Autor: Fernando Ferreira Abreu. Promotor de justiça do Ministério
Público do Estado de Minas Gerais. Professor de Direito na UNIVALE.
Recentemente o Superior
Tribunal de Justiça, em acórdão da relatoria do Min. Félix Fischer (STJ, RHC
12.033-MS, j. 13.08.02), restou por decidir que a lei 10.259/01 ampliou não só
o limite da pena para fixação da competência do juizado especial, mas também o
limite mínimo de pena para a suspensão condicional do processo, ampliando-o
para dois anos.
No entanto, em que pese a inovação jurisprudencial,
obtemperamos que a referida decisão não só violou as regras de hermenêutica mas
também a mens legis, pois estendeu o benefício para os crimes cuja pena mínima
não ultrapasse dois anos ao arrepio da lei e contrariando o seu espírito.
Com efeito, mera análise perfunctória da lei 9099/95 nos
evidencia que esta, precipuamente, teve como objetivo a necessária criação e
regulamentação dos juizados especiais, destinados à criminalidade de pequeno
potencial ofensivo, que demandava forma simplificada e menos rígida de
repressão e prevenção.
Todavia, para não fugir à costumeira regra de falta de
técnica legislativa, criou o instituto da suspensão condicional do processo,
cuja aplicabilidade restou expressa a todo o ordenamento penal(art. 89), não
limitando sua aplicabilidade à lei instituidora. Não fosse isso bastante,
modificou o Código Penal e a legislação especial no que toca a condição de
procedibilidade para a ação penal(art. 88).
Com o advento da lei 10259/01, grande parte da doutrina e
jurisprudência, em posição para nós acertada, restou por entender que o novo
limite de pena instituído para a Justiça Federal(pena máxima não superior a
dois anos) também deveria ser aplicado à justiça comum em razão da derrogação
do art. 61 da lei 9099/95.
Contudo, ao que tudo indica, com a decisão acima citada,
nova celeuma jurídica está prestes a se instalar, desviando-se da correta
interpretação legal.
Nessa linha, inicialmente vale lembrar que os limites de
pena fixados originariamente pela lei 9.099/95(pena máxima não superior a um
ano para a competência do juizado e pena mínima não superior a um ano para a
suspensão condicional do processo) não só foram fixados usando-se parâmetros
diferentes, mas também, apenas por falta de técnica legislativa foram
instituídos no mesmo diploma legal.
Dessa forma, a vinculação entre o juizado especial e o
instituto da suspensão condicional do processo só existe em razão do tratamento
da matéria pelo mesmo diploma legal, pois a própria lei 9.099/95 dispôs que o
benefício do art. 89 possuía cunho geral, de aplicabilidade a todo o
ordenamento penal.
Assim, a recente decisão do STJ, ao ampliar o alcance da
suspensão condicional do processo para os crimes cuja pena mínima não seja
superior a dois anos em função da lei 10.259/01, não só vinculou
equivocadamente o instituto da suspensão do processo à lei 9.099/95, mas também
à lei dos juizados especiais federais, sendo que esta, em momento algum,
modificou o art. 89 da primeira lei dos juizados especiais.
Igualmente, ao estender o limite da suspensão, que se
repita, trata-se de norma de cunho geral apenas instituído por falta de técnica
legislativa na lei dos juizados especiais, restou por modificar comando geral
através de lei especial cujo conteúdo apenas derrogou parte de norma também
especial(art. 61 da lei 9.099/95), de sorte que a ampliação empreendida não
encontra ressonância nas regras de hermenêutica.
Não fosse isso bastante, impende ressaltar que a norma do
art. 89 da lei 9099/95 é excepcional, pois a regra é a existência do devido
processo legal que somente cede espaço para a suspensão condicional do feito
ante ao preenchimento dos requisitos expressamente previstos em lei, sendo,
portanto, um beneplácito legal excepcionando a regra geral.
De tal arte, aludida decisão, além da errônea vinculação,
interpretou ampliativamente norma de cunho excepcional, violando a consagrada
regra de hermenêutica de que as normas de exceção são interpretadas
restritivamente.
Dessa forma, o referido decisório do Superior Tribunal de
Justiça não é coerente com as lições normalmente oferecidas pela Egrégia Corte,
bem como não guarda consonância com nosso o ordenamento jurídico.
Fernando Ferreira Abreu
Promotor de Justiça em Governador Valadares-MG. Professor
da Universidade Vale do Rio Doce