis motivadora da Lei n. 9.714/98 (em sua exposição de motivos
menciona-se direção até crimes de média gravidade).
Ora, na lei geral em exame não se encontra escrita tal proibição de
substituição seja de forma expressa (reserva legal) nem mesmo implícita (e
"implícita" contra o réu não se admite), no texto ou mesmo na ementa
(esta que não faz parte do comando normativo), sua aplicabilidade restrita aos
crimes de menor gravidade (está, sim, na exposição de motivos); ao contrário,
na lei foram definidos os critérios legais para aferição da possibilidade de
operar-se a substituição de forma geral, desde que preenchidos os requisitos do
art. 44, do CP.
Nem se diga, para criar dúvida, que em crimes de tráfico ilícito de
entorpecentes, o verbete n. 171 da súmula do colendo Superior Tribunal de
Justiça tenha força de impedir a substituição da pena privativa de liberdade
pela restritiva de direito, pois tal enunciado nega, sim, substituição da
prisão por multa quando a lei especial comina estas penas cumulativamente;
decisão resultante do lógico argumento de que é impossível ao magistrado suprir
uma pena trocando-a por outra, quando o legislador expressamente determinou a
aplicação de ambas, o que é circunstância completamente diversa daquela em que
são aplicadas penas pecuniária e privativa de liberdade, substituindo-se
somente esta por uma restritiva de direito.
Assim, se a nova de caráter geral não vedou expressamente a aplicação de
penas alternativas aos crimes hediondos e equiparados, o intérprete não poderá
fazê-lo por conta própria, pois o princípio da legalidade insculpido no texto
constitucional garante ao cidadão que o Estado não lhe aplicará sanção que não
esteja amparada em lei anterior que a comine, valendo invocar a máxima ubi
lex non distinguit nec nos distinguere debemus, ou seja, se a lei não
distingue, não pode o intérprete distinguir, especialmente quando esta
distinção resultar em prejuízo ao réu.
O princípio da legalidade, também conhecido como da reserva legal ou da
anterioridade da lei penal, advindo do enunciado formulado por ANSELMO
FEUERBACH - nullum crimem, nulla poena sine praevia legem -, consagrado
no art. 1º, do Código Penal e constitucionalizado no art. 5º, incisos XXXIX e
XL, da Constituição Federal de 1988, garante descrição específica,
individualizadora e prévia de condutas e sanções na lei federal (só a União
pode legislar direito penal), não bastando simples referência ao bem
juridicamente tutelado, nem descrição genérica.
O tipo expresso exerce função de garantia, e esta "só se justifica,
do ponto de vista material, desde que especifique a conduta-infração penal. A
generalidade é insuficiente. Não alcança a finalidade, para concretamente
registrar a garantia ínsita à prévia descrição do comportamento ilícito
penal", como bem escreveram os doutos Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO e
Prof. PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR (Direito Penal na Constituição, 2ª ed., SP:
RT, 1991, p. 16); a seguir sentenciam os grandes penalistas contemporâneos:
"A descrição genérica
enseja, ao intérprete, liberdade ainda maior. Consequentemente, perigosa.
Fragrantemente oposta ao mandamento constitucional. O crime não é qualquer
ação, mas ação determinada. E determinada na lei" (ob. cit., p.
17).
A questão tem, assim, resposta certa, clara e cristalina:
A substituição da pena privativa de liberdade, uma vez preenchidos os
requisitos objetivos e subjetivos previstos no art. 44 e incisos do Código
Penal, é direito público subjetivo do réu, ainda mais por se tratar,
inegavelmente, de medida sancionatória mais benéfica, sendo sabido, ademais,
que as normas que excluem ou privam direitos e garantias individuais devem ser
interpretadas restritivamente e consoante reserva legal.
Há outro fundamento constitucional amparador do princípio da legalidade
com previsão de tipo penal fechado e expresso -, que consiste na garantia da
dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III), vale dizer, o direito à
liberdade individual só pode suportar ameaça diante da necessidade de tutela de
outro bem jurídico concreto, não se devendo permitir haja intervenção estatal
na liberdade da pessoa com uma simples "presunção legal" de que a Lei
n. 9.714/98, diante da omissão de texto expresso vedando sua incidência aos
crimes hediondos ou a eles equiparados, não permitiria tal abrangência porque
sua exposição de motivos exclui crime de maior gravidade, sob pena de inversão
da ordem jurídica e transformar em tábula rasa o espírito e o texto da Carta
Maior, que tem na dignidade da pessoa humana um de seus pilares.
Assim temos: é flagrantemente inconstitucional o argumento de que o novo
sistema de penas substitutivas advindo com a Lei n. 9.714/98, não se aplica aos
crimes de maior gravidade, hediondos e a estes equiparados, como tráfico
ilícito de entorpecentes, simplesmente porque sua exposição de motivos não os
inclui ou porque haveria incompatibilidade com o regime integralmente fechado.
Mas, ainda que fosse dúbia a interpretação do texto legal (e não é), a
solução não poderia ser diferente daquela ministrada pelo festejado DAMÁSIO E.
DE JESUS quando, analisando à exaustão o tema da interpretação da norma penal,
demonstra:
"Que fazer quando, apesar do
trabalho hermenêutico, mediante cuidadosa interpretação literal e lógica,
persiste a dúvida quanto à vontade da norma? Abrem-se três caminhos ao
intérprete: 1º) admitir que dúvida deva ser resolvida contra o agente (in
dubio pro societate); 2º) admitir que seja resolvida contra o agente ou
contra a sociedade, segundo o livre convencimento do intérprete; 3º) resolver
a questão da forma mais favorável ao agente. Em outros termos, se a vontade
da lei não se torna nítida, se não chegar o juiz a saber se a lei quis isso ou
aquilo, ou se nem ao menos consegue determinar o que ela pretendeu, deverá
seguir a interpretação mais favorável o réu (desde que usados todos os meios
interpretativos). A terceira solução é adotada por nós"
(Direito Penal, 14ª ed., SP: Saraiva, 1990, v. 1, p. 37).
Por fim há que se justificar mais duas situações:
- Anteriormente à Lei n. 9.714/98 não se cogitava da substituição e
apreciava-se apenas o sursis para os crimes hediondos e equiparados
porque, na melhor hipótese, chegava-se às situações antes enfocadas, quando as
penas totalizavam no mínimo até 2 (dois) anos (isto em face da causa especial
de diminuição da tentativa), sabido que o limite para substituição era de até 1
(um) ano nos casos de crimes dolosos; agora, no entanto, o teto permissivo à
substituição foi elevado para 4 (quatro) anos, tornando obrigatório o exame
para sua admissibilidade quando a reprimenda for aplicada neste parâmetro.
- Nada se alterará aos casos de prisão em flagrante com a proibição de
liberdade provisória (art. 2º, II, da Lei n. 8.072/90), ao argumento de que
seria injusta a manutenção do preso quando, na perspectiva de condenação,
poderia ser agraciado com a substituição da pena privativa de liberdade por
penas restritivas. É que os institutos têm pressupostos distintos e, enquanto
não há sentença, a pena possível em tráfico de entorpecentes será de até 15 (quinze)
anos de reclusão, fora do limite permissivo da nova benesse. Não fosse isto,
também sempre há possibilidade de mutatio libelli e a prisão processual
guarda simetria com o texto constitucional, desde que fundamentada (CF, art.
5º, LXI).
Por todos estes motivos, a conclusão lógica e irrefutável: em crimes
hediondos ou a ele equiparados, como tráfico ilícito de entorpecentes enquanto
não houver texto legal restritivo expresso, é cabível a substituição da pena
privativa de liberdade pela restritiva de direito, pois não há qualquer outra
vedação legal à sua concessão, sendo direito público subjetivo do réu tal
substituição quando lhe for mais benéfica, desde que preenchidos todos os
requisitos estipulados pelo art. 44 do CP, com a nova redação dada pela Lei n.
9.714/98.
8. Todavia, no caso dos autos, conquanto o réu satisfaça às três
primeiras condições legais, tem-se que a substituição pleiteada não é
suficiente para a repressão e prevenção do crime, destacando-se que a sentença
irrogada em primeira instância foi prolatada em 13.1.99, já em plena vigência
da Lei n. 9.714/98, norma que introduziu a possibilidade da substituição
pleiteada pelo apelante.
O exame da sentença guerreada revela que o magistrado sentenciante
próximo aos fatos, expressamente declarou que são descabidas quaisquer
substituições da reprimenda aplicada, demonstrando, assim, não ser possível
permutar a pena privativa de liberdade pela restritiva de direito.
E nem poderia ser diferente, pois os autos demonstram que a sanção mais
benéfica não é suficiente à prevenção e repressão do crime, não sendo
preenchido, portanto, o requisito essencial previsto no art. 44, III, do CP.
O laudo de dependência toxicológica revela a personalidade do apelante,
ao afirmar que "durante as avaliações aqui realizadas, observa-se certa
displicência e arrogância no decorrer das entrevistas" (fls. 149).
Inquestionável que os motivos do crime foram o lucro fácil, pois sendo
trabalhador e percebendo pouca renda, o apelante não demonstrou que agiu com o
exclusivo objetivo de satisfazer o vício decorrente da sua dependência em grau
leve.
Além disto, a expressiva quantidade de drogas apreendida com o apelante
(trezentos e quarenta e oito gramas de cocaína) indica, claramente, que não se
trata de uma pequena operação motivada por interesse abonador, denotando, ao
contrário, que a droga seria comercializada para diversos consumidores finais.
Não bastasse isto, a denúncia anônima dando conta da operação ilícita
flagrada demonstrou que não foi uma transação eventual, pois a indicação do modus
operandi dos envolvidos só poderia ser fornecida por alguém que já vira
aquela conduta ilícita ser cometida diversas vezes.
A verdade que se descortina deste cenário é que a substituição da pena
privativa de liberdade por duas restritivas de direito (art. 44, §2º, in
fine, do CP) não é suficiente para a repressão e prevenção do crime.
9. Diante do exposto, conhece-se do recurso e dá-se-lhe provimento
parcial unicamente para, mantida a condenação no art. 12, da Lei n. 6.368/76,
afastar a causa de especial aumento prevista no art. 18, III e adequar a pena
privativa de liberdade, fixando-a em 3 (três) anos de reclusão em regime
integralmente fechado.
Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Des. Jorge Mussi, e
lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr.
Anselmo Jerônimo de Oliveira.
Florianópolis, 20 de abril de 1999.
José Roberge
PRESIDENTE
Nilton Macedo Machado
RELATOR
Retirado: http://www1.jus.com.br/pecas/texto.asp?id=382