Autor: Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Edward Rocha de
Carvalho. Advogados.
"Se não formos capazes de viver inteiramente como pessoas, ao
menos façamos tudo para não viver inteiramente como animais" (Saramago,
2002, p. 119).
1. Introdução
Tem-se indagado, com seriedade, no seio do Movimento
Antiterror, as reais causas — para além dos interesses politiqueiros que saltam
aos olhos — da insistência na construção de uma legislação de pânico para o
Brasil, denegando-se a Constituição da República. Que são multifárias poucos
duvidam mas, sem dúvida, resplandece dentre elas a ingênua adoção de um
pensamento marcado pela política da Tolerância Zero e sua matriz ideológica, a
chamada Broken Windows Theory (Teoria da Janelas Quebradas), invencionice
americana vendida aos incautos como panacéia no mercado da segurança pública
mundial. Faz-se, todavia, tão-só um mise-en-scène e, sendo matéria mercadológica,
alguns haverão de pagar a conta, naturalmente.
Muitos dos argumentos, porque destinados a mexer com o
imaginário, não são de hoje: "A mínima desobediência é castigada e o
melhor meio de evitar delitos graves é punir muito severamente as mais leves
faltas". Este trecho de Vigiar e Punir, de Michel Foucault (1987, p. 257),
não fala da Nova York do auge da Tolerância Zero, tampouco do Brasil desejado
por muitos no futuro próximo ou no presente corrente. É ambientada em 22 de
janeiro de 1840, em Mettray, a prisão juvenil mais rigorosa da França daqueles
tempos.
Em julho de 1994, o prefeito recém-eleito de Nova York,
Rudolf Giuliani, e seu chefe de polícia, William Bratton, começaram a implantar
uma estratégia de policiamento baseada na manutenção da ordem, enfatizando o
combate ativo e agressivo de pequenas infrações — a grande maioria, quando
muito, meros atos desviantes, como estudados na criminologia — contra a
qualidade de vida, como pichação, urinar nas ruas, beber em público, catar
papel, mendicância e prostituição. A política, que ficou conhecida como "a
iniciativa de qualidade-de-vida" (quality-of-life initiative), foi baseada
nos escritos e estudos de James Q. Wilson, George L. Kelling e Wesley G.
Skogan. Os dois primeiros são autores do artigo "Broken windows: the
police and neighborhood safety", publicado na edição de março de 1982 do
periódico Atlantic Monthly. O último foi autor, em 1990, de um estudo (Disorder
and decline: crime and the spiral decay in american neighborhoods) que amparou
a teoria.
Já se tinha, porém, uma experiência anterior do modelo. Em
junho de 1992, a cidade de Chicago implantou um decreto de vadiagem antigangues
proibindo cidadãos de se reunirem em público "sem nenhum propósito
aparente". Não obedecer tal disposição implicava no pagamento de uma multa
de até US$ 500,00, ou prisão por até seis meses, ou prestação de serviços à
comunidade até 120 horas, ou todas as três penas combinadas (§8-4-015 do Código
Municipal de Chicago). No período de 1993 a 1995, foram expedidas mais de
89.000 ordens de dispersão e foram presas mais de 42.000 pessoas sob a vigência
do decreto. A festa discriminatória acabou quando a Suprema Corte declarou, em
1999, inconstitucional (unconstitutionally vague) referido decreto, no caso
City of Chicago v. Morales (527 U.S. 41).
Em Nova York, a iniciativa produziu de 40 a 85 mil
(dependendo da estatística) novas prisões — pelas tais infrações menores — no
período de 1994 a 1998 (Estado de Nova York, Relatório da Divisão de Serviços
de Justiça Criminal de 2000). Para lembrar o frenesi punitivo, basta saber que
na disputa para a Prefeitura da cidade em 1993 (David Dinkins versus Rudolf
Giuliani), o tema central sobre a segurança girou em torno dos squeegeemen,
aqueles "garotos perigosos" que jogam água no vidro dos carros quando
estão parados, lavam-nos e, depois, pedem dinheiro. Ora, isso é pura
hipocrisia, não fosse antes canalhice porque se sabia de antemão o que se
queria ouvir.
De qualquer forma, esses dois exemplos servem para
demonstrar uma política de manutenção de ordem que emergiu nos anos 80, focada
a partir do maior contato da polícia com o cidadão, tudo como um modo de criar
e manter a ordem e assim diminuir a quantidade de crimes graves. O modelo
original era o inglês community policing (polícia comunitária; polícia de
proximidade).
Assim, a base de tal política é o policiamento comunitário,
que vem acrescido de fiscalização ativa e Tolerância Zero; todas idéias que têm
como mentor intelectual a Nova Escola de Chicago (que substituiu a antiga
Escola, formada por Guido Calabresi, Ronald Coase, Richard Posner e outros, nas
décadas de 60 e 70), a qual se fundamenta nas normas sociais, muito próximo do
pensamento de Emile Durkheim, em especial nas significações sociais capazes de
alterar a sociedade em si.
Tolerância Zero, enfim, é "incarceration mania",
a mudança do welfare state (perto do qual nunca se passou no Brasil) para o
penal state (Garland, 1996 e 2001; Becket, 1997; Caplow e Simon, 1998;
Wacquant, 2001). Parafraseando os discípulos da teoria, mas agora contra ela,
faz-se hora de restabelecer a ordem nesse caos de ignorância e absurdos.
2. O caminho da manutenção da ordem
A Broken Windows Theory foi articulada no artigo
supracitado de James Wilson e George Kelling, sendo baseada na premissa de que
"desordem e crime estão, em geral, inextricavelmente ligadas, num tipo de
desenvolvimento seqüencial" (Wilson e Kelling, 1982, p. 31). Segundo eles,
pequenos delitos (como vadiagem, jogar lixo nas ruas, beber em público, catar
papel, e prostituição), se tolerados, podem levar a crimes maiores. A idéia não
é complexa e faz adaptação do ditado popular "quem rouba um ovo, rouba um
boi" (Wacquant, 2001, p. 25): se um criminoso pequeno não é punido, o
criminoso maior se sentirá seguro para atuar na região da desordem. Quando uma
janela está quebrada e ninguém conserta, é sinal de que ninguém liga para o
local; logo, outras janelas serão quebradas.
É, em suma, de se fazer prevalecer a ordem sobre a
desordem; porque os desordeiros estão contra os ordeiros. As pessoas
desordeiras incluem "pessoas não respeitáveis, turbulentas ou
imprevisíveis: catadores de papel, bêbados, viciados, adolescentes arruaceiros,
prostitutas, vadios e os perturbados mentais" (1982, p. 30). São — acredite-se,
se for possível — os "bêbados fedorentos" e os "pedintes
inoportunos" (1982, p. 34).
Nós contra eles, num verdadeiro labelling approach
(etiquetamento) antecipado: os desordeiros de dentro precisam ser controlados;
os de fora, excluídos. De acordo com o artigo, são os "forasteiros"
ou "estranhos" que cometem crimes (1982, p. 36). Os
"regulares", por sua vez, tendem a não causar problemas. Controlando
os desordeiros, prendendo-os, excluindo-os, o problema estará resolvido. A
ordem voltará a reinar e o crime desaparecerá.
Tudo é muito ingênuo, mas é esta a idéia, sem mais. O
problema é nela crer!
3. Um empirismo de falsas premissas
A espetacular queda do crime em Nova York é apontada como
prova irrefutável de que a teoria funciona. Entretanto, ela diz muito pouco,
senão nada, sobre a Broken Windows Theory. Basta ver que outras grandes cidades
ao longo dos EUA experimentaram uma queda notável da criminalidade ao longo dos
anos 90. Muitas delas — incluindo Boston, Houston, Los Angeles, St. Louis, San
Diego, San Antonio, San Francisco e Washington, D.C. — com índices maiores que
os de Nova York, sem que tivessem implementado a mesma política. Nova York teve
uma queda de 51% na taxa de homicídios no período de 1991 a 1996; Houston, 69%;
Pittsburgh, 61%; Nova York ficou em quinto lugar (Joanes, 1999, p. 303). O que
é marcante é que nenhuma dessas cidades implantou a política Wilson e Kelling.
Algumas, aliás, fizeram o contrário.
Entretanto, a taxa de homicídios em Nova York vem
aumentando desde 1998, de 633 para 671 em 1999, um acréscimo de 6% (Relatório
Preliminar Anual Uniforme de Crimes, 1999, p. 5).
Mais importante, todavia, é notar que a política de
Tolerância Zero não foi a única implantada em Nova York, sendo que outros
fatores contribuíram para a queda nos índices de crimes no período de 1993 a
1998: a duplicação do número de policiais nas ruas; a mudança no consumo de
crack para heroína; um orçamento do NYPD de 2,6 bilhões de dólares; condições
econômicas favoráveis nos anos 90; novos sistemas computadorizados; a queda no
número de jovens de 18 a 24 anos e a prisão de grandes gangues de traficantes
(Karmen, 1996; Fagan, Zimring e Kim, 1998; Butterfield, 1998).
Por outro lado, a fundamentação empírica da teoria surge da
aceitação plena do estudo precitado de Wesley Skogan, no qual foram aplicados
cinco testes, dos quais quatro não vinculam em absoluto a desordem e o crime.
Estatisticamente — e só por isso —, não é apto a fundamentar qualquer teoria,
ainda mais se se considerar que no quinto estudo (talvez o único aproveitável,
vinculando desordem e roubo), foram incluídos cinco bairros de Newark (cidade
objeto da pesquisa, onde quarenta foram pesquisados), que, se excluídos, a
imprestabilidade restaria patente (Harcourt, 2003, p. 78).
Por que, então, a sedução pelas provas
"irrefutáveis" de que a teoria foi a responsável pelo que aconteceu
em Nova York, se os dados indicam o contrário?
4. Pessoas desordeiras, não respeitáveis e imprevisíveis
O que é ordem? O que é desordem? Se a linha é tão clara
quanto os mentores da Broken Windows dizem, por que a arbitrariedade que
insistem chamar discricionariedade, embora não se amolde ao conceito usual
(Giannini, 1970, vol. I, p. 485; Piras, 1964, p. 477): taking informal or
extralegal steps (tomando medidas informais ou extralegais) — policial é tão
necessária? A regularidade — ordem — nas ruas depende da prática irregular —
rectius: ilegal — da polícia? Regularidade, obviamente, somente nas escolhas
dos suspeitos.
O embasamento da teoria sobre as duas categorias — ordem e
desordem — também diz muito pouco. Aos criadores da Broken Windows, a última
quer dizer que o bairro perdeu as rédeas e que se não preocupa com o crime.
Ela, porém, como se sabe, pode ter muitos significados, afora o pregado por
Wilson e Kelling: uma greve, um evento artístico, um estilo de vida
alternativo, um local de vendas; ou pode significar somente pobreza, desemprego
e desespero. O bairro pode, por outro lado, não perder as rédeas, desde que
comandado por Dom Corleone, como no Poderoso Chefão, de Mario Puzo/Francis Ford
Copolla; ou um bicheiro; ou um traficante (Dadinho/Zé Pequeno, em Cidade de
Deus, de Paulo Lins/Fernando Meirelles).
Por outro lado, uma comunidade "ordeira" pode ter
outros significados: presença forte da criminalidade — mais ordem que usar
terno e gravata, com colarinho branco, impossível —, da máfia, de pontos de
tráfico de drogas, de locais de prostituição, de criminosos, enfim, que não
querem chamar a atenção para si; ou, aqui também, riqueza, presença da polícia
e, por óbvio, como querem eles, brutalidade policial.
A ordem, portanto, seria um conceito natural, orgânico,
criando assim uma nítida separação entre ordeiros e desordeiros, seguidores da
lei e criminosos.
Ora, as categorias em si podem ser produto dos mesmos
processos de punição que, pelo avesso, "legitimam a sociedade". É
desnecessário dizer que, com os esclarecimentos do labelling approach (teoria
do etiquetamento), é elementar que essas punições acabam criando as categorias
(Baratta, 2002, p. 85 e segs.). Para tanto, basta ler um pouco de Juarez Cirino
dos Santos, Alessandro Baratta, ou ouvir um tanto de Racionais MC''s.
Aqui um dos problemas: a Broken Windows somente cria essas
categorias para delas se utilizar. Não se preocupa, porém, com a reabilitação,
dado que propõe a punição pela punição: o homem como objeto de demonstração
exemplar (Roxin, 1997, p. 176 e segs.). Punindo o desordeiro, estar-se-ia
estabelecendo um padrão, uma norma social com o recado do que é certo e do que
é errado e de que este último não é aceitável numa sociedade
"normal". Isso poderia ter, como argumento, alguma validade — mas não
tem! — se houvesse perfeita transmissão e, nela, recepção, o que não ocorre nos
EUA e muito menos no Brasil, onde a estatística oficial garante a presença,
para começar, de dezessete milhões de analfabetos.
A política de Tolerância Zero, símbolo maior da Broken
Windows, é marcada pelo excesso do soberano e desumanidade das penas; um
funcionalismo bipolar, um tudo ou nada; culpado ou inocente; um sistema
binário, muito a gosto de uma pós-modernidade reducionista e maniqueísta.
Basta lembrar que nos EUA diversas cortes e juízes têm
aplicado penas mais que vexaminosas. Um jornal de Tacoma noticiou que uma
pessoa condenada por furtar carros foi obrigada a andar com uma camisa dizendo
"Sou um ladrão de carros"; um homem condenado em Ohio por importunar
sua ex-mulher foi condenado a deixá-la cuspir em sua face (Polner, 2000;
Deardoff, 2000a e 2000b). Não é de se estranhar que Dan Kahan, um dos maiores apóstolos
atuais da Tolerância Zero, apóie abertamente a idéia (Kahan, 1996 e 1998, p.
615). Afinal, para ele, lei boa é a de talião, felizmente já superada pelo grau
de civilidade alcançado no mundo ocidental; e porque ninguém pode atirar a
primeira pedra, mormente em estruturas de hiperinflação legislativo-penal.
A Broken Windows Theory, assim, não prega a reforma do
"desordeiro", mas tão-só sua punição, sua exclusão. Julga-o não
somente por dar a ele um antecedente criminal, tampouco por condená-lo, mas por
tornar o indivíduo alguém que precisa ser controlado, removido e observado. A
categoria do "desordeiro" permite a Tolerância Zero, e esta o abuso
do Estado e a barbárie do Soberano. A desordem do Estado, enfim, garante a
ordem. A violência policial é necessária; um meio para um fim maior.
Os bêbados, os catadores de papel, os flanelinhas, entre
outros, são as verdadeiras ameaças, os "projetos de Fernandinho
Beira-Mar", dos quais se deve dar cabo agora, antes que virem coisa pior.
Acaba-se com eles e se acaba com os estupros, com os roubos, com os homicídios.
O perigo de tal afirmação — não fosse a ingenuidade — é
evidente, na medida em que transforma o guri da esquina (que está lá ao invés
de estar na escola, maldito!) em um maníaco do parque; o mendigo que dorme sob
a marquise (porque quer, obviamente!) em uma ameaça para a sociedade (quem não
dorme melhor quando não vê um mendigo em tais condições?!). Os pedintes, então,
enojam, assustam, enchem todos de medo: fazem com que se saia das ruas e se fique
trancado em casa. E o medo, como que numa osmose criminosa, é percebido pelos
ladrões-desordeiros, que passam a roubar; um círculo vicioso do apocalipse da
desordem: desordem gera medo, medo gera crime, crime gera desordem. É o reino,
por evidente, da manipulação das premissas. É a filosofia Caco Antibes aplicada
ao Direito!
Efetuar tal maniqueísmo é somente mais uma forma — se é que
isso é possível — de dividir e estratificar a sociedade, causando mais males do
que se tem. É, além, mais uma forma de liberar aquilo que, falando desde o
inconsciente, produz medo: "dentro de nós há uma coisa que não tem nome,
essa coisa é o que somos" (Saramago, 2002, p. 262).
De outra parte, a Broken Windows Theory prega uma atividade
maior do policial e o uso do seu "bom senso inerente", que deve
perceber as situações e ponderá-las, tudo para manter a ordem. De bom senso se
sabe desde Descartes; inclusive sobre a sua indeterminação. Eis por que v.g. um
homem de terno e gravata dormindo na rua gera a conclusão de que está doente ou
estafado; um maltrapilho, por outro lado, tende a produzir a imagem de estar
criando a desordem e gerando homicídios, embora disso possa ele nada saber. Eis
por que para se manter a ordem são necessárias leis "abertas",
"generosas" (Hobbes?), que permitam ao "bom homem" prender
um grupo de negros que conversa na rua sem motivo aparente ou um bêbado
cantarolando pelas ruas da cidade. Nas palavras de um "bom" policial,
a tática é: "we kick ass" (a gente bota prá quebrar).
Quando Kelling e Wilson se referem à desordem, obviamente
dizem sobre ela nas ruas; não nos distritos policiais ou nos camburões.
5. A ineficiência do Estado: Tolerância Zero
Ficou evidente que todas as preocupações dos corifeus e
apóstolos da Broken Windows Theory se resumem à ordem e sua manutenção.
Entretanto, é por demais ingênuo (embora a proposta possa ser uma representação
narcísea) pensar que ao tirar a criança do semáforo e o mendigo da rua o problema
estará resolvido. O que acontece com eles depois disso — afinal, o raciocínio é
simples: se eles não estão lá, é porque não existem — não é problema dos
"teóricos". Do ponto de vista intelectual, beira-se à fraude.
Enquanto a postura do Estado for neoliberal, assumindo o
"ter" como prioridade ao "ser", estará o mundo fadado à
proliferação de teorias impossíveis de verificação e ineficazes desde o próprio
nascimento. Basta pensar que se tem um Estado Mínimo e para fazer viva a Tolerância
Zero é preciso um Estado Máximo. Há uma contradição — diria Aristóteles: algo
não pode ser e não ser ao mesmo tempo — e, com segurança, a verdade fica fora.
De resto, a inconstitucionalidade do pregado pela Broken
Windows Theory salta aos olhos. Ora, a CR diz que deve haver — e há — infrações
de menor potencial ofensivo, demarcando, para não deixar dúvida, a legalidade.
Afirmar o contrário, como quer a dita teoria, passando uma tábua rasa sobre
todas as infrações, para considerar a mendicância igual ao homicídio — pior: a
causa dele! —, afronta os mais comezinhos princípios estabelecidos por uma já
sofrida Carta.
A saída não é tão obscura quanto parece, ou quanto querem
fazer parecer: um Direito Penal mínimo, verdadeiramente subsidiário e que
atenda à Constituição (que segue e deve seguir dirigente); educação e saúde
para todos: como exigir do mendigo que "seja educado, não atrapalhe e não
feda", se não se dá a ele sequer ensino e saneamento básico? É hipócrita
dizer, afinal, que "todo mundo tem o direito de dormir embaixo da
ponte". Abalou-se, na estrutura, a ética, sem a qual em perigo está a
própria democracia.
Claro, tais propostas vão de encontro ao que existe de mais
sagrado na política da Terra Brasilis: o voto, símbolo maior da perpetuação das
capitanias hereditárias e motor de arranque de quase todas as idéias. Enquanto
os apóstolos da Tolerância Zero não entenderem que ela deve alcançar — isso sim
— a corrupção, com a má-fé e o mau uso do dinheiro público, continuar-se-á
vivendo nesta terra encantada de valores e moral em que Alice nos conduz; de
imbrogli retóricos. Isso eles não entendem, ou não querem entender. Não querem
perceber que quando alguém de dentro quebra as janelas, pouco resta a fazer com
os que estão lá fora (aliás, a pedra cai na cabeça deles!).
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