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A exclusão da tipicidade penal: princípios da adequação
social e da insignificância
Sumário: 1. Introdução; 2. Caráter subsidiário e
fragmentário do Direito Penal; 3. O crime e seus elementos; 4. A Tipicidade
formal e material; 5. Princípio da Adequação Social; 6. Princípio da
Insignificância; 6.1. Posição dos Tribunais; 6.2. Críticas; 7. Conclusão; 8.
Bibliografia.
1.Introdução
O Direito Penal hodierno não representa mais um instituto
cruel, injusto, de vingança privada, como era em tempos antigos. Com a sua
evolução, passou por uma eticização, sendo uma forma de controle da sociedade.
Uma série de princípios lhe são fundamentais, na atualidade, para limitá-lo e
garantir a sua aplicação de forma mais humana.
Inicialmente, o Direito Penal deve respeitar seu caráter
fragmentário e seu Princípio de Intervenção Mínima. Só deve intervir nos casos
de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. Logo, a lesão ao
bem jurídico tutelado, para ensejar aplicação da lei penal, deve possuir certa
gravidade, e a conduta deve ser objeto de reprovabilidade social.
Para uma ação humana ser um crime, é necessária a presença
de todos os elementos constitutivos deste. Em primeiro lugar, a existência de
seu ajuste perfeito a uma descrição delituosa contida na lei penal, a
tipicidade. Deve haver previsão legal do delito. Não obstante, para ocorrer
efetiva tipicidade, a conduta humana deve, também, ser materialmente ofensiva
ou perigosa ao bem jurídico tutelado, ou ética e socialmente reprovável. Não
basta a subsunção do comportamento a uma norma incriminadora. Ações toleradas
pela coletividade ou causadoras de danos desprezíveis ao bem protegido não se
abrangem pelo tipo legal do crime.
Assim, a doutrina, adequando a aplicação do Direito Penal
às necessidades da sociedade, elaborou instrumentos de interpretação restritiva
do tipo penal. No contexto do Direito Penal mínimo e fragmentário, surgem os Princípios
da Adequação Social e da Insignificância.
2.Caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal
A intervenção penal apenas é legítima se ocorrer como a ultima
ratio, a última instância formal de controle da sociedade. Intervindo na
coletividade somente quando necessário, e na medida desta necessidade, o
instituto realiza uma proteção subsidiária, condicionada à gravidade ou
importância do prejuízo efetivamente causado.
A subsidiariedade do Direito Penal exprime-se no "Princípio
da Intervenção Mínima". Este ramo do Direito apenas deve intervir
quando os outros ramos estiverem ausentes, falharem ou forem insuficientes para
prevenir ou punir uma conduta ilícita e socialmente reprovável. O Direito Penal
deve ser o último recurso, assim, a proteção que oferece aos bens jurídicos é
subsidiária. A intervenção do Direito Penal é requisitada apenas numa maior
necessidade de proteger a coletividade, a pena deve estar reservada ao momento
em que é o único meio de proteger a ordem social dos crimes e possui caráter
excepcional. Além do mais, a sanção estabelecida para cada delito deve ser
adequada a ele, na medida da necessidade para a reprovação e prevenção do
crime. Não se admitem o excesso e o desnecessário de punição a um delito, a
aplicação da pena exige sua proporcionalidade com o crime cometido.
Além disso, a sua aplicação está condicionada à existência
de lesões sensíveis aos bens jurídicos mais importantes. O Direito Penal é
fragmentário, não existe para proteger a totalidade de bens jurídicos, mas sim
aqueles considerados indispensáveis à vida em sociedade, como o direito à vida,
ao patrimônio ou à honra.
Conforme ensina Francisco de Assis Toledo (1), não se está
negando a autonomia do Direito Penal, nem o reduzindo a um simples instituto
que sanciona os atos ilícitos que não foram punidos em outras áreas do Direito.
Existem condutas ilícitas que não possuem, no entanto, os elementos suficientes
para enquadrarem-se num tipo penal, logo, não fazem parte de seu campo de
intervenção. Dentro de uma série de atos ilícitos, o Direito Penal só se
estende aos mais graves, situando-se, de forma harmônica, dentro do contexto do
ordenamento jurídico.
3.O crime e seus elementos
Como resultado da evolução histórica do Direito Penal,
existem várias definições para o delito, de acordo com diferentes escolas e
criminalistas.
Uma concepção formalista e objetiva conceitua crime como o
conjunto de pressupostos que enseja a aplicação da lei penal (tem como
referência a lei). Assim, delito seria toda conduta humana reprimida pelo
Direito, acarretando a aplicação de uma penalidade. A definição formal não é
suficiente, porque não esgota o assunto nem atinge a essência do delito.
O conceito material de crime procura buscar a sua
ontologia. Seria crime qualquer ação ou omissão que lesiona ou expõe a perigo
de lesão um bem jurídico considerado socialmente valioso. Este conceito possui
relevância, por colocar em destaque a razão determinante de o legislador
qualificar como infração penal uma certa conduta humana e sujeitá-la a uma
sanção.
Ainda há conceitos de crime baseados em uma visão
sociológica – jurídica, considerando-o como uma conduta que, por ofender um bem
jurídico considerado imprescindível à vida social, ameaça a própria existência
da sociedade.
A corrente dogmática conceitua o delito a partir dos
elementos que o compõem, sendo crime uma ação típica, antijurídica, culpável e
punível. No entanto, atualmente, a punibilidade deixou de ser aceita, pela
maioria da doutrina, como elemento essencial do crime. Punibilidade é a
possibilidade jurídica de aplicar-se a pena ao infrator. Logo, é um efeito da
prática do delito, e não um de seus elementos constituintes, porque sua
aplicação pressupõe um crime. Em determinados casos, pode não existir
punibilidade do agente, ou este pode beneficiar-se de uma das causas de
extinção da punibilidade, no entanto, o delito praticado persiste. A exclusão
da punibilidade não afasta a idéia de um crime anteriormente consumado.
Parte da doutrina considera o crime como apenas uma ação
típica e antijurídica, sendo a culpabilidade um pressuposto para a aplicação da
pena (2). Ao crime, o Direito impõe uma sanção penal, com a função de punir o
delinqüente, por ter praticado um ato não desejado pela sociedade, e de
prevenir uma nova ocorrência do crime.
Do conceito dogmático de crime extraem-se os seus
elementos fundamentais: Ação, Tipicidade, Antijuridicidade e Culpabilidade.
Abordando estes mesmos elementos, construíram-se diversas teorias, que lhes dão
diferentes conteúdos. Modernamente, a concepção mais aceita pelos penalistas é
a Teoria Finalista do Delito, formulada por Welzel.
De acordo com tal teoria, Ação seria qualquer
conduta humana, comissiva (ação propriamente dita) ou omissiva (omissão, a
abstenção de um movimento), dirigida a uma finalidade e desenvolvida sob o
domínio da vontade do agente. Logo, não se considera criminosa uma ação
ocorrida em estado de inconsciência ou movimentos puramente reflexos e
instintivos, nem comportamentos resultantes de casos fortuitos ou de força
maior.
A Tipicidade engloba o elemento objetivo (subsunção
da conduta humana à descrição de um crime na norma penal), os elementos
subjetivos (por exemplo, uma determinada intenção especial do agente) e também
o dolo ou a culpa. O dolo existe quando o agente quis ou assumiu o risco de
produzir o resultado delituoso, e a culpa ocorre quando o agente não tinha
intenção de cometer o crime, mas deu causa ao resultado por imprudência,
negligência ou imperícia. Este elemento será melhor abordado no próximo tópico.
A Antijuridicidade (também chamada de Ilicitude)
é concebida em seus aspectos formais e materiais. Formalmente, representa a
contrariedade entre a ação e o ordenamento jurídico. Uma conduta é ilícita por
violar uma norma jurídica. Para verificar a ilicitude formal, deve-se observar
se a conduta desobedece à lei e se ela não está justificada por alguma das
causas de exclusão de ilicitude, como é a legítima defesa. A antijuridicidade
material seria uma efetiva lesão ao bem jurídico protegido. No ensinamento de
Magalhães Noronha(3), esta dá conteúdo à antijuridicidade formal, na medida em
que orienta o legislador em consagrar na norma os bens jurídicos exigidos pela
vida coletiva.
A Culpabilidade, na teoria Finalista, que está
sendo analisada, constitui-se apenas da reprovação social sobre a conduta do
agente. Nas concepções clássicas do delito, abrangia também o dolo e a culpa,
que só posteriormente foram deslocados para o elemento da tipicidade. Uma ação
ou omissão culpável é aquela sobre a qual a sociedade lança um juízo de valor
negativo, uma censura. Se todos devem agir de acordo com a norma, o agente que
procede em sentido contrário é culpável, quando é capaz de entender o caráter
criminoso de seu ato (possui sanidade mental ou está consciente) e outra
conduta, que não a criminosa, era-lhe exigível (o agente podia portar-se de
modo diferente, mas não utilizou esta faculdade).
4.A Tipicidade Formal e Material
A palavra Tipicidade deriva do alemão tatbestand,
que, por sua vez, provém do latim facti species. Significa o
enquadramento de um fato nos elementos descritivos de um delito, contido na
legislação penal. A conduta humana que se amolda à definição de um crime,
preenchendo todas as suas características, é típica.
É um conceito que se relaciona, fundamentalmente, ao Princípio
da Legalidade, no Direito Penal, expresso na máxima "nullum crimen
sine praevia lege", ou seja, não há crime sem lei anterior que o
defina. Para evitar o cometimento de arbitrariedades, o Estado determina, a
priori, que certas condutas são proibidas, por serem nocivas aos bens
jurídicos essenciais à vida coletiva e que sua prática enseja a aplicação de
uma pena. Então, o legislador procede à definição das ações humanas
consideradas criminosas. O chamado "tipo legal" é justamente a descrição
abstrata de um delito, contendo todos os elementos necessários para a sua
identificação. Assim, ele permite distinguir quais condutas são as delituosas,
possuindo uma função de garantia
A tipicidade passou por distintas concepções, ao longo de
sua evolução histórica. De acordo com Beling, em 1906, o tipo possuía apenas um
caráter descritivo, era desprovido de valoração. Tinha a finalidade apenas de
definir os crimes, devia-se analisar somente se a conduta praticada pelo agente
adequa-se à norma incriminadora. Representava uma significação apenas formal,
não possibilitando a formulação de um juízo de valor sobre o comportamento
analisado.
Posteriormente, percebeu-se que essa concepção não era
suficiente. Não basta a conduta humana estar descrita, formalmente, na lei,
então, inseriu-se um conteúdo valorativo na verificação da tipicidade de um
fato. Passou-se a distinguir, então, a tipicidade formal da material. A
primeira seria a adequação de uma conduta à descrição abstrata de um crime. Já
a tipicidade material analisa a lesividade da ação praticada pelo agente, em
face do bem jurídico protegido pelo Direito Penal, se ela causou efetivo
prejuízo. Então, para ser delituoso, um comportamento humano, além de
subsumir-se a uma norma incriminadora (estar expressamente previsto em lei como
crime), deve ter provocado uma ofensa relevante no bem jurídico tutelado, ou
uma significativa ameaça de lesão a ele. Uma conduta pode corresponder
exatamente à definição de um delito, porém, se não causa lesão ou ameaça ao bem
jurídico, é atípica.
A doutrina, por sua vez, criou os Princípios da
Adequação Social e da Insignificância, para explicar a existência de ações
formalmente criminosas, no entanto, destituídas de conteúdo necessário para
atingir a tipicidade material. São princípios meramente doutrinários, porque
não provêm da lei, de que se valem os aplicadores do Direito, no momento de
caracterizar ou não uma certa conduta como crime.
5.Princípio da Adequação Social
Welzel foi o primeiro penalista a perceber a impossibilidade
de se considerar como delituosa uma conduta aceita ou tolerada pela sociedade,
mesmo que se enquadre em uma descrição típica. Logo, se um comportamento, em
determinadas circunstâncias, não recebe juízo de reprovação social, não pode
constituir um crime. Surgiu, então, o Princípio da Adequação Social.
Como observa Mir Puig (4), "não se pode castigar aquilo que a sociedade
considera correto".
De acordo com o seu introdutor no Direito Penal, seria um
princípio geral de hermenêutica (5). O tipo penal não pode alcançar condutas
lícitas, que se realizam dentro de uma esfera da normalidade social. Um exemplo
de condutas formalmente típicas que, no entanto, tem a tipicidade excluída
devido à Adequação Social, seria a circuncisão, realizada na religião judaica.
Outro exemplo seriam as lesões corporais causadas em partidas de futebol. São
ações destituídas de tipicidade material, pois são coletivamente permitidas. É
importante ressaltar que, todavia, a sociedade deve tolerar tais condutas,
portanto, este princípio não abarca ações excessivas, que enquadrem-se fora dos
limites da normalidade.
6.Princípio da Insignificância
Claus Roxin propôs introduzir, em 1964, no Direito Penal,
outro princípio auxiliar, para destituir determinadas condutas humanas de
tipicidade material. Assim, surge o Princípio da Insignificância, que
exclui os danos de pequena importância ou amplitude (crimes de bagatela). No
entanto, desde o Direito Romano, havia uma idéia parecida, pois o pretor não
devia ocupar-se de causas irrelevantes, de minimus non curat praetor.
O Direito Penal possui uma natureza fragmentária e
subsidiária, portanto, apenas incide até o limite necessário para a proteção do
bem jurídico. Se este é lesado de forma ínfima, a lei penal não deve ocupar-se
de tal ação, por ela não ser típica, em virtude de tolerar-se a conduta humana
que representa gravidade escassa.
Deve haver ofensa material suficiente para acarretar a
atuação estatal. Não existe necessidade em iniciar-se um processo de persecução
criminal, traumatizante ao acusado, sem ocorrência substancial de lesão. Também
não é razoável a aplicação de uma penalidade a "delitos"
irrelevantes, que não constituem efetiva ofensa penal, não subsiste razão para
a imposição de tamanha reprimenda. A aplicação de penalidade pode trazer maior
prejuízo ainda à sociedade, além de não haver proporcionalidade na imposição de
sanção penal a crimes de bagatela. Não seria justa, por exemplo, a aplicação da
mesma pena a um indivíduo que subtrai coisa alheia móvel no valor de R$ 1.000,00
e a outro que pratica, nas mesmas condições, um furto no valor de R$ 3,00. O
resultado, sentido jurídico que enseja a aplicação da pena, deve ser relevante,
quanto ao dano ou perigo ao bem juridicamente tutelado, conforme orientação de
acórdão do STJ (6).
Uma parte dos autores justifica a existência deste
princípio devido à ausência de periculosidade social do crime (7), embora o
fato praticado seja típico e antijurídico. A doutrina, de um modo geral, afirma
que se distingue um crime comum de um de bagatela, entre outros critérios, de
acordo com a sua escassa reprovabilidade, a pequena relevância na ofensa ao bem
jurídico, sua baixa nocividade social e a desnecessidade de aplicação de uma
pena.
Relacionando o princípio a alguns delitos, o crime de dano,
previsto no art. 163 do Código Penal, deve representar um prejuízo de certa
significação para o proprietário da coisa. O peculato, art. 312, não
pode referir-se a ninharias, como ocorreu de acusar-se um servidor público de
peculato pelo desvio de algumas poucas amostras de amêndoas. O crime de descaminho,
descrito no art. 334, §1º, d, deve constituir a posse de mercadoria estrangeira
de quantidade ou valor suficientes para provocar sensível lesão tributária ao
Fisco. O furto, art.155, é representado pela subtração de coisa alheia,
que provoque uma lesão relevante ao seu proprietário, e não de, por exemplo,
canetas, folhas de papel ou outros objetos de pouco valor. O estelionato,
no art. 171, deve significar o uso de fraude para atingir um fim significativo,
e não apenas para deixar de pagar passagens de ônibus, por exemplo. Inúmeros
são os exemplos de condutas que possuem tipicidade formal, por enquadrar-se na
descrição exata de um tipo penal, no entanto, não possuem tipicidade material,
por não representarem relevante prejuízo ao bem jurídico tutelado.
No entanto, uma conduta atípica não é sinônimo de conduta
permitida. O fato penalmente irrelevante pode receber tratamento adequado, se
necessário, em outros ramos do direito (enquadrando-se como, por exemplo, ilícito
civil ou administrativo), respeitando o caráter fragmentário e de intervenção
mínima do Direito Penal.
6.1. Posição dos Tribunais
É crescente o número de julgados que determinam o
trancamento da ação penal por atipicidade da conduta, baseados no Princípio da
Insignificância. Sua adoção ocorre, de forma mais intensa, em casos
relacionados a tóxicos, em crimes de descaminho, furto ou dano.
Uma situação de portar pequena quantidade de substância
entorpecente é, formalmente, criminosa. No entanto, a ofensa ao bem jurídico é
irrelevante, se não há forma de qualificá-la como tráfico de entorpecentes. Já
foi objeto de decisão do Superior Tribunal de Justiça um caso de apreensão de
um tubo de lança-perfume, com ausência de dependência física ou psíquica do agente,
nem configuração de contrabando. Concedeu-se habeas corpus ao agente,
com base na "míngua de lesão ao bem jurídico tutelado, enquadrando-se o
tema no campo da insignificância" (8). A pequena quantidade não é bastante
para causar o evento.
Portou-se, também, o STJ, no mesmo sentido, quando
concedeu habeas corpus a um indivíduo, acusado de cometer dano
qualificado, pela destruição de uma lâmpada em prédio público (9).
Considerou-se o ínfimo valor de R$ 0,30 representado pelo objeto lesionado.
Uma acusação de furto qualificado, de um botijão de gás,
com sua apreensão e devolução imediatas, foi considerada improcedente. Houve a
absolvição do indivíduo, baseada na ausência de prejuízo causado, considerando
o delito como crime de bagatela (10).
Um caso, amplamente divulgado pela mídia, de decisão do
STJ a favor da exclusão de tipicidade com base na insignificância, foi de um
furto de quatro minhocas, denunciado por uma promotora pública, em Minas
Gerais. A decisão baseou-se na conduta dos acusados não ter poder lesivo
suficiente para atingir o bem tutelado pela Lei de crimes contra a fauna, sendo
a imposição de uma penalidade mais gravosa do que o dano provocado pelo ato
delituoso (11).
6.2 Críticas
Por ser um princípio doutrinário, não possui, ainda, aceitação
totalmente pacífica. Existe uma corrente doutrinária e jurisprudencial que não
reconhece a insignificância como excludente da tipicidade penal. É uma corrente
conservadora, que resiste em acatar os novos rumos do Direito Penal moderno, e
vem perdendo prestígio. Seu argumento baseia-se na lei penal não fazer
referência à quantidade de lesão necessária para configurar-se um delito. Não
seria possível auferir o que é, realmente, insignificante, medindo o valor do
bem para dar-lhe proteção jurídica. Logo, o princípio seria muito liberal e
esvazia o Direito Penal (12). É uma concepção clássica, ultrapassada, na medida
em que considera apenas a tipicidade formal de uma conduta para qualificá-la de
delituosa, além de não enxergar além da prescrição da norma penal. O Direito
deve estar, no entanto, aberto a inovações que aperfeiçoem a sua aplicação.
Existem julgados manifestando-se em tendência contrária à
adoção do Princípio da Insignificância. O STJ já negou concessão de habeas
corpus a um lavrador, que responde por porte e tráfico de drogas, devido ao
encontro de 0,25 decigramas de cocaína, junto a balança, sacos plásticos e
seringa, em sua residência. A defesa do agente pedia o trancamento da ação
penal, já que, com base no princípio da insignificância, a quantidade de droga
encontrada com o agente não teria relevância jurídica. No entanto, afirmou-se
que a quantidade mínima de droga encontrada não é justa causa para arquivar-se
um processo, visto que a legislação não fixa qual a quantidade de droga
apreendida necessária para a configuração de tráfico ou uso de tóxicos (13).
Existem outros julgados que ignoram o Princípio
doutrinário. Como a condenação, ocorrida na justiça do Rio Grande do Sul, de um
indivíduo, por furto qualificado de cinco galinhas caipiras, avaliado
economicamente em R$ 38,00, a dois anos e três meses de reclusão, início em
regime fechado. No entanto, posteriormente, o indivíduo foi absolvido pelo
Tribunal de Justiça do estado (14).
7.Conclusão
Modernamente, a efetivação da aplicação das normas penais
passa por duas idéias fundamentais: não se pode punir um comportamento que a
sociedade não considera digno de receber punição; e o Direito Penal não se deve
ocupar de bagatelas. O Estado não pode mais acionar todo seu aparelho
judiciário, em razão de fatos de pouca relevância jurídica, na medida em que
isso só contribuiria para afogar, ainda mais, o já conturbado e moroso Poder
Judiciário do país. Processos acerca de causas que não possuem o menor
potencial de lesão ocupam tempo e despesas, comprometendo a celeridade de
outras demandas que, realmente, interessam mais à sociedade.
Há, ainda, uma certa resistência na aplicação dos
princípios da Adequação Social e da Insignificância, pelo fato
deles possuírem natureza doutrinária, e não legal. A fundamentação desta
crítica é duramente combatida, pois o ordenamento jurídico não se resume apenas
ao que está positivado. Os princípios doutrinários existem para orientar a
aplicação do Direito, havendo necessidade em sua utilização. Não se pode mais
permanecer, cegamente, vinculado à legalidade.
O magistrado possui uma certa margem, para analisar a
conveniência e proporcionalidade de imposição de uma pena aos chamados crimes
de bagatela ou a condutas socialmente aceitas. Se tais comportamentos podem ser
alvo de sanções extrapenais, como no âmbito do direito civil ou administrativo,
não há necessidade de condenação criminal. O Estado não deve recorrer à
proteção do Direito Penal, que enseja a aplicação de sua grave sanção, se há
possibilidade de garantir proteção suficiente ao bem jurídico, através de meios
extrapenais.
Assim, defendemos a aplicação dos princípios analisados,
no entanto, com certas restrições, principalmente, no que se relaciona à
delimitação do que a sociedade tolera de fato ou do que seja um crime
insignificante. Não se pode abrir espaço para que certos delitos
comprometedores da ordem social, mesmo sendo pequenos, sejam qualificados como
de pouca relevância.
8.Notas
01. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de
Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 14.
02. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal.
V. 1, 19. ed, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 133.
03. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. V.1,
33. ed, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 101.
04. apud TOLEDO, Francisco de Assis. Op. Cit. p.
132.
05. WELZEL, apud TOLEDO, Francisco de Assis, Op.
Cit. p. 131.
06. STJ, RHC 4311 / RJ, 6ª turma, j. 13/03/1995.
07. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal.
V. 1, 8. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1996, p. 117.
08. STJ, HC 10971 / MS, 6ª turma, j. 07/12/1999.
09. STJ, RHC 9359 / SP, 5ª turma, j. 16/12/1999.
10. TJGO, 2ª CCr, Acr 17898-4/213, j. 25/06/98.
11. RIBEIRO, Rodrigo Mendes Pinto. Princípio da
Insignificância: Porque refletir é preciso, <http://www.infojus.com.br/area6/rodrigomendes2.htm>,
08 de maio de 2000.
12. BEMFICA, Vani, apud, MAGALHÃES, Joseli de Lima.
O princípio da Insignificância no Direito Penal, <http://www.jus.com.br/doutrina/insigni.html>,
08 de maio de 2000.
13. STJ, HC 11695, 6ª turma, j. 09/05/2000.
14. RIBEIRO, Rodrigo Mendes Pinto. Op. Cit.
9.Bibliografia
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princípio da insignificância. <http://www.neofito.com.br/>,
16 de maio de 2000.
2. CARVALHO, Ivan Lira de. Direito Penal Mínimo,
Eximentes e Dirimentes nos Crimes Ambientais. <http://www.teiajuridica.com/af/criamib.htm>,
29 de maio de 2000.
3. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – Parte
Geral. V.1, 19. ed, São Paulo: Ed. Saraiva, 1995.
4. MAGALHÃES, Joseli de Lima. O princípio da
Insignificância no Direito Penal. <http://www.jus.com.br/doutrina/insigni.html>,
08 de maio de 2000.
5. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal.
V. 1, 8. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1996.
6. NOGUEIRA, Vânia Márcia Damasceno. Operação
Tolerância Zero e o Princípio da Insignificância. <http:///www.apriori.com.br/artigos/317.htm>,
29 de maio de 2000.
7. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal –
Introdução e Parte Geral. V. 1, 33. ed, São Paulo: Ed. Saraiva, 1998.
8. RIBEIRO, Rodrigo Mendes Pinto. Princípio da
Insignificância: porque refletir é preciso. <http://www.infojus.com.br/area6/rodrigomendes2.htm>,
08 de maio de 2000.
9. RODRIGUES, João Gaspar. Quantidade ínfima de droga
para uso próprio: crime de bagatela (princípio da insignificância). <http://www.pgj.ce.gov.br/>, 16 de maio de
2000.
10. SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Tipicidade Penal
Material. <http://www.direitopenal.adv.br/artigo43.htm>,
08 de maio de 2000.
11. TOLEDO, Francisco de Assis Toledo. Princípios
Básicos de Direito Penal. 5. ed, São Paulo: Ed. Saraiva, 1994.
Retirado: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=949