® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br

 

Aborto: Uma Abordagem Geral

 

Renata Veras Rocha acadêmica de Direito na UFRN, Natal (RN)

 

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Etimologia, definição, tipos de aborto e métodos conhecidos.

A palavra "aborto" vem do latim ab-ortus, étimo que transmite a idéia de privação do nascimento. Assim, a prática do aborto, pode ser definida sinteticamente como: "interrupção da gravidez, com a morte do produto da concepção"(1).

Dentre os diversos tipos de aborto existentes, torna-se importante ressaltar aqui os mais discutidos atualmente, a fim de facilitar o entendimento de considerações posteriormente expostas neste trabalho: aborto terapêutico ou necessário, que é aquele feito porque a gravidez põe em risco a vida da gestante; honoris causa, honroso ou moral, que consiste em abortar o feto por ser a gestação resultante de estupro; eugênico ou profilático, representado o aborto feito pois o feto apresenta alguma anomalia grave; e, por fim, o social, que é realizado por questão de controle de natalidade.

Além desses tipos citados, há um critério de classificação que o divide em dois grupos principais: espontâneo e provocado. O primeiro consiste naquele em que o próprio organismo se encarrega de realizar. Assim, independente da vontade da mulher, o organismo expulsa o feto (pode acontecer pelos motivos mais diversos(2)) impossibilitando, então, a continuidade da gestação. Já o aborto provocado, é aquele feito intencionalmente, ocasionando, então, a morte do feto por vontade própria. É em relação a este tipo de aborto que surgem diversas polêmicas, e é a seu respeito que discorrerá o presente trabalho.

Para a execução do aborto provocado, há variados métodos(3) que podem ser empregados. Os mais utilizados , entretanto, são os mais perigosos e mais precários, pois a maioria da população não dispões de condição financeira para fazer de outra forma. Dentre estes meios lastimáveis, encontra-se a utilização de vegetais, tais como: cravagem, centeio, arruda, sabina, thuia (arranjo ornamental), tanaceto e até o teixo, bem como a introdução de objetos (agulhas de tricô, tesouras, antenas, etc.), esquartejando o feto ainda dentro do ventre materno. Há também injeções de sabão ou sal e, ainda, apelo às paramédicas (vulgarmente conhecidas como cachimbeiras) , que praticam banhos quentes, massagens e fricções no baixo ventre, duchas ferventes no colo uterino e rolhões vaginais (utilização de algodão ou gaze levado até o final da vagina), além das famosas golfadas de fumaça de cachimbo, com substâncias estupefacientes, para causar torpor mental na "paciente", o que lhes rendeu a alcunha de cachimbeiras.

Outras pessoas, optam pelas drogas químicas, fato que também ocorre em grandes quantidades. Neste método, percebe-se a imensa incidência da utilização do tão conhecido Cytotec. Esse medicamento é próprio para o tratamento da úlcera gástrica e absolutamente contra-indicado a mulheres grávidas, pois tem como princípio ativo o misoprostol, substância com o condão de provocar o aborto. O uso do Cytotec facilitou a prática do aborto, pois ele é encontrado facilmente nas farmácias, de forma ilegal. Muitas vezes os próprios balconistas têm contato com os distribuidores, formando a "máfia do Cytotec". "Uma pesquisa realizada pelo Grupo de Prevenção ao Uso Indevido de Medicamentos (GPUIM), do Departamento de Farmácia da Universidade Federal do Ceará, revelou que, em 1993, das 510 mulheres que foram internadas na Maternidade Escola Assis Chateubriand após fazer o aborto, 325 confessaram o uso do medicamento" (4) .

Além dos métodos já citados, encontram-se presentes ainda aqueles usados por médicos, que são procurados pelas pessoas de maior poder aquisitivo, já que constituem práticas caras, feitas em geral por clínicas clandestinas. As principais "táticas" usadas são:

• Karman: Faz-se uma aspiração do conteúdo uterino, que dependendo da resistência da mulher, pode ser feito sem anestesia. O bebê termina despedaçado, da mesma forma que acontece quando a mãe o expele por conseqüência de algum remédio ingerido.

• Parto Parcial : É uma cirurgia que parece com a cesariana. Realizada com anestesia geral ou peridural. Nesse caso, puxa-se o bebê para fora, deixando apenas a cabeça dentro, já que ela é grande demais. Daí, introduz-se um tubo em sua nuca, que sugará a massa cerebral, levando-o à morte. Só então o bebê consegue ser totalmente retirado.

• Curetagem: Faz-se uma raspagem das paredes do útero para deslocar o embrião e a placenta, que são retirados com uma pinça especial.

Conseqüências físicas e psicológicas.

O aborto pode comprometer a saúde da mulher em graus variáveis. A gravidade das complicações mórbidas advindas do abortamento tendem a aumentar com a duração da gravidez, por exemplo, um aborto no segundo trimestre da gestação é mais perigoso que um no primeiro trimestre. Embora também possam ocorrer nos casos de aborto espontâneo, as complicações são mais graves e mais freqüentes quando o aborto é provocado.

A hemorragia, nos casos de aborto espontâneo, raramente é profusa. Já no aborto provocado, ela é mais intensa e pode até levar ao choque. Já as infecções, apresentam-se relativamente raras e benignas no aborto espontâneo, mas podem ser graves e mortais no aborto provocado.

O traumatismo mais perigoso associado ao aborto provocado é a perfuração uterina, que poderá ocasionar peritonite e morte. O colo do útero também pode ser lesado durante as práticas abortivas e, mais raramente, outros órgãos vizinhos, como bexiga e alças intestinais, podem ser comprometidos. O aborto provocado executado em clínicas clandestinas, é feito em geral sem acompanhamentos e cuidados médicos adequados, o que igualmente poderá ocasionar inúmeras complicações.

Apesar de ser uma questão polêmica que admite diferentes posicionamentos, todos os que se manifestam contra ou a favor do aborto estão de acordo em um ponto: os impactos negativos do aborto poderiam ser minorados hoje com os aperfeiçoamentos desenvolvidos pela medicina, tanto ao nível da técnica quanto da pesquisa ou da preparação pessoal. Poderia, então, constituir uma cirurgia simples, de pouco risco e de baixo custo, afinal, o aborto é uma realidade.

Além das possíveis conseqüências físicas , um aborto costuma provocar crises de arrependimento e culpa, e reações psiconeuróticas ou mesmo psicóticas graves.

A maioria das mulheres pratica o aborto em uma situação desesperadora de medo ou insegurança. Depois disso, muitas deixam de se cuidar e, sem apoio psicológico para lidar com seus sentimentos, acabam engravidando de novo.

Por mais liberta que a mulher esteja dos padrões morais e religiosos, por mais consciente da impossibilidade de levar a termo sua gestação, por mais indesejada que tenha sido a gravidez, abortar é uma decisão que, na grande maioria das vezes, envolve angústia. Esse sentimento é aguçado quando o aborto é efetuado em clínicas clandestinas, pois a estrutura e o aparato que envolvem a clandestinidade acabam provocando uma sensação de culpa.

Para alguns psiquiatras, cada aborto representa uma experiência carregada de riscos seríssimos para a saúde mental, devendo ser proibido. Por outro lado, há estudiosos que afirmam que a reação psicológica adversa acarretada pelo aborto provocado é menos grave frente à reação ao nascimento de uma criança indesejada. Enfim, o que se percebe é que realmente o assunto é complexo, admitindo as mais diversas opiniões a respeito.

 

A QUESTÃO ÉTICA : O ABORTO É MORALMENTE PROIBIDO OU PERMITIDO?

A Ética, por ser uma ciência preocupada em mostrar aos homens a forma correta de se portar diante das situações impostas pela vida, tem tentado fundamentar os homens, da mesma forma, a respeito da prática do aborto. Portanto, as discussões morais relativas a esta são inúmeras, mas o consenso ainda se encontra distante. Por isso, a melhor forma para estudá-la é verificando as opiniões divergentes, para que assim se possa partir para uma conclusão própria coerente e, sobretudo, plausível acerca do assunto.

O ponto de vista contra

As pessoas que condenam a prática do aborto, em sua grande maioria, fundamentam-se na afirmação de que o feto é uma vida humana. Assim, admitem como marco inicial da vida a concepção, ou seja, o momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozóide. Alegam que não se pode considerar outro ponto pois, na verdade, ocorre um processo gradativo, que se inicia na fecundação e se encerra com a morte, seguindo ininterruptamente, não existindo períodos de não vida. Assim, a partir da fecundação, outra criatura se inicia.

Colocam os conservadores(5), ainda, que pelo instinto de preservação da vida, deve-se manter vivo o feto, pois tem vida própria e jamais se confundirá com o corpo da mãe. O raciocínio é bastante lógico, constituindo-se por duas premissas fundamentais, que originam uma conclusão:

É errado matar um ser humano inocente;

Um feto humano é um ser humano inocente;

Conclusão: É errado matar um feto humano.

Realmente, esta representa uma linha de pensamento bastante fechada, que quase não admite contestações, principalmente no que diz respeito à concepção como indicador do início da vida humana. Mesmo assim, houve algumas tentativas em se apresentar outro ponto que iniciasse a vida, mas foram em vão.

Além disso, vale salientar também o argumento da religião católica, que condena a prática do aborto, e é também bastante aceito pela sociedade atual, já que esta tem muitas de suas raízes nesta religião. Consiste, basicamente, em afirmar que só a Deus cabe o poder de retirar a vida de alguém. Assim, percebe-se que os cristãos admitem também que o feto seja um ser vivo, dotado, inclusive, de alma , proibindo terminantemente o aborto, quaisquer que sejam os motivos. Para os católicos em geral(6), o aborto é um crime e pode ser taxado de assassinato.

A religião espírita, da mesma forma, considera o feto como um ser vivo, dotado de corpo, alma, e, portanto, de direito à vida. Dizem ainda que quando o espírito(que é imortal) redunda em aborto, fica frustrado e pode, inclusive, se tornar um obsessor daquele que o provocou. Mostram-se, porém, um pouco diferentes dos católicos na medida em que consentem o aborto terapêutico, conforme se percebe na seguinte passagem do "Livro dos Espíritos"( Questão 359):

"Dado o caso em que o nascimento da criança pusesse em perigo a vida da mãe dela, haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?

- Preferível é que se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe"

Vistos os principais argumentos contra o aborto, percebe-se claramente o embasamento destes na afirmação de que o feto é uma vida humana, discutida apenas por uma pequena parte dos liberais(7), como ver-se-á agora.

O ponto de vista a favor

De acordo com Peter Singer (1998:148), houve tentativas para se indicar outro ponto como início da vida humana, mas o próprio autor mostrou a fragilidade destas, contestando-as ferrenhamente, conforme se pode ver a seguir. As principais divisões encontradas foram:

Primeiramente o nascimento, que é aderido por alguns liberais por estar bem inserido na questão sensível do homem, já que se fica menos comovido com a morte de um feto do que com a morte de um bebê. Mesmo assim, essa linha de raciocínio que afirma ser o marco inicial da vida o nascimento torna-se falha, por não haver nenhuma diferença notável entre o feto e o bebê, a não ser a localização. Segundo Peter, "Parece estranho admitir que não podemos matar o bebê prematuro mas que podemos matar o feto mais desenvolvido, prestes a nascer".

A segunda linha divisória para originar a vida humana propriamente dita é a viabilidade, que cobre essa questão do feto desenvolvido e do bebê prematuro, visto que seria vivo o feto que tivesse a possibilidade de se manter com vida exteriormente ao corpo de sua mãe. Só que, este argumento também se torna falho ao se verificar que a viabilidade pode variar em cada época ou lugar, dependendo dos avanços tecnológicos. Então, em uma cidade desenvolvida o feto poderia ser viável devido aos recursos existentes, enquanto que outro feto de mesma idade, em um interior, não teria tal viabilidade. É, realmente, bastante contestável tal afirmação.

Outro marco apontado por Singer constitui-se no surgimento dos primeiros sinais de vida, ou seja, quando a mãe sente seu feto se mexer, concepção que foi aceita pelos antigos católicos, que consideravam este momento como a chegada da alma. Apesar disso, não mais consideram assim esses religiosos e os estudos já mostraram que os próprios movimentos fetais existem antes de que possam ser sentidos pela mãe, e que portanto é mais uma divisão falha.

Por último, uma linha divisória que considera a consciência como indicadora do início da vida humana. Torna-se, porém, arriscado se recorrer a esta pois os estudos vão se modificando, não se podendo afirmar ao certo quando o feto passa a possuir a consciência. Há quem diga que é desde a 14a semana de gestação, enquanto que outros afirmam que "a partir da fecundação o ovo tem a capacidade de guardar eventos (memória) e de sentir dor (se puncionarmos o ovo, ele apresentará a nítida tendência de fugir da agressão com movimentos amebóides)" (8)

Mesmo com todas essa objeções, parece mais plausível a idéia dos que são contra por afirmarem que o desenvolvimento do feto é um processo gradual e que não possui nenhuma divisão moralmente significante. Vista a dificuldade para se estabelecer outra linha divisória, os liberais passaram então a questionar outros pontos e não mais a opinião de que o feto é um ser humano.

Dentre os argumentos liberais melhores elaborados, encontra-se o das feministas, que consiste em afirmar que a vida é realmente importante para o ser humano, mas sem liberdade perde todo e qualquer significado. Acreditam, então, que deve ser respeitado o direito subjetivo de liberdade de escolha da mulher, cabendo apenas à ela a decisão de levar ou não adiante uma gravidez. Assim, as feministas afirmam que, na maioria dos ordenamentos jurídicos, considera-se o direito do feto, em detrimento do princípio de autonomia da mulher, com estrutura ontológica bem mais completa. Elas consideram, portanto, que ninguém tem mais direito à vida do que os que a possuem em plenitude. Essa questão da liberdade é combatida pelos conservadores ao ressaltarem que liberdade alguma é atingida através do sacrifício de vidas inocentes.

Outra linha de pensamento que se coloca a favor do aborto é aquela que associa seu argumento às conseqüências sociais geradas por uma alta taxa de natalidade. Ressaltam que, em sociedades super-populosas, seria necessária a prática do aborto com finalidade de controle de natalidade, visto que uma explosão demográfica provavelmente provocaria uma queda no poder aquisitivo da população, aumentando fome, miséria e marginalidade.

Por fim, um outro posicionamento a respeito é o assumido pelo autor Peter Singer(9), neo-utilitarista bastante conhecido atualmente. Segundo ele, o feto não é uma vida humana propriamente dita, mas sim em potencial. Diz , então, que o argumento que atribui ao feto direitos de um ser humano adulto é equivocado , já que um ser em potencial não é um ser real, e jamais deveria possuir os mesmos direitos. Assim, num dilema ético a respeito da prática ou não do aborto, devem prevalecer os interesses da mulher e não do feto, por serem estes mais rudimentares e menos complexos. Faz, ainda uma observação bastante importante: da mesma forma que o feto é ser humano em potencial, o espermatozóide também é, resguardando-se as devidas proporções. Então, para ele, representa uma grande incoerência se condenar o aborto, mas permitir práticas como o uso de anticoncepcionais, comportamento de abstinência sexual, e até mesmo o celibato.

 

A QUESTÃO JURÍDICA

O direito não se apresenta alheio à sociedade, mas sim estritamente relacionado aos fatos que nela ocorrem. Assim, apesar dos diversos conflitos éticos relativos à prática do aborto, percebe-se a necessidade de uma regulamentação jurídica do assunto, já que este é inerente à vida humana.

Breve esboço histórico

Apesar de bastante polêmica, a questão do aborto não data de épocas recentes, mas de tempos remotos, variando durante toda a história.

Os primeiros sinais dessa prática podem ser encontrados já na célula mater da sociedade, a família. Não adquiriu, porém, um tratamento homogêneo em todas elas: foi vedado na maioria, onde se impunham castigos por vezes extremos aos executores; enquanto que em outras, entretanto, nenhuma sanção era imposta. Esta ausência de recriminação concreta se dava por aceitabilidade da conduta ou até mesmo por desinteresse dos membros, que não "ganhariam" nada ao fazê-lo.

Nos sistemas históricos remotos, a impunidade do aborto foi preponderante, não constituindo motivo de incriminação. O direito oriental tolerava-o sem qualquer sanção para a gestante ou para o executor do ato. Entre os Hebreus, também era a perfeitamente aceitável, só passando a constituir crime muito após a Lei Mosaica (Êxodo 21-22). Na Grécia Antiga, a prática era corrente e encarada naturalmente, sendo feita sobretudo entre as meretrizes. Neste país, durante a Antigüidade Clássica, Aristóteles e Platão o consentiam, mas estabeleceram um limite para se realizar (concebiam a prática no período em que o feto não fosse dotado de "alma"). Em Roma, era também fato comum, pois o princípio da liberdade era assegurado à mulher, que poderia dispor livremente do seu corpo. Na verdade, não cuidaram disso as leis da XII tábuas, nem as leis da república, mas a sociedade encarava o feto como mera parte do corpo da gestante. Contudo, o aborto provocado sem o consentimento da gestante era terminantemente proibido, considerando-se criminoso o executor do ato. Entretanto, posteriormente, coube a Septímio Severo condenar a "abactio partus", afirmando ser uma lesão ao direito do marido à prole esperada (D.47, II, 4). Invocava-se a lei contra o veneficium para resolver tal questão, sendo imposta ao réu que utilizasse substâncias abortivas a pena de trabalho escravo em minas ou confisco de seus bens. Se a gestante falecesse em função da cirurgia, seria o executor condenado à pena de morte. Em relação à tal lei contra o veneficium, bem colocou o doutor Roberto Lisboa: "Nenhuma proteção existia em benefício do nascituro, mas apenas à integridade física da mulher e ao direito paterno à prole" (10). No entanto, a mulher nubile iuris sui (solteira) poderia abortar livremente.

Com o advento do Cristianismo, entretanto, consolidou-se o combate ao abortamento(11). Inspirado nas concepções aristotélicas, São Tomás de Aquino estabeleceu distinções entre o feto animado e o inanimado, reprimindo o aborto em fetos animados (dotados de alma). Considerou o feto masculino vivente a partir de quarenta dias após a concepção; o feminino, a partir de oitenta dias. Essa tese passou a ser ferrenhamente defendida pela Igreja, mas não durou, visto que logo se aperceberam da dificuldade em se demonstrar quantos dias o feto tinha de concebido. Em 1585, o papa Sixto V fixou, independente da idade do feto, penas canônicas e seculares para o aborto, enquadrando-o uma espécie de homicídio. Passados três anos, o papa Gregório XIX amenizou a penas do direito canônico e passou a considerar, novamente, condenável apenas o aborto em fetos animados. Com o passar dos anos, a Igreja adotou a teoria concepcionista, abandonando a do feto animado: equiparou o aborto ao homicídio cruel de pessoa indefesa e manteve pena de morte para o agente de tal conduta delituosa.

Na Idade Média, os juristas do mundo germânico deixavam a cargo da Igreja um posicionamento a respeito do aborto. Os Clérigos, então, condenavam-no enquadrando-o ora em feitiçarias, ora em homicídio especial.

No período Iluminista, o aborto foi equiparado ao homicídio mas foi atenuada a pena às gestantes que o praticassem em defesa da honra. O Código Penal Francês de 1701, por sua vez, isentou a prática abortiva por honra de qualquer pena.

Paulatinamente, a pena capital contra crimes de aborto foi sendo abolida, e nas épocas mais recentes (séc. XIX), deixou de ser aplicada em todas as partes do mundo. Hoje, o que se aplicam, são penas de privação de liberdade, mas esta tendência moderna será explorada no próximo tópico do trabalho.

Tendência legislativas atuais.

Analisando-se os diversos ordenamentos jurídicos atuais, chega-se à conclusão de que, basicamente , existem três tendências a respeito da permissão ou não do aborto.

A primeira linha de pensamento presente dos ordenamentos jurídicos engloba países como: Japão, Hungria, Rússia etc. , e deixa nas mão das mulheres e do médico a opção pelo aborto. Assim, havendo o consenso entre este profissional e sua paciente, será legal a prática do aborto, independente de quem tenha partido a iniciativa. Muitos acham que essa regulamentação aumentaria a incidência de abortos livres, ou seja, daquele tipo de aborto procurado pela gestante por quaisquer causas possíveis. O que se percebe, entretanto, na maioria dos casos, é que legalmente não aumentaram os índices de abortos feitos livremente, e que são poucos os médicos que aderem à essa prática diante da lei, visto que há grande preconceito por parte dos demais profissionais e até mesmo por parte da sociedade como um todo. A respeito, interessante verificar a seguinte opinião: "Os poucos médicos que aceitam acatar a vontade destas mulheres fazem-no apenas por dinheiro, são ambiciosos sem escrúpulos que não merecem usar títulos de médicos" (12)

O aborto legal termina sendo feito apenas em situações extremas, que envolvem risco para a saúde da mãe ou do feto, pois somente nestas haverá a aceitação e às vezes, até mesmo indicação por parte do médico em fazê-lo. Mesmo assim, na clandestinidade, a incidência de abortos livres cresce a cada dia.

Outra linha de permissão se faz presente em legislações bastante liberais, permitindo a realização do aborto por diversos motivos. Estes vão desde fatores sócio-econômicos (em casos de prole numerosa, controle de natalidade, impotência patrimonial do casal), até a escolha livre da mulher. Poucos são os ordenamentos que aderem a esta linha de pensamento, dentre estes, o Canadá (país que permite o aborto por livre escolha da mulher); bem como a China (que conta com a maior população do planeta, e por isso toma medidas funestas e extremas ao fazer controle de natalidade), Suécia e Islândia (ao estabelecerem o aborto social).

A grande maioria dos países, entretanto, encontra-se na terceira tendência relativa ao aborto. Permitem-no apenas em situações extremas, como é o caso do Brasil, Israel, Espanha, França, Chile, Argentina etc. Mesmo entre os países que aderem a esta linha, não há uma homogeneidade, pois existem divergências quanto aos motivos que podem ser considerados para se efetivar um aborto legal. Pode-se perceber claramente tal heterogeneidade no seguinte quadro:

* Quadro comparativo acerca dos motivos aceitos por alguns países que permitem o aborto em casos extremos:

Motivos

França

Brasil

Peru

Israel

Suíça

Espanha

Aborto terapêutico

SIM

SIM

SIM

SIM

SIM

SIM

Aborto eugênico

SIM

NÃO

NÃO

SIM

NÃO

SIM

Aborto honroso

NÃO

SIM

NÃO

SIM

NÃO

até o 3o mês

Nos Estados Unidos, país regido pelo Common Law, a situação é diferente, não se enquadrando em nenhuma das três tendências. Isso porque, em 1973, a Corte Suprema deste país abriu um precedente no famoso caso Roe versus Wade, ditando que a mulher tem o direito constitucional de decidir se ela quer ou não ter o filho. O aborto se tornou legal em todo o país. Ainda determinou esta Corte que as restrições estaduais sobre o aborto seriam somente válidas se justificadas por um interesse compelente do estado. Então, concomitantemente, "a corte reconheceu a necessidade de traçar um balanço entre o direito da mulher de escolher o aborto e os interesses do estado em assegurar a saúde da gestante e proteger a vida humana em potencial" (13).Assim, foi determinado que no primeiro trimestre haveria obrigatoriamente a possibilidade de se fazer o aborto em todos os estados. No segundo trimestre, entretanto, os estados que assim desejassem poderiam proibir tal prática desde que apresentassem justificativas plausíveis, geralmente relacionadas à garantia da saúde da gestante. Já no terceiro trimestre, o aborto não seria permitido em nenhum estado, desde que a gravidez não colocasse em risco a vida da gestante. Conforme se pode ver, este país se baseia no critério da viabilidade.

Após expostas as tendências atuais, torna-se importante lembrar que, nos países em que o aborto é livremente permitido, suas legislações são embasadas no princípio da liberdade da mãe, argumento liberal, exposto anteriormente. Os que, ao contrário, permitem a conduta apenas em alguns casos, serão expostos ao se tratar da legislação brasileira, porque ela está inserida nesta tendência.

O posicionamento do direito pátrio acerca da questão.

Como já foi falado, o Brasil se enquadra no conjunto de países cujas legislações permitem a prática do aborto em casos extremos. Portanto, atualmente, aqui, o aborto é considerado um crime, com duas exceções: quando a gravidez resulta de estupro(14) ou se colocar em risco a vida da gestante. Nestes dois casos o aborto torna-se legal, com a condição de ser realizado por um médico.

A respeito da utilização da expressão "aborto legal" para designar o consentimento do aborto em caso de estupro , há uma contestação por parte do Pe. Luís Carlos Lodi (1999:1-2). Frisa ele que não existe aborto legal, pois não há direito algum de a mulher fazer o aborto neste caso, mas uma suspensão da pena por razões de política criminal. Assim, considera, mesmo neste caso, um crime, só que não punível. Segundo ele, se o aborto não punível fosse um direito, estaria ferindo a Constituição Federal (art. 5o caput), bem como o art. 5o em seu inciso XLV da mesma que diz: "Nenhuma pena passará da pessoa do condenado"

Segundo Lodi, este deixa claro que a criança não pode pagar com a vida o crime de estupro cometido pelo seu pai. Ainda a respeito do aborto por estupro, interessante posição é a seguinte: "Bem, no estupro temos uma vítima, a mulher, temos um agressor (ou agressores) o estuprador. Porém, se provocarmos o aborto condenaremos à pena Capital (morte) alguém que não cometeu crime algum, o feto." (15)

Apesar das contestações, o que se percebe é que a gestante pode, segundo a lei, realizar o aborto no caso de estupro, bem como no caso de que a gravidez coloca em risco a vida da mãe, como coloca o Código Penal:

" Art.128. Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio para a vida da gestante

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal."

O aborto cometido em defesa da honra da gestante (aborto por estupro) é plenamente justificável, segundo os legisladores pátrios. No aparente conflito de direitos de personalidade, tem-se o direito ao uso do corpo da gestante violado, bem como seu direito à honra e à integridade física e psíquica, em contraste com o direito à vida do nascituro. Assim, o constrangimento físico, a tortura psíquica, o vexame social ao qual se submeteu a vítima significam a redução de sua dignidade, dever constitucional do Estado para com ela..

O aborto terapêutico também é legalmente permitido, mas o progresso da ciência tende a diminuir os casos em que se considerará a prática abortiva como de salvamento de vida ou da integridade física da gestante. Inúmeras complicações vão sendo afastadas pelos métodos da medicina moderna, sem maiores agravamentos à interessada e ao nascituro.

Ora, se com exceção desses dois casos, o aborto é considerado crime, torna-se inescondível que a legislação brasileira considera o feto como um ser humano. Assim, a prática elimina uma vida que se inicia, sendo enquadrada nos crimes contra a vida. As punições são as seguintes, de acordo com o Código Penal Brasileiro:

"Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124. Provocar o aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Aborto provocado por terceiro

Art.125. Provocar aborto, sem consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos .

Art. 126. Provocar o aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze anos), ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido através de fraude, grave ameaça ou violência.

Forma qualificada

Art. 127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevem a morte."

Partindo, então, da posição conservadora de que o feto é um ser humano, o legislador brasileiro respeitou principalmente a Constituição Federal, que assegura, em seu art. 5o , o direito a vida para todos; o Código Civil, que põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro; e , ainda, o estatuto da criança e do adolescente (que em seu art. 7o diz que toda criança tem direito a vida mediante a efetivação de políticas sociais-públicas que permitam o nascimento).

Assim, a legislação pátria renega a premissa abortista de que a mulher tem o direito de dispor do próprio corpo. Considera inegável a liberdade, assegurando-a na própria Constituição, mas esta não diz respeito ao feto, porquanto não é corpo da gestante, apêndice, órgão, mas um sistema independente, todavia, não autônomo que, por força da natureza, utiliza-se do útero da mãe temporariamente, para se aperfeiçoar.

Como já expressou a Real Academia de Doutores de Espanha, "O concebido não é uma parte do organismo materno, senão um efetivo ser humano, perfeitamente individualizado, que, não pode ser objeto de disposição nem sequer de seus progenitores; ninguém , portanto, tem direito a destruir" (16)

Além disso, há quem afirme que se fosse permitida a prática do aborto, estar-se-ia contrariando ainda o princípio de igualdade entre os indivíduos, presente na CF de 1988: "Art. 5o- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...)" (grifo meu).

A respeito da igualdade entre o feto e os demais homens, há algumas opiniões interessantes:

"Abandonar a vida do nascituro à liberdade de disposição de outras pessoas equivale a instrumentalizar esses seres humanos à conveniência de critérios alheios q traduz-se numa violação grosseiramente discriminatória do princípio de igual dignidade dos homens" (17)

"O direito à vida deve ser garantido a todos e de forma igual" (18)

Vislumbra-se, decerto, inequivocamente, a primazia que o legislador constitucional de 1988 imprimiu ao valor "vida". Este foi colocado à frente dos outros, constituindo um eixo do qual emanam todos os demais valores.

Importante se levar em consideração que mesmo com a ilicitude do aborto na maioria dos casos, os abortos no Brasil continuam acontecendo. Só que, devido a proibição , ocorrem de maneira precária , de acordo com os métodos já citados, provocando a incidência de muitas clínicas clandestinas. Nestas, o aborto é feito sem os cuidados básicos de higiene e resguardo da mulher, vindo a colocar sua vida, por diversas oportunidades em risco. Para muitos, esse fato representa uma justificativa significante para que se modifiquem as leis brasileiras relativas ao aborto.

Propostas que visam reformular a legislação brasileira acerca do aborto.

No Congresso Nacional, hoje, são várias as propostas que visam desde a legalização completa do aborto até o aumento do leque de permissivos legais. Entre estas, há duas que vale a pena ressaltar, uma por contar com simpatia de vários congressistas (a que visa regular o aborto eugênico) e o outra por ser polêmica em virtude de seu caráter extremista (já que almeja a total legalização do aborto).

Regulamentação do Aborto Eugênico

Em primeiro lugar, vale lembrar que o aborto eugênico ou seletivo, conforme já explicado, é aquele provocado devido a limitações físicas e/ou mentais do feto.

O Anteprojeto de Lei que o regula propõe uma nova redação para o Código Penal, alterando seus três incisos, que é a seguinte:

"Art. 128. Não constitui crime o aborto praticado por médico se:

I. não há outro meio para salvar a vida ou preservar a saúde da gestante;

II. a gravidez resulta de violação da liberdade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida;

III. há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais.

Parágrafo 1o . Nos casos dos incisos II e III e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido do consentimento da gestante, ou quando menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro;

Parágrafo 2o . No caso do inciso III, o aborto depende, também, da não oposição justificada do cônjuge ou companheiro". (19)

Como se pode ver, a proposta visa possibilitar o aborto seletivo, além de trazer outras alterações, não cabendo ao presente trabalho estas explorar.

Uma justificativa bastante difundida a respeito da legalização do aborto seletivo é a que afirma haver um grande número de alvarás autorizando a prática. Assim, como esta situação já vem sendo aceita pela Justiça brasileira , havendo cerca de trezentos e cinqüenta alvarás judiciais sobre a questão, deve-se legalizá-la. O argumento da jurisprudência acumulada é utilizado como prova da necessidade de legitimação da prática através de sua descriminação.

Uma afirmação constante entre os críticos desta reforma é a que afirma não haver nenhum padrão para se determinar que anomalia poderia ser motivo de aborto ou não , como já disse Roberto Andrade (1999:9): "será extremamente difícil estabelecer quais os casos de deformidade que renderão ensejo à prática abortiva"

Receiam os críticos que causas mínimas sejam usadas como pretexto para se fazer o aborto eugênico.

Além disso, outro argumento empregado contra o aborto eugênico é o que afirma que, muitas vezes, o fato de ser deficiente não traz consigo infelicidade para o ser humano. Há deficientes mais felizes que muitas pessoas normais. A propósito, uma opinião bastante assaz:

"A experiência mostra que há menos divórcio nas famílias cujos filhos são deficientes do que nas famílias com filhos normais. Conheço mais de 2000 portadores de Síndrome de Down com nome e sobrenome, e em sua grande maioria os pais vivem bem. São felizes, apesar de tudo" (20)

Em geral, os principais questionamentos propostos pelos críticos deste Anteprojeto são os seguintes: Os médicos a que o Anteprojeto se refere devem ter familiaridade com a área de diagnóstico pré-natal de anomalias fetais? O critério de grave e irreversível anomalia física ou mental está restrito à condição da criança imediatamente após o parto ou pode ser ampliada para situações que ocorrerão a longo prazo? Um exemplo disto pode ser um diagnóstico que preveja a Doença de Huntington em um feto. Este diagnóstico, que irá manifestar-se somente na quarta década de vida, constitui motivo para a realização do aborto?

A verdade é que a questão do aborto seletivo é bastante polêmica, pois só há consenso em casos limites de anomalias, como a anencefalia, pois tanto a medicina como o social concordam com a total impossibilidade da vida biológica e moral, solucionando os dilemas éticos da questão. Nos outros casos, entretanto, restam apenas dúvidas.

Projeto de Lei sobre a regulamentação voluntária da gravidez.

Outro projeto, bastante polêmico , visa a legalização do aborto por quaisquer motivos, e também se encontra na ordem do dia do país.

Para uma reflexão correta, é necessário se conhecer a proposta e o que ela pretende:

"A exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez quando realizada nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher;

Nos casos de mãe tóxicodependente, o alargamento do período atrás referido para as 16 semanas;

O alargamento de 16 para 22 semanas nos casos de aborto eugênico, especificando-se que o risco de o nascituro vir a ser infectado pela Síndrome da Imunodeficiência adquirida constitui um dos casos em que pode ser praticado o aborto eugênico.

O alargamento de 12 para 16 semanas do prazo dentro do qual a interrupção voluntária da gravidez pode ser praticada, sem punição, nos casos em que a mesma se mostre indicada para evitar perigo de morte ou de grave lesão para o corpo ou saúde física ou psíquica da mulher gravida. Na verdade, a vida demonstrou, nas doentes submetidas a tratamentos anti-depressivos , a necessidade de alargamento do prazo.

O alargamento de 12 para 16 semanas no casos de vítimas de crime contra a liberdade e a autodeterminação sexual e quando menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica, o alargamento para 22 semanas. De fato, a situação de incapacidade pode determinar atraso no recurso à interrupção voluntária da gravidez;

A obrigação de organização dos serviços hospitalares distritais, por forma que respondam às solicitações da prática da interrupção voluntária da gravidez;

A impossibilidade de obstruir o recurso à interrupção voluntária de gravidez através da previsão da obrigação de encaminhar a mulher grávida para outro médico, não objetor de consciência ou para outro estabelecimento hospitalar que disponha das condições necessárias à prática da interrupção voluntária da gravidez;

A despenalização da conduta da mulher, que consinta na interrupção voluntária da gravidez fora dos prazos das condições estabelecidas na lei;

O acesso à consultas de planejamento familiar.

Com o presente Projeto de Lei pretende o PCP que se institua o regime legal mais adequado do que o vigente, nomedamente tendo em atenção os conhecimentos da medicina, o qual tem de ser acompanhado por políticas que garantam a realização pessoal do cidadão e que protejam a maternidade e a paternidade." (21)

Uma justificativa para a legalização do aborto se refere à grande incidência de abortos clandestinos quando a prática não é legalizada. Afirmam que a proibição do aborto não conseguiu coibir a prática de abortos clandestinos, que vêm a por em risco a vida da gestante, gerando alta incidência de morte maternal e mutilação. Por outro lado, os críticos ao projeto consideram falho este argumento, pois mesmo nos países onde o aborto é legal, as pesquisas mostram que as clínicas clandestinas não deixam de existir, já que a gestante prefere não se expor aos ambientes que são regulamentados. A clandestinidade não só resulta da lei, mas sim da condição psíquica do de algumas mulheres que abortam, pois preferem manter o anonimato.

Em relação ao presente projeto de Lei, muitas críticas são feitas. Dentre estas, estão todas as colocações conservadoras de que o feto é um ser humano e que, portanto, abortá-lo constitui homicídio.

Outra crítica é encerrada ao se afirmar que em nenhum momento o projeto menciona o pai, considerando que o assunto só diz respeito apenas à mulher. Só que, a vida que se iniciou com a concepção, segundo os críticos, foi gerada por um casal, fato que indica que ambos são responsáveis pela continuação da vida do feto.

Alem disso, há os que dizem que as crianças filhas de toxicodependentes são, na maioria dos casos, pessoas normais. Só 17% das mães que sofrem de imunodeficiência adquirida transmitem o vírus aos seus filhos e a lei, prevendo o risco de a criança ser infectada, permitirá o aborto em crianças saudáveis.

Há, ainda, quem considere errada a legalização visto que, como falou professor Maurizio Mori, italiano, bioeticista e filósofo, na obra "A Moralidade do aborto":

"...considerando que a lei tem uma função pedagógica, pois as pessoas são levadas a considerar como justo o que é permitido juridicamente, uma legislação permissiva sobre o aborto seria intolerável porque deformaria as consciências, em particular a dos jovens" (1992:557).

Outro ponto de vista contra o projeto exalta que: "a lei deve defender a vida de todos, especialmente a dos mais indefesos e dos inocentes. Se não cria esta condição, a de viver, não é mais lei e se torna iníqua (...)"(22)

Por último, interessante verificar que, assim como a prática do aborto se mostra polêmica moralmente, também o é no direito, visto que, mesmo que este tenha um posicionamento fixo, sempre há alguém tentando modificá-lo. Impossível um consenso unânime.

Parece que o legislador brasileiro foi muito feliz ao condenar o aborto, visto que realmente não há como se contestar a afirmativa de que o feto é um ser humano. Mais feliz ainda se mostrou ao abrir as duas exceções. No aborto terapêutico, certamente, a vida da mãe deve ser a escolhida, já que é inegavelmente principal, tão principal ao ponto de gerar o feto. No caso do aborto honroso, também foi coerente o ordenamento brasileiro, pois com certeza a mãe tem todo o direito de escolher se quer dar à luz uma vida gerada de um estupro . Neste caso, a dignidade da mãe supera o direito do nascituro, cabendo a ela optar ou não por ter o filho.

Ainda pode-se concluir que uma maior informação da população em relação ao uso de anticoncepcionais torna-se indispensável para abrandar as terríveis conseqüências resultantes da prática do aborto.

 

NOTAS

Ricardo Luís Sant’Anna de ANDRADE, Aborto e direito à vida, p. 4.

O aborto espontâneo pode ser causado por diversos fatores, tais como: cromossômicos, endócrinos, doenças infecciosas, causas psicológicas, etc.

A respeito dos métodos, ver figuras nos anexos do trabalho.

Ricardo Luís Sant’Anna de ANDRADE, Aborto e direito à vida p.12.

Denominação usada por Peter Singer (1998:148) para designar os que condenam a prática do aborto.

Entretanto, deve-se lembrar que, mesmo entre os católicos, há correntes dissidentes. É o caso dos progressistas, que afirmam que a reflexão do aborto não pode ser separada de condições sociais, ou seja, a questão não é apenas viver, mas viver com dignidade. Assim, nos casos em que a mãe não tem condições para sustentar o filho, o aborto é consentido pelos progressistas.

Os que são favoráveis ao aborto, segundo Peter Singer (1998:153).

ANÔNIMO, Argumentos contra o aborto, p.1.

Ética Prática, p.162-164.

Roberto Senise LISBOA, O aborto e os direitos da personalidade do nascituro, p. 2.

A legislação ética-médica aderiu à terminologia "abortamento", designando o ato de abortar.

Daniel SERRÃO, Os médicos e o aborto, p.2.

José GODIM, O aborto é legal nos Estados Unidos, p. 1.

Não custa estabelecer que o estupro é crime hediondo previsto na lei brasileira em constranger a mulher à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça (art.214 do CP).

ANÔNIMO, Argumentos contra o aborto, p.1.

Documento-Informe de 25.04.1983, apud José Renato NALINI, Ética Geral e Profissional, p.117.

Maria da Graça Mira DELGADO, O aborto é juridicamente ilegítimo, p. 1.

Antônio MONTEIRO, Aborto, p. 2.

Retirado de José Roberto GODIM, Aborto no Brasil, p.1.

Jérome LEJEUNE apud Ricardo Luís Sant’Anna de Andrade, Aborto e direito à vida, p. 9.

Retirado de texto anônimo, Aborto sim ou não, p. 2.

Elio SGRECCIA, Manual de Bioética- v.1, p.379.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Ricardo Luis Santa’Anna de. Aborto e Direito à vida. Recuperado em 18 nov 1999. Disponível na Internet:http://www.pgj.ce.br/aborto.htm

ANÔNIMO. Argumentos contra o aborto. Recuperado em 01 dez 1999. Disponível na Internet: http:// www.Ibm.com.br/user/ben/aborto3.htm

CÓDIGO PENAL. Obra coletiva da editora Saraiva. Colaboradores: Antônio Luiz de Toledo Pinto e Márcia Cristina Vaz do Santos Windt. 37 ed. São Paulo: Saraiva,1999.

( Legislação brasileira).

CONSTITUIÇÃO: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1998.

CRUZ, Luis Carlos Lodi. Crime não se regulamenta, proíbe. Recuperado em 20 nov 1999. Disponível na internet: http://www.genetic.com.br/~provida/rosto.htm.

DELGADO, Maria da Graça Mira. O aborto é juridicamente ilegítimo. Recuperado em 30 nov de 1999. Disponível na Internet: http://www.aborto.com.br.

GOlDIM, José Roberto. Aborto no Brasil. Recuperado em 19 nov 1999. Disponível na Internet: http://www.hcpa.ufrgs.br/gppg/abortobr.htm.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Salvador Gentile.87 ed. Araras: 1994.

LISBOA, Roberto Senise. O aborto e os direitos do nascituro. Recuperado em 10 dez 1999. Disponível na Internet: http://www.fmu.br/direito/nac/11abort.

MONTEIRO, Antonio. O aborto. Recuperado em 15 dez de 1999. Disponível na Internet: http://ecclesia.pt/agencia/30outubro96/coment.htm.

NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

SERRÃO, Daniel. Os médicos e o aborto. Recuperado em 12 dez 1999. Disponível na Internet:http://www.aborto.com/.

SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. v. 1. Trad. Orlando Soares Moreira. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

SINGER, Peter. Ética Prática. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1998

VERARDO, Maria Tereza . Aborto: um direito ou um crime?: São Paulo: Moderna, 1997.

 

Retirado: http://www.advogadocriminalista.com.br/home/artigos/0014.html